[Colton 7] - As Razões do Coração



AS RAZÕES DO CORAÇÃO
THE HOUSEKEEPER'S DAUGHTER
Laurie Paige




Quando a dinastia mais famosa da Califórnia é ameaçada, apenas o amor, o prestígio e o poder são capazes de protegê-los!
Drake e Maya eram atraídos um pelo outro desde a adolescência e, na última festa de aniversário de Joe Colton, os dois fizeram amor. Mas Drake teve de partir no dia seguinte para uma missão urgente e jamais explicou para Maya a razão de seu sumiço. Agora ele está de volta e encontra Maya grávida! Se quiser se aproximar de Maya e do bebê, Drake terá de se explicar...

Digitalização: Rita C.
Revisão: Crysty


PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V./S.à.r.l.
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte, através de quaisquer meios.
Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência.

Copyright © 2001 by Harlequin Books S.A.
Originalmente publicado em 2001 por Harlequin Books S.A.

Título original: THE HOUSEKEEPER'S DAUGHTER

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O DIÁRIO DE JOE COLTON

O meu segundo filho, Drake, sempre teve uma queda por Maya Ramirez. Eles se sentiam atraídos um pelo outro quando jovens, mas como um herdeiro da fortuna dos Colton, o meu filho manteve distância da filha da empregada. No passado, encorajei o sacrifício dele, mas aprendi muita coisa sobre o amor e a perda, e agora acredito que algumas pessoas são feitas umas para as outras.
Quando Drake - um soldado das Forças Especiais da Marinha, que freqüentemente desaparece pelo mundo por longos períodos - voltou para casa para uma breve visita há alguns meses, finalmente se entregou à paixão que sentia por Maya. Agora ela está grávida e o meu filho insiste que o bebê é um dos Colton! Mas o meu menino vai ter trabalho, se pretende mesmo assumir Maya e a criança...


Conheça a Família Colton:
uma dinastia californiana com um legado de privilégios e poder.

Drake Colton: Soldado das Forças Especiais da Marinha. Voltou a sua casa para comemorar o aniversário de 60 anos do pai, mas os compromissos familiares desse militar cedem lugar a uma noite de paixão ao reencontrar a filha da empregada.
Maya Ramirez: De repente a Cinderela. Embora Drake Colton sempre a tenha tido como uma irmã mais nova, essa menina desabrochou em uma bela mulher na ausência dele. E em uma noite, ele torna todos os sonhos de adolescência dela uma realidade surpreendente!
Inez Ramirez: A mãe desconfiada. Ela e o marido sempre foram leais aos Colton, mas agora ela suspeita que um certo Colton seja o responsável pela condição de sua filha.

Um

Maya Ramirez respirou fundo e expirou longamente. O suspiro que veio em seguida não era bem de alegria - muitas coisas perturbadoras aconteceram na fazenda dos Colton nos últimos oito meses para que a alegria prevalecesse -, mas pelo menos ela havia encontrado uma certa tranqüilidade em relação ao futuro.
Penny, a sua carinhosa égua de pêlos castanhos e um brilho acobreado, mexeu uma orelha na direção dela. Maya passou a mão no pescoço do animal e admirou a paisagem.
Era um dia típico de fevereiro na Costa Norte da Califórnia, com o céu azul e a temperatura por volta dos 15 graus após uma semana de chuvas esparsas e frias. O cinturão de nuvens se afastara do litoral, e o dia estava muito bonito. Pela primeira vez em meses, tudo parecia possível.
Quase tudo, corrigiu Maya, abanando para longe uma abelha que voava sobre as flores de lupino que começavam a florescer em tons de branco, amarelo e violeta.
- Um falcão - gritou o pequeno Joe Colton, de 10 anos, apontando para a enorme linha de despenhadeiros que ornamentava o oceano ao longo da fronteira oeste da fazenda.
- Onde? - gritou Teddy Colton, dois anos mais novo.
- Bem ali, boboca... hã, bem ali - disse Joe após olhar para Maya.
Ela fez um gesto positivo e sorriu para ele. Não permitia xingamentos ou insultos. Embora recém-contratada como babá em tempo integral, ela já cuidava dos meninos havia anos. Tinha apenas 16 anos quando foi solicitada a acompanhar a sra. Colton a um spa para cuidar de Joe Júnior, quando este era apenas um bebê.
Fazia dez anos. Maya suspirou e se mexeu na sela enquanto um repentino impulso de chorar lhe surpreendeu ao contemplar a passagem do tempo - tão rápida e ao mesmo tempo tão lenta.
Quando a sra. Colton tivera Teddy, Maya também a ajudara. Após terminar o colégio, começou a faculdade por meio de cursos pela internet e começou a trabalhar na mansão dos Colton para ajudar a mãe, empregada da família.
No mês passado, foi solicitada a morar na casa principal e assumir o cargo de babá em tempo integral para os dois jovens Colton. A babá - era assim que a sra. Meredith a chamava. Maya admitiu que precisava muito do trabalho.
Espantou mais uma abelha do rosto e notou várias outras na crina de Penny. A égua balançou a cabeça enquanto outra pousava em sua orelha.
- Vamos apostar corrida? - gritou Teddy, olhando para a babá com seus olhos azuis.
- Acho que estamos entrando num enxame de abelhas. Voltem na direção da casa e galopem não muito rápido. Não batam nas abelhas. Elas irão embora se vocês as deixarem em paz.
Os meninos obedeceram à babá. Depois de se assegurar de que os dois já estavam em segurança, Maya balançou a cabeça e, com delicadeza, fez a égua trotar e, em seguida, galopar.
Os meninos à sua frente deram um grito de empolgação e galoparam na direção do estábulo. Preocupada, ela tentou acompanhá-los, mas não conseguiu. Desacelerou a égua e relaxou.
A égua balançava a cabeça repetidas vezes ao se aproximarem da área cercada. Suas orelhas cocavam muito.
Maya lhe acariciava o pescoço.
- Ei, Penny linda, qual o problema, menina? As abelhas já se foram...
A égua relinchou, balançou a cabeça com força e partiu em disparada na direção do estábulo. Maya agarrou-se na cabeça do arreio e se segurou, temendo levar um tombo.
A dose de adrenalina lhe deu força para se levantar nos estribos, para que suas pernas absorvessem o impacto daquela louca cavalgada. Ela puxava as rédeas, mas a égua não lhe obedecia.
Maya viu ao longe os dois meninos desmontarem e olharem para ela preocupados. E então, um homem pulou no cavalo no qual Joe montara e partiu na direção dela.
Maya viu a cerca a 45 metros de distância e tinha certeza de que a égua não conseguiria saltá-la.

- Ôoo - gritava a babá desesperada, puxando as rédeas, tentando desviar a égua de seu curso.
Ao ouvir o som de um galope às suas costas, olhou por sobre os ombros. O cavaleiro conseguiu alcançá-la e cavalgou lado a lado com ela.
- Solte os pés dos estribos e venha comigo - ele gritou.
Ela se soltou e pulou nos braços dele. Ele virou o cavalo e cavalgaram ao longo da cerca. Penny os seguiu. Lentamente, ele fez o cavalo andar mais devagar e finalmente parou.
Naquele momento, o único som que se ouvia era a respiração ofegante deles e dos animais. Então os braços dele a envolveram com um cobertor de segurança.
Era como voltar para casa.
- O que diabos estava pensando ao cavalgar daquela maneira, nas suas condições? - perguntou Drake Colton. Seus olhos castanhos claros brilhavam, cheios de fúria.
- Acho que uma abelha entrou no ouvido da égua - disse Maya, na defensiva, tentando espantar o choro agora que o perigo havia passado.
Maya estava colada no peito dele. O coração de Drake batia de encontro ao dela, que estava ainda mais acelerado pelo medo que sentiu quando a égua disparou e por perceber que os olhos dele deslizavam pelo corpo dela.
Ela tentou se afastar dele.
- Eu posso andar sozinha - disse ela, forçando-se a ignorar a atração que sentia por ele.
Lembranças de quando esteve nos braços dele por horas e horas eram mais fortes do que o senso comum -o calor do seu abraço, a maneira como suas mãos se moviam sobre ela, seu sorriso repentino. Maya fechou os olhos e desejou por momentos que jamais voltariam a acontecer, Mas não era proibido sonhar...
Já no estábulo, Drake, gentilmente a ajudou a descer da égua.
- Meninos, cuidem dos cavalos.
Os dois irmãos mais novos de Drake, com os olhos arregalados de preocupação, pegaram as rédeas e permaneceram ali parados, olhando para Drake e para a babá, como se temessem deixá-los a sós.
- Eu não vou machucá-la - disse Drake para os irmãozinhos, e em seguida completou para apenas Maya ouvir - ainda.
- Peça para o River checar o ouvido de Penny. Acho que ela foi picada por uma abelha - pediu Maya para os meninos, ignorando a ameaça do homem furioso ao seu lado, enquanto os sonhos, os medos e a vontade de chorar dissipavam-se.
Ela achou que esse momento um dia chegaria. Mas não tão cedo. Não estava preparada...
Depois que os meninos levaram os cavalos de volta para o estábulo, Drake se virou para Maya. Era difícil olhar para ela, para aqueles cabelos escuros e esplendorosos, para a profundidade de seus olhos castanhos e, acima de tudo, para a protuberância de sua barriga.
- Você está grávida há quanto tempo? - perguntou, apesar de não ter sido isso o que planejara dizer a ela quando chegara na fazenda. Pensara num outro tipo de aproximação.
- E você se importa? - perguntou Maya, com tanta sutileza que ele quase não ouviu. Em seguida, saiu andando sem olhar para trás, deixando-o com o coração batendo forte com emoções que nem ele sabia descrever.
Maya entrou debaixo do chuveiro e deixou que a água a lavasse da cabeça aos pés. Quando terminou o banho, ouviu uma batida na porta.
- Só um minuto - gritou.
O medo tomou conta dela, mas não um medo como experienciara mais cedo. Pensou em qual seria o triste motivo que trouxera Drake de volta para a fazenda.
Além das mudanças físicas, suas emoções também estavam alteradas nesses últimos dois meses. Aquela tarde foi a pior de todas. Desejo, alegria, arrependimento - ela experienciara tudo isso e mais durante os minutos em que ele a segurou com força e seus corações bateram juntos.
Como no verão passado.
Mas esse não era aquele verão, lembrou-se. O verão e o outono vieram sem notícias dele. Maya achou que teria ido embora antes que Drake aparecesse de novo.
Não há lugar em minha vida para uma esposa e família, dizia o seu breve bilhete de despedida.
Uma dor, tão fresca e inacreditável quanto a manhã, queimou-a por dentro quando leu aquelas palavras. Mas agora não havia tempo para isso. Pegou um roupão e enrolou uma toalha na cabeça. Suas mãos tremiam.
- Maya?
Ficou aliviada ao se dar conta de que era sua mãe quem chamava à porta. Inez Ramirez tinha sido empregada da Hacienda del Alegria desde antes do nascimento de Maya. O pai de Maya era o jardineiro e zelador.
- Entre. A porta está aberta - convidou Maya. Sua mãe a fitou ao entrar.
- O Teddy disse que você quase caiu do cavalo.
- Penny disparou. Acho que foi picada na orelha. Mas estou bem. Drake me acudiu. - Sorriu, aliviando as preocupações da mãe.
- Fiquei sabendo. Os meninos disseram que River encontrou o ferrão e o removeu. - Inez fechou a porta e cruzou o quarto para colocar a mão na testa da filha. - Não se sente mal ou enjoada? Sem dores?
- Não, estou bem mesmo. 
A mãe a ignorou.
- Talvez seja melhor ir ao médico. Posso levá-la até a cidade.
- Não precisa. Terça-feira vou ao médico para o meu exame mensal. São só mais dois dias. Não quero incomodá-lo no domingo.
Inez suspirou e recuou.
- Se tiver dores, chame-me imediatamente. Ou se a bolsa d'água arrebentar.
- Pode deixar.
Maya observou a mãe voltar na direção da porta, pronta para retornar à cozinha a fim de preparar o jantar para a família Colton e quem mais estivesse na residência.
Seus pais têm sido maravilhosos, depois de passado o choque da notícia da gravidez. Imediatamente deduziram que ela e Andy Martin, um professor de matemática das redondezas, logo se casariam. Ficaram ainda mais chocados quando ela teve de dizer que Andy, o homem com quem saía regularmente até poucos meses atrás, não era o pai.
Andy era seu amigo, mas não seu amante.
Sozinha mais uma vez, Maya cruzou os braços sobre o abdômen e rezou em silêncio para que Drake não descobrisse que ela estava grávida de oito meses de um filho seu.
Pensou no verão, e nas noites que fizeram amor em sua cama, na cama dele e sobre o feno de cheiro doce no estábulo.
Depois de dançarem diversas vezes na festa de aniversário do seu pai, Drake fez uma breve viagem até Prosperino, a minúscula cidade que servia aos rancheiros, fazendeiros de leite e turistas hospedados nas várias pousadas no litoral próximo. Os olhares penetrantes dele diziam a ela a razão da breve viagem - controle de natalidade.
Mas não fizeram amor naquela noite. Durante o brinde a Joe Colton pelo aniversário de 60 anos, alguém atirou no patriarca. A fazenda ficou em alvoroço por horas. Havia policiais por toda parte fazendo perguntas. Ninguém dormiu antes do raiar do dia.
Entretanto, outras noites vieram.
- Eu cuido de você - disse ele antes de fazerem amor. - Não se preocupe com nada.
E ela acreditou nele.
Teria gargalhado do quanto fora tola, mas sentia-se muito vulnerável no momento e acabaria chorando. Não iria à mesa com os olhos marejados para aumentar ainda mais a preocupação dos pais.
Sabendo que tinha de fazer isso, levantou-se e se vestiu. Era esperado dela que se juntasse aos empregados da fazenda que comiam na grande copa na ponta da cozinha.
A família Colton e amigos em geral faziam as refeições na sala de jantar ou no jardim-de-inverno que separava a sala do pátio no centro da casa em forma de U. Drake estaria com eles, então ela não teria de encará-lo para piorar ainda mais as coisas.
Secou os cabelos, puxou-os para trás com prendedores e foi averiguar se os dois meninos já estavam prontos para o jantar. Eles também eram relegados à cozinha durante as refeições, exceto em ocasiões especiais, quando sua mãe queria mostrá-los a alguém.
Maya suprimiu o pensamento cínico sobre a patroa. Os Colton pagavam-lhe um salário mais a mensalidade da faculdade. Mais alguns meses e ela estaria formada em educação infantil. E então pegaria o seu bebê e daria o fora da fazenda.
O seu coração doeu ao pensar em deixar para trás tudo o que conhecia e amava, além da grande saudade que sentiria de todos. Os seus pais também sentiriam a sua falta. Assim como os meninos. Mas ela já tinha 26 anos, idade suficiente para se virar sozinha no mundo.
Quando ela, Joe Júnior e Teddy entraram na cozinha, um silêncio caiu sobre o grupo que lá estava. Ao olhar a sua volta, seus olhos se encontraram com os olhos dourados do seu algoz.
- O que está fazendo aqui? - ela perguntou, e ficou ruborizada ao notar os olhares que recebeu dos empregados. Ele era um Colton. Podia comer onde quisesse.
- Esperando pelos meus irmãos - explicou ele. - Queria agradecer-lhes a ajuda hoje à tarde.
- Ah, não foi nada - disse Joe. - Foi você quem salvou a Maya.
- É - concordou Teddy. - Você foi rápido mesmo. Pode me ensinar a pular em um cavalo daquele jeito, sem usar os estribos?
Drake riu. Seus dentes brancos contrastavam com o bronzeado da pele.
- Você só precisa crescer mais alguns centímetros e não terá problema.
Os meninos, altos e fortes para suas respectivas idades, assim como todos os homens Colton, sentaram-se ao lado do irmão mais velho, cheios de admiração. Drake ficou de pé e puxou uma cadeira de frente para Teddy e para ela. Quando se sentou novamente, os meninos fizeram diversas perguntas sobre a sua vida nas Forças Especiais.
- Aonde você foi dessa vez? - perguntou Joe.
- América Central.
- Eu queria ir lá - disse Teddy com inveja.
- Não queria, não - disse Drake. - Estava calor, havia mosquitos enormes e tive de cavalgar no jumento mais fraco deste mundo pelas montanhas.
Drake contou histórias engraçadas durante a refeição, distraindo-os da natureza perigosa de suas obrigações na unidade de elite. Maya pensou nas possíveis novas cicatrizes que ele podia ter em seu corpo forte.
Imediatamente, visões de seu corpo de l,85m preencheram a mente dela. Ela o tocara por inteiro, sentindo cada centímetro dele, cada imperfeição... e cada cicatriz lembrava uma vida perigosa e de muitas aventuras.
Não há lugar na minha vida...
Ele fez amor com ela e escreveu essas palavras enquanto ela dormia, inocente, acreditando em um futuro que os incluía, juntos dos filhos, numa vida repleta de amor. A mesa ficou fora de foco. Ela manteve-se forte. Ninguém a veria chorar, jurara para si mesma havia oito meses, após a primeira crise de angústia.
Comeu a deliciosa refeição sem saboreá-la. Cada vez que o seu olhar cruzava com o de Drake através dos cachos dourados de Teddy, um calafrio invadia o seu corpo.
Drake ficou de pé próximo à janela do seu quarto observando as janelas do quarto de Maya, do outro lado do pátio central. Ele o conhecia bem, pois já fora seu. Ficou emocionado.
Durante os últimos oito meses, sentiu todos os tipos de emoções mesmo durante as noites quentes que passou nas florestas úmidas da América Central a trabalho.
Sua missão: resgatar um diplomata americano seqüestrado por traficantes e mantido numa fortificação nas montanhas. Quase perdeu dois bons homens na jornada, mas o desfecho foi um sucesso.
Uma nova cicatriz de um ferimento à bala começou a doer na sua cintura. Tivera sorte. O projétil passara a menos de dois centímetros da bacia. Se tivesse sido atingido, não resistiria.
Riu para si mesmo, cinicamente. Levava uma vida interessante. Só havia um problema no momento: Maya.
Emoções do passado não fizeram jus àquelas que sentiu ao vê-la em um cavalo descontrolado. Ficou tomado pelo medo enquanto ela não estava segura em seus braços.
Segura?
A julgar pela condição dela, obviamente não estivera muito segura em seus braços oito meses antes.
A ironia do bilhete que deixou ao lado da cama a atingiu em cheio. Ele disse a ela que o seu trabalho era perigoso demais e sua vida muito atribulada para ter uma esposa.
Certo. E um filho, então? Sacudiu a cabeça, incapaz de responder a essa pergunta.
Olhando fixamente para a janela, caminhou na direção dela. Já era hora de terem uma conversa séria. Foi até o quarto de Maya e bateu na porta.
Cada nervo no corpo dela se ativou quando ouviu a batida.
- Nada de descanso para os que precisam - balbuciou, numa tentativa fracassada de elevar o seu moral.
Supervisionara os estudos dos meninos e lera para eles depois do banho. A mãe exigia que estivessem na cama com as luzes apagadas às nove. Maya tomava o cuidado de respeitar a regra. Uma falha era um convite à ira de Meredith.
Ao retornar ao quarto, Maya esperava que Drake fosse atrás dela. Após quase uma hora de estudos sem resultados, fechara o livro e se preparara para dormir. Deveria ter sabido. Os Colton eram uma raça teimosa e imprevisível. E Drake não era exceção.
Sobreviveria a isso, assim como sobrevivera à partida dele, ao bilhete e ao fato de ter de contar aos seus pais que estava grávida. O que mais a vida podia lhe aprontar?
Desconfiada, aproximou-se da porta depois de apertar a cinta do roupão. Abriu e deu uma espiada.
- Quero falar com você - disse Drake num tom grave. Ela pensou em trancar a porta, mas ele certamente
saberia como destrancá-la sem usar a chave.
No verão passado, deitados na cama, contou a ela sobre suas escapadas durante a infância e a coca que o pai lhe dera, o que fez com que sua mãe chorasse, deixando-o tão mal que logo parou de faltar às aulas. Agora, ele dormia em um quarto do outro lado do pátio, um hóspede em sua própria casa.
Ele entrou e fechou a porta.
- Você está bem? - perguntou. A pergunta a incomodou.
- Sim. - A resposta dela pareceu mexer com o humor dele.
- Só um tolo sairia a cavalo nas suas condições.
- O médico disse que eu podia manter as minhas atividades - disse ela, empinando o nariz. - Sempre cavalgo com os meninos...
- Aquilo foi uma estupidez. Se você tivesse caído... - Drake parou, incapaz de imaginar a imagem de Maya caída no chão, machucada, morrendo.
- Que droga - resmungou ele. - Se você não pode pensar em si mesma, então pense na criança. Você vai ser mãe. Tem obrigação de cuidar do bebê.
Ela se afastou.
- Sei muito bem das minhas obrigações - disse ela friamente, sentando-se em seguida na antiga cadeira de balanço, a mesma usada para embalar muitos bebês Colton, inclusive Drake.
Ele foi até a cadeira, virou-a e sentou-se com os braços apoiados no encosto, enquanto observava a mulher grávida que seu pai mencionara em sua última carta sugerindo que ele viesse para casa.
Uma forte contração interna, que chegava a ser dolorosa, lembrava a Drake do último mês de junho e da semana que passara na fazenda, descansando do trabalho nas Forças Especiais da Marinha, para celebrar os 60 anos do pai.
Que visita memorável havia sido. Alguém disparou contra o seu pai. Logo em seguida, Drake fez amor com a bela moça de cabelos escuros que agora o observava desconfiada.
- Inez disse que você está grávida há pelo menos oito meses.
Ela arregalou os olhos.
- Você falou com a minha mãe?
- Sim. Como você se recusa a conversar sobre o assunto, fui até a única pessoa que poderia me contar a verdade. Por que você não me escreveu? - perguntou ele, mudando de tática rapidamente.
- E por que você não escreveu?
O desafio o acertou em cheio.
- Eu estava fora de alcance durante a maior parte do tempo.
A desculpa soava fraca até mesmo para os ouvidos dele. Ela o fitou e em seguida desviou o olhar, visivelmente descrente.
Drake se deu conta de que havia crescido com ela e ainda assim não a conhecia. Ele era três anos mais velho e havia viajado pelo mundo; ela passara a vida toda na fazenda. Então por quê, de repente, ela parecia a mais velha e a mais sábia?
A iminência da maternidade a mudara. Era mais do que os seios crescidos e a barriga volumosa. Ele percebia uma sabedoria primordial dentro dela que não estava presente na jovem que ele amara e depois deixara para trás.
- A minha missão era perigosa - tentou explicar. - Mudei-me diversas vezes. Não há futuro... eu lhe disse no bilhete que deixei.
- Eu acreditei em você.
A simplicidade daquelas quatro palavras ameaçou o autocontrole dele. Falaram de confiança perdida. O desespero se abriu feito um túnel que levava diretamente ao inferno dentro dele.
Expirou com força. Drake vivera na escuridão por um longo tempo. Era um antigo inimigo que conhecia muito bem. De pé, enfiou as mãos nos bolsos, andou até a janela e voltou.
- O bebê muda tudo.
- Ele não é seu.
Ele parou na frente dela, incerto de ter ouvido direito. Maya ficou de pé com a calma e compostura que havia adquirido.
- O bebê não é seu - repetiu.
O silêncio ecoou em volta deles como um feroz enxame de abelhas. Ela olhou para ele sem piscar e sorriu levemente, como se a situação fosse repleta de ironia.
Essa nova atitude distante dela o incomodava mais do que o fato de não lhe ter escrito para contar as novidades. Drake se lembrou da conversa com a mãe dela.
- Então é de Andy Martin?
- Foi isso o que a minha mãe disse?
- Foi.
- O bebê é meu, meu e de mais ninguém.
- Olha, isso não está nos levando a nada. Vim até aqui para descobrir a verdade. Quero saber antes de partir.
- Como você... - Forçou-se a calar.
- Como eu soube do bebê? O meu pai me escreveu. Ele disse que você estava grávida e pediu para que eu voltasse para ajeitar as minhas relações.
- Relações - repetiu Maya. - Esta é a palavra operativa dos Colton, não é?
Naquele momento, ele poderia ter torcido o pescoço dela... ou beijado Maya até que ela parasse com aquela provocação. Seu corpo enrijeceu-se de imediato. Em junho passado ela estava dócil e muito sexy, e apesar de inocente, parecia sedenta em explorá-lo, assim como ele a ela.
- Você me conhece mais do que isso - disse ele, com a voz quase rouca, evidenciando o desejo que sentia.
Maya segurou a gola do roupão, como se temesse que ele o arrancasse dela num surto incontrolado de paixão.
- Conheço? Talvez não nos conheçamos mais - sugeriu. 
A tristeza nos olhos dela o tocou. Pensou na mulher que lhe falara sobre os planos de terminar a faculdade e dar aulas em Prosperino, ou talvez até começar seu próprio negócio trabalhando com crianças problemáticas na Fazenda Hopechest onde era tutora em leitura corretiva. Foi a visão otimista do futuro que o fez escrever aquele bilhete. Era um futuro que ele não podia pensar em compartilhar com ela.
De repente ele foi até a porta.
- Você está certa. Talvez não nos conheçamos mais. A sua mãe me pediu para não lhe aborrecer, mas não pense que não conversaremos mais. - Saiu quieto na direção das escadas que levavam até o mar.
Maya esfregou as costas e mordeu os lábios sentindo a dor da solidão e o desejo de ter os braços de Drake em volta dela mais uma vez.
Quando esqueceria aqueles momentos no verão passado? Incapaz de dormir ou sentar-se por longos períodos, andou de um lado para outro por horas a fio. Na maior parte do tempo ficava confiante pela sua habilidade de cuidar de si mesma e do bebê em seu ventre, mas às vezes, como naquele momento, a coragem lhe faltava.
Drake era uma complicação imprevista. Depois da partida dele no verão passado, com apenas um bilhete explicando que não teriam futuro juntos, Maya achou que ele não se importaria com o bebê que ela carregava.
A dor que sentiu naquele momento quase a fez chorar. Rangeu os dentes e esperou que passasse. Aprendera nos últimos oito meses que era capaz de suportar muitas coisas.
Sentada na cadeira de balanço, inclinou-se para a frente ao máximo para aliviar a dor nas costas. Sabia que tinha de admitir a verdade.
A menos que houvesse uma forma de esconder a verdade...
Pegou o telefone e ligou para Los Angeles. Quando a irmã atendeu, Maya falou rápido e em voz baixa:
- Lana, é a Maya. Você está sozinha? Pode falar?
- Bem, olá, irmãzinha - disse Lana, surpresa. - Sim, acabei de dar o último medicamento do meu paciente e estava a caminho da cama. O que está acontecendo?
Maya respirou fundo.
- Drake Colton voltou. O pai dele lhe disse sobre... sobre...
- O bebê?
- Isso mesmo. Ouça, sei que um teste de DNA revelaria a paternidade, mas ninguém poderia fazer algo com o bebê sem o meu consentimento, poderia?
- Drake está ameaçando tomar o bebê de você? - perguntou Lana, indignada.

- Não, não, nada disso. Ele não sabe que é o pai... só você sabe, mais ninguém... mas ele acha que pode ser.
- Pode ser! - A voz de Lana parecia raivosa e em choque. - Quantos casos amorosos ele pensa que você tem?
- Deixa para lá. E o teste de DNA?
- Sou uma enfermeira particular, não uma advogada, mas acho que ele poderia. Digo, uma ordem judicial faria isso.
- E os Colton podem pagar os melhores advogados do mundo - disse Maya antes de suspirar. Sentia-se exausta física e emocionalmente.
Esperou com paciência enquanto Lana tentava lhe assegurar seus direitos de maternidade e despediu-se.
O futuro parecia escuro e incerto. Como pôde ter sido tão tola?
Sabia a resposta. Amor. O conteúdo dos sonhos.
Ao contrário de seu amigo de longa data, Andy Martin, Drake não mencionara casamento. Se lhe contasse que o filho era seu, o que ele faria? Insistiria em casamento ou simplesmente ofereceria ajuda para criar a criança? Ou tentaria tomar-lhe o bebê?
Ela não fazia idéia do que significava ajeitar as relações para ele. Mais uma vez, Maya tentou afugentar o desespero que escurecia o seu espírito em momentos de distração. Conhecia Drake por toda a sua vida, mas não fazia idéia de suas intenções.


Dois

Drake encolheu os ombros por causa do frio e enfiou as mãos nos bolsos da calça. Caminhou pela praia, ocasionalmente tropeçando sobre uma pedra ou outra. A lua iluminava a praia com sua luz singela, mas foi o instinto que o guiou até a gruta escondida sob a base do penhasco.
Sentado com as pernas dobradas sobre um monte de areia na gruta, cobriu o rosto com as mãos. Foi ali que brincou com os primos de pirata e capitão do mar. E também onde fizera amor com Maya.
A escuridão tomou conta dele. Um desespero que lhe foi companhia pela maior parte da vida, desde que o irmão gêmeo morreu sob as rodas de um carro.
Um calafrio cortou o corpo dele, quente e doloroso como o projétil que lhe perfurara a cintura.
- Drake, não podemos ir até a estrada - gritou Michael.
Drake pedalou em sua bicicleta até o topo do morro com vista para a estrada principal.
- Venha. Vamos até o outro lado da estrada, onde passa o riacho.
- O papai vai nos matar se descobrir.
- Como ele vai ficar sabendo? Eu não vou falar. Vamos, mariquinha. Não vamos demorar.
Michael, ao contrário de Drake, não viu o carro acelerando na curva.
Drake gemeu e levantou a cabeça. Olhava para o movimento turbulento das ondas, cada uma um lembrete do passado. Seu pai lhe dissera que a morte de Michael não fora culpa sua. O psicólogo contratado pelo pai também lhe dissera o mesmo.
O raciocínio de Drake lhe assegurava que isso era verdade no sentido em que ele não teve a intenção. Mas em seu coração, continuaria a gritar cuidado! para o irmão, mesmo sabendo que era tarde demais.
Sacudindo a cabeça, pensou na razão de esse fato voltar para assombrá-lo, sobretudo agora, tantas outras preocupações lhe afligindo.
De repente, ficou de pé, necessitando de movimento para dispersar as memórias de um passado forte demais para esquecer.
De volta à casa, parou no pátio antes de entrar no quarto. A luz continuava acesa no quarto de Maya. Uma sombra se moveu pela janela.
Por que ainda estava acordada?
Ele a viu parar e inclinar-se para a frente. É claro que sentia dor. Drake sentiu pânico. Correu até a porta e entrou sem bater.
- Você está bem? O bebê vai nascer? - perguntou. Ela se endireitou e o fitou como se fosse um louco.
- Não. Vá embora.
Maya se afastou dele, ainda com as mãos nas costas.
- As suas costas doem - disse ele. 
Ela suspirou e não respondeu.
- Fique aqui - disse ele, como se estivesse prestes a desaparecer na noite. - Já volto.
Maya se virou o mais rápido que pôde para dizer a ele que a deixasse em paz de uma vez por todas, mas deu com a cara na porta.
Olhando para o relógio, sabia que precisava descansar. Tirou o roupão, foi para a cama e apagou a luz. Deitada de lado, fechou os olhos.
Contou 300 carneirinhos quando a porta se abriu e a luz se acendeu novamente.
- O que foi agora? - disse ela, irritada.
- Pomada - disse Drake, como se isso explicasse tudo. - Fique parada. Esfrego nas suas costas.
Maya ficou em choque.
- Nada disso!
Ela morreria antes de deixá-lo vê-la de camisola, com a barriga daquele tamanho.
Ele abaixou as cobertas e se sentou na cama.
- Isso vai ajudá-la a dormir - disse ele.
- Já é quase uma da manhã - disse ela.
- Eu sei. Você precisa de descanso.
Ele a empurrou levemente na cama e abriu o frasco. O cheiro pungente de pomada para cavalo preencheu o ambiente. Com uma das mãos, puxou as alças da camisola do ombro dela, fazendo-as deslizar pelos braços.
- Tire isso até a cintura...
- Não! - Ela começava a sentir pânico. Estava ciente do calor dele próximo a ela e do desejo que lhe tomava o corpo.
Ao levantar-se, deu-se conta do erro cometido. A camisola se soltou revelando seus seios. Jogou os braços para cobri-los com o lençol enquanto um calor corria por suas veias.
- Assim é melhor - disse Drake. 
Maya sentiu a mão dele em seu ombro, acompanhada de um forte cheiro e do efeito refrescante do medicamento. Ao se dar conta de que ele não iria embora até terminar a tarefa, ela permaneceu imóvel e deixou que ele esfregasse a pomada do pescoço até a base de sua camisola.
Quando os dedos dele deslizaram sob o tecido, cada nervo no corpo de Maya estremeceu.
- Devagar - murmurou ele com a voz grave e sexy, suave como quando fizeram amor, delicada ao persuadi-la a se entregar à paixão selvagem.
Sem parar, ele continuou esfregando e empurrando a camisola pelas costas dela até que chegasse à cintura. Com as mãos, massageou profundamente em cada lado da espinha até a base do pescoço. Era doloroso, mas fazia com que ela se sentisse melhor. Maya fechou os olhos e sentiu a dor diminuir.
Gemeu de alívio ao sentir os músculos relaxarem pela primeira vez em semanas. Ele chegou mais perto e pôs um joelho na cama para descansar ao lado dela.
- Assim é melhor - murmurou ele. 
Minutos se passaram em silêncio, quebrados apenas quando ele encheu as mãos de pomada mais uma vez antes de começar a massagem.
Seus dedos eram mágicos. A rigidez desapareceu, dando lugar a um leve desconforto que também desapareceu quando o toque dele ficou mais suave.
Suspirando forte, Maya adormeceu sem pesadelos a lhe assombrarem.
Drake continuou com a massagem, bem leve, ainda não disposto a parar de tocar aquela pele macia. O calor dela acalentava o espaço frio que se formava em sua alma. E somente Maya seria capaz de diminuir esse frio.
Fechou o frasco da pomada, deixou-o sobre a mesinha-de-cabeceira e apagou a luz.
O luar brilhava sobre o tapete. Ela não pôde deixar de pensar na porta ao lado. Drake dormia na cama que um dia pertenceu ao irmão gêmeo.
No verão passado, deitado naquela mesma cama, Drake contou a Maya sobre o acidente e sua parcela de culpa nele. Falou também sobre a culpa que às vezes sentia por estar vivo. Ela o segurou com carinho e fez amor com ele. Ambos se esqueceram de tudo, inclusive de usar preservativo.
Ele jamais pensou que ela fosse engravidar. Jamais pensou em ter filhos.
Sem pensar no que estava fazendo, passou a mão pela cintura dela e a descansou sobre a elevação no seu abdômen. Para alegria dele, percebeu algo apertar contra a palma de sua mão e sentiu chutes. Drake se deu conta, então, de que o bebê estava vivo e bem.
Talvez fosse pura vaidade, mas ele sabia que era seu. Também parecia que o bebê o reconhecia e que lhe dava as boas-vindas.
Já não era sem tempo.
Ele começou um diálogo mental, como se o bebê falasse com ele por telepatia.
- É, eu sei - disse ele suavemente. - Agora, se pudéssemos fazer com que a sua mãe admitisse a verdade, talvez pudéssemos descobrir o que fazer.
Maya se mexeu e soltou um gemido. Suspirou e ficou imóvel mais uma vez. Sentindo um aperto no peito, Drake se levantou.
Com cuidado, suspendeu as alças da camisola dela e a cobriu, olhando-a com desejo. Em seguida, levantou-se e saiu do quarto.
Em sua cama, tentou pensar em um plano de ação. Era assim que suas missões sempre terminavam em sucesso. Pensava em cada detalhe de cada problema e tinha sempre uma solução à mão. Faria o mesmo com Maya. Logo que descobrisse qual era o problema dela, além do fato de estar zangada com ele.
Maya acordou os meninos e os preparou para a escola, como de costume. A vida de fato seguia o seu curso, do contrário a sra. Meredith surtava.
Ao ouvir o aspirador de pó na sala, soube que sua mãe estava lá. A enorme mansão era aspirada duas vezes por semana. Na primavera e no outono, passava por uma limpeza completa. O mesmo acontecia na casa dos Ramirez.
Maya entrou na cozinha. Estava vazia, embora pudesse sentir o cheiro de um assado no forno e resquícios de bacon do café-da-manhã. Sem fome, mas pensando no bebê, preparou duas torradas e serviu a si mesma um copo de leite. Colocou-os juntos de uma xícara de café sobre a mesa.
Na metade da refeição, Drake entrou na cozinha. Trazia consigo o cheiro do pasto e dos cavalos. Pegou uma xícara de café e sentou-se com ela à mesa. Maya sentiu o perfume do rapaz.
Foi transportada para o tempo em que brincava com os dois meninos, procurando por plantas e frutinhas selvagens. Para as longas caminhadas na praia, quando abriam seus corações. Para as noites...
Respirando fundo, Maya puxou-se daquele abismo. Lembranças não traziam nada além de dor e da luz fria do dia interrompendo os seus sonhos.
- O que foi? - ele logo quis saber.
Maya olhou para ele. Um erro. O olhar dele prendeu o dela por um longo minuto e levantou perguntas que ela não podia responder. Maya desviou o olhar.
- Nada.
Mas o desejo já havia se instaurado nela. Maya queria que ele a tivesse nos braços e que fizesse tudo ficar bem. Queria que ele fizesse desaparecer os últimos oito meses de preocupação e vergonha, de olhares repreensivos de familiares e amigos.
Com um sorriso austero, pensou em quem julgava que era - a filha da empregada -, para cair de olhos em cima de um filho do poderoso clã dos Colton.
- Compartilhe - pediu ele. Maya balançou a cabeça.
- Só estou pensando nas ironias da vida. - Tomou um pouco de café e engoliu as vitaminas com o último gole de leite.
A blusinha que usava se mexeu quando o bebê se moveu. Maya esperou. Às vezes os movimentos eram quase desconfortáveis, e ela precisava se sentar e esperar até que o bebê se acalmasse um pouco.
- O bebê está mexendo? - perguntou Drake, aproximando-se dela.
- Está.
- Posso tocar? - perguntou e, sem esperar a resposta, já foi esticando a mão.
Maya logo ficou ciente do calor que se acendeu dentro dela.
- Ele chutou a minha mão ontem à noite - disse Drake. 
- O... quê?
- Depois que você adormeceu, toquei você dessa maneira. O bebê chutou diversas vezes.
Ele sorriu, o que o deixava muito charmoso. Removendo a mão dele, Maya disse educadamente:
- Por favor, não faça isso.
Ele se recostou na cadeira e tomou o café quente, sem tirar os olhos dela. Quando baixou a xícara, perguntou:
- Você sabe se é menino ou menina?
O silêncio durou muito tempo e ficou desconfortável. Maya teve de limpar a garganta antes de falar:
- É menina - disse quase num sussurro. Limpou a garganta de novo. - Fiz ultra-sonografia.
Ele balançou a cabeça de maneira solene e ela não soube dizer se ele havia gostado ou não do que ouvira.
Ela tinha de parar de pensar assim, como se ele estivesse inebriado com o fato de terem um filho. Essas esperanças pertenciam à versão mais jovem e idealista dela. O bilhete de Drake deixou claro que ele não tinha intenções futuras com ela.
- Você conseguiu uma foto do bebê?
Ela fez que sim com a cabeça.
- Você poderia me mostrar qualquer hora dessas - sugeriu. - Já escolheu um nome?
Maya sentiu um aperto no peito.
- Marissa. Marissa Ramirez.
O rosto dele endureceu por uma fração de segundo e, em seguida, a expressão desapareceu. Sorriu ao considerar o nome.
- Marissa. Gostei. Se ela tiver sorte, será tão bela quanto a mãe.
Os olhos dele passaram sobre ela, como numa carícia visual, quente e excitante, prometendo mais do que ele intencionava dar. Maya deixou a xícara sobre a mesa com a mão trêmula, quase derramando o líquido quente.
- Preciso estudar. - Ela se levantou, serviu mais café e se recolheu à segurança de seu quarto. Ficou lá até a hora do almoço.
Ao ouvir os outros se reunirem na sala de jantar e na cozinha, ela sabia que tinha de aparecer. Se não o fizesse, sua mãe a procuraria para ver o que se passava com ela.
Maya corrigiu a postura e caminhou pelo corredor, pronta para ser observada por todos. Drake não estava na cozinha. Aliviada, virou-se para a mãe e disse:
- Posso ajudar?
Inez fez um sinal positivo com a cabeça sem prestar muita atenção e pôs uma pilha de tortillas em um cesto.
- Leve-as para a sala de jantar - disse a mãe. - Veja se tem molho suficiente na mesa.
O coração de Maya caiu aos seus pés, mas o orgulho não a faria recusar. Afinal, fora ela quem perguntara se a mãe precisava de ajuda. Mais uma lição da dura escola da vida, pensou, tentando melhorar o humor para ter coragem.
- Oh, e manteiga - disse a mãe, mexendo em uma panela.
Maya pôs manteiga fresca em um pote de cristal, pegou o cesto e foi para a sala de jantar. Talvez ainda não houvesse ninguém da família por lá.
Como se ela fosse sortuda assim.
Foi pior do que imaginou. Drake e seu pai estavam à mesa conversando entusiasmados quando ela entrou. Depois de um breve silêncio, Joe se levantou sorrindo.
- Maya, você está linda hoje. - Olhou para o filho. - Uma mulher grávida tem uma beleza peculiar, não é mesmo? Um brilho especial.
- Sim. - A voz de Drake saiu grave, sexy. Maya sentiu-se ruborizar dos pés à cabeça.
- Não quis deixá-la embaraçada - murmurou Joe, com o olhar ainda repleto de prazer e bondade.
- Não, tudo bem - disse, apesar do nó na garganta. Quando olhou para Drake, não conseguiu identificar qualquer expressão no rosto dele.
- A mamãe mandou umas tortillas e manteiga. -Deixou-as sobre a mesa próxima deles.
Depois de conferir a tigela com o molho, voltou à cozinha.
- Aqui - disse Inez, colocando uma tigela nas mãos de Maya. - Leve estes. A nova ajudante que contratei não apareceu. Tenho de preparar o restante da comida.
Maya baniu a pontada de culpa que surgia. Se não fosse por Drake, ela teria dado uma ajuda à mãe com o almoço. Em vez disso, passou a manhã escondida no quarto. E nem ao menos conseguiu estudar. Tinha uma prova importante se aproximando.
Levou a enorme tigela de burritos para a mesa da sala de jantar. Comida mexicana era a favorita de Joe, e apesar da sra. Meredith, sua mãe a preparava com freqüência.
Maya voltou para a cozinha a fim de pegar as tigelas de feijão e arroz espanhol. Na sala de jantar, depois de verificar a mesa para ver se não tinha se esquecido de nada, retornou à cozinha, ciente do olhar sobre ela cada vez que ia à sala.
- Por que não se junta a nós? - perguntou Joe.
Os pés dela se enraizaram e ela não pôde se mover. Balançou a cabeça e sentiu os cabelos tocarem-lhe o rosto. Ao se dar conta de que reagia de forma exagerada, conseguiu sorrir e tentou negar a oferta de maneira educada, mas foi inútil. Drake já havia puxado uma cadeira para ela. Joe a pegou pelo braço e a conduziu.
- Bem - disse ela com um sorriso forçado -, já que você insiste.
O sorriso de Joe era compreensivo e benigno. O de Drake parecia ameaçador.
- Como vão os estudos? - perguntou o velho Colton, oferecendo a ela a tigela de burritos antes de servir a si próprio com dois.
- Bem, senhor. Estou na lista do reitor.
- Como de costume - disse Joe. E passou a tigela para Drake.
A sra. Meredith entrou na sala, trazendo consigo o aroma de um perfume caro. Sem se dar conta da presença de Maya, ela torceu o nariz para a comida e informou o marido que teria um almoço de negócios no centro da cidade. Sem nem se despedir do filho, saiu.
Maya tentou não sentir pena de Drake e das outras crianças da família, mas foi difícil. Sua própria mãe, Inez, adorava crianças e demonstrava isso sempre. Tirando alguns períodos de intenso interesse nos dois filhos mais novos, a mãe de Drake praticamente ignorava os filhos, o que era curioso, pois não foi sempre assim.
Na infância, Maya via a sra. Meredith como uma mulher carinhosa e sorridente que brincava com o marido e os filhos como se estivesse repleta de vitalidade.
Olhando para cima, notou os olhos de Drake seguindo a mãe ao sair.
Maya percebeu a falta que o rapaz sentia do conforto de uma mãe. Em seguida, o seu olhar endureceu e ele voltou a ser um homem, durão, forte e determinado, o tipo de homem que a marinha usava em suas missões mais perigosas.
Era uma vida que ele adorava. Como se cortejasse a morte. Desafiando-a a todo instante.
Maya comeu rápido, com o coração triste. Talvez Drake não soubesse, mas havia algo nele... não exatamente um desejo de morte - nada tão drástico assim -, mas algo ainda por se resolver.
- Queria lhe perguntar sobre a Fazenda Hopechest - continuou Joe depois da breve interrupção. - Quero a sua opinião. Você acha que estão ajudando as crianças?
- Oh, sim. O lugar é maravilhoso e tem uma bela reputação. O programa de leitura é excelente. Na minha opinião - completou, percebendo que poderia ter soado arrogante.
- Estou pensando em aumentar a doação deste ano.
- Isso seria bom, senhor. As cortes estão enviando mais crianças para lá a todo instante.
- Humm. - O velho homem pensou um pouco. - Drake, aproveitando que está aqui, talvez pudesse passar na Hopechest para verificar se há algo mais que poderíamos fazer - um novo estábulo ou uma arena, talvez? Ou mais alojamentos.
- Pode deixar - disse Drake.
- Bom. Muito bom, filho.
Maya ficou impressionada com o orgulho e confiança que o velho Colton projetava no filho. Drake precisava mesmo saber que era admirado.
De repente ela interrompeu o pensamento. Drake não precisava de sua preocupação e pena. Era um homem crescido. Ela precisava se manter longe dos assuntos das outras pessoas, ainda mais agora, que suas emoções estavam um tanto quanto instáveis.
Lembre-se desse conselho, disse ao seu coração mole, e se sairá bem melhor neste mundo. Exceto quando tiver o bebê. Nesse caso, amaria incondicionalmente a criança e deixaria óbvio esse amor, assim como seus pais fizeram com ela e com a irmã Lana.
Suspirou resignada. É, ela era mesmo um osso duro de roer.
- Como se sente esta manhã? - perguntou Drake, olhando diretamente para ela.
Joe também olhou para ela, esperando por uma resposta.
- Bem - murmurou. - Muito bem.
- As costas não doem?
A pergunta parecia tão íntima que ela teve a sensação de estar fazendo amor com ele bem ali em cima da mesa. Ficou ruborizada novamente.
- Não. Perdoe-me. Tenho de estar na Hopechest em breve. — Pegou o prato pela metade e fugiu.
- Você não comeu nada - disse a mãe quando entrou na cozinha.
- Comi o bastante. Preciso correr agora. - Deu um beijo no rosto da mãe. -Amo você.
- Amo você - repetiu Inez, olhando para a filha com curiosidade.
Na viagem até a fazenda das crianças, Maya desejou não ter de magoar seus pais. Eles a amavam e se preocupavam com ela, mas Maya não podia admitir que Drake era o pai de seu bebê e que ele não o queria.
O conteúdo daquele bilhete ainda queimava em seu coração. O amor que fizeram não significou nada. Ele não fizera uma só promessa.
Deixando os problemas de lado por enquanto, entrou na Fazenda Hopechest. As crianças que lá viviam tinham uma vida dura. Comparada à deles, a vida de Maya era tranqüila.
- Ei, srta. Ramirez - chamou Johnny Collins ao vê-la sair do carro. Foi até ela para ajudar com os livros e documentos.
- Olá Johnny - disse ela para o menino de 14 anos, um de seus favoritos. Sua mãe o abandonara com o pai havia alguns anos. O pai começou a beber e não parava em nenhum emprego. Johnny foi pego roubando no restaurante onde mentira sobre a idade e conseguira emprego. - Terminou de ler o livro que lhe passei na semana passada?
- Terminei. Escrevi as palavras que não conhecia e as procurei ao terminar cada capítulo, como você me sugeriu. Assim ficou mais fácil ler.
- Ótimo. - Entraram na sala de aula onde orientava as crianças com problemas de aprendizado. - Corrigi o seu teste. Tirou dez! Uau! - exclamou, dando a ele o elogio que merecia.
Os olhos escuros dele se acenderam. Maya notou o brilho dourado que emanava deles e pensou nos olhos escuros de Drake que também ficavam dourados quando iluminados.
- Então vamos ver a sua lista de palavras - disse Maya ao se acomodar à mesa.
Pelas próximas duas horas trabalhou com Johnny e em seguida com um grupo de estudantes mais avançados. Às três da tarde, correu até a casa para conferir se Joe Júnior e Teddy haviam feito o dever de casa direito. A sr. Meredith era muito rigorosa quanto a isso também.
Drake estava no curral, mexendo com um dos bezerrinhos quando Maya chegou. Ela parou próximo ao carro e o observou a distância por alguns minutos.
Ele daria um bom professor para as crianças na fazenda...
De volta à realidade, ela interrompeu a si mesma. Drake não precisava do seu conselho sobre o que fazer com sua vida quando se cansasse de missões perigosas de resgate. Isso não era da conta dela.
O bebê se mexeu e chutou com força, como se percebesse o nervosismo de mãe. Agitada, Maya correu na direção da casa.



Três

- Maya, venha conosco - gritou Joe Júnior logo que ela entrou. - Drake vai nos ensinar como laçar.
- É, seremos campeões de rodeio um dia! - disse Teddy.
- Todos para dentro - disse Maya, ao entrar em seu quarto para guardar suas coisas e calçar os tênis. - E o dever de casa?
Os meninos prometeram que o fariam antes do jantar e sacrificariam a hora de TV se preciso fosse.
- Tudo bem.
- Nós podemos? - Joe parecia descrente e logo em seguida soltou um grito empolgado, mas logo suprimido. Ele e Teddy saíram.
O coração de Maya deu um salto. Drake era bom para os irmãos mais jovens. Obviamente se importava com eles.
Eles precisavam de amor e de aprovação de alguém além dela. A mãe deles era muito imprevisível nesse aspecto.
O pai os amava, mas havia uma tristeza nele que Maya achava que os meninos percebiam. Além disso, Joe estava muito envolvido com os outros problemas nas vidas dos Colton no momento - os tiros, o desaparecimento de Emily.
Com Drake, os meninos podiam fazer coisas de rapazes. O tempo que passavam juntos era bom para todos eles, inclusive Drake. Os meninos o tocavam de maneira especial. Ele precisava disso.
Não que ela estivesse preocupada com as necessidades dele, Maya pensou. Vestiu a jaqueta e saiu para ficar de olho nos dois meninos. A sra. Meredith deixou muito claro que pagava Maya para estar com eles e mantê-los fora de perigo. Isso significava tê-los ao alcance dos olhos o tempo todo.
Ao chegar à área cercada, Maya viu que Drake havia preparado dois cavaletes com vassouras representando as cabeças dos cavalos e mostrava aos meninos como segurar os laços. Ela não pôde deixar de rir. Ele olhou para ela com uma rapidez incrível.
- O seu riso torna o dia mais claro - disse ele. Maya percebeu os meninos se entreolharem e rirem.
- Assim está certo? - perguntou Joe, trazendo a atenção do irmão para eles novamente.
Apoiada na cerca, Maya observou Drake ensinar os irmãos próximo aos cavaletes. Joe, por ser mais velho, pegou o jeito com mais rapidez do que Teddy. Drake o levou para mais longe e continuou com Teddy até que pegasse o jeito de laçar a vassoura.
Depois de uma hora, Maya chamou:
- Só mais dez minutos, rapazes.
- E depois o quê? - perguntou Drake.
Ele lançou um olhar sobre ela que a deixou desnorteada.
- Depois é hora de fazer o dever de casa - disse ela, recompondo-se.
Quando os meninos protestaram, Drake os acalmou.
- Vocês precisam planejar bem o tempo para poderem fazer tudo direitinho. É assim que um bom soldado faz. Já acabaram de laçar, agora é hora do próximo item da agenda, certo, professora?
- Hã, certo - disse Maya.
- Vamos! -ordenou Drake. Em seguida, pegou os dois cavaletes e partiu.
Joe e Teddy pularam a cerca ao lado de Maya.
- Drake é muito legal - disse Joe. - Ele podia ser um campeão de rodeio se quisesse.
- É. É isso que vou ser - decidiu Teddy. 
Joe lhe deu um empurrão.
- Ha!
-Vou mesmo!
- Parem com isso, rapazes. Não discutam. Conversem... essa é a regra. E não toquem um no outro sem permissão. Joe, dez minutos mais cedo para a cama.
- Ahh - Joe começou a reclamar.
A sra. Meredith abriu a porta e olhou para os três.
- Falem baixo - ordenou.
- Sim, madame - disseram os dois meninos ao mesmo tempo.
- Os meninos já fizeram os trabalhos da escola? - perguntou Meredith com uma expressão severa.
- Vamos fazê-los agora - respondeu Maya. - Drake os estava ensinando a laçar. É ótimo para a coordenação motora - disse ela, num tom pedagógico.
Ela sorriu com uma autoconfiança que não tinha e torceu para não ser repreendida na frente dos meninos. Eles tinham a tendência de tomar o lado dela, e o resultado disso era sempre os três levando uma bronca.
Para seu alívio, Meredith fez um gesto positivo com a cabeça e os deixou no corredor para falar com o marido. Maya levou os meninos para seu quarto e os pôs para trabalhar em suas lições.
Drake se despiu, tomou uma ducha rápida e correu para a cozinha. Maya não estava lá.
- Onde... estão os meninos? - corrigiu a pergunta.
Inez Ramirez, a antiga empregada, amiga e confidente da família Colton, olhou-o por uns cinco desconfortáveis segundos antes de responder.
- Maya levou o jantar deles para o quarto. Ainda não acabaram o dever de casa.
Drake ficou desapontado, embora tenha feito o possível para não demonstrar. Quando mais jovem, ele e todas as crianças na fazenda chegaram à conclusão de que Inez sabia ler pensamentos. Ela sempre sabia quando eles haviam feito algo que não deviam assim que colocavam os pés em casa. Nesse momento, ele sentia como se ela soubesse de tudo o que fizera Com a filha dela no verão passado... e dos sonhos eróticos que tinha com Maya a cada noite desde então.
- Obrigado - disse ele. Foi na direção da sala onde vira seus pais antes. Parou ao ouvir uma conversa a distância.
- Você tem de pagar. Já faz meses - Drake ouviu o pai dizer.
- É mesmo, Joe - disse Meredith, obviamente irritada. - São só uns dois mil. Parece até que estou pedindo pelas suas economias de uma vida inteira.
- É por isso que fiz o que fiz com os seus cartões de crédito. Você tem uma mesada. Sugiro que a utilize para pagar as suas contas.
- Mas alguns desses gastos foram para a sua festa de aniversário!
Drake achou estranha a risada de seu pai; fria, seca e cínica.
- Não foi um dos melhores dias da minha família - continuou Joe.
- Eu... não, não foi - concordou Meredith, amolecendo a voz. - Fiquei assustada por você quase ter morrido, ou quem sabe ter ficado inválido.
Drake esperou pela resposta do pai, mas não ouviu nada. Logo em seguida, ouviu o barulho dos sapatos de sua mãe. Drake permaneceu na sala de jantar até que ela passasse pelo corredor na direção do quarto. Ouviu a porta se fechar.
Depois de mais um minuto, aventurou-se na outra sala. Seu pai estava próximo à janela, olhando para fora. Virou-se quando Drake entrou e sorriu para o filho.
Drake sentiu um aperto no peito. Não importava pelo que estivesse passando, Joe sempre tinha tempo para os filhos, biológicos ou adotados.
- Como andam as coisas com você? - perguntou Joe.
- Bem, senhor - começou Drake, e logo parou. - Talvez nem tão bem assim. Não estou progredindo muito com Maya.
Joe ergueu as sobrancelhas.
- Ela não me fala quem é o pai do bebê - admitiu Drake. 
- Aceita um conhaque? - perguntou Joe, servindo a si mesmo uma taça.
- Por favor.
Drake aceitou uma taça e se sentou no sofá depois que o pai se acomodou em uma cadeira.
Seu pai girou o conhaque na taça e lançou-lhe um olhar penetrante.
- Isso importa?
Drake ficou surpreso pela pergunta.
- Bem, claro - começou. - Isto é... Se for meu, então naturalmente farei a coisa certa.
- E se não for? - perguntou Joe. - Joe Júnior foi deixado na porta de nossa casa. A sua mãe e eu o adotamos e criamos como se fosse sangue do nosso sangue.
Drake fez um gesto positivo com a cabeça. Fazia tanto tempo que ele já se havia esquecido de que o pequeno Joe era adotado.
- Se o bebê de Maya não pudesse ser seu, imagino que você teria se manifestado e não teria voltado aqui.
Drake cruzou o olhar com o pai.
- Talvez. Eu acho... na verdade, tenho certeza de que é. Mas ela não assume - disse ele frustrado.
- Você já a pediu em casamento? 
Drake abriu um sorriso irônico.
- Ainda não fomos tão longe assim.
- Percebo que você não quer se casar? - perguntou Joe sem rodeios.
Drake lutou contra a tempestade de emoções que se formou dentro dele.
- Eu não planejei ter uma mulher e uma família. A minha vida é muito incerta.
- E muito perigosa, para completar - concluiu Joe. - Ainda assim mulheres e filhos arrumam um jeito de sobreviver quando maridos e pais têm trabalhos duros que os exigem fora de casa por longos períodos. Cada família tem o seu modo de lidar com isso. O amor é que faz a diferença.
Drake sabia que o pai estava questionando seus sentimentos por Maya. Olhou pela janela, na direção de uma sombra provocada por uma árvore que se balançava ao vento da noite. As sombras escuras em sua alma também se remexiam dolorosamente. Maya era como o sol. Era tudo de claro e bom na vida.
- O jantar está pronto - chamou Inez da sala de jantar.
Joe observou o tremor da emoção passar pelos olhos do filho. Drake era um homem com todas as necessidades de homem. Sexo era parte disso, mas também era o amor. Uma vida sem amor era mesmo muito solitária.
Prendendo um suspiro, levantou-se e seguiu para a sala de jantar, onde a família se reunia para a refeição noturna. Deveria ser um momento prazeroso.
Sentou-se na cabeceira da mesa, com Drake à sua esquerda. River e Sophie, agora casados e esperando um bebê - o primeiro neto! -, juntaram-se a eles. A nova casa deles, desenhada e construída por River, era uma beleza, mas Joe adorava quando visitavam a casa principal.
Meredith entrou, fez um gesto elegante com a cabeça quando as crianças a cumprimentaram e sentou-se.
Ao olhar para Drake, Joe pensou no pequeno Teddy. Tinha um impulso de contar ao filho mais velho que o jovem Colton não era seu filho, mas amava o menino como se fosse.
Isso não era algo que um homem contasse para o filho. Por mais que Meredith tivesse mudado, ainda era a mãe de seus filhos. E também não podia negar que ela adorava Joe Júnior e Teddy.
Uma tristeza surgindo das profundezas de sua alma começou a tomar conta dele. Drake lutava para se dar conta do que era exatamente o seu relacionamento com Maya, mas Joe não teve dúvidas na primeira vez que viu Meredith. E nem ela. Sabiam que estavam apaixonados um pelo outro desde o início.
E agora, para onde fora tudo isso?
Maya ficou aliviada quando saiu do consultório médico. Ela e a pequena Marissa estava muito bem. A louca cavalgada não causara dano algum ao bebê. Ao sair do consultório, Maya seguiu para o colégio, onde encontrou Andy Martin na sala de aula.
- Como vai? - disse ele animado, olhando-a de cima a baixo, como todos estavam acostumados a fazer ultimamente. Às vezes, Maya se sentia como uma baleia encalhada cercada de curiosos.
- Tudo ótimo - disse ela. Pegou uns testes. - Aqui estão os últimos exames de Johnny. Agradeço muito por você cuidar disso para mim. Ele precisa de muita ajuda com a matemática, e ando sem tempo.
Andy olhou os testes e fez anotações ao lado das respostas erradas.
- Hum - dizia ele de vez em quando. - Ah, sim.
Maya gostou de seus comentários. O menino era inteligente, precoce, mas precisava de habilidades básicas tais como leitura e aritmética.
- Tudo bem, acho que posso criar um programa de estudos para ele que o deixará afiado.
- O quê? - perguntou Maya.

- Que tal se eu for até a fazenda no sábado de manhã? Está bom para você? Gostaria de trabalhar em alguns problemas com palavras e em seguida aferir com você o nível de vocabulário dele. Veremos como ele se sai na leitura relacionada à resolução de problemas.
- Isso seria perfeito. Obrigada, Andy. Você não faz idéia da minha preocupação em relação a esse assunto. Acho que o Johnny tem potencial para ir para a faculdade, mas precisará de ajuda para se preparar.
- Sem problemas. - Olhou para o relógio. - Gostaria de um jantar adiantado ou um lanche, talvez?
Quando se deu conta de que estava grávida do bebê de Drake, cortou as relações com Andy por completo, recusando até mesmo os encontros mais casuais com ele. Quando Andy ficou sabendo do bebê, procurou-a e se ofereceu em casamento.
Sem fazer uma só pergunta.
Nada parecido com Drake, que queria saber exatamente quando ela ficou grávida e de quem. Maya jamais o perdoaria por isso, não importava o quanto sentia pena dele pelo passado triste ou pelos problemas dos pais.
- Acho que não.
- Fiquei sabendo que Drake Colton está de volta à cidade - murmurou Andy, num tom especulativo.
Maya olhou para o quadro-negro, incapaz de mentir e sem querer admitir que foi uma idiota.
- Sim, está de volta para... para as férias, eu suponho. 
- Maya...
Ela ficou de pé - praticamente deu um pulo - e abriu um sorriso.
- Preciso ir. Os meninos estão sozinhos e certamente ignorando as lições de casa.
Andy foi até o carro com ela. Abriu a porta e tocou no braço dela.
- Sou seu amigo há muito tempo. Você sabe disso, não é? 
Ela respondeu que sim com a cabeça fazendo uma expressão triste. Jamais quis magoá-lo.
- Você pode vir até a mim quando quiser. Para conversar. Para fugir de tudo. O que quiser. Tudo bem?
- Obrigada.
Beijou-lhe o rosto de modo impulsivo e logo entrou no carro e saiu, antes que se pusesse a chorar ali mesmo no meio da cidade. Isso sim daria o que falar!
Maya prendeu o choro, suspirou e focou a mente nos afazeres na mansão dos Colton. Tinha um trabalho da faculdade a fazer e em seguida precisava enviá-lo via e-mail para o professor. Isto é, depois de supervisionar os meninos e colocá-los para dormir.
E como estava cansada. Suas costas doíam. Os pés, também. Por um segundo, Maya chegou a pensar em como havia se metido naquela situação.
- Sendo estúpida - murmurou com sarcasmo. - Ficando apaixonada - completou num tom mais triste ao estacionar o carro ao lado da casa.
Nas horas seguintes, dedicou-se a várias tarefas: checou as lições de Teddy e Joe, ajudou a mãe a preparar a mesa do jantar, certificou-se de que os meninos tomaram banho e estavam em suas camas e fez o trabalho da faculdade. De repente, viu Drake passar rapidamente por ela sem dizer nada.
Tudo bem, ela daria conta isso, disse a si mesma ao vestir a camisola. Afinal, sobrevivera àquele bilhete breve e destruidor...
Uma batida suave soou em sua porta.
- Hoje não - gritou Maya. 
Drake abriu a porta.
- Vou ter de me lembrar de trancar a porta de agora em diante - disse ela em protesto.
- Por quê? Há homens fazendo fila do lado de fora? Ela fechou os olhos e respondeu:
- Não sou obrigada a ouvir esses insultos. - Olhou para ele. - Saia, por favor, antes que eu grite socorro, assassino.
Ele teve a decência de parecer levemente arrependido. Andou de um lado para o outro no quarto e sentou-se na cadeira da escrivaninha.
- Vi você na cidade hoje. 
Ela franziu a testa.
- E daí?
- Droga, você estava com outro homem, beijando-o bem no meio da rua. Qual é a sua?
Maya o encarou.
- Não faço a menor idéia do que você quer dizer com isso.
- Você está com ele? O namoro é sério?
- Andy é meu amigo.
- Aquele era Andy Martin? - Franziu a testa. - Ele mudou.
- Bem, talvez seja porque você não o vê desde o colégio. As pessoas crescem. Algumas pessoas.
- Está querendo dizer que não cresci? - Ele riu de modo cínico daquela acusação ridícula.
O bebê deu um pulo e Maya fez uma expressão de dor, segurando a barriga. Será que sobreviveria até a data do nascimento? No momento, duvidava disso.
- Vou pegar a pomada - disse Drake. 
- Não...
Mas como de costume, ele foi mais rápido do que um gato. Pegou o frasco de cima da mesa e o abriu. E riu.
- Qual é a graça? - perguntou Maya.
- A nossa filha vai pensar que somos eqüinos se continuarmos a usar a pomada de cavalo em você.
- Ela não pensaria isso se você me deixasse em paz.
- Eu não posso - disse. - Deite-se.
Suspirando, ela foi para a cama, sem se importar se ele a viria tão redonda quanto uma abóbora de camisola. Ele não estava mesmo prestes a saboreá-la.
Lembranças tomaram conta dela, abalando suas emoções já por si só instáveis. Seus olhos se encheram de lágrimas. Havia oito meses, ele a cobrira de beijos, carícias e palavras doces de amor. Até que foi embora.
- O que foi? - perguntou ele com cuidado.
Maya balançou a cabeça. Talvez não tivessem sido palavras de amor, apenas de necessidade e desejo.
- Nada. Não é nada.
Maya pôs um joelho na cama e se deitou no lençol frio, um tanto quanto desajeitada. Suspirou pela situação e por seus sonhos mais tolos.
Com a mesma habilidade que mostrou na noite passada, Drake a massageou até que a dor desaparecesse e a tensão se dissipasse.
- Você é linda - murmurou ele.
- Se você gosta de baleias...
Rindo suavemente, ele deixou o frasco da pomada em cima da mesa e deslizou a mão sobre a cintura dela.
- Deixe-me tocá-la. Vire na minha direção. Por favor. O pedido foi tão humilde que ela não pôde recusar.
Deitou-se de costas com a ajuda dele. Drake correu as mãos sobre o abdômen dela gentilmente, com o olhar concentrado no rosto.
- Uma criança é um milagre tão grande, não é mesmo? - disse ele ao sentir o bebê chutar.
- É. - O momento era de tal singeleza que ela quase não se atreveu a falar. A vida poderia ser tão maravilhosa se ele a amasse, se realmente quisesse o bebê.
- Não consigo acreditar que criamos essa vida dentro de você. Nunca pensei em ter um filho.
Ela permaneceu em silêncio em face do possível encantamento dele. O coração de Maya batia agitado, incerto do significado daquele momento.
Drake olhou-a nos olhos. Um sorriso suave acendeu-lhe o rosto, aquecendo-a e acalmando-a. Em silêncio, compartilharam da magia da criação enquanto ele continuava a acariciá-la no ventre.
Ela se lembraria disso para sempre.
O sal das lágrimas lhe irritou os olhos e ela os fechou para que Drake não percebesse.
- Maya - disse ele momentos depois -, é melhor nos casarmos logo. Antes do nascimento de bebê.
Ela classificou o pedido como medíocre e, zangada consigo mesma por cair nos encantos de Drake mais uma vez, afastou-se da leveza do toque dele.
- Por que faríamos isso? - perguntou, tentando parecer calma e razoável. - O bebê é responsabilidade minha e não sua. Não precisa se preocupar com nós duas.
Em vez de responder de maneira irritada, como ela esperava, Drake apenas a fitou com seus olhos escuros de brilhos dourados, o que às vezes o fazia parecer uma criatura selvagem.
- Eu me preocupo sim - disse ele. - Criamos essa vida juntos...
- Não - disse ela. Ele respirou fundo.
- E o que revelaria um teste de DNA? 
Ela abaixou os olhos.
- Eu não me casaria apenas para dar um nome ao bebê. Ramirez é um nome de família respeitado e tenho muito orgulho dele.
- E deveria ter mesmo. Os seus pais são pessoas respeitáveis. Entretanto, isso não resolve a questão desse bebê. Do nosso bebê - disse ele, tocando-a novamente.
- O problema é meu. Eu me responsabilizo por ele. Dessa vez, a raiva ficou visível em sua expressão.
- Você me subestima tanto que me negaria o meu próprio filho, sangue do meu sangue? Ou a minha parte no que aconteceu entre nós?
- Eu... eu não sei - disse ela, dividida entre sonhos e realidade.
Ele não se moveu, apenas fitou-a descrente. Naquele instante, ela soube que o magoara.
- Sinto muito. Não tive a intenção... É que quero apenas o melhor para o bebê. Um casamento forçado não me parece a solução.
- Eu iria para o altar por minha própria vontade.
A certeza dele pareceu não afagar o coração de Maya. Ela não aceitaria o casamento apenas pelo senso de responsabilidade dele. Mesmo amando o bebê, Drake a detestaria por amarrá-lo em uma união que ele não desejava.
- O seu bilhete dizia que não havia espaço em sua vida para uma mulher - ela o relembrou.
- Um homem diz coisas muito estúpidas sob estresse. Sinto muito em partir da maneira que parti. Recebi um telefonema urgente e tive de retornar ao serviço. Eu deveria ter-lhe dito, em vez de me esquivar enquanto dormia. Aquilo foi estúpido e covarde.
Ele soava tão sincero que ela não sabia o que dizer. Nenhuma resposta lhe veio à mente e ainda assim ela não sentiu pena dele. Quando suspirou, pareceu trêmula e incerta.
O rosto dele amoleceu. Apagou a luz e se aproximou dela.
- Ainda não acabamos essa conversa. Antes de partir, quero que me diga tudo o que quero saber.
Entreolharam-se por mais um longo minuto sob a luz fraca do luar. Ela percebeu uma certa desolação nele. Naquele momento, Maya soube o que queria dele.
Amor, é claro, mas, mais do que isso, queria vê-lo feliz com o amor.
Ele tocou nos olhos dela suavemente.
- Durma.
Um segundo depois ela já estava dormindo. Maya sentiu o vazio do quarto e dentro de si, naquele lugar onde a mágoa se acumula em uma bola de angústia.
O bebê estava quieto, como se também sentisse o mesmo.


Quatro

Quarta-feira de manhã, Joe Colton atendeu a porta em vez de esperar que Inez emergisse de onde quer que estivesse na casa. Thaddeus Law, o detetive local de polícia designado para o caso do atentado, estava lá, com uma expressão sombria.
Reagindo no impulso, Joe se preparou para notícias ruins.
- Entre - disse ele, caminhando à frente na direção do escritório. - Café? - ofereceu ao homem da lei, com seus trinta e poucos anos, mas com aparência de mais velho, como se tivesse passado por uma vida dura.
A perda da mulher em um acidente aéreo e a dificuldade de criar um filho pequeno sozinho provavelmente contribuíram com algumas rugas no rosto do homem. Entretanto, Thaddeus se casara recentemente com Heather McGrath, assistente de Joe e filha de Peter McGrath, irmão de criação de Joe. Seria de se presumir que agora o detetive levasse uma vida boa.
- Seria ótimo - respondeu Thaddeus ao remover o chapéu e colocá-lo sobre o joelho ao se sentar na cadeira indicada por Joe. - Está serenando e fazendo frio de novo, o que nos convida a ficarmos em casa em frente à lareira.
- É, mais uma frente fria chegou na noite passada. - Joe serviu o café em duas canecas e pegou outra quando viu Drake à porta. - Entre, filho. Você conhece Thaddeus?
- Claro. - Drake entrou e apertou a mão do detetive antes de pegar a caneca de café. Sentou-se em uma cadeira ao lado de Thaddeus, com uma expressão inteligente e alerta. O coração de Joe se esquentou com orgulho e amor.
- Tem alguma notícia? - perguntou Drake.
- Sim. - Thaddeus se virou para Joe. - A sua mulher está aqui?
Joe não ficou surpreso pela presença de Meredith ser solicitada. A polícia a questionara incessantemente depois do atentado contra ele. Era uma situação muito triste quando um homem era forçado a encarar o fato de sua própria mulher talvez ser responsável pela sua derrocada final. No passado ele teria achado essa situação absurda, mas a verdade é que ele já não sabia mais do que ela era capaz.
- Ligarei para ela - disse. Pelo interfone, chamou a mulher.
Meredith atendeu sonolenta, com a voz irritada. Joe disse a ela que Thaddeus queria vê-la. Depois de uma longa pausa, ela disse que apareceria em poucos minutos.
Forçando um sorriso, Joe disse aos dois homens que Meredith estaria lá em 20 minutos.
Errou por 15 minutos.
Meredith entrou na sala trazendo consigo o aroma de um perfume caro que Joe lhe dera no Natal. Seu terno preto era elegante, como todas as outras roupas que vestia.
- Café? - ofereceu Joe, suprimindo as lembranças que o assombravam mais e mais agora que a nova geração se casava e tinha filhos. O caminho solitário da velhice parecia se abrir diante dele.
- Por favor - Meredith olhou para Thaddeus com desdém. - O que está fazendo aqui? Encontrou Emily?
- Não, senhora - respondeu o detetive com educação. - Vim falar sobre outro assunto.
Nem o tom grave do detetive, nem seu enorme tamanho pareceram intimidar Meredith. Ela aceitou a caneca de café e se sentou no sofá com toda a sua graça. Ergueu as sobrancelhas levemente enquanto esperava que o detetive começasse a falar. Joe ficou envergonhado. A antiga Meredith, a mulher de quem se lembrava, ou com quem até mesmo fantasiava, teria sido muito mais acolhedora.
- Sra. Colton, faz alguma idéia de onde possa morar a sua irmã gêmea?
O café se espalhou por toda a mesa, pelo tapete, e a caneca bateu no pires com força. Ela olhou fixamente para o detetive, a princípio parecendo horrorizada, em seguida, demonstrando raiva.
- Por que está bisbilhotando o meu passado? - perguntou, em vez de responder à pergunta.
- Investigamos qualquer pessoa que possa ter envolvimento num assassinato - explicou o detetive, muito paciente. - Os nossos registros mostram que nasceram duas filhas de seus pais - gêmeas, Meredith e Patsy. Averiguando mais a fundo, descobrimos que Patsy Portman foi presa uma vez por assassinato. Com 18 anos, matou o pai de seu filho.
- Meu Deus - balbuciou Joe, chocado com a novidade. Ele automaticamente limpou o café derramado com vários guardanapos, enquanto sua mente girava com as revelações.
Olhando para Drake, Joe sentiu uma tristeza horrível. Mesmo desiludido com a mulher desde muito tempo, ainda era triste ver um filho perder a confiança em uma mãe. Mas não havia tempo de analisar isso ou maneiras de proteger o filho, Joe se deu conta. Drake era um homem que já tinha uma significativa parcela de problemas na vida.
- Mais tarde - continuou Thaddeus -, ela foi transferida para uma clínica de... - ele parou por um instante - ...loucos.
Joe expirou com força ao sentir a onda de choque que cruzava dentro dele.
- Mãe, isso é verdade? - interrompeu Drake, completamente descrente ao compreender mais essa novidade.
Ciente de seus próprios pensamentos, olhou para o pai, temendo que a situação o levasse a ter um ataque do coração. O pai parecia resignado, quase derrotado. Mantinha uma expressão que Drake jamais presenciara.
Sua mãe o fitou.
- E daí? Não tinha nada a ver comigo. Nada! 
Drake balançou a cabeça ao ver que o relatório da polícia estava correto.
- Onde está ela? Essa irmã gêmea de quem você nunca se importou em falar? - perguntou Joe com a voz grave e rouca.
De repente, sua compostura se perdeu Meredith pôs as mãos no rosto.
- Ela está morta. Morreu há anos.
Drake e Joe olharam para Thaddeus em busca de confirmação. O detetive deu de ombros.
- Sra. Colton, existe algo que confirme a morte de sua irmã, tal como registros do hospital ou um túmulo?
Drake reagiu com horror à expressão de sua mãe quando ela levantou a cabeça. Meredith parecia louca e seus olhos brilhavam. Em seguida, sorriu triunfante e a impressão que deixara desapareceu.
- Espere, eu me lembro de algo! - Ficou de pé. - Tenho uma carta da clínica St. James. Posso pegá-la. Guardei-a por todos esses anos.
Quando ela saiu pelo corredor, o policial foi atrás. Drake olhou para o pai. Os dois também seguiram Meredith. As revelações do dia aparentemente não haviam acabado.
Drake e o pai se aproximaram de Thaddeus enquanto este lia a carta que trazia os pêsames pela morte de Patsy Portman e falava sobre o triste estado de espírito dela, o que sugeria que a mulher havia partido para uma vida mais tranqüila após a morte. O corpo fora cremado e as cinzas espalhadas no Pacífico, de acordo com o pedido dela.
- Ela me culpava - disse Meredith quando os três olharam para ela. - Eu não quis mentir por ela no julgamento. Ela disse que eu a traí.
- Por que você nunca nos falou sobre isso? Nem ao menos para mim? - perguntou Joe, com expressão sombria.
- Patsy me implorou para não falar com ninguém sobre ela. Mais tarde, depois de passar vários meses na clínica, ela disse que queria que a família a esquecesse.
Com um curto pranto de desespero, Meredith cambaleou e tentou se segurar. Drake a pegou antes que desmaiasse.
- Ponha-a na cama - disse Joe. - Eu cuido dela.
- Preciso ficar com a carta, senhor - disse Thaddeus depois de acomodarem Meredith. - Para arquivá-la.
Joe fez que sim com a cabeça e cobriu a mulher com uma manta. Drake trouxe uma toalha molhada do banheiro e a colocou sobre a testa da mãe.
- Vou chamar Inez.
- Isso, por favor - disse o pai. - Depois quero falar com Thaddeus para esclarecer alguns detalhes.
Após tomar conhecimento de tudo o que o detetive sabia, Drake foi para o quarto digerir toda aquela situação. Uma coisa era certa - as suas vindas para casa estavam se tornando cada vez mais surpreendentes.
Depois de refletir bastante e em seguida averiguar se a mãe ainda estava na cama, olhou para o relógio. Já passava do meio-dia na Costa Leste. Pegou o telefone e ligou para Washington D.C.
A mulher e assistente de pesquisa do seu irmão atendeu o telefone do escritório de advocacia no primeiro toque.
- Lucy? É o Drake. O Rand está por aí?
- Ei, olá! Sim, vou chamá-lo.
Drake gostava da mulher do irmão mais velho. Ela não perdia tempo com conversa fiada e perguntas tolas.
- Fala, irmão - disse Rand um minuto depois. - Onde você está?
- Na residência da família - disse Drake com uma pitada de ironia. - Fizemos algumas descobertas interessantes aqui hoje.
- Hã? - disse Rand num tom cauteloso.
- Existem mais coisas sobre a nossa mãe do que julga a nossa vã filosofia. - Drake contou a Rand sobre a visita do detetive, sobre a novidade chocante, sobre a carta e o desmaio da mãe. - Comentários?
Rand limpou a garganta.
- Fui eu quem enviou a mensagem ao papai dizendo que Emily estava bem.
Essa afirmação, a princípio desconexa, fez Drake parar. Conhecendo bem o irmão e sabendo que haveria de ter uma conexão, perguntou:
- Você esteve em contato com ela?
- Sim. Ela me pediu para não revelar o seu paradeiro, sobretudo por telefone.
- Bem pensado - concordou Drake. - Do jeito que as coisas estão, não confio em nada e em ninguém agora.
- Ouça, Drake, você se lembra de quando Emily dizia que havia duas Merediths - a boa e a má - na época do acidente?
Drake sentiu um arrepio lhe subir pela espinha. -Sim.
- Isso confirma a possibilidade, não acha?
- Não acredito... - Drake balbuciou e deixou o pensamento se esvair. O problema era que ele não conseguia acreditar na estranha possibilidade de sua mãe ser uma impostora.
Rand manteve a idéia.
- A gêmea má. Isso parece coisa de filme ruim.
- Você acredita em Emily?
O irmão soltou um suspiro forte.
- O suficiente para colocar Austin McGrath para investigar o passado da mamãe.
- Você sabia e não disse nada? - disse Drake, dando-se conta de que o irmão não soara surpreso. - Você sabia sobre a gêmea... e sobre o assassinato?
- Sim. E sobre a clínica para loucos - confirmou Rand. - Lucy descobriu recentemente. Eu tive um pouco mais de tempo para absorver isso, mas acredite, fiquei tão chocado quanto você e o papai. Pedi a Austin para ver se descobria o que aconteceu com a gêmea, mas até agora, nenhuma pista. Suponho que se ela estiver morta, não haja muito o que descobrir.
- Se estiver morta?
Rand não respondeu de imediato.
- E se a mamãe estiver morta e a gêmea tiver assumido o lugar dela? Isso explicaria a visão de Emily.
- As implicações são horríveis - disse Drake.
- É. A mamãe pode ter sido assassinada.
- Dez anos convivendo com uma impostora? Mas o papai teria descoberto... Não, isso é bizarro demais.
- Acontece que os nossos pais dormem em quartos separados há muito tempo.
- É, isso mesmo, desde antes do nascimento de Teddy. Eu me lembro de ter ficado chocado quando voltei para casa e descobri isso - disse Drake.
- Eu também - disse Rand. - Lucy e eu já vasculhamos cada detalhe disso tudo. Achamos que Emily está armando algo. A pergunta é: O quê?
Drake pensou por um minuto.
- Com gêmeos idênticos não dá para dizer quem é quem com teste de DNA, não é mesmo?
- Claro. Não ao menos que haja algo identificável no sangue, tal qual uma imunidade a alguma doença rara à qual apenas um deles tenha sido exposto.
Depois de uma hora de especulações e suposições, chegaram à conclusão de que precisavam de mais informações.
- Mantenha-me informado sobre qualquer coisa que Austin descobrir - disse Drake. Eu lhe aviso sobre o que descobrir por aqui.
- Fechado.
- Você sabe o que me incomoda? Se essa gêmea má tomou o lugar da mamãe, será que isso significa que ela causou o acidente de carro, fechando a mamãe e a Emily, matou a mamãe e escondeu o corpo em algum lugar próximo aos destroços e fingiu ser a irmã boa?
Randy fez uma breve pausa.
- É o que Emily acredita. Ela acha que a irmã má contratou alguém para matá-la por causa de suas lembranças do acidente. Ela também acha que a mesma pessoa foi contratada para matar o papai.
Drake fechou os olhos e tocou o nariz.
- Parece que a coisa vai ficando cada vez pior, não é mesmo?
- Sim. Drake? Tome cuidado - aconselhou Rand, causando um calafrio no irmão. - Quanto tempo vai ficar aí?
- Estou de licença por dois meses. Posso ficar mais tempo em caso de emergência familiar. Você sabia que a Maya está grávida?
- O papai mencionou isso - admitiu Rand com um toque de humor na voz. - Perdoe-me por ser indelicado, mas poderia ser de você?
- Poderia, mas ainda não consegui que ela confirmasse isso. Você sabe como as mulheres podem ser teimosas.
- Humm, vocês vão se casar?
- Bem, eu me propus. Ela acha que o casamento seria um erro. - Drake pensou na Maya acolhedora de oito meses atrás. Sentiu uma dor inexplicável. Mas jamais diria a alguém o que sentia quando estava perto de Maya.
- Entendo - disse Rand com uma risadinha. - Diga a ela que eu disse para ela parar de ser tão cabeça-dura. Quero o meu sobrinho ou sobrinha oficialmente na família.
- Vai ser menina - disse Drake. - Darei a ela o seu conselho. Dê um abraço em Lucy e Max.
Rand prometeu que o faria e desligou. Drake vestiu um casaco e saiu. Uma caminhada na praia ajudaria a desfazer a confusão em sua cabeça.
O céu estava encoberto e o ar pesado devido à umidade fria que vinha do Alasca pelas correntes marítimas. Seguiu pelo gramado inclinado do pátio na direção do penhasco onde o conjunto de nuvens baixas obscurecia a costa numa neblina espessa. Ele quase tropeçou sobre uma figura sentada nos degraus que davam para o mar.
- Que diabos? - exclamou.
- Sinto muito. Não ouvi você - disse Maya, encolhida em um xale de lã.
O frio dentro dele se dissipou levemente. Sentou-se ao lado dela.
- Você está bem?
- Estou. Só saí um pouco para pegar ar puro e ficar sozinha...
- Eu também. Precisava pensar um pouco. 
Ela começou a se levantar.
- Vou deixar você sozinho então. 
Drake a segurou pelo braço.
- Não vá. Preciso lhe perguntar algo.
Os belos olhos escuros dela se voltaram para ele, repletos de suspeitas. No passado ela olhava para ele com completa confiança. Havia oito meses. Parecia uma vida inteira.
- Você conhece a minha família há muito tempo...
- Sim? - disse ela quando ele parou.
- Você notou algo diferente na minha mãe durante esse tempo? Acha que ela mudou?
Primeiro ela olhou para ele e depois para o nevoeiro que encobria o mar.
- Todo mundo muda com o tempo.
- Sim, mas não de forma drástica. Os valores em geral permanecem. E a disposição também. Você acha que os ânimos dela, a maneira de se comportar, mudaram muito?
- Mudaram para você? 
Ele pensou um pouco.
- Sim. Quando criança, cavalgávamos, brincávamos e fazíamos piquenique na praia. Mais tarde... as coisas mudaram por aqui. Mas eu estava fora, durante a faculdade, e não vinha muito aqui.
Maya fez um gesto positivo com a cabeça.
- Eu me lembro dela como alguém mais amigável, acolhedora. Eu e Lana não tínhamos permissão para nos intrometermos na sua família e, com as diferenças de idade entre nós, não brincamos muito juntos.
- Exceto pelos jogos de beisebol quando juntávamos todos para formarmos dois times - relembrou ele. - Você jogava bem. Para uma menina.
Ele se sentiu melhor quando ela sorriu brevemente e voltou a olhar para o mar.
- Como empregada, vejo a sra. Meredith de modo diferente do de uma criança da família - disse ela.
- Certo. Cinderela e o Príncipe Encantado. - Ele não pôde deixar de usar de um pouco de sarcasmo.
Ela ficou ruborizada.
- É assim que você vê a nossa família, como um bando de esnobes?
- Claro que não. O seu pai é uma pessoa maravilhosa. Ele jamais fez alguém se sentir menos do que um amigo.
- Mas o mesmo não pode ser dito da minha mãe? Maya ficou em silêncio.
- E eu? Como você me vê? - ele quis saber. Sua voz ficava cada vez mais rouca.
Drake tocou nos cabelos de Maya, que estavam úmidos com o nevoeiro e cada vez mais atraentes. O desejo o consumiu e ele teve vontade de se perder nela, mas, relutante, removeu a mão.
Maya se virou e o fitou diretamente nos olhos.
- Você é um homem acostumado a fazer tudo do seu jeito. Sozinho.
- As pessoas se cansam de fazer tudo sozinhas - disse ele, surpreendendo Maya tanto quanto a si mesmo. Drake esticou a mão e passou os dedos na bochecha dela e em seguida sobre o queixo, levantando-lhe a cabeça levemente. Os lábios dela eram naturalmente rosados e tentadores. Beijáveis.
- Maya - murmurou.
Parte do desejo e da confusão que sentira depois da manhã de revelações devia ter ficado visível em seus olhos.
- Por favor, não... - retrucou ela.
Mas ele não conseguia parar. Deslizou a mão para dentro dos cabelos dela e a puxou para perto de si. Drake sentiu um calor lhe invadir a alma e em seguida veio o desejo, o temeroso desejo ao qual ele não podia se entregar. Um homem sem futuro não podia lidar com sentimentos delicados.
- Não preciso de você? Não quero você? - questionou ele. - Seria mais fácil cortar o meu braço direito. Não paro de me lembrar do verão passado e de como as coisas eram. Quero que sejam daquele jeito de novo.
Com os dedos trêmulos, ele a virou na sua direção. Os olhos de Maya estavam repletos de lágrimas. Ela os fechou e ficou imóvel, como se estivesse presa naquela situação, em algum lugar entre o demônio e as profundezas do oceano.
E ele era o demônio.
- Ah, Deus - disse ele. - Eu nunca quis lhe magoar. 
- Você não me magoou. Foram... foram apenas os meus sonhos tolos que fizeram isso.
Maya tentou desviar o olhar, mas ele não deixou. Precisavam conversar sobre o futuro da criança.
- Eu fiz um testamento - disse Drake. - Você e a criança são meus herdeiros. Juntei algum dinheiro desde que saí da faculdade e há a herança dos meus pais para cada filho.
Isso captou a atenção dela. Maya se virou para ele, zangada.
- Eu não quero o seu dinheiro! Como você se atreve... como poderia pensar... como se o dinheiro pudesse... - Maya se recompôs com um certo esforço. - Não preciso do seu dinheiro. Posso cuidar de mim mesma e do bebê.
Ela parecia tão insultada e ao mesmo tempo tão bela que ele não resistiu e a beijou.
Encurvando-se em torno da barriga de Maya, ele sentiu o bebê chutar com muita força. Se era de prazer ou de raiva, ele não sabia. Uma onda de orgulho tomou conta dele. Ela permanecia rígida nos braços dele. Drake diminuiu os beijos, mas ainda não estava pronto para parar.
De repente, ela amoleceu e, com um gemido baixinho, pôs as mãos sobre o peito dele.
Com Maya nos braços, Drake saboreou a suavidade de seus lábios. Oito meses de sonhos resumidos a um único momento de êxtase.
Drake deslizou as mãos pelas costas de Maya e subiu até os grossos cachos de seus cabelos. A sensação de tocá-la, seu sabor e aroma e a felicidade de tê-la alimentavam o desejo dele. Beijou-a como se fosse a primeira vez.
Maya tentou parar, mas não conseguiu. Esse era Drake. Era parte de sua vida, de seus sonhos e expectativas. Ela percebeu o enorme desejo em seu corpo rijo.
Mais que isso, sabia que existiam sentimentos entre eles. Compartilharam de muitos momentos para serem indiferentes. Mas será que o desejo era suficiente?
Ela suspirou quando ele afastou o xale para beijar-lhe o pescoço. Com os braços em volta dele, Maya esfregou-lhe os ombros e os cabelos, acalmando algo doloroso nele, quase da mesma maneira que faria se fosse um dos irmãos mais novos.
Entretanto, o corpo dela reagiu de modo diferente. Queria a paixão e o fogo de Drake. Sentira a falta dos braços dele e da força do seu corpo cercando o dela.
Apoiada no corrimão, deixou que os beijos a levassem para o universo de sonhos e esperanças. Se apenas o amor fosse o suficiente, pensou com tristeza, dando-se conta de que não era. Apenas Drake podia superar a escuridão que ela percebia nele. Apenas ele podia dar o enorme passo na direção da luz. Precisava querer um futuro para que de fato houvesse um.
As lágrimas se acumularam nos olhos cerrados de Maya. Queria tanto para ele... para eles e para o bebê que estava a caminho.
- Case comigo - sussurrou ele, erguendo a cabeça e olhando fixamente dentro dos olhos dela, como se pudesse controlá-la com sua vontade.
Maya balançou a cabeça.
- Eu não posso.
- Por quê? Droga, por quê?
- Você também tem de querer.
- Eu quero.
- Você não quer. Não de verdade.
Ele agarrou-a pelos ombros com o toque ainda delicado.
- Se não por nós, pelo menos por ela - disse ele, apegando-se a qualquer argumento, justo ou não. Passou a mão pela barriga dela.
Maya olhou para ele num silêncio desesperado, destroçando o coração de Drake, gerando confusão, raiva e muitas outras sensações.
- Você me quer - disse ele, escorregando a mão por debaixo do xale e tocando os seios dela.
Maya não sabia mentir.
- Sim, mas às vezes se quer demais.
- Tal como? - perguntou ele, quase ausente, como se sua atenção estivesse focada no corpo de Maya que ele agora explorava.
- Não sei - admitiu, sentindo os mamilos enrijecerem. 
Maya sentiu-se incendiar. Logo, deu-se o amolecer de seu corpo e de sua vontade.
Drake não sentiu o clarão do triunfo ao vê-la sucumbir à paixão entre eles. Os sentimentos eram profundos demais para isso, indo além de qualquer experiência com outra mulher. Foi isso o que o fez correr, no verão passado, direto para a perigosa missão. Pensar, planejar, agir - tudo isso mantinha as turbulentas emoções a distância. Pelo menos por um certo tempo.
- Você me deixa vulnerável - acusou ele. - Não posso me dar a esse luxo. Não é bom para o meu trabalho.
- Nem para a sua vida. A necessidade põe as pessoas em risco.
Ele sentiu a força da verdade naquelas palavras. Em determinado aspecto ela parecia conhecê-lo melhor do que ele próprio se conhecia.
- Sim. O homem precisa pensar com cautela e planejar com antecedência.
Maya acariciou-lhe a face.
- Mas os sentimentos estão lá, Drake, você querendo ou não. É preciso saber viver com eles.
Ele franziu a testa, confuso, e ela sorriu com uma tristeza profunda. Embora não soubesse bem o que quisera dizer, sabia que Drake tinha de se resolver antes de assumir uma mulher e uma criança.
Lentamente, ele a soltou. O rosto dele revelava uma expressão sombria.
- Vai - disse ele. - Vai antes que eu leve você para a gruta, querendo ou não.
- Eu lhe conheço muito bem e você não se conhece se pensa que irá me forçar.
- Se eu quisesse levaria você à força - disse ele sem medir palavras.
Maya balançou a cabeça.
- Se eu for até você será pela minha vontade. Vá encontrar o seu espírito, Drake. E então volte até mim e compartilhe o seu coração. - Ela se pôs a sorrir.
Tocando a boca de Drake suavemente, Maya disse que jamais deixou de amá-lo e se virou para voltar ao seu quarto solitário. Se ela estivesse pensando num futuro para o bebê, precisava estudar.


Cinco

- Você vai até a cidade hoje de manhã? - perguntou Drake à empregada enquanto ela saía de casa para ir ao mercado na cidade.
A empregada parou e sorriu para ele com a afeição de sempre. Drake se sentiu melhor.
- Sim - disse ela. - Tenho de fazer compras para essa turma. Eles insistem em comer várias vezes ao dia.
Drake deu uma risadinha e segurou a jaqueta para ela.
- Você se importaria se eu pegasse uma carona? 
Ela o fitou e fez que sim com a cabeça, sem perguntar sobre a picape antiga que ele havia comprado e restaurado havia alguns anos. Drake caminhou até a perua da fazenda e entrou, junto dela.
- Maya já está a caminho - informou Inez. - Ela também tem compromissos, além de ter se oferecido para ajudar nas compras.
O coração dele bateu em disparada, quicando em seu peito até que ele tomasse o controle de novo. Ao olhar para o lado, viu Maya saindo da casa principal e hesitando quando cruzaram olhares. Ele percebeu a relutância dela enquanto se aproximava. Drake saiu do carro e segurou a porta para ela.
- A sua carruagem a espera - disse ele, meio desajeitado. Ela o cumprimentou com uma expressão solene e entrou. Ele a seguiu.
- O que está fazendo? - Maya quis saber, abrindo espaço para ele entrar.
- Drake precisa de uma carona até a cidade - explicou Inez. Passou a marcha e saiu com o carro.
- Aqui está o cinto de segurança - disse Drake, ajudando Maya a colocá-lo.
Inez conversou amenidades até Prosperino, mas Maya permaneceu calada, com uma expressão de desagrado. Drake respondia aos comentários da empregada, com o lado esquerdo do corpo queimando pela proximidade de Maya.
Na noite passada, depois que Maya foi para o quarto e fechou a porta, Drake caminhou pela casa, incapaz de repousar, pensando no que ela dissera próximo ao penhasco.
Encontrar o espírito? Como? Onde se começa uma procura dessas?
Pensou na escuridão dentro de si. Será que era lá onde seu espírito residia? Se fosse, era um lugar no qual não queria mexer. Trazia apenas lembranças e dor.
Assombrado pelo conselho e pela rejeição, saiu do quarto à meia-noite e dirigiu até a cidade.
Depois de algumas cervejas no bar local, encontrou com Thaddeus Law próximo à porta. O rapaz insistira em levá-lo para casa, achando que houvesse bebido demais.
Drake se deu conta de que Maya talvez tivesse ficado sabendo do incidente e por isso estava daquele jeito.
- Eu fui até a cidade na noite passada - disse ele, observando a reação dela. - Precisava dar uma escapada para... pensar sobre umas coisas.
- Fiquei sabendo - disse Inez, ao ver que a filha não se manifestou. - A Heather disse que Thaddeus o trouxe em casa. É por isso que sabia que você ia querer apanhar a caminhonete hoje.
Maya já havia ouvido de Heather - mulher de Thaddeus Law e assistente de Joe Colton - sobre a noite de Drake na cidade enquanto preparava a mesa do café. O que ele fazia era problema dele, lembrou-se a si mesma, ignorando a pontinha de preocupação.
- Eu tropecei ao sair pela porta, então o Thaddeus deduziu que eu havia bebido demais - disse Drake. - Ele estava muito determinado e foi mais fácil ir com ele do que brigar.
- Talvez seja um homem de instinto protetor - disse Inez. - Desde que se casou com Heather, tem estado ainda mais preocupado em resolver os mistérios que envolvem a família Colton. - Ela parou. - Especialmente o paradeiro de Emily. Admito que me preocupo com ela; uma criança sozinha desse jeito.
Maya sentiu o rápido enrijecer dos músculos de Drake e a maneira como relaxou ao concordar com a mãe dela sobre a atitude do detetive e a preocupação com Emily. Maya deu uma olhadela para ele.
O olhar dele foi ao encontro do dela, mas de modo ausente, como se estivesse perdido em pensamentos. Drake não pareceu muito preocupado com a irmã, o que era estranho. Ele era uma pessoa protetora, e Emily tinha só 20 anos. Deixou a fazenda apenas com as roupas do corpo e mais nada.
- Você sabe de algo - disse ela de repente.
- Sei que Emily está bem. Falei com Rand ontem. 
Maya quase engasgou.
- Ela entrou em contato com Rand?
Drake não respondeu de imediato. Maya sentiu a dor da desconfiança dele em compartilhar de informações com ela e com a mãe por um instante, antes de Drake começar a falar.
- Ela ligou para ele - admitiu Drake. - Rand pediu para Austin McGrath investigar umas coisas.
- E... e você acredita na história de Emily sobre as duas Merediths? - perguntou Inez.
- Você acredita?
Maya olhou para um e depois para o outro, ciente de que ambos sabiam mais do que ela sobre os estranhos acontecimentos na fazenda nos últimos meses. Ela tinha estado preocupada demais com seus próprios problemas, para não falar do choque de estar grávida.
Sua mãe pensou com cuidado antes de responder:
- Uma pessoa pode mudar com o tempo, mas... - Não continuou, mas pareceu perturbada por suas reflexões.
- Mas a mamãe mudou demais - concluiu ele.
- Talvez, mas quem sabe o que se passa dentro das pessoas?
Maya refletiu sobre as indagações dele e sobre a crença de Emily em ter visto duas Merediths. Momentos depois, disse:
- Essa pessoa... ela só poderia ser uma irmã gêmea para fazer isso por tanto tempo, não acha? Digo, como ela seria capaz de enganar a todos, incluindo seu próprio marido e filhos, sem uma conexão forte assim?
- Havia uma irmã gêmea. Foi essa a notícia que Thaddeus nos trouxe ontem. A mamãe admite ter uma gêmea, mas tem uma carta que diz que essa irmã morreu há muito tempo.
Maya ficou chocada com essa informação.
- E ninguém sabia sobre ela?
- Ninguém.
- Isso deve tornar as coisas ainda mais confusas - disse Inez, muito simpática.
Maya não tinha certeza do que sentia. Não podia imaginar que um marido não reconhecesse a mulher ou que os filhos não soubessem que sua mãe era uma impostora.
- Isso é muito estranho - concordou Drake. E olhou para Maya. - Mais um mistério a ser resolvido, ao que parece.
Maya se segurou para não retrucar dizendo que não havia mistério entre eles. Só de Drake pensar que o bebê poderia não ser deles depois de tudo que passaram juntos já era um insulto imperdoável. Isso deixava claro para ela que ele estava relutante em aceitar o bebê e ela. Ela não queria que fosse dele.
Respirou com cautela, profundamente, até que a dor daquele fato se dissipasse. Repousando a mão sobre a barriga, Maya assegurou ao bebê que era bem-vindo. Drake pôs a mão sobre a mão dela, surpreendendo-a.
O olhar dele tinha um quê de assombrado, como se implorasse por perdão. Maya desviou o olhar.
Chegaram à cidade e partiram em direções diferentes. Maya foi às compras e em seguida ao encontro da mãe no supermercado a fim de ajudá-la a carregar os embrulhos. Drake estava lá ajudando, descontraído, conversando com a empregada.
Ela tinha de admitir que ele jamais agia como se os pais dela não fossem pessoas maravilhosas e iguais aos Colton em todos os sentidos. Maya se sentia confortável com isso. E com o fato de Drake não ter ficado bêbado na noite passada. Ela jamais aturaria um homem de hábitos tão repugnantes.
Não que ela tivesse de aturar algo vindo dele. Jamais se casariam. Em breve, ele voltaria à sua perigosa carreira, para então se esquecer dela e do bebê.
Ignorando o baixo-astral, ela suspirou e apoiou as costas com as duas mãos. Se ela sobrevivesse este mês e o seguinte, colocaria a vida de volta nos trilhos.
Maya lutou contra as lágrimas que ameaçavam dominá-la. Algo que ficaria feliz em perder era essa vontade ridícula de chorar por qualquer motivo.
- Venha no meu carro - pediu Drake, aparecendo ao lado dela.
- Preciso voltar. Tenho um teste em breve.
- Vamos direto para a fazenda - prometeu ele. Antes que ela pudesse pensar em uma boa desculpa,
sua mãe entrou na perua e partiu, deixando-os ali no estacionamento.
- Parece que não tenho escolha - disse Maya.
- Não fique zangada com a sua mãe. Eu disse a ela que lhe levaria. Quero conversar...
- Eu não tenho nada a dizer. - Ela se recompôs, formando uma muralha para afugentar qualquer sentimento que pusesse em risco a sua razão.
- Então pode ouvir.
Com uma expressão sombria, ele a pegou pelo braço, conduziu-a até a caminhonete e a ajudou a entrar com toda a delicadeza. Mais uma vez Maya foi tomada pela vontade de chorar, mas permaneceu olhando para a frente enquanto ele dirigia.
- Eu falei com o seu pai - disse ele, depois de quase dois quilômetros de silêncio. - Dei a ele uma cópia do meu testamento, para caso algo aconteça comigo.
Maya sentiu uma forte dor no peito ao ouvir aquelas palavras.
- Não vai acontecer nada - disse ela com a voz embargada. - Você é cuidadoso.
Ele riu sem a menor graça.
- Não fui muito cuidadoso com você - disse. Ela não respondeu.
- Maya, eu sei que o bebê é meu - disse ele com cuidado.
- Como assim? Eu estava saindo com alguém quando você veio para casa no verão passado. Pode ter havido uma penca de homens na minha vida sem que você tenha sabido.
- Talvez, mas você era virgem da primeira vez que fizemos amor.
- Você não tem como saber isso.
- Eu conheço uma mulher inexperiente. Você não tinha a menor idéia do que fazer.
Maya ficou ruborizada com o olhar que ele lançou sobre ela, antes de voltar a atenção para a estrada.
Drake entrou na estrada de acesso da fazenda e reduziu a velocidade, estacionando entre as árvores e arbustos ao lado do riacho sazonal.
- Você estava tremendo - continuou ele, virando-se para ela e apoiando o braço na parte de trás do banco. -E eu também.
Ela olhou para ele como se quisesse calá-lo, mas não adiantou. Maya odiava lembrar de como fora boba.
- Eu nunca tinha feito amor...
- Ah, corta essa - disse Maya, ignorando o tom maravilhado na voz dele. Ela não seria tola o suficiente para cair nos encantos dele de novo.
- Eu já tinha feito sexo - disse ele -, mas não... não o que compartilhamos.
- Não... Você não precisa dizer isso.
- Acho que sim - murmurou ele. - Eu lhe magoei quando perguntei sobre o bebê. Eu sabia que era meu. Apenas precisava ouvir você dizer. Homens às vezes precisam ter certeza, sabe.
Ela balançou a cabeça.
- Não estou surpreso por termos produzido um bebê. O que compartilhamos foi forte demais para não gerar resultados duradouros. E também não me sinto mal, exceto pela vergonha...
Ela partiu para cima dele cheia de fúria.
- Ficar grávida do filho do patrão pode ser um dos maiores clichês que existem, mas não tenho vergonha! Posso ser a filha da empregada, mas o que fiz, fiz por...
- Por amor - completou ele quando ela parou, surpresa por ter se entregado dessa maneira.
- Foi loucura - disse ela. - Só isso. Drake olhou para ela, descrente.
- Eu pareço estar falando tudo errado, mas quero que saiba que planejo cuidar dos meus entes queridos. Esse bebê é meu. Não quero que lhe falte nada,
A enorme dor que se instalou nela desde o momento em que leu o bilhete dele pareceu diminuir um pouco.
- E jamais aponte para o fato de a sua mãe ser a empregada - disse ele, franzindo a testa. - Isso nunca influenciou no nosso relacionamento. E até onde eu sei, nunca influenciará.
- Sinto ter falado isso. Foi algo odioso de se dizer. 
Ele sorriu, surpreendendo-a. Os dedos dele tocaram nos ombros dela e lá ficaram.
- Bem, parece que estamos progredindo. Talvez devamos parar aproveitando esse avanço. - Sorrindo, ele ligou a caminhonete e saiu.
Em casa, Maya deixou Drake e correu para o quarto a fim de ligar o computador. Sentiu o peso dos seus estudos e responsabilidades ao editar um trabalho e enviá-lo via internet para um professor na universidade de San Francisco. Pegou o livro e foi até o jardim-de-inverno para ler o capítulo designado e tomar notas. Em seguida, deixou o livro de lado.
Moveu a cadeira para uma posição reclinada, fechou os olhos e cochilou.
Foi lá que Drake encontrou Maya quando entrou, pouco antes das três. Sentou-se em uma cadeira acolchoada e confortável e provou do café fresco feito por Inez. Seus olhos não desgrudavam daquela mulher que dormia com uma leve expressão de desagrado, como se seus sonhos a perturbassem.
Ele sabia sobre sonhos. Ultimamente, os seus eram repletos de bebês e mulheres, atropelados por carros em alta velocidade. Não precisava ser um especialista para saber o que os causava.
Covarde. Ele assumiu de modo sombrio. Precisava de menos coragem para encarar uma arma inimiga do que para encarar essa mulher e o pedido para que encontrasse o seu espírito para então compartilhar seus sentimentos. A escuridão dentro dele só aumentava enquanto Drake admitia esse fato.
Esticando-se no sofá, pensou em como poderia ser um casamento. Voltar para casa todas as noites para Maya. Fazer amor. Compartilhar o carinho e atenção que ela dedicava a seus irmãos mais novos...
Maya acordou num pulo e olhou à sua volta. Drake abriu os olhos e se recostou. Ela se deu conta de que ele dormira no sofá enquanto ela passava a noite na cadeira reclinável.
- Maya! - gritou Teddy.
- Aqui - respondeu ela com a voz suave de quem acaba de acordar.
Os dois meninos entraram no jardim-de-inverno.
- Oi, Drake. Diz aí, podemos praticar laço de novo? - perguntou Joe Júnior.
- Hoje não - interveio Maya antes que Drake pudesse responder. -Acho que vocês têm algo para mim.
Teddy entregou a ela o boletim, mas o mais velho tinha problemas em encontrá-lo na mochila. Quando Maya viu, entendeu o porquê.
- Oh, Joe - disse ela. Ele abaixou a cabeça.
- Eu não fui muito bem na prova de matemática. Fiquei confuso com a porcentagem.
Maya sentiu um frio no estômago. A sra. Meredith ficará furiosa quando vir o C- no boletim de Joe. Nada além de A era aceitável, talvez um B, no mínimo.
- Vamos estudar de novo as questões do teste - disse ela. - Você trouxe o teste para casa?
- Sim. Acho melhor trocarmos de roupa e estudarmos um pouco.

- É uma excelente idéia.
- Posso ficar com o Drake? - perguntou Teddy.
-- É melhor você ir com o seu irmão - disse Drake. -Tenho coisas a fazer agora. Praticamos o laço no fim de semana. Se Maya estiver de acordo.
Antes que pudesse responder, Maya ouviu passos no corredor. O seu coração voltou a acelerar.
- Os meninos estão em casa? - perguntou Meredith ao entrar no quarto.
Seus olhos se acenderam ao ver os meninos. Abriu os braços.
- Venham dar um beijo, ou estão crescidinhos demais para serem carinhosos com a mamãe?
Maya ficou em silêncio enquanto os meninos, obedientes, deram um beijo em cada bochecha da mãe. Em seguida, falaram sobre o dia.
- Hoje não é dia de boletim? - perguntou Meredith.
Joe e Teddy se moveram na direção do corredor, desejando a tranqüilidade de seus quartos antes da revelação das notas.
- Vão trocar de roupa enquanto falo com a babá - disse a mãe ao sentar-se.
Aliviados, saíram em disparada enquanto Maya entregava a Meredith os boletins. Preparou-se para o que estava por vir enquanto Meredith olhava as notas.
- O que é isso? - perguntou Meredith. - Que nota é essa em matemática?
- Joe disse que se confundiu com os problemas de porcentagem. Estudaremos tudo de novo no fim de semana.
Meredith socou os boletins sobre a mesinha de centro.
- Eu lhe pago para que você os faça fazer as tarefas de escola e para que eles as entendam.
- Sinto muito - respondeu Maya com cuidado, mantendo o tom neutro. - Vamos estudar de novo os problemas...
- Eu disse a Joe que contratar alguém sem treinamento e habilidades era um erro, mas ele insistiu porque você precisava de dinheiro, como seja não pagássemos o suficiente aos seus pais...
- Mãe - disse Drake -, tenho certeza de que todos na fazenda fazem por merecer seus salários. Maya tem ajudado com os garotos desde que era uma menina. Sobretudo, eu diria que ela tem feito um trabalho excelente.
Meredith partiu para cima do segundo filho com frieza.
- Você é especialista em cuidar de crianças? Não sabia que as Forças Especiais ensinavam isso também, além de outras coisas.
Meredith olhou com desdém para a figura arredondada de Maya. A vergonha tomou conta da moça.
Atônita, Maya se deu conta de como eles se pareciam fisicamente. E agora, zangados, ambos demonstravam a mesma fúria, o mesmo autocontrole. Maya ficou arrepiada.
- Há muito tempo eu aprendi a ser bom - disse ele -, com uma mulher a quem admirava enormemente.
O ódio parecia derramar-se dos olhos de sua mãe, mas desapareceu antes que Maya pudesse ter se dado conta.
- O mundo seria um lugar melhor se houvesse mais bondade, não acha? - disse ela, com a voz repleta de ironia. Em seguida partiu.
- É melhor eu ir cuidar dos meninos - disse Maya antes de sair.
Drake deu dois passos e a pegou pelo braço.
- Sinto muito - disse ele.
- Pelo quê? - O toque dele amenizou o insulto causado pelas palavras de sua mãe. Ela quis se apoiar nele e deixar que a confortasse. Mas sabia muito bem aonde isso levaria. Cada vez mais queria aceitar a paixão que aflorava entre eles. Era loucura.
O sorriso dele era triste e um pouco irônico.
- Não sei. Pela minha mãe, eu acho. Pela atitude dela. -Não tem problema. Já estou acostumada. Digo...
não acho que ela queira ser má de propósito. Só está preocupada com os meninos. Ele soltou o braço dela.
- Eu não vou ficar olhando a nossa filha sofrer com palavras insensíveis. Não importa de onde venham.
- Você não devia brigar com a sua família por minha causa - disse ela, preocupada.
- A Marissa é a minha família, agora.
A sólida declaração a fez perder o equilíbrio. Olhando nos olhos dele, Maya viu a escuridão, mas também havia um elemento de doçura: a preocupação dele com o bebê.
Rapidamente, antes de perder a cabeça por completo, Maya saiu da sala e partiu pelo corredor, para verificar os meninos... e para dar ao seu coração uma chance de se acalmar antes que fizesse algo estúpido, tal como se atirar nos braços de Drake e implorar para ficar lá. Naquele momento, ela teria concordado com o casamento e qualquer outra coisa que ele viesse a sugerir.
Entretanto, um deles havia de ser prático, Maya disse a si mesma mais tarde quando os meninos já estavam dormindo e ela já havia andado de um lado para o outro até que suas costas estivessem cansadas o suficiente para que ela pudesse dormir. Mas era difícil, pois tudo o que ela queria era estar nos braços dele, segura em um mundo que ela não mais confiava.

No Mississipi, a mulher que agora se chamava Louise Smith mas que, no passado, era conhecida aparentemente como Patsy Portman acordou de repente. Com os trovões. Ela pulou da cama e vestiu um roupão quente, enquanto o frio e a tempestade imperavam do lado de fora. Foi até a porta, abriu-a e mirou a escuridão.
Deu-se conta de que tudo não passara de um sonho, o pesadelo recorrente no qual ouvia o choro de uma criança pedindo ajuda.
Abalada com a realidade do sonho, trancou a porta e jogou-se numa cadeira.
Quem é você?
Fez a mesma pergunta de sempre, sem jamais ter encontrado uma resposta. Sabia apenas que em algum lugar havia uma criança a quem abandonara, mas sem lembrar como. No seu passado também havia um homem moreno, um chafariz e uma felicidade indescritível.
Com as mãos sobre o rosto, chorou, com o coração despedaçado.
- Não agüento mais isso - sussurrou. - Não agüento, não agüento.
Repetiu essas palavras no dia seguinte para Martha Wilkes, que se tornara uma amiga, bem como sua psicóloga, quando tentava recuperar a memória. Martha era uma mulher negra e muito agradável que com bastante esforço saíra da pobreza e cuja perseverança foi uma inspiração para Louise.
- Então deixa passar - aconselhou Martha.
Louise franziu a testa.
- Assim, desse jeito?
- Isso mesmo. Há momentos em que a mente precisa descansar. Acho que você atingiu esse ponto. Descobri que alguns pacientes às vezes se recordam de tudo depois de se permitirem descansar. Talvez isso funcione para você.
- Fico incomodada em pensar que alguém possa estar em apuros, que possa estar precisando de mim - disse Louise. - Na noite passada, o sonho foi diferente. A menina estava mais velha, uma mulher, mas ainda com medo de algo, ou de alguém.
Martha fez um gesto positivo com a cabeça.
- A sua mente pode estar se ajustando para os anos que se passaram desde a última vez em que você a viu.
- Acho que a menina é minha. Às vezes a vejo com muita clareza. Tem cabelos ruivos, olhos azuis e covinhas. Creio que ela me chamou de mamãe em um desses sonhos.
- E o homem moreno?
Louise balançou a cabeça com tristeza.
- Não sei, mas há uma paz e felicidade enormes quando ele aparece. E há um lugar maravilhoso com um chafariz, luz do sol e um lindo jardim. Suponho que seja a minha versão do paraíso - terminou, com uma risada que ecoava a tristeza em seu coração.
- Descanse um pouco disso - reiterou Martha.
- Acho que terei de fazer isso mesmo. Não posso continuar a procurar sem chegar a lugar algum. Mesmo assim, chego tão perto... como na noite passada, durante a tempestade. Cheguei a ir até a porta, certa de que veria a menina - mulher - ali parada, chamando por mim. Por que não me lembro, por quê?
- Podemos tentar hipnose e regressão mais uma vez - sugeriu Martha, com um quê de descrença.
- Não consigo passar do dia em que acordei na clínica na Califórnia. Não sei o que estava fazendo lá, quando o que parece é que vivia em um estacionamento de trailers por aqui.
Martha balançou a cabeça.
- Li os seus arquivos na semana passada. Talvez ajudasse se tivéssemos os seus arquivos antigos, mas foram todos destruídos num incêndio. Cheguei a uma conclusão.
Louise olhou para a amiga com uma expressão de dúvida.
- O que quer que você tenha sido no passado, não tem transtorno bipolar no presente, nem sofre de desordem de personalidade múltipla, como sugerem os seus registros. Tirando a perda de memória, eu diria que você é uma das pessoas mais equilibradas que já conheci. Às vezes penso se não houve duas de você, uma mentalmente desequilibrada e outra não.
Louise abriu um sorriso irônico.
- Qual das duas eu sou, doutora?
- Oh, você é sã o suficiente - Martha a assegurou. - É possível que tenha tido uma irmã gêmea?
- Bem, se tive, não a tenho visto nos meus pesadelos.
- Gostaria de ter os arquivos antigos. Eles poderiam nos dizer muito sobre você. Se tivéssemos certeza de que você nasceu há 52 anos na Califórnia, poderíamos descobrir algo sobre a sua família.
- Parece loucura eu não me lembrar do ano ou do lugar em que nasci.
- Paciência - aconselhou a doutora. - O tempo está do nosso lado.
- Mas e o tempo da menininha ruiva? Na noite passada tive a horrível sensação de que o tempo estava se esgotando para ela.
- Vamos trabalhar no seu problema primeiro. Quero que você diga, mentalmente, Não! cada vez que começar a se preocupar com o passado. Não deixe que a sua mente se perca nisso. Deixaremos que o seu subconsciente trabalhe nessa tarefa de forma subliminar. Enquanto isso, você deve descansar e divertir-se um pouco. O que aconteceu com aquele rapaz com quem você saía?
- Ele é um amigo, nada mais. Sem um passado, não sei se posso ter um futuro.
- Não quero ouvir mais esse tipo de conversa. Em algum momento, você vai ter de seguir em frente com a sua vida, com ou sem memória. A vida é assim.
Na rua, Louise admitiu que a psicóloga estava certa, mas algo em seu coração dizia que uma vez existiu um grande amor em sua vida.
- Volte para mim - sussurrou ela para o amante moreno do passado. - Não! - disse ela, lembrando-se das instruções.


Seis

- Vocês não têm tempo para brincar de laço - Maya disse aos meninos no sábado de manhã. - O sr. Martin logo estará aqui.
Joe Júnior e Teddy olharam para ela com expressões sombrias, voltando a ser as crianças mimadas que se tornavam quando a mãe os paparicava.
- Vou pedir para a mamãe - disse Joe de um jeito que a fez querer sacudi-lo.
- Ela vai passar o fim de semana visitando amigos -disse Joe, o pai, entrando na sala. Drake estava com ele.
- É melhor obedecerem a Maya. Ou preferem ficar de castigo durante o fim de semana?
Os meninos logo se comportaram.
- Não, senhor - disseram ambos.
Maya ficou aliviada ao ouvir um carro se aproximar.
- Deve ser Andy. Vamos estudar no meu quarto - disse ela aos meninos.
- Você se importa se os meninos vierem comigo treinar laço depois de estudarem? - perguntou Drake.
- Tudo bem. Se eles assim quiserem - disse Maya, olhando-o nos olhos.
- Queremos! - gritaram os meninos, felizes.
Maya detestava a maneira como soava perto de Drake. Por isso virou-se e saiu pelo corredor, com os dois meninos à frente, a caminho do quarto.
Joe, o pai, observou os meninos com uma expressão severa, enquanto Drake a seguiu, abrindo a porta da frente como um cavalheiro.
Por um momento - de total insanidade - ela quis tê-lo em seus braços... apenas segurá-lo.
Com os olhos embaçados, Maya quase tropeçou no degrau. Drake a segurou. A força dele a dominou e ela se sentiu segura. Fechou os olhos enquanto o desejo e mil outras emoções se acendiam dentro dela.
- Maya - murmurou ele, soando tão desesperado quanto ela.
Ela segurou as lágrimas e fitou-o. Um erro. Por um instante, ela viu a vulnerabilidade dele e a tristeza que escondia por trás de sua maneira calma de agir.
- Maya - disse ele de novo.
Ela percebeu a necessidade dele, além de sua própria, e respondeu da única maneira que sabia - oferecendo o conforto do seu toque. Com os dedos trêmulos, acariciou o ombro dele.
Houve o barulho de uma porta de carro se fechando. Cada nervo no corpo de Maya deu um salto e ela recuou. Recuou da loucura que o toque de Drake reduziu no seu coração.
O rosto de Andy se acendeu num sorriso ao vê-la. Em seguida, apagou-se ao ver Drake. Os músculos em sua mandíbula enrijeceram e mirou Drake como a um oponente, mas cumprimentou-o com educação.
- Drake - disse apenas.
- Andy Martin, não é mesmo? - disse Drake, também com educação.
- Sim. Já faz alguns anos que não nos vemos - disse Andy.
- Desde os dias do futebol do colégio. Você estava alguns anos atrás de mim.
- Três. Maya e eu estudávamos juntos.
- Se você já estiver pronto - interrompeu Maya abruptamente, mantendo os olhos em Andy e ignorando Drake. - Você teve tempo para pesquisar alguns problemas para Johnny?
- Sim. Vou pegá-los. A sra. Colton ligou dizendo que os meninos precisavam de ajuda?
- Sim. Joe não se saiu bem na prova de matemática. Você pode dar aulas particulares para eles no sábado, também?
- Sim, já está tudo acertado. - Olhou para ela como se pedisse desculpas.
Maya sorriu para assegurá-lo de que não se importava por Meredith ter passado por cima dela e lidado diretamente com Andy.
- Quem é Johnny? - Drake quis saber.
- Estou ajudando Maya a ensinar uma das crianças do Hopechest - respondeu Andy.
Maya falou sobre Johnny Collins e sobre a sua preocupação e esperanças com relação ao futuro de Drake.
- Vamos trazê-lo para a fazenda aos sábados - sugeriu Drake. - Ele pode estudar com os meninos e depois treinar laço à tarde, se quiser.
Maya pensou sobre aquilo.
- Talvez seja uma boa idéia. Habilidades em uma área às vezes são transferidas para outras em forma de autoconfiança. Johnny tem boa coordenação e deverá se sair bem.
- Ótimo. Por que não começamos hoje? O que preciso fazer para trazê-lo até aqui?
- Deixe-me colocar Joe e Teddy estudando com Andy, em seguida telefono para Hopechest. Pronto? - perguntou a Andy.
Andy pegou uma pasta no carro e a seguiu até o quarto onde os meninos aguardavam. Cumprimentaram o novo tutor com pouco entusiasmo.
Maya pôde compreender. Sentindo uma certa agitação, queria liberdade ao invés de compromisso.
Em geral, sua carga horária de sete dias por semana não a incomodava, mas mesmo assim sentiu necessidade de sair andando até que sua energia se dissipasse e ela pudesse lidar com as emoções ridículas que Drake gerava em seu coração.
Maya deixou Andy com os meninos, foi até a mesa da sua mãe na cozinha e telefonou para a Fazenda Hopechest para ver se Johnny podia passar o dia com ela.
Quando estava tudo acertado, Maya se deu conta de que precisava contar para Drake. Encontrou-o no curral. Assim como ela, ele gastava as energias excedentes ao ar livre. Trabalhava com um cavalo enquanto River James observava.
Maya parou próximo à cerca ao lado de River, empregado da fazenda e criado por Joe e Meredith Colton. River era agora cunhado de Drake. A irmã de Drake, Sophie, estava grávida quando se casou com River no verão passado. Maya sentiu vontade de conversar com Sophie e lhe perguntar o que deveria fazer.
- Ele é muito bom com animais - disse River.
- Todos os Colton são - concordou ela. - Deve correr no sangue. - Pensou em quais semelhanças sua filha herdaria do pai e percebeu o quanto doía pensar nisso. - Como está Penny? A orelha dela melhorou depois da picada da abelha?
- Melhorou. - River a fitou com seus olhos verdes da cor do mar.
- Você está bem depois daquele susto? - perguntou ele.
- Estou.
Exceto pelo que foi feito do seu coração, pensou, antes que pudesse se conter. Olhou para Drake. Ele parecia confortável sobre a sela do cavalo. Será que era assim também com uma arma em punho, lutando numa batalha?
Culpa de sobrevivente pela morte de seu irmão gêmeo? Será que era essa a razão de ter escolhido uma carreira tão perigosa? Isso explicaria a escuridão e a tristeza que ela às vezes notava nele.
Naquele momento, Drake se aproximou da cerca.
- Ele é bom de montar - disse a River. - Cavalga com muita elegância.
River fez um gesto positivo com a cabeça.
- Eu cuido dele agora. Acho que Maya tem notícias para você.
Maya franziu a testa para River, incerta do que ele quis dizer com aquilo. River sorriu, pulou a cerca e pegou as rédeas do cavalo. Drake também pulou a cerca e ficou ao lado de Maya, fitando-a.
- O Johnny pode vir à fazenda nos finais de semana. Você terá de ir pegá-lo.
- Venha comigo.
- O quê?
- Vamos juntos até lá. Você o conhece. Ele ficará mais confortável se você estiver presente.
- Eu não posso deixar os meninos aqui sozinhos. Drake abriu um sorriso irônico.
- O seu amigo professor vai ficar com eles por uma hora. Isso é tempo suficiente.
Para quê?, parte dela quis perguntar.
Embora os olhos dele apontassem para uma paixão cuidadosamente controlada, Maya não achou que ele estivesse pensando em sedução. Quem pensaria, com a presente condição dela?
- Suas costas doem?
Maya fez que não com a cabeça.
- Então vamos. 
Ela hesitou.
- Deixe-me dizer a Andy para onde vou. E à minha mãe. Ela tem a tendência de ficar preocupada comigo.
- E nós todos não temos? - disse Drake.
Depois de lançar um olhar severo para ele, Maya correu até a cozinha, avisou à mãe e pediu a ela que também avisasse a Andy, caso viesse procurá-la. Minutos depois, Maya estava sentada na cabine da caminhonete de Drake.
- Você já está aqui há quase uma semana - disse ela sem pensar.
- Está pensando em quando eu vou embora?
- Estou.
- Tenho uns dois meses de licença, mais até se precisar - disse ele.
Ela pensou no porquê de Drake precisar de mais tempo.
- Você nunca ficou por aqui por mais de uma ou duas semanas.
- Nunca tive uma mulher grávida para cuidar antes - disse ele, como se isso explicasse tudo.
- E agora você também não tem.
- Tenho sim.
O riso repentino dele - suave e sexy - irritou-a, e Maya quase se pôs a chorar.
- Não tem.
- Você está certa. Perdoe-me.
Quando chegaram à Fazenda Hopechest, encontraram Johnny na varanda do escritório. Maya o cumprimentou e entrou para assinar a liberação dele.
De volta à caminhonete, Maya se deu conta de que não deveria ter vindo. Drake a fez sentar no meio, para que Johnny entrasse. Assegurou-se de que ela estivesse com o cinto de segurança e falou com o adolescente. Maya apresentou um ao outro.
- Obrigado por me levar - disse Johnny com os olhos brilhando. - É bem melhor do que ficar aqui fazendo as obrigações.
- Nós também teremos obrigações - disse Drake. - Prometi a River que limparíamos todos os estábulos neste fim de semana. Ele está precisando de ajuda, pois dois de seus melhores ajudantes fugiram para se casar.
Maya tentou se fazer o mais imperceptível possível no caminho de volta, mas isso não impediu que percebesse cada movimento da caminhonete que fizesse o seu ombro ou sua coxa tocar os dele.
Maya praticamente empurrou Johnny para fora do veículo e para dentro de casa quando chegaram. Depois de apresentá-lo a sua mãe, que preparou para ele um copo de leite com bolinhos de canela, Maya o levou ao encontro de Andy e dos outros dois meninos.
Drake estava na cozinha quando ela e Andy entraram com os três meninos para almoçar.
- Drake - gritou Teddy, feliz em ver o irmão mais velho. - Podemos praticar laço depois do almoço? Johnny também vai experimentar, não vai? - disse ao novo amigo.
- Falem baixo - disse Maya.
- Uma hora de laço e duas horas de limpeza nos estábulos. - Drake sorriu, deixando Maya louca mais uma vez.
Ela tinha de superar essa montanha-russa de emoções quando estava perto de Drake. Quando o bebê nascesse, quando ela se formasse, quando partisse, tudo melhoraria.
A idéia de partir lhe causava uma dor no peito. Percebendo o olhar de Drake sobre ela, abriu um sorriso e supervisionou o almoço.
Drake cerrou os dentes para suportar o aperto que sentia cada vez que olhava para Maya. Ele percebeu a tranqüilidade dela ao redor do amigo professor e a maneira como evitava olhar para ele. Algo quente e raivoso queimava dentro dele.
Ele queria arrancá-la de perto dos outros machos, incluindo o adolescente que olhava para ela com adoração e seus dois irmãos mais novos que imploravam pela atenção dela. Mas, mais do que tudo, admitiu, queria vê-la longe do outro macho adulto que obviamente tinha a confiança total dela.
Depois do almoço, os meninos correram para fora a fim de preparar os cavaletes, falando sem parar com o novo amigo. Drake foi depois, mais devagar, ciente de que Maya e o tutor não notaram quando ele saiu.
Lá fora, respirou fundo e tentou descobrir o que andava errado com ele ultimamente. A sua vida sempre foi planejada, até que a carta do seu pai lhe disse sobre Maya e o bebê.
Ouvindo vozes, observou Maya caminhar até o carro com Andy Martin. Estavam perto um do outro enquanto discutiam o progresso dos estudantes e faziam planos para o próximo fim de semana. Sem pensar, Drake caminhou até eles.
Nenhum dos dois o notou.
- Vamos nos encontrar na cidade na quarta-feira - propôs Andy. - Podemos planejar um curso para os meninos e para Johnny.
- Boa idéia - concordou Maya com muito mais entusiasmo do que mostrara às sugestões de Drake.
Drake continuou a caminhar.
- Talvez fosse melhor escolher uma data para o casamento enquanto estão aí ocupados planejando o futuro.
Os dois ficaram em silêncio absoluto, e Drake pode ouvir o assobio do vento pelas folhagens e o aviso estridente do seu próprio coração, dizendo-lhe que cometera um erro terrível.
Antes que pudesse se desculpar, Andy entrou na frente de Maya.
- É melhor você se desculpar com a moça - disse ele -, antes de engolir os dentes.
Drake riu da idéia de um professor batendo em um soldado das Forças Especiais.
- Você vai me fazer engolir os dentes?
O rosto de Andy ficou vermelho. Drake mudou de postura quando o professor se preparou para a briga.
Preparou-se para um golpe, pronto para lutar, calculando os movimentos do inimigo. Precisava de ação, qualquer coisa menos o impasse de tentar falar com a mulher cujos olhos expressavam choque e horror enquanto a briga começava.
O professor deu um golpe. Desviando, Drake simplesmente atirou o homem na poeira.
Sua satisfação durou pouco, ao ver que tinha cometido outro erro tático. Maya correu na direção de Andy, para ajudá-lo.
- Seu bruto! - olhou para Drake.
- Não o machuquei - disse. - Foi ele quem começou. Maya se endireitou e pôs as mãos na cintura.
- Você o provocou.
Ela parecia tão desejável que ele quase a agarrou e beijou. Mas conteve-se.
- Bem - disse Drake, tentando ganhar tempo -, ele estava tocando em você.
- Tocando em mim? - disse ela, mais uma vez sem perceber a nuance da situação. - Oh, pelo amor de Deus! Vai... saia já da minha frente.
Drake se recompôs e, insultado, saiu na direção da casa.
Inez estava na cozinha, como esperado. Depois de pegar uma xícara de café, sentou-se em um banco no final da bancada e a observou preparar o peixe para assar. Suspirou com força.
- Problemas? - perguntou a empregada. 
Aliviado por ela sempre entender os homens, Drake fez que sim com a cabeça.
- Maya - disse, desanimado com a situação. - Nada está de acordo com o planejado.
Ele esperava que Maya estivesse grata a ele por ter retornado, por cuidar dela para que não tivesse preocupações com o futuro da criança. E isso foi o agradecimento que conseguiu - sua fúria.
- Eu simplesmente não a entendo - resmungou. 
Inez passou manteiga nos filés de peixe.
- Grávidas são imprevisíveis.
- Eu sei bem - concordou ele, ainda sentindo a dor de ser chamado de bruto.
- São os hormônios. O corpo muda muito.
Drake fez um gesto positivo com a cabeça. Relembrando-se da perfeição de um corpo em forma no verão passado e comparando-o com as curvas acentuadas do presente, sentiu as mudanças nada sutis em seu próprio corpo enquanto o calor circulava na direção daquele lugar escuro dentro de si.
De repente sentiu um desejo inabalado pelas mudanças em Maya. Ela estava mais sexy. O bebê parecia uma prova da paixão selvagem que compartilharam, parecia lembrá-lo do êxtase que experimentou com ela e mais ninguém. Logo, sentiu a ausência dela.
- Uma coisa que sei sobre a minha filha - continuou Inez depois de alguns minutos de silêncio - é que ela não entregaria o corpo onde o coração também não estivesse.
Drake sentiu o peito apertar.
- Ela parece muito próxima de Andy Martin.
- Sim, Andy é amigo dela. - Inez rolou os filés em farinha de rosca e espalhou o queijo ralado. Em seguida colocou-os na tigela. - É bom que amantes também sejam amigos.
- Ele não é amante dela - disse Drake furioso.
- Alguém foi.
Drake sentiu-se ruborizar enquanto essa verdade flutuava entre eles.
- Sinto muito - disse. - Você é mãe dela. Eu não deveria...
- Uma mãe deve se desapegar quando a filha se torna uma mulher. Ainda assim, não é fácil ficar em silêncio quando a sua filha comete erros. - Abriu um sorriso sábio, mas triste. - Você aprenderá isso com a sua filha.
- Marissa. Maya vai chamá-la Marissa.
- Um belo nome - disse Inez.
Sentiu o coração apertar de novo. Olhou para a mão e se recordou do bebê chutando como se dissesse seja bem-vindo de volta. O rosto do seu irmão gêmeo apareceu e Drake balançou a cabeça, confuso. A escuridão retornou, acabando com o calor e a paixão.
- O meu trabalho - disse ele, tentando explicar - é perigoso. Não há lugar para mulher e filhos por onde vou.
- Ao longo da história, mulheres têm ido para lugares perigosos com seus maridos - disse Inez com um tom repreensivo, mas suave. - Talvez seja a sua coragem que está em falta.
Os olhos escuros dela, tão parecidos com os da filha, miravam-no com a bondade de sempre e ainda assim ele se sentiu criticado.
- Alguém precisa ser prático com relação à situação - disse ele enquanto a esperança e o desejo lutavam com a sua consciência.
- Sempre achei Maya muito serena.
- Talvez - disse ele.
Obviamente, a mãe não conhecia mesmo a filha. Precisando de movimento, partiu para o curral. Maya estava lá, sentada sobre a cerca, despreocupada com sua situação, como sempre. Drake sentiu a raiva costumeira tomar conta dele, deslocando as outras emoções mais confusas.
- Tenha cuidado - foi tudo o que ele disse ao pular a cerca para começar as lições de laço.
- Eu tenho - disse ela, deixando claro para ele que ainda estava furiosa.
- Querem tentar a sorte de cima de um cavalo? -Drake perguntou aos meninos.
Joe e Teddy adoraram a idéia. Johnny ficou quieto. Drake observou o adolescente enquanto supervisionou a preparação de três bons pôneis. Johnny fez exatamente o que Joe e Teddy fizeram, mas de maneira um tanto desajeitada.
- Fiquem firmes e circulem as rédeas - Drake instruiu os meninos ao se dar conta de que Johnny não tinha muita intimidade com cavalos. Mostrou a eles como se faz.
Johnny seguiu todas as instruções. Drake fez um sinal positivo com a cabeça quando o adolescente se acomodou na sela, ainda um pouco tenso, segurando as rédeas do mesmo jeito que Drake.
- Logo que laçarem o cavalete, o pônei vai manter a corda esticada. Desmontem e continuem a segurar a corda ao correr para liberá-la. Lembrem-se, se fosse de verdade, no final da corda haveria um animal vivo e agitado.
Ciente dos olhos de Maya sobre ele, deu dicas aos meninos e observou suas habilidades melhorarem a cada instante. Maya estava certa - Johnny aprendia rápido. Talvez o menino pudesse conseguir uma bolsa de estudos para praticar esportes em alguma universidade. Mais tarde falaria com Maya sobre isso.
Deixou de lado esse pensamento. Não pensaria no futuro do adolescente apenas para subir no conceito de Maya, embora ficasse incomodado por ela não lhe dar atenção enquanto cuidava dos meninos. Gomo se não confiasse muito nele.
Mais tarde, quando foi ao quarto tomar banho e se trocar para o jantar, pensou em algo que lhe veio à mente mais cedo. Maya não confiava mais nele.
Mas ele disse a ela, no bilhete que deixara, que sua vida era incerta demais. Disse coisas que não queria no calor do momento, mas também já havia explicado a razão de ter partido sozinho...
Por quê?
A pergunta o pegou de surpresa, fazendo-o parar por um segundo. Logo a razão se fez presente.
Explicara tudo, droga. Não tinha uma vida como a de um homem qualquer. O seu futuro era algo de que não se podia depender.
Por quê?
Por causa de suas missões. O retorno nunca era garantido. Porque jurara não deixar ninguém para trás chorando pela sua morte.
Da forma como fora deixado quando seu irmão gêmeo morreu?
Ele não tinha resposta para isso. Simplesmente não era justo para um homem na sua posição ter mulher e filhos... exceto pelo fato de já haver uma filha a caminho. E Maya...
Quase perdeu o ar ao pensar em encontrá-la, com toda a sua doçura, cada vez que voltasse para casa, são e salvo, para os braços dela.
A nova cicatriz na sua cintura latejou. O problema era que talvez um dia ele não voltasse. Drake balançou a cabeça enquanto a dor lhe invadia o corpo. Não deveria ter se aproveitado da inocência dela, de sua confiança e muito menos de seu amor, se não tivesse a intenção de retribuí-lo.
Uma emoção que ele não conseguia explicar o tomou por inteiro. Precisava ir até ela, dizer a ela... o quê?
Um homem sem futuro não tinha o direito de envolver alguém em sua vida. Era isso o que ele tinha de fazê-la entender. Se isso significasse que ela teria de procurar outro homem...
Essa idéia era insuportável. Maya e ele tinham de chegar a um acordo. O futuro de sua filha dependia disso, lira isso o que tinha de pensar... sobre o futuro de Marissa.
De repente, um mundo de possibilidades se abriu diante dele.


Sete

Maya olhou rapidamente suas anotações. Sim, tinha tudo ali. Não tinha? Olhou novamente os papéis. Sim. Teve de rir do próprio nervosismo.
Hoje seria o grande teste, o último do semestre. Todas as outras matérias requeriam um trabalho, mas não essa, sobre métodos de avaliação infantil.
Depois de fechar a pasta, guardou-a na bolsa junto de um pacote de biscoitos e uma garrafa d'água. Correu até a cozinha para avisar à mãe que estava de saída. Drake estava lá.
Cumprimentou-o apenas em respeito à presença da mãe.
- Estarei de volta às nove, eu acho - disse Maya. -Os meninos já foram orientados e estudarão aqui na cozinha antes do jantar. Cada um pode escolher uma hora de televisão, dessa vez o Teddy primeiro, e Joe tem de ler para você um de seus livros por 30 minutos.
- Eu me lembro - disse Inez, mexendo uma panela no fogão. - E depois leio um capítulo do livro de Teddy para ele. Joe fica escutando. Ambos vão para a cama às nove.
- Aonde você vai? - perguntou Drake, franzindo a testa.
Maya respondeu relutante:
- San Francisco.
- Ela tem uma prova - completou Inez, olhando preocupada para Maya. - Não gosto quando você passa tanto tempo na estrada sozinha. Tem uma tempestade se aproximando. E se algo acontecer?
- Nada acontecerá - disse Maya.
- E se o pneu furar? Talvez possa haver um alagamento. Você sabe que temos deslizamentos nesta época do ano. Durma por lá se chover.
- Bem, não choveu uma gota esta semana. Ficarei bem. Pare de se preocupar - disse Maya com afeição.
- Aqui está o seu almoço. - Inez entregou a ela uma sacola de plástico. - Caso algo aconteça e você precise comer.
Com um sorriso resignado, Maya guardou a sacola, deu um beijo na mãe e partiu. Drake se levantou e a seguiu. Ela estava ciente da presença dele logo atrás.
Finalmente, virou-se e disse:
- O que foi?
- Você vai naquele seu carro velho? 
A pergunta a surpreendeu.  
- Vou.
- De jeito nenhum.
- Como assim? - disse ela num tom arrogante.
- Eu levo você. Não discuta - aconselhou, - Não vai adiantar nada.
- Não preciso que ninguém me leve.
- Por favor.
As duas palavras suaves flutuaram entre os dois. Talvez se ela não o tivesse olhado nos olhos... mas olhou. Viu determinação, mas também preocupação e a ameaça que nunca o abandonavam.
- Você não precisa fazer isso - disse ela, tentando soar razoável.
- Eu sei, mas... ficarei preocupado.
A simplicidade da afirmação a impediu de ignorá-lo. Foi com ele, ainda que um tanto apreensiva, até a caminhonete. Logo que partiram, Maya suspirou e relaxou.
- Devo admitir, é bom ver a paisagem em vez do trânsito.
Os olhos dele brilharam.
- É mesmo. Maya sentiu um calor imenso enquanto Drake dirigia pela estrada sinuosa por entre as montanhas até a Rodovia 101, mais rápida do que a estrada do litoral. Mesmo assim, a viagem durou pelo resto da manhã. Quase não se falaram. Já passava das onze quando Drake se juntou ao tráfego que lotava a ponte Golden Gate na direção de San Francisco.
O céu estava nublado, e a cidade, coberta por uma névoa, trazida por um vento frio do Pacífico.
- Vamos almoçar em um dos restaurantes ao longo da marina - sugeriu Drake.
- Prefiro ir até o campus. Quero olhar as minhas anotações mais uma vez - disse Maya.
- Tudo bem. Você vai ter de me indicar o caminho.
Drake seguiu as ordens dela e logo chegaram à universidade. Assim que estacionaram, Maya foi até a sala onde seria realizado o teste.
- Eu trouxe um livro para ler. Sabe se há uma cantina ou algum lugar onde eu possa fazer um lanche? - perguntou Drake.
Maya abriu a bolsa e pegou o lanche que sua mãe preparara.
- A mamãe mandou comida para o caso de me perder numa ilha deserta por uma semana. Quer um pouco?
- Claro. Vou pegar as bebidas - disse ele.
Maya o observou caminhar com longas passadas, seguro de si, quando trouxe os refrigerantes. A tristeza e a animação de estar com ele a deixaram confusa e preocupada. Estivera errada quando seguira o seu coração no verão passado. Não seria tola de novo, jurou a si mesma, não importava o quanto Drake pudesse ser maravilhoso.
Ele foi ótimo com Johnny e com seus irmãos mais novos durante o fim de semana, trabalhando com eles por horas nos estábulos. Drake parecia ter uma afinidade natural por crianças.
Com a mão sobre a barriga, Maya pegou-se pensando em como Drake seria como pai. Firme ou sem limites? Amável ou distante? Será que mimaria Marissa durante suas rápidas visitas e a ignoraria pelo resto do tempo?
Se eles se casassem, será que ela se tornaria uma esposa chata, detestando tudo quando ele estivesse fora em uma de suas missões? E se um belo dia ele não retornasse?
Maya se preocupava com a escuridão no espírito dele que o levava a cultuar o perigo e a desafiar a morte. Mas ele não era simplesmente um caçador de aventuras, ou um viciado em adrenalina. Drake sabia o que era certo e errado. Era uma pessoa honrável.
E era aí que morava o problema. Ele se casaria com ela e lhe daria a vida que achava que ela queria. Para fazer o certo - essa era a natureza dele e a razão de ter escolhido o trabalho que tinha. Também era parte da razão de Maya amá-lo.
O desejo por mais coisas do que a vida parecia oferecer a torturava com necessidades que ela suprimia nesses últimos meses. O orgulho a impediu de entrar em contato com Drake quando soube que estava grávida. Ela não teve notícias dele depois que partiu.
Não há lugar na minha vida para uma mulher e uma família.
A negação severa e por escrito do amor que compartilharam foi gravada para sempre no coração dela. Por um momento, Maya sentiu pena daquela menina inocente que dera o seu amor de maneira tão inequívoca. Foi um choque e tanto ler o bilhete deixado por Drake...
- Aqui - disse Drake de novo ao entregar a lata de refrigerante com o canudo para Maya.
Ele ficou curioso por saber que pensamentos a fizeram divagar daquela maneira. Teve ciúmes. Queria Maya em todos os aspectos - seus pensamentos, seu tempo, sua atenção. Balançou a cabeça ao se dar conta de todas as razões pelas quais deveria deixá-la em paz.
Mas era tarde demais para isso.
Olhando para Maya, sentiu o desejo lhe invadir a alma.
Drake nunca se permitia pensar no lado suave da vida e no conforto de um lar e de uma família. Isso não estava nos planos dele. Sempre soube disso, bem antes de escolher a carreira ou se apaixonar por Maya. Ele não quis magoá-la...
Mas o fez.
Isso era outra coisa que tinha de encarar. Anos atrás, quando ela tinha dezessete anos e começava a desabrochar como mulher, ele se sentiu atraído por ela. Naquele momento a razão falou mais alto e ele saiu da casa.
Uma pena não ter tido esse bom senso em junho passado. Agora era tarde demais.
Drake se deu conta de que suas vidas sempre estariam entrelaçadas de diversas formas. Querendo ela ou não, ele tinha de pensar nela e no bebê. Todos os bens dele agora estavam vinculados a ela - o seu seguro, conta corrente, herança -, caso não voltasse de uma missão.
Observando Maya, ele a viu fechar os olhos. Os lábios dela se moviam enquanto ela lia.
- Dê-me suas anotações - disse ele. - Eu lhe testo. 
Quando entregou a ele os papéis sem hesitar, Drake se deu conta do quanto ela estava preocupada. Nos 90 minutos seguintes, ele fez perguntas a Maya, e ela respondeu a todas corretamente.
- Você vai gabaritar o teste - disse Drake.
- Gostaria mesmo.
Ele teve de sorrir ao notar o tom fatalístico dela. Maya sempre foi uma boa aluna. E ótima amante, sempre pronta para dar prazer e explorar toda a paixão que havia nele.
O corpo dele enrijeceu de desejo, tantas vezes negado, mas sonhado a cada noite. Sem pensar, ele se inclinou e a beijou na boca.
- Boa sorte - murmurou, sabendo que tinha de soltá-la.
- Obrigada.
Fitou-a enquanto Maya se recompunha e se organizava para logo depois seguir pelo corredor, juntando-se aos outros estudantes que entravam no auditório. Drake pegou o livro de manobras navais de guerras passadas e se acomodou para esperar por ela.
Depois de alguns capítulos, desistiu do livro. Sua mente não perdia o foco de Maya, do bebê e do futuro. Marissa iria crescer, casar, ter filhos. Será que ele estaria vivo para ver tudo isso?
Lá fora, a tempestade caía sem piedade, tornando a estrada muito perigosa.
Às três horas, Drake telefonou para Inez e ficou sabendo que lá também chovia. Tomou uma decisão.
- Acho que vou atrás de um hotel para passar a noite aqui - disse à empregada.
- Ótimo. Eu estava preocupada com Maya na estrada com toda essa tempestade.
Drake sentiu uma leve pontada de culpa, ao providenciar dois quartos num hotel próximo à baía. Não era culpa dele a tempestade ter acontecido. Até mesmo a mãe de Maya ficou aliviada ao saber que a filha não estaria à mercê do tempo. Ficar na cidade era a melhor atitude a tomar.
Mais que isso, ele não queria pensar.
Maya terminou o teste e o entregou ao assistente na saída da sala.
- Como foi? - perguntou Drake.
- Bem - disse ela, desviando o olhar. - Está chovendo - disse, como se tivesse acabado de perceber isso.
- É. Falei com Inez. A tempestade está varrendo todo o litoral. Eu disse a ela que passaremos a noite na cidade.
- Sim, acho que é o melhor a fazer.
Ela sabia que isso era mentira. Maya queria muito passar horas a sós com ele. Uma noite encantada.
Ele foi na frente até o carro, apontando as poças d'água para que ela não as pisasse. Parecia agir de maneira impessoal, mas os seus olhos falavam de intimidades.
O hotel ficava próximo ao distrito turístico com belas vistas para a baía, para a ilha de Alcatraz e para a ponte Golden Gate, quase invisível por causa da chuva. Os seus quartos ficavam de frente um para o outro num corredor no sétimo andar.
- Gostou do hotel? - perguntou Drake quando ficaram a sós.
Maya ficou de pé próxima à janela e olhou para a rua, repleta de trabalhadores indo para suas casas.
- Sim, gostei.
Ele cruzou o quarto e ficou atrás dela.
- O que você está vendo de tão interessante?
- Nada. Só a rua. Parece uma pintura com essa névoa e a baía atrás.
- Logo estará deserta. As pessoas na rua e os turistas logo irão embora.
Maya respirou fundo, absorvendo o perfume dele, sentindo o calor de Drake em seu ombro. Desejou que a vida fosse diferente.
Cresça, aconselhou a si mesma. Em seguida suspirou.
- Cansada?
Drake pôs as mãos nos ombros dela e, com seus dedos mágicos, aliviou a tensão nos músculos do pescoço de Maya. Ela não o impediu. Sabia que deveria tê-lo feito, mas não o fez.
Qual o problema se ele a tocasse a essa altura dos acontecimentos?
Isso não passava de uma lógica tola, mas no momento, Maya não se importava. Esse era Drake, o menino que ela cultuou na infância, o homem que veio a amar quando mulher. Drake, com seu senso de responsabilidade e necessidade de reparar o dano de um crime que não cometeu. Tão bom com os outros e tão duro consigo mesmo.
Maya olhou para ele, repleta de amor. Não havia como esconder isso.
Drake então tocou no rosto dela com os dedos.
- Sonhei com você, nós dois juntos, a sós desse jeito, durante todo o tempo que passei longe.
A solidão dele era um destino sombrio. Maya se comoveu.
- Poderíamos ter estado juntos.
- Às vezes isso até parece possível.
- Mas não é - concluiu ela.
- Não sei.
A aceitação dele apontava para um desejo que não podia esconder. Os músculos de sua mandíbula se moveram e Maya percebeu que ele estava tentando - com dificuldade - manter o controle. Se ela fosse um pouco mais adiante...
- Acho que gostaria de descansar um pouco. 
Drake se afastou.
- Claro. Quer que tragam o jantar no quarto ou quer sair?
O hotel tinha um restaurante no último andar, um dos locais favoritos dela para se comer.
- Adoro lá em cima. Parece que se está no topo do mundo.
- Tudo bem. Que tal às sete?
- Isso, perfeito.
A formalidade dos dois era de alguma maneira irônica. Drake fez um gesto positivo com a cabeça e saiu. Maya permaneceu à janela por mais alguns minutos, olhando para fora e com a mente vazia. Era como se esperasse por algo, ou por alguém.
Sentiu um tremor lhe descer pela espinha e afastou-se do frio que penetrava pelo vidro da janela. Deitada na cama, fechou os olhos, sentindo a exaustão lhe tomar o corpo em pequenas ondas de enjôo, uma após a outra, até dormir.
O restaurante estava bastante cheio para uma noite de segunda-feira com chuva, notou Maya quando ela e Drake se sentaram. Um grupo grande e barulhento ocupava um lado da sala. Felizmente, os dois pegaram um canto quieto próximo a uma janela com vista para a baía. As luzes da rua eram refletidas no pavimento molhado.
- Você dormiu? - perguntou Drake.
- Sim, bastante. Para minha surpresa.
-Você estava cansada. Testes sempre lhe deixam tensa. Como se você não fosse tirar dez.
- Eu sinto uma insegurança básica, suponho, em ser testada e não corresponder às expectativas.
- Você nunca deixou a desejar, até onde eu sei - disse Drake.
A voz dele era suave e musical, como sempre, mas carregava sentimentos e significados profundos que ela não conseguia decifrar. Cada vez que Maya olhava para cima, encontrava os olhos dele sobre ela.
Um outro casal passou por eles. A mulher estava vestida com um belo terno preto, seu corpo era elegante e perfeito. Maya olhou para o seu próprio traje. Calça azul e blusinha de grávida. Nada elegante.
- Aqui em cima parece uma ilha - disse Drake, desviando a atenção para a vista da janela. - É como estar sozinho num lugar estranho, suspenso entre o céu e a terra. Os carros podiam ser espaçonaves do futuro.
- Estamos numa estação espacial orbitando o universo - disse ela, juntando-se à fantasia.
- Isso.
A voz dele era suave, repleta de promessas como um vento quente no inverno, lembrando que a primavera estava chegando.
Maya tinha uma sensação de urgência, sentia como se estivesse prestes a desabrochar. Depois do longo inverno, estava pronta para a realização das promessas silenciosas, mas sempre presentes.
Ficou inquieta. E feliz quando as saladas chegaram, pois assim teria algo em que se concentrar além da energia que circulava entre eles. Depois de um tempo, desejou que o jantar acabasse logo, pois cada segundo se tornava um desejo doloroso que duraria para sempre.
Nada dura para sempre, disse a si mesma, mas não adiantou.
- Você parece tão solene. Sobre o que está pensando? - perguntou Drake, ignorando o prato com o bife deixado pelo garçom.
Maya cortou um pedaço do filé de peixe refogado e reconsiderou.
- Estou pensando nos próximos testes que farei - disse ela, forçando-se a sorrir.
- Até lá já vai ter dado à luz.
O sorriso se dissipou.
- Sim.
- Como vai fazer?
- Recém-nascidos dormem o tempo todo. Levarei Marissa comigo para as aulas no último mês.
- Você vai amamentar?
- Eu... eu acho que sim. Digo, é muito melhor para o bebê.
- Ótimo - disse ele.
Ela cometeu o erro de olhá-lo nos olhos. A solidão que lá encontrou quase a fez chorar. Continuou a comer até que a sensação passasse. Finalmente, terminaram de comer.
- Acho que gostaria de me recolher agora - disse ela, recusando a sobremesa.
- A conta, por favor - disse ele.
Ela ficou em silêncio enquanto ele recomendava ao garçom que lançasse a conta junto com a despesa do quarto. No elevador, a caminho do sétimo andar, ela se encostou na parede, sentindo o peso da responsabilidade sobre os seus ombros. Precisava apenas dizer as palavras certas e Drake entraria em jogo, oferecendo o casamento e uma saída fácil para todas as preocupações dela.
O orgulho não a deixava considerar essa solução por mais de um minuto. Ela se meteu nessa e encontraria uma solução sozinha.
Na porta do quarto, Maya o agradeceu pela refeição e entrou rapidamente, trancando a porta. Ela sentiu a presença dele do outro lado, antes de abrir a porta do quarto dele e entrar em silêncio.
Maya respirou com mais facilidade depois disso. Além do roupão, havia uma camiseta sobre o travesseiro. Também encontrou um kit de toilette no banheiro.
Sabendo que Drake pensara nos itens paia ela, escovou os dentes com a pequena escova, vestiu a camiseta e se deitou. Na TV passava um filme antigo, o que deveria tê-la feito dormir, mas permaneceu acordada, agitada e tensa.
Nove horas. Dez. Onze.
Maya sentou-se e acendeu o abajur. Olhou à sua volta em busca de algo para ler. Folheou uma revista sobre as atrações de San Francisco. Olhou pela janela, onde a chuva batia num ritmo monótono no vidro. Um quarto de hotel numa cidade encharcada pela chuva era o local mais solitário do mundo.
Ouviu uma leve batida na porta.
- Maya? - disse Drake.
Ela vestiu o roupão e abriu a porta.
- Sim? Ele entrou.
- As suas costas estão doendo?
- A chuva está forte? - disse ela num tom humorado.
- Deite-se. Eu lhe faço uma massagem.
- Isso não é uma boa idéia, Drake.
Ele congelou, seus olhos procuravam os dela. Maya olhou para ele com um olhar desesperado, mas repleto de desejo. Sua decisão de permanecer sozinha se enfraquecia a cada segundo.
- Maya - murmurou ele. O tom de sua voz ecoava o desejo presente em ambos. Cerrou os punhos. - Eu não planejei isso.
Maya balançou a cabeça com força.
- Isso é loucura... desejar desse jeito, querer alguém que não se tem por perto.
Drake esticou a mão para tocá-la, com o intuito de eliminar a dor dos olhos dela. Viu mais do que ela gostaria que ele visse - a recusa em se deixar precisar de alguém, a coragem de encarar a vida por conta própria, a tenacidade de continuar...
A coragem dela o tocou, fazendo com que questionasse suas próprias convicções. Sabia que não devia fazer promessas. Sua vida era incerta demais para isso. E ainda assim havia Maya, seu calor, sua bondade, seu amor.
- Eu não posso lhe dar o que precisa - disse ele numa tentativa final de ser honesto. - Sou o que sou.
Maya se aproximou ainda mais dele, atraída feito um planeta perdido capturado pelo sol.
- Você é o que preciso - disse ela. -Apenas não sabe disso.
Drake franziu a testa como se sentisse dor. Ela o abraçou e deitou a cabeça sobre o seu peito. Drake hesitou, mas logo a abraçou. Ela suspirou, feliz e exausta ao mesmo tempo.
- Faz amor comigo - disse ela.
- Eu quero. Desesperadamente.
Drake a conduziu até a cama. Nada poderia fazer com que ele desistisse daquele momento.
Quando ela soltou o cinto, ele arrancou o roupão dos ombros dela e atirou-o numa cadeira. A camiseta que ia até a metade das coxas dela disfarçava a gravidez e deixava-a com o corpo parecido com o que era no verão passado.
O coração de Drake bateu acelerado de tanto desejo. Ela era a mulher dos seus sonhos e ele não podia mais negar a paixão avassaladora que existia entre eles.
- Deixe-me olhar para você - pediu.
Quando agarrou a camiseta, ela não protestou. Tirou-a e deixou-a de lado.
De joelhos, encostou o rosto na barriga dela e se maravilhou com aquela prova de vida, o milagre que ajudara a criar.
- Deite-se - disse Drake.
Maya empilhou os travesseiros contra a cabeceira da cama, olhando para o homem que a fitava enquanto se despia. Ele parecia radiante sob a luz do abajur.
Um arco de luz dourada brilhou dentro dela, deixando para trás uma vibração de desejo. Esse era Drake, o homem que amara durante toda a vida.
Quando ele se juntou a ela na cama, deixou de lado a dúvida e se entregou ao êxtase de seu toque.
- Você é linda - murmurou ele depois de beijar-lhe a boca e descer pelo pescoço.
Ela sorriu mas não disse nada.
Drake acariciou os seios dela. 
- Eles também mudaram. Não estão apenas maiores, mas...
Os mamilos dela mudaram da cor rosa-claro para um rosa mais escuro.
- Mais escuros - disse ela. - Isso é natural, já me informei.
- Também parece que há um brilho maior.
Drake tocou no rosto dela e desceu os dedos pelo peito, deixando um rastro de calor pela pele de Maya. Descansou a mão sobre a barriga dela, esquentando-a também.
- Podemos fazer isso sem machucá-la? - perguntou ele.
Maya olhou para ele e sorriu.
- Sim. Quando quisermos... - Parou e ficou ruborizada.
- Terei cuidado - prometeu Drake.
Maya fechou os olhos e sentiu o desejo tomar conta dela. Correu os dedos pelos cabelos dele e puxou-o para mais perto.
O beijo começou suave e logo ficou desesperado. Maya se movia sem parar contra ele. O cheiro de Drake enchia os pulmões dela. A presença masculina dele lançava ondas de desejo por todo o corpo de Maya.
- Drake - sussurrou.
O toque dele se tornou familiar, íntimo, excitante. Acariciou-o do mesmo jeito, explorando o corpo de Drake como ele explorava o dela, buscando todas as maneiras de levá-lo à loucura. Ele fez o mesmo com ela.
- O que é isso? - perguntou Maya, parando ao sentir uma elevação na pele dele de que não se recordava.
- Nada - murmurou ele ao acariciar os seios dela. Ela o empurrou até fazê-lo virar para que pudesse ver o que era. Maya quase engasgou ao ver a nova cicatriz na cintura dele.
- Você se feriu.
Ele deu de ombros. Ossos do ofício, o gesto pareceu dizer.
Os olhos dela se encheram de lágrimas.

- Na última missão?
- Sim. - Ele sorriu, tentando acalmá-la. - Isso não me atrapalhou quando aconteceu e não me atrapalha agora - disse, passando a mão pela perna de Maya.
Ela pegou a mão de Drake e levou-a até os lábios. Em seguida apertou-a contra o rosto.
- Eu detestaria se você morresse. Lamentaria para sempre. Dentro do meu coração.
A expressão dele ficou severa. A tensão aumentou. Maya continuou a olhar para ele, recusando-se a ficar intimidada.
Eu amo você.
As palavras ficaram presas na ponta da língua dela. Maya não as disse, mas também não tentou negá-las. Esse era Drake, o amor de sua infância.
- Você não permite que ninguém invada a sua vida emocional - sussurrou Maya -, mas se aceita o meu corpo, deve também aceitar os meus sentimentos.
- Não há futuro nisso. Eu não...
Ela pôs os dedos sobre os lábios dele.
- Você tem algo a oferecer. Você mesmo. Simplesmente como é. Não como um herói que corre perigo para salvar uma vida, mas como um homem incrivelmente bom e gentil. Já observei você com os meninos. Você é muito bom, Drake. Por que não enxerga isso?
A paixão diminuiu e a tensão aumentou. Maya se arrependeu de ter dado o conselho e o silêncio aumentou.
- O que você vê em mim é apenas um fraco reflexo de quem você é - disse ele com uma intensidade enorme. - Você representa as coisas boas da vida... as coisas pelas quais luto quando saio em uma missão.
Aquelas palavras pareciam vir do lugar escuro dentro dele. Maya piscou os olhos marejados.
- Não tem problema - disse ela, tentando consolá-lo. - Este momento é suficiente. Dê-me esta noite, Drake, e deixe que o amanhã aconteça naturalmente.
- Não posso prometer nada para o amanhã.
Maya balançou a cabeça, como se não quisesse ouvir. Drake respirou fundo e beijou cada um dos dedos dela.
- Você me faz sonhar, doce Maya, com coisas que não podem acontecer.
- Podem sim - disse ela com convicção ao abraçá-lo com força. - Ame-me, Drake. Agora. Quero você agora.
Ele hesitou apenas por um instante e a presenteou com um beijo que lhe tocava a alma. Maya deixou-se levar pelo desejo.
- Eu preciso de algo? - perguntou Drake.
- Como o quê?
Ele levantou a cabeça com os olhos repletos de desejo.
- Você ficará mais confortável se eu usar um preservativo?
- Por quê? - perguntou Maya, perplexa.
Drake balançou a cabeça e acariciou o rosto dela.
- Que inocência - murmurou ele. - Estou seguro. Desde a última vez que fizemos amor não estive com mais ninguém.
- Nem eu.
- Você não precisa me dizer isso. Nunca houve alguém além de mim.
Ela não respondeu.
- Houve? - perguntou Drake. Queria que ela admitisse. Precisava daquelas palavras.
Maya fechou os olhos.
- O que você quer que eu diga?
- Nada. Já basta você estar aqui. Temos esta noite.
Pelo menos dessa vez, ele não tinha planos ou estratégias. Havia apenas esse momento e essa mulher. Mais que isso, ele não conseguia imaginar.
Drake envolveu-a com seu corpo, fazendo-a apoiar suas coxas sobre as dele. Em seguida a penetrou, encontrando o êxtase e o alívio das lembranças que só essa mulher lhe dava.
Enquanto ela gritava e se mexia com ele, Drake a beijava sem parar, como se o mundo estivesse prestes a acabar.
Para ele, talvez fosse mesmo acabar. Tinha de se lembrar disso. Foi o futuro que escolheu. Como poderia querer que outra pessoa compartilhasse dele?


Oito

Com a manhã, o bom senso voltou a eles e mantiveram distância um do outro. Fazer amor foi apenas como um retiro temporário.
- O fato de as coisas mudarem tanto. Os seus pais... - Maya se deu conta de que talvez isso não fosse um bom tema para a conversa.
- Eu não acho que o casamento deles seja muito feliz hoje em dia.
- Tem havido muito estresse com os atentados, o seqüestro e as investigações da polícia.
- Mas não se supõe que os problemas devem aproximar mais os casais?
Maya ignorou a indireta.
- Também pode acontecer o oposto, pelo que sei. Acho que o casamento pode ser difícil nos melhores momentos.
Drake ficou quieto por alguns minutos.
- Você não me deixou dizer isso ontem à noite, mas acho que deveríamos tentar.
- O casamento?
- Sim. Pelo bem de Marissa.
- Isso não é justo - murmurou Maya. 
- A vida não é justa.
O tom resignado e irônico na voz dele preocupou Maya.
- Uma criança precisa de um lar estável. Ela perceberia se fôssemos infelizes. Isso a deixaria confusa.
- Será que seríamos infelizes? A noite passada foi fantástica.
Maya sentiu-se brilhar por dentro ao se recordar dos momentos mágicos da noite passada.
No dia anterior houve momentos em que ela se sentiu muito próxima dele. Com o amanhecer, a distância voltou. Maya imaginou se ele não estava pensando em seus pais e na tristeza que os cercava.
Esse era o problema com as manhãs: todos os problemas voltam com toda força.
Maya quis oferecer conforto, mas não o fez. As complicações em suas vidas pareciam insuperáveis. Sabia que só precisava dizer as palavras certas e Drake faria o que fosse preciso; poderiam estar casados ao meio-dia. E então? Felizes para sempre?
O coração de Maya bateu descompassado. Compartilharam uma paixão selvagem durante a noite. Será que um bebê seria suficiente para solidificar um casamento?
Ela não sabia, mas era uma possibilidade que não estava disposta a encarar.
- É mais fácil sonhar com o quão maravilhoso poderia ter sido do que conhecer a realidade do fracasso.
- Sim.
Ele soava muito triste. Maya ficou comovida.
- Os meus pais não são um bom exemplo - continuou. - Os seus são. Por que o casamento deles funciona? Jamais vi Inez e Marco brigarem.
Ela teve de sorrir.
- Mas brigam. Uma vez o papai reclamou que havia muita pimenta no molho. Mamãe jogou tudo no lixo. Nenhum dos dois disse uma palavra durante a refeição. Mais tarde, depois de irmos para a cama, Lana e eu os ouvimos rirem sem parar.
- Parece que se beijaram e fizeram as pazes - disse ele. - Foi o que fizemos na noite passada?
Aquelas palavras suaves a pegaram desprevenida.
- Não há por que fazer as pazes.
- Acho que há, sim.
- Culpa - murmurou Maya.
- Talvez. - Drake parecia introspectivo. - Eu a deixei sozinha para encarar tudo - os seus pais, os meus, a cidade.
- Não tem problema. - Ela riu. - Uma coisa que aprendi é que as pessoas superam. Um dia de cada vez.
- Será que um dia as coisas ficam mais fáceis? - Drake pareceu descrente.
- Sim - disse ela, dando-se conta de que era a verdade. Ela o observou, sentindo que havia algo mais naquela pergunta. - O que lhe perturba, Drake? Se sou eu, não se preocupe. Posso me virar sozinha, até mesmo com o bebê. Tenho juntado dinheiro nesses últimos dez anos. Quando tiver meu diploma de professora, terei um futuro seguro. Não serei rica, mas poderei sustentar Marissa sem ajuda de ninguém.
- E se eu quiser ajudar?
- Como? Enviando dinheiro?
- Isso é uma maneira de ajudar - admitiu.
- O dinheiro não é a principal necessidade de uma criança.
- Eu já lhe disse, estou disposto a ser um pai presente. Além de um marido.
- E então o bebê e eu viveríamos com você? Iríamos aonde você fosse?
- Isso não seria possível - disse ele. Parou e franziu a testa. - Sou enviado para zonas de perigo, às vezes por meses a fio.
- E famílias nunca vão para esses lugares?
- Às vezes, mas...
- Mas você não levaria a sua para lá. 
Ele fez que sim com a cabeça.
- A casa de um rapaz que trabalhou comigo foi explodida por terroristas. Não é algo que recomendo para mulheres e crianças.
- Como você disse no bilhete, não há lugar para uma mulher e uma família na sua vida - disse ela, tentando encarar a realidade.
Drake ficou em silêncio por um momento.
- Sempre pensei assim, mas agora temos uma criança em quem pensar.
- A Marissa é minha, Drake. Não tente tirá-la de mim. Eu ainda tenho aquele bilhete. Posso levá-lo ao juiz se for preciso.
Ao invés de raiva, a expressão ficou mais suave.
- Mamãe leoa - disse ele. - Eu jamais tentaria tirar o seu filhote de você. Até onde eu sei, você e Marissa fazem parte de um pacote.
Ela não soube bem o que dizer em relação a isso, então permaneceu em silêncio. Pensou se não estava deixando o ego interferir na situação. Sua mãe aconselhou bastante sobre o orgulho em excesso.
Mas Maya queria muito mais do que um casamento forçado. Queria amor, companheirismo e risos. Drake via apenas a responsabilidade e nada sobre a alegria de uma união. Isso não era suficiente, pelo menos não para ela, e não para ele daqui a um tempo.
Chegaram à fazenda pouco depois das 11h, a tempo de ver várias pessoas saírem em diversas direções no sereno.
- Algo aconteceu - disse Drake.
Maya sentiu o mesmo. Teve calafrios ao entrar na casa. Joe apareceu próximo à porta da sala.
- Drake, você está de volta. Ótimo.
- O que houve?
A sra. Meredith apareceu.
- Joe Júnior desapareceu. Havia sumido quando Inez foi acordá-lo para ir à escola.
Os olhos dela, assim como os de Drake, se voltaram para Maya. Em seguida, Meredith olhou para o marido, cheia de raiva. Maya se preparou para uma bronca.
- Não vejo razão para pagar alguém para vigiar os meninos se ela não está presente para fazer o trabalho - disse Meredith friamente.
- O que aconteceu? - interrompeu Drake.
Joe fez uma expressão severa para a mulher antes de responder:
- Ele foi mandado para o quarto na noite passada por ter falado à mesa.
Meredith fitou o marido por um instante, virou-se e voltou para a sala.
Os meninos deviam ter sido chamados à mesa para uma demonstração de autoridade, Maya deduziu, e provavelmente, Joe Júnior se meteu numa encrenca com a mãe. Maya olhou pela janela enquanto Drake e o pai olhavam para um mapa e discutiam as áreas já vasculhadas.
- Acho que sei para onde ele pode ter ido - disse ela. Os dois homens olharam para ela.
- Eu mostrei aos meninos o lugar onde me escondia, próximo à gruta na praia. Uma criança pode subir entre a pedra em forma de ovo e o penhasco. Há uma área limpa por debaixo das pedras, espaçosa o suficiente para se levantar e se mexer lá dentro. Era o meu castelo secreto quando criança.
- Vou lá olhar - disse Drake.
- Eu vou também - disse ela.
- Não - Drake e Joe disseram ao mesmo tempo.
- É muito perigoso - continuou Joe. - A visibilidade está baixa demais, e os degraus são escorregadios.
Ela sabia que os homens estavam certos. Fez um gesto positivo para Drake.
- Então tenha cuidado - disse.
Drake percebeu a preocupação nos olhos dela, não apenas pelo seu irmãozinho, mas por ele também.
Drake jamais quis que alguém ficasse ansioso por sua causa. Mas lá estava Maya, resoluta em sua confiança nos outros. Drake sentiu um calor aquecer o lugar frio dentro dele.
- Terei - disse ele.
Vestiu o casaco e partiu para a escadaria. A névoa encobria toda a praia. Na areia, apressou-se na direção da gruta, com os olhos nas ondas que se quebravam. A tempestade durante a noite podia ter feito o mar alcançar a área rochosa.
Com a chuva amolecendo o solo, era normal que partes da encosta cedessem e caíssem como avalanches.
- Joe - gritou ao alcançar as pedras que um dia foram parte da face do despenhadeiro.
Sem resposta.
Drake se deitou na areia e, usando os cotovelos, entrou arrastando-se pela abertura nas pedras. Encontrou um espaço pequeno, do jeito que Maya descrevera. Joe jazia deitado sobre um cobertor, encolhido, dormindo profundamente.
- Ei - disse Drake, sacudindo o ombro do menino.
- O quê? - Joe se sentou e olhou a sua volta de modo frenético. - Ah, Drake, é você - disse, aliviado.
- Isso mesmo. Hora de ir para casa. 
Joe se afastou.
- Eu não quero.
- Eu sei, parceiro, mas precisará encarar os fatos, mais cedo ou mais tarde. Maya está preocupada com você.
- Ela deveria ter estado lá em casa na noite passada - disse Joe num tom acusatório. Seus olhos se encheram de lágrimas.
- Ela está esperando por você - disse Drake. -Vamos. 
Drake recuou até sair da gruta e limpou-se da areia em seu corpo. Joe veio em seguida. Drake pôs a mão no pescoço do menino. Joe o abraçou.
Drake ficou surpreso por ter se tocado tanto com aquele gesto. Nunca passara muito tempo em volta das crianças, mas sentia uma forte ligação com elas. Achava que sua infância tinha sido mais feliz e mais fácil do que a delas, embora não soubesse muito bem o porquê. Tantas coisas pareciam ter mudado nos últimos dez anos.
Os dois retornaram à casa. Lá, a mãe - se fosse mesmo a mãe verdadeira - agarrou o menino e o beijou, chorando, quase histérica de alívio.
Drake observou as ações dela com certa preocupação e um pouco de cinismo. Talvez perguntasse a Maya se ela já lera algo sobre casos de múltipla personalidade. Ou poderia passar a acreditar na teoria de Rand e Emily sobre a gêmea má. Isso começava a parecer plausível.
Quando Meredith finalmente o soltou, Joe foi até Maya.
- Sinto muito - disse ele de cabeça baixa. Maya passou a mão nos cabelos do menino.
- Acho que você deve se desculpar com os seus pais pela preocupação que os fez passar - sugeriu Maya, delicadamente.
Drake sorriu quando Joe se virou para seus pais. Apesar de uma família disfuncional, Joe e Teddy ficariam bem, ele pensou. Por causa de Maya. Ela era honesta, carinhosa e bondosa. E eles confiavam nela.
Drake sentiu um vazio dentro de si expulsar o resquício de calor deixado pela noite de paixão. Um homem sentiria a falta de uma mulher como ela...
- Sinto muito, mamãe, papai - disse Joe.
- Sente mesmo - disse Meredith. Sua raiva voltava à superfície. - Isso foi algo estúpido a se fazer. Você nos deixou muito preocupados.
- Acho que o menino já sabe disso - disse o pai. - Joe, é melhor você ir tomar banho e depois almoçar. Eu levo você para a escola à tarde.
O menino saiu da sala.
- Eu vou atrás dele - disse Maya, também saindo da sala.
Drake a observou sair. Sua mãe era difícil quando começava seus rompantes.
- Tenho novidades de Thaddeus Law - disse Joe para a esposa, incluindo Drake com um olhar.
- O quê? - perguntou Meredith. - É sobre a Patsy?
Joe fez que sim com a cabeça.
- Houve um incêndio na clínica, iniciado por um dos internos. Todos os arquivos foram destruídos. O atual diretor da clínica não era o mesmo quando Patsy estava lá, mas ele achou que a carta que você recebeu era autêntica. Suponho que tenhamos de aceitar que Patsy está morta e suas cinzas espalhadas no Pacífico.
- Era impossível ela fingir a própria morte - disse Meredith, como se tivesse sido questionada sobre o assunto.
Drake estudou a mãe. Estava tensa. Os olhos dela, da mesma cor que os seus, traziam um brilho estranho.
As maneiras dela o preocupavam. Drake havia trabalhado com um rapaz que desarmava bombas, muito competente e de pouca conversa. Um belo dia, o rapaz surtou e ameaçou explodir todos. Teve de ser removido à força.
A mente humana era algo perigoso.
Seu pai falou:
- Não quis dizer que foi isso o que ela fez. Isso apenas complica um pouco as coisas.
- Nada está complicado! Se a polícia parasse de mexer nisso, não haveria problemas!
Intrigado, Drake observou a mãe caminhar de um lado era o outro com os punhos cerrados. Suspirou. Não entendia mais essa mulher que no passado fora uma mãe atenciosa. Ele não duvidou da alegria dela quando trouxe Joe Júnior para casa, mas depois disso tudo deixou de fazer sentido.
- Creio que dois atentados e um seqüestro são problemas suficientes para os olhos da lei - disse Joe num tom irônico.
Com um gritinho furioso, Meredith saiu. Drake ficou escutando até ouvir o som da porta do quarto da mãe batendo.
O pai permaneceu olhando pela janela por alguns minutos enquanto Drake decidia se deveria desaparecer dali.
- Obrigado por encontrar Joe - disse seu pai. - Não foi nenhum problema. Ele estava onde Maya disse.
Joe sorriu.
- Ela é boa com os meninos. Como ela se saiu no teste?
- Tenho certeza de que tirou um dez, mas estava nervosa. Como sempre.
- Vocês conversaram sobre o futuro?
- Um pouco. Acho que estamos próximos de um acordo.
- Uma vida tranqüila é ótimo para uma família. Pode trazer os dias mais felizes da sua vida.
- Ou os mais infelizes - disse Drake -, se o casamento não der certo.
O pai olhou para ele com os olhos tristes.
- Daí pode ser um inferno - concordou.

Patsy guardou os brincos de diamante e fechou com força o porta-jóias. O porta-jóias de Meredith.
Ela odiava a vida que levava - Joe, a casa longe demais da cidade e da animação, a empregada bisbilhoteira. Como Meredith suportava isso?
Ah! Sua irmã boazinha provavelmente amava tudo aquilo.
Sentada à mesa, Patsy olhou para as contas com escárnio. Tinha mais despesas do que Joe podia sonhar, ainda mais agora, que contratara Silas Pike para se livrar de Emily, um detetive particular para procurar por Emily e outro para procurar pela sua filha adorada, Jewel - desaparecida desde que Ellis Mayfair a levou enquanto Patsy dormia e jamais lhe disse onde escondera a criança, razão pela qual devia matá-lo.
Aquele estúpido Pike. Já estava custando caro. Talvez ela conseguisse mais dinheiro de Graham. Não, provavelmente não. E o dinheiro do resgate de Emily era inútil, pois estava marcado.
Batucou com as unhas sobre o caderno de couro e exclamou de desgosto. Precisava de outra viagem a San Francisco. Suas unhas e cabelos estavam horríveis, e não havia ninguém competente em Prosperino para cuidar dela, ninguém mesmo.
Se encontrasse Jewel, levaria a filha e os meninos para viverem em Los Angeles. Logo que herdasse a fortuna de Joe.
Ele não mudara o testamento. Disso ela tinha certeza, era melhor que não tivesse mudado. Precisaria desse dinheiro para cuidar das crianças.
Suas crianças. Eles a amavam. As crianças sempre amavam as mães. Até os filhos de Meredith a amavam, como se ela fosse sua mãe.
Riu de prazer. Enganou a todos.
Mas Joe estava ficando difícil de se lidar. Foi um erro ter Teddy, mas como ela iria saber que Joe ficara estéril por causa da caxumba?

Entretanto, Teddy deu a ela um certo controle sobre Graham, então o resultado não foi tão mau assim. Tudo terminaria bem. Apenas tinha de segurar as coisas por mais um tempo. 
Se Pike fosse mais ligeiro e cuidasse de Emily e se Joe morresse logo, tudo ficaria bem. Com uma fortuna e seus filhos adorados à sua volta, Patsy ficaria feliz. Fechou os olhos de tanta felicidade.
Drake caminhou sem destino pela escuridão. O dia havia terminado com um sabor amargo. O jantar foi tenso. Seus pais não se falaram.
Maya não comeu na cozinha, levou o jantar dela e dos meninos ao quarto. Drake a deixara em paz, comendo na sala de jantar e saindo para uma caminhada logo em seguida. A impaciência tomava conta dele novamente.
Parou ao lado da estrada ao reconhecer a silhueta da igreja a qual freqüentara. Mudando de direção, contornou a igreja e foi até o pequeno cemitério na parte de trás do prédio. Abrindo o velho portão de ferro fundido, entrou e parou.
Seu coração bateu num tom de terror ao contemplar a vida. Continuando a caminhar, passou por antigos túmulos até alcançar uma área mais nova, próxima à estrada.
Havia anos não visitava aquele lugar. Parou em uma pequena marca de granito na área dos Colton. Era um local solitário com um túmulo infantil.
Michael Colton. Adorado Filho e Irmão.
Sua mãe adicionou o "Irmão" por causa dele.
- Porque ele sabia que você o amava - ela dissera.
Michael, cuidado!
O aviso não foi rápido o suficiente para salvar o irmão gêmeo.
Certas coisas jamais poderiam ser consertadas.
Sentado em um banco frio, Drake apoiou os braços sobre as pernas. Uma grande parte dele estava enterrada aqui, com o irmão gêmeo de quem jamais deixou de sentir saudades.
- Michael - murmurou -, há uma criança.
Ele não sabia a razão de ter dito aquilo ou de ter soado como um apelo. Mas havia uma necessidade dentro dele que não podia ser negada. Ele tinha de encontrar uma saída. Do contrário, pensava que o seu espírito morreria. A coisa chegou a esse ponto.
- Se você conhecesse Maya... Ela tinha apenas oito anos quando você morreu. Você se lembra dela?
Será que Michael a amaria se estivesse vivo? Como ele amou?
- Eu a amo - disse Drake, sentindo uma dor horrível. Mais que isso, ela o amava. E essa era a dor maior. Porque ele não merecia esse amor. Ele abandonou esse amor, temendo o que significaria em sua vida.
Inez estava certa. Era a coragem dele e não a dela que estava em falta. Porque amar era arriscar o coração, e isso era mais difícil de encarar do que arriscar a própria vida.
Um vento frio e solitário soprou do oceano, balançando as árvores e assobiando por entre a pequena igreja.
Agora ele entendia.
- Eu preciso dela - disse ele ao vento. - A vida sem ela é o inferno.
Ele tentou ser objetivo e deixar o desejo de lado para pensar nela. O casamento talvez não fosse justo. Talvez estivesse mesmo sendo egoísta, pensando em si mesmo em vez de pensar nela e no bebê, mas a dor aumentava ao pensar em deixá-las mais uma vez.
Talvez se não tivesse conhecido a paixão que emanava dela e não tivesse compartilhado os doces momentos em seus braços...
Mas essas lembranças também o habitavam, disputando lugar com aquelas do passado distante, conquistando espaço dentro dele.
Ele logo se sentiu seguro de que, se perdesse essa chance, não haveria outra.
Drake lutou contra o desespero, tanto o do passado quanto o que surgia para o futuro. Impaciente e incapaz de resolver os vários conflitos que se degladiavam dentro dele, caminhou de volta à casa.
Encontrou Inez na cozinha.
- Gostaria de um leite quente? - perguntou a empregada. - Estou preparando uma caneca para Maya. A luz do quarto dela está acesa, e acho que ela tem problemas para dormir. Marco também tem, e o leite ajuda no sono.
O jardineiro era um dos homens mais pacientes e pacíficos que Drake já conhecera.
- O que poderia perturbar o espírito dele? Ele é a pessoa mais inocente que conheço. Uma delas - corrigiu, pensando em Maya.
A empregada lançou um olhar carinhoso sobre ele e serviu-lhe uma caneca de leite, colocando-a sobre a bancada ao seu lado.
- Pois todos já pecaram e deixam a desejar diante da glória de Deus - disse ela. - Todos nós temos fraquezas. Às vezes precisamos aprender a perdoar a nós mesmos. Talvez isso seja uma das coisas mais difíceis de se fazer. Isso e deixar o passado para trás.
Ela passou a mão nos cabelos dele do mesmo jeito que Maya fizera com Joe. Drake tomou um gole do leite quente.
- E se é o passado que não vai embora?
A trança longa de Inez, os cabelos negros misturados com os brancos, ondulou-se nas suas costas quando ela balançou a cabeça.
- Nós fazemos as escolhas - disse ela. - A cada momento decidimos. Escolha os caminhos na sua vida com sabedoria.
Com um sorriso repleto de carinho, Inez serviu mais uma caneca de leite quente e deixou ao lado dele. Em seguida, lavou a chaleira.
- Você pode levar isso para Maya quando for dormir? 
Drake fez um gesto positivo com a cabeça, tocado pela bondade e sabedoria da mulher... e por sua confiança. Ela o aceitava como parte da vida de Maya, sabendo que ele tinha sido fundamental na concepção da criança e, ainda assim, nem ela nem Marco disseram uma só palavra de recriminação contra ele quando explicou sobre o testamento e os arranjos que fizera para a filha deles e o bebê prestes a nascer.
Pegou o copo de leite quente. Sabia o que tinha de fazer. Será que conseguiria convencer Maya de que era o melhor a ser feito?



Nove

Maya se inclinou para a frente com um gemido. Suas costas doíam, e o bebê parecia tentar movimentos novos que causavam dores em sua coluna. O parto estava marcado para o dia dez de março, mas ela achou que não fosse passar dessa noite.
- Ohh - gemeu, enquanto um punho gigante empurrava suas costas por dentro. Colocou as mãos nas costas, tentando equalizar a pressão.
Nada ajudava. Toc. Toc.
Fez uma expressão de desgosto, já sabendo quem estava à sua porta a essa hora, quase meia-noite.
- Maya?
- Entre - disse ela, resignada. Talvez os dedos milagrosos de Drake pudessem aliviar a dor em suas costas.
- A sua mãe lhe mandou leite quente - disse Drake ao entrar, entregando-lhe a caneca.
Maya a pegou e sentou-se na cadeira de balanço. Sua mão tremia levemente.
- Obrigada.
Drake puxou a cadeira, virou-a e sentou-se com os braços sobre o encosto. Seus olhos não desgrudavam dela. Maya se deu conta de que não conseguiria sorrir ou fingir que estava bem. O esforço era muito grande.
- O que houve? - perguntou Drake.
Ela balançou a cabeça e tomou um gole do leite quente, o remédio de sua mãe para a insônia e para outros problemas. Antes que tivesse tempo de engolir, outra das sensações estranhas recomeçou dentro dela.
Maya deixou a caneca de lado e se inclinou para a frente, ao passo que a pressão se transformava em dor. Ao perceber que estava prestes a soltar um gemido, prendeu a respiração na tentativa de abafá-lo.
- Maya? - disse Drake, preocupado. Levantou-se e segurou-a pelos ombros. - O que foi?
- Não - sussurrou ela, enquanto a pressão aumentava para um nível quase insuportável.
- É o bebe? - perguntou ele, soltando-a e agachando-se diante dela. - É o bebê, não é?
- Ainda é cedo - disse ela com dificuldade. Em seguida respirou fundo enquanto a dor passava. Respirou profusamente, recuperando o fôlego enquanto o estranho episódio passava. - É cedo demais. Tenho mais 24 dias pela frente.
- Bebês não prestam muita atenção a calendários e coisas do tipo - disse ele sorrindo.
- Já senti isso antes. Algo parecido com isso - corrigiu. Nada tão severo assim. - Falso trabalho de parto.
Drake voltou a se sentar na cadeira.
- Há algo que eu possa fazer? Quer uma massagem?
- Esta noite não.
Maya ignorou a oferta. No passado, isso sempre lhe causou alívio. Mas não desta vez.
Mais uma vez, sentiu a dor novamente, dessa vez mais forte... mais embaixo... mais rápida, como se o que a empurrava estivesse impaciente...
Drake caiu de joelhos diante dela e a segurou pelas mãos.
- Segure firme - disse ele com os olhos escuros. Ela fez que sim com a cabeça, incapaz de fazer qualquer outra coisa no momento.
- Aii - gemeu, e prendeu a respiração enquanto o punho se fechava com força e a puxava para baixo... para baixo... para baixo...
De olhos fechados, segurou nas mãos de Drake enquanto o mundo se fechava nesse lugar, nesse momento.
- Ahh - disse Maya quando a dor parou de repente, deixando para trás apenas as fisgadas familiares em suas costas. Maya respirava ofegante apoiando a cabeça no encosto da cadeira. Começou a suar.
- Que estranho - murmurou.
- Espere.
Maya ouviu Drake se levantar. Ele removeu suas mãos de Maya e saiu. Em seguida, ela ouviu a torneira aberta no banheiro e ele estava de volta, segurando uma toalha molhada.
Maya pegou a toalha, passou-a pelo pescoço e pela nuca.
- Quanto tempo dura esse trabalho de parto falso? -perguntou ele, puxando a cadeira para que pudesse sentar de frente para ela.
- Não sei. - Maya limpou as mãos na toalha e a segurou enquanto descansava. Seu corpo parecia estar em alerta, esperando...
Alguns minutos se passaram, até que a próxima contração começou. Ela se inclinou para a frente, apertando a toalha nas mãos. As mãos de Drake se fecharam sobre as dela.
- Devagar - murmurou ele -, com cuidado agora, querida.
- Não consigo - disse ela. - Tarde demais. 
Juntos, esperaram que as contrações diminuíssem.
- Drake?
- Sim?
- Pode... chamar a minha mãe? Por favor.
- Espere só mais um pouco.
Enquanto ela lutava com a dor, Drake enxugava as sobrancelhas dela com a toalha e, em seguida, enxugou as suas também.
- Você acha que chegou a hora? - perguntou ele quando ela finalmente relaxou e respirou fundo.
Maya estava pálida e exausta. Drake ficou alarmado. Isso era muito além de suas habilidades. Teve medo de deixá-la e teve medo de ficar com ela. Ela precisava de ajuda.
- Talvez eu devesse chamar uma ambulância...
- Chame a minha mãe, por favor. - Ela olhou para ele, implorando. - Ohh - gemeu e travou os joelhos, dobrando-se para a frente enquanto o trabalho de parto, falso ou não, continuava.
Drake saiu correndo do quarto, passou pelo corredor e deixou a casa. No meio do caminho até a casa da empregada afastada da estrada de acesso, ele se deu conta de que deveria ter telefonado.
Xingando, correu ainda mais rápido. Ao chegar à casa, bateu na porta e gritou o nome da empregada com todo o fôlego. Uma luz se acendeu dentro da casa. Inez e Marco apareceram à porta. Marco segurava uma espingarda. Drake não o culpava por isso. Ele teria feito o mesmo se algum louco aparecesse gritando no meio da noite.
- É a Maya? - perguntou Inez sem rodeios. Drake fez um gesto positivo com a cabeça.
- Ela está sentindo dor, mas disse que é falso trabalho de parto. Ela quer você lá.
- Deixe-me calçar os sapatos.
A empregada desapareceu. Marco guardou a arma.
- Eu não sabia que essa espingarda funcionava - disse Drake.
- E não funciona. Peguei a primeira coisa que me apareceu na frente - explicou o velho com um sorriso envergonhado. - Eu não sabia o que estava acontecendo.
- E, bem... desculpe-me por tê-los acordado - disse Drake, sentindo-se como um tolo. - Fiquei preocupado.
- Volte e fique lá com ela. Inez e eu estaremos lá em um minuto.
Drake concordou e voltou na direção da casa principal. Além dos refletores ao longo do caminho e elegantemente posicionados entre os arbustos e a luz noturna da cozinha, apenas uma luz estava acesa na casa. Drake partiu para o lado norte da casa, na direção da mulher que lá deixara.
Viu que ela estava tendo outra contração quando entrou no quarto. Foi até ela e segurou-lhe as mãos. Ela se agarrou nele com força e gemeu.
Maya sentia dor; ele era a causa.
Essa dedução lhe golpeou a consciência junto com a dor que passou a sentir. Sentiu-se incapaz e frustrado com o fato.
- Como posso ajudar? - perguntou. - Deixe-me... esperar...
Drake ouviu o som de um veículo e em seguida a voz de Inez no corredor. Sentiu um alívio enorme. A contração diminuiu. Drake se afastou quando Inez entrou no quarto.
- Lá nina? - disse Inez.
- Si - Maya respondeu. Já não negava mais a possibilidade de estar em trabalho de parto. Cedo ou não, o bebê parecia determinado a sair essa noite!
- Precisamos levá-la ao hospital - disse a mãe.
- Não há tempo. Está nascendo.
- Agora? - perguntou Drake, cada vez mais preocupado.
- Sí. Sim - disse ela, dando-se conta de que falava com Drake e não com a mãe. Olhou para Inez. - Sinto muito.
- Na há por quê - disse a mãe. - Mulheres tem dado a luz há séculos. Drake, por favor, chame uma ambulância. Marco, vá atrás de um ferro no armário da cozinha -disse ela ao marido, parado próximo à porta. - Por favor, traga-os - o calor esteriliza os lençóis.
Drake deu o telefonema.
- E agora? - perguntou a Inez.
- Você deve levá-la até a cama. Tire os sapatos e suba na cama também.
Maya ficou em choque com essa ordem.
- Mama - disse.
- Você vai precisar do apoio - explicou Inez. Ela conduziu Maya até a cama e fez com que Drake se ajoelhasse por trás dela enquanto colocava um pedaço quadrado de plástico e várias toalhas na posição certa. - Deixe-me segurar as suas mãos.
Drake jogou os braços em volta de Maya e deixou-a segurar suas mãos. Ele ficou atônito e em choque ao sentir algo como uma onda passar pelo abdômen dela, tornando tudo mais e mais difícil...
- Respire rápido - disse Inez. - Grite se quiser. Não tenha vergonha. Trazer um bebê ao mundo é algo muito difícil.
- Estou bem - disse Maya, respirando profusamente.
Atrás dela, sentiu Drake respirando com força também. O corpo dele estava sólido por trás do dela; seus braços fortes a mantinham recostada.
- Você está se saindo bem - disse Inez. - Ah, a bolsa d'água. Não vai demorar muito mais...
Maya não podia fazer mais nada. Agora a natureza tomava conta. Ela respirava rápido. Às vezes rangia os dentes e gemia, incapaz de parar. Empurrava quando o corpo mandava.
Atrás dela, Drake a ajudava a cada contração, que ficavam cada vez mais fortes e mais freqüentes até que não houvesse nada além de ondas progressivas de força... uma força que ele jamais vira antes.
- Está nascendo - disse Inez. - Agüente só mais um pouco.
Drake respirava junto de Maya. Os seus próprios músculos contraíam quando os dela o faziam.
- Agora, um empurrão com força - disse Inez.
E, com um choro alto, a filha deles escorregou até as mãos da avó. Mãos muito capazes, ainda bem. Drake respirou aliviado.
- Conseguimos - disse ele a Maya, beijando-a na testa enquanto ela se apoiava nele.
Maya abriu um sorriso cansado e triunfante.
- Olá, pequenina - disse Inez, enxugando o bebê com a toalha. Ao terminar, entregou o bebê a Drake. - Diga oi para o seu papai.
Drake, ao se dar conta de que deveria pegar aquela coisinha, sentou-se ao lado da cama. Dobrou os braços e colocou Marissa no berço que se formara. Ele fitou os olhos azuis do bebê.
Ela parou de chorar e olhou para ele.
- Mais uma vez - Inez disse a Maya. - E então você pode dormir. Por que não embala a pequenina? - sugeriu.
Drake sentou-se na cadeira de balanço enquanto o parto era finalizado. Inez removeu as toalhas usadas e o plástico do quarto e ajudou Maya a se lavar e a se trocar, finalmente, penteou os cabelos da filha e prendeu-os para trás nas têmporas.
- Drake, traga a sua filha para conhecer a mãe - sugeriu Inez. - Talvez seja melhor você ficar para cuidar do bebê enquanto Maya dorme.
Ele fez que sim com a cabeça e sentou-se na cama. Ao deixar o bebê nos braços de Maya, sentiu um aperto no peito.
A criança tinha um montinho de cabelos escuros arrepiados na cabeça. Ele sabia que, quando crescesse, ficariam iguais aos da mãe.
Marissa sem dúvida teria olhos castanhos. Será que leriam pontinhos dourados como os dele, ou seriam bem escuros como os da mãe?
O aperto que sentiu ficou mais doloroso enquanto fitava a filha. Ela era tão pequena, tão inocente.
Confiança era algo assustador. Tantas coisas poderiam dar errado. Por um segundo, ele quis correr, fugir do quarto, daquelas mulheres, de suas crenças na vida. Mas ele se deu conta de que não havia para onde correr. Por dez anos ele viajou ao redor do mundo. O passado sempre ia com ele.
Escolhas? Que escolhas ele tinha? O passado não o deixaria em paz. Ele não podia mudá-lo ou repará-lo.
Inez terminou de ajeitar o quarto e partiu. No corredor, Drake ouviu-a falar com o marido, que disse não ter encontrado o ferro. Ela lhe disse que não era mais necessário e que ele tinha uma neta, a qual veria de manhã. Suas vozes foram sumindo ao descerem pelo corredor.
Maya descobriu a filha e verificou se ela estava bem.
- Você pode trazer uma fralda? Elas estão na última gaveta da cômoda. - Suspirou. - Ela não é linda?
- Sim - disse ele, sacudindo a poeira, sentindo-se humilde e de certo modo orgulhoso, como se ele e Maya tivessem realizado um milagre.
Observou Maya colocar a fralda no bebê e em seguida pôs um vestidinho nela enquanto Maya o orientava na tarefa. O bebê pareceu não se incomodar.
- Nossa filha - disse ele com a voz embargada, olhando nos olhos de Maya.
Ele a viu respirar fundo e fazer um gesto positivo com a cabeça.
- Sim, nossa - murmurou ela, reconhecendo-o como pai.
Um sentimento estranho brotou dentro dele.
- O bercinho está no armário - disse Maya. - Está pronto para ela. Acho que ela adormeceu.
Ele encontrou a pequenina cama e empurrou-a até Maya. Ela acomodou o bebê e cobriu-o com um cobertor branco e rosa e em seguida colocou um pequenino edredom bordado por cima. Drake nunca tinha visto algo tão perfeito quanto sua filhinha dormindo naquela minúscula rama.
- Isso me emociona - disse ele. - Esse ser tão delicado. Maya abriu um sorriso para ele. Bocejou e recostou-se contra o travesseiro. Ele a observou por alguns instantes, sabendo que ela precisava descansar. Maya estava muito vulnerável naquele instante.
Ele tocou-a no rosto.
- Você quer se casar comigo? - perguntou.
Os olhos quase fechados dela logo se abriram. Maya o fitou antes de responder.
- Por causa do bebê?
- Por causa de todos nós. Criamos essa vida juntos. Ela precisa de nós dois. E eu preciso de você... de vocês duas.
Ele aguardou no silêncio que parecia trazer mais perigo do que um intervalo num tiroteio.
Lentamente, olhando nos olhos dele, ela fez que sim com a cabeça.
- Isso... me parece a coisa certa.
- E sim - concordou Drake. - Isso será certo para Marissa. E para nós.
Drake jurou ser o melhor pai e marido do mundo. Ele repararia o dano causado quando deixou Maya no momento em que mais precisou dele. Olhou-a nos olhos.
Maya cerrou os lábios por um instante e disse:
- E melhor pensarmos sobre isso - disse. - As coisas podem parecer diferentes quando a manhã chegar.
Percebendo a preocupação nos belos olhos castanhos dela, ele não insistiu. Em vez disso, ergueu a mão dela e a beijou.
- Nós daremos um jeito. Vamos viver um dia de cada vez. Agora durma. A nossa filha vai precisar de você bem-disposta de manhã.
Drake se acomodou na cadeira de balanço, com os pés apoiados na cama enquanto observava a filha e a mulher dormirem. No momento, a vida parecia repleta de possibilidades e infinitamente preciosa para ele. Era um sentimento antigo, algo de que não se recordava havia muito tempo.
Um bebê. Isso fazia a diferença na vida das pessoas. De longe, ouviu a sirene de uma ambulância se aproximando.
Maya acordou num pulo. Imediatamente soube o que era.
O bebê!
Ela se sentou enquanto Drake levantava a filhinha e sorria para ela.
- Olá, mamãe - disse ele animado. - Acho que esta menina está com fome. A enfermeira trouxe uma mamadeira com água morna, mas não conseguiu fazer com que Marissa bebesse. Ela tem vontade própria.
- Ela está bem?
- Está. Precisa ir ao banheiro, ou algo parecido antes?
Maya fez que sim e cruzou o quarto. Lavou-se rapidamente, ansiosa para voltar logo ao bebê, que já chorava. Drake andava de um lado para o outro no quarto com a filha quando Maya retornou. Estava em um quarto particular num hospital. Ela e o bebê foram avaliados por completo logo que deram entrada e foram declaradas em boa forma pelo médico encarregado.
Sentada numa cadeira de balanço, abriu os braços. Drake entregou o bebê a ela. Maya desabotoou a blusa e o sutiã e, em seguida, passou os lábios do bebê nos mamilos, como aprendera nas aulas de maternidade. Sentiu algo espremer-lhe os seios.
Marissa mexia a cabeça, animada. Fazia movimentos peculiares com a boca.
- Você tem de agarrar com força primeiro - disse Drake ao bebê, rindo.
Maya ajudou o bebê até que, finalmente, Marissa pegou o jeito e começou a mamar.
- Ah - murmurou Drake, parecendo muito satisfeito.
Quando os olhos de Maya encontraram os dele, ambos sorriram. Foi um momento de triunfo, um momento compartilhado.
Uma nova enfermeira entrou no quarto de Maya mais tarde.
- Bem, aqui está a nossa menina. Três quilos e 48 centímetros - disse. - Ela já se alimentou hoje?
- Sim - respondeu Drake.
A enfermeira olhou para Drake e em seguida para Maya. Os olhos dela brilhavam, mas fez um gesto positivo e solene com a cabeça. Depois de medir a temperatura de Maya, a pressão sangüínea e os sinais vitais, fez o mesmo com o bebê e anotou na prancheta.
O médico da família veio uma hora depois.
- Os impacientes - exclamou, sorrindo para Maya e pegando o bebê. Sorriu para Drake e fez um gesto positivo com a cabeça. - Drake, como está? Ainda nas Forças Especiais?
- Sim. Por enquanto.
Drake estava ciente do olhar que Maya lançou sobre ele, mas não havia tempo para explicações. Esperou em silêncio enquanto o médico verificava Maya e o bebê, antes de declará-las aptas a irem para casa.
- Vamos preencher os documentos - disse o médico ao terminar. - Nome do bebê? Olhou para Drake e de volta para Maya.
- Marissa Joy... - Sua voz foi perdendo a força.
- Colton - disse Drake firmemente. - Marissa Joy Colton.
Ele não pôde deixar de se inflar de orgulho. Maya ficou ruborizada quando ele proclamou o bebê como seu.
Seu.
A idéia provocava nele um sentimento que jamais conhecera. O fato de terem criado essa pequenina vida parecia um milagre. Era algo em que se pensar, um futuro para planejar.
Pouco depois do meio-dia, saíram do hospital. Drake as levou até um café.
- Nós dois queremos sopa com salada e um bolinho de maçã - pediu ele, lembrando-se de que eram os favoritos de Maya quando ali pararam no verão passado. - Humm, traga dois copos de leite, também.
- Maya, esse bebê é seu? - perguntou a garçonete, olhando para o bebê quando Drake colocou o cesto numa cadeira ao lado de Maya.
- Sim.
- Oh, posso vê-la?
- Claro, mas não a pegue. Ela é jovem demais para ser pega.
- Claro. Margaret, vem ver o que a Maya tem - chamou outra mulher, que saiu da cozinha do estabelecimento limpando as mãos numa toalha. - Qual o nome dela?
- Marissa Joy.
- Olha, mas ela não é linda! - disse a mulher mais velha. - Ela é tão pequena. Qual a idade dela?
- Um pouco mais de doze horas - disse Drake, incapaz de conter o orgulho em sua voz.
- Oh! Tão novinha e tão linda! - A mulher olhou para ele. - Drake Colton, não é mesmo?
- Sim.
A mulher olhou para ele como se o analisasse e em seguida para o bebê. Ele esperou outras perguntas, mas ela apenas sorriu da maneira que as mulheres sorriem quando descobrem algo sobre a vida amorosa de um homem.
Mais uma vez, Maya ficou enrubescida. Drake sorriu. Se ela não fosse tão teimosa, poderiam ter dito a essas mulheres que eram casados.
Engraçado, mas ele se via como casado. Afinal, era um pai, e ele e Maya eram marido e mulher em todos os aspectos, menos no nome. Poderiam mudar isso em breve.
- Estou de licença para receber a minha filha - disse ele, esclarecendo as coisas. - E para me casar com a mãe dela.
- Oh - disseram as duas, com os olhos arregalados.
Ele abriu um largo sorriso, divertindo-se com a surpresa delas. Olhando para Maya, ele viu que ela parecia pensativa. Desejou que ela estivesse feliz. Queria isso para ela.
Só quando finalmente estavam na estrada a caminho de casa ele perguntou:
- O que está lhe incomodando?
- Você - admitiu ela depois de um breve silêncio. - No hospital, quando o médico perguntou se ainda estava nas Forças Especiais, você disse por enquanto. O que você quis dizer?
- Planejo pedir despensa quando terminar o serviço. 
Ela pareceu chocada.
- Não.
- Sim - disse ele, sorrindo ao contemplar a alegria dela. - Como um homem casado, preciso de um trabalho normal, para que possa voltar para casa todos os dias.
Maya balançou a cabeça.
- Não - disse ela, parecendo estar em pânico. - Não, isso nunca daria certo.
- Claro que dará. - Ele tentou descobrir a razão da preocupação dela. - Não se preocupe. Vou conseguir pagar as contas. Há uma empresa no Vale do Silício que já me ofereceu uma vaga diversas vezes...
- Não! - disse ela com veemência. - Não vou me casar com você, não desse jeito.
- Por quê? - perguntou Drake, fazendo o possível para se controlar.
- Porque você odiaria isso. Seria miserável. E eu também.
- Entendo. - Ele engoliu seco ao deparar com a verdade. Maya odiava a idéia de casamento... com ele.
Então ele estava errado. Eles compartilharam paixão, fizeram uma filha, mas o amor não era parte disso.
Surpreso, ele dirigiu até a casa em silêncio. A solidão parecia voltar a assombrá-lo, apontando para um futuro o qual ele não mais contemplava.
Mas era o futuro que merecia.


Dez

- Ela é tão linda quanto a mãe - disse Joe Colton, segurando a neta de três dias de idade. Ele se acomodou em uma poltrona de frente para Sophie, cujo bebê já estava para nascer. Marissa, por ter nascido antes, era a primeira neta biológica da família Colton. Rand tinha um enteado por conta do casamento com Lucy, então agora havia Max e Marissa.
- Netos - continuou o velho de modo introspectivo. - Maravilhosos bebês para correrem pela casa e pelos nossos corações, desabrochando como as rosas.
Maya notou o brilho das lágrimas nos olhos de Joe. Olhando para Sophie, Maya se deu conta de que a filha de Joe Colton e River James era adotiva.
Maya quis conversar com Sophie, mas, embora não houvesse muita diferença de idade, ela sempre manteve alguma distância das meninas Colton, especialmente depois de se tornar babá dos irmãos mais novos. A sra. Meredith deixou claro que esperava que Maya estivesse disponível como uma empregada e não como companhia para as suas filhas.
Os três adultos e o bebê descansavam no jardim de inverno, que estava quente e animado, embora o sol de fevereiro brilhasse fraco através das nuvens que se agrupavam ao longo da costa do Pacífico. Havia previsão de chuva para o cair da noite.
- Os pequeninos podem ser como as rosas, mas os pais certamente tem a impressão de serem espinhos quando eles lhes acordam a cada duas horas durante a noite - disse Sophie com uma gargalhada. - E isso porque ela ainda nem nasceu.
- Hora de pagar por todas as noites que você manteve a mim e sua mãe acordados - disse seu pai.
Sophie fez uma careta para ele.
Maya fechou os olhos ao sentir a melancolia tomar conta dela. Queria ser como Sophie e River, apaixonados, casados e verdadeiros companheiros ao planejarem suas vidas juntos.
Ela e Drake se despediram num tom amargo quando retomaram à casa. Ele insistira em casamento, mas ela sabia que ele não queria aquilo de coração. Era isso o que doía. E era também a razão de Maya ter recusado a oferta.
Ao invés de criar um espaço em sua vida para uma mulher e uma filha, ele estaria abandonando o seu caminho por um que julgava ser o melhor para elas. Não conversara sobre isso com ela, mas simplesmente tomou a decisão. Isso não era compartilhar.
Casamento é uma série de acordos. Nenhum dos dois deve ceder por completo. Cada um precisa contribuir com algo e em retomo, deve ser considerado também. Drake obviamente não tinha a menor noção desses conceitos básicos das relações humanas. Maya suspirou.
- Cansada? - perguntou Joe. - Pode se esticar e dormir, se quiser. Eu cuido da pequenina.
- Descanse o máximo que puder - aconselhou Sophie.
- Pode ser o último descanso nos próximos 18 anos. River já está se preocupando com horas de chegar em casa e encontros amorosos...
Joe e Maya riram. River e Drake entraram a tempo de ouvir as risadas.
- Qual é a graça? - perguntou Drake. Sentou-se no sofá ao lado de Maya e esticou o braço sobre o encosto, sem tocar-lhe os ombros, mas perto o suficiente para que ela sentisse o calor que emanava dele.
- Estávamos discutindo os horários de chegar em casa para as nossas meninas quando começarem a sair com rapazes - explicou Sophie.
- Marissa não vai sair com ninguém antes dos 21 – declarou Drake com firmeza, gerando outro riso em todos.
- Estou com você nessa - concordou River. - Eu jamais dormiria se a nossa menina estivesse na rua com algum rapaz desconhecido.
- Daqui a pouco eles vão querer arranjar casamentos para os bebês - Sophie disse a Maya.
- Provavelmente - Maya concordou.
Quando olhou para Drake, ele a observava com os olhos semi-cerrados. Ele continuou a observá-la, tentando mantê-la sob o seu encanto enquanto procurava por respostas para perguntas que ela não entendia. Ele parecia quieto, pensativo, ao invés de zangado, como estivera desde o nascimento de Marissa. Maya desejava saber o que fazer com a complicação em que a sua vida se transformara.
- Acho que vou para o meu quarto - disse ela, levantando-se abruptamente.
Pegou o bebê de Joe e se retirou do lugar, sentindo-se deslocada. Tinha acabado de chegar no quarto quando Drake bateu na porta e em seguida entrou, trazendo consigo o bercinho do bebê.
- Você se esqueceu disto na pressa de sair de perto de mim.
Drake não demonstrou emoção alguma, o que contrastava com a dor que as palavras deviam ter causado. Deixou o berço ao lado da cama dela.
- Obrigada - Maya trocou a fralda do bebê e acomodou-se na cadeira de balanço para amamentar. Olhou para Drake, que permanecia de pé ao lado da janela, olhando para as montanhas cobertas de nuvens.
- Eu não saí apressada de lá por sua causa - disse ela com a voz suave, dando-se conta de que a honestidade era a melhor forma de se lidar com a situação. - Eu estava fugindo dos meus próprios sentimentos.
Ele se virou para ela sem falar nada. Seus olhos brilhavam dourados sob a luz do abajur que ela acendera para desfazer a escuridão do ambiente.
- Eu me dei conta de como seria bom se fôssemos uma família de verdade, como a sua irmã e o River.
- Poderíamos ser - ele a lembrou com um tom amargo.
Maya suspirou e começou a balançar a cadeira levemente enquanto o bebê mamava até adormecer. Sentiu o coração arrependido.
- Drake - sussurrou.
- Não - disse ele. - Não quero a sua pena.
- Você aceitaria o meu amor? As palavras caíram no abismo que havia entre eles, tão vívidas quanto a dor, tão desafiantes quanto um duelo.
- Você está me oferecendo?
- Sempre - disse ela. - Sempre amei você.
- Então por que... - ele parou, como se a continuação da frase fosse trair uma parte dele que devia continuar em segredo.
- Por que não aceitar o casamento? -Sim.
Ela olhou diretamente nos olhos dele.
- Porque o meu amor sozinho não é suficiente. Quero o seu em troca. Não vou dividir você com Michael.
Drake levantou a cabeça de repente. Choque e em seguida raiva invadiram o rosto dele antes de qualquer emoção ser mascarada por detrás de seu auto-controle. 
- O que diabos isso quer dizer?
- Quer dizer que não vou dividir você com o seu passado. - Respirou fundo, sabendo que estavam em terreno perigoso. Ou ele entenderia ou a largaria de mão. Era simples... e complicado.
Drake deu uma breve e seca gargalhada. Todos nós somos feitos de lembranças e experiências. Isso não pode ser negado.
- Mas parte de você vive no passado que compartilhou com o seu irmão gêmeo, naqueles momentos finais quando ele morreu e você decidiu que a culpa era sua. Você se dá conta de como isso é desrespeitoso? Como se o Michael não tivesse vontade própria.
Maya continuou a embalar o bebê como se participasse de uma conversa sobre assuntos comuns. Ela sabia que arriscava perder Drake para sempre, mas valia a pena.
- Ele me seguiu - disse Drake, tão baixo que ela quase não pôde escutar. - Eu o chamei de medroso. Ele atravessou a estrada por minha causa.
- Assim como você também o faria se fosse ele a lhe chamar assim - disse ela. - Você e Michael eram crianças. Pensavam e agiam como crianças. Você não é capaz de perdoar uma criança que comete um erro?
Drake cerrou os punhos. O seu rosto era pura amargura.
- Você não sabe como é viver com um arrependimento desses, como é causar tanto sofrimento para a sua família e encarar a solidão de uma vida pela metade, sabendo que a culpa é sua.
Ela podia ter chorado por ele, mas prendeu as lágrimas.
- Quero o homem inteiro, Drake. Não o seu espírito, mas o seu amor, reconhecido abertamente e compartilhado com alegria comigo e com a nossa filha. Não merecemos nada menos que isso.
- Eu darei o que puder - prometeu.
Maya quase sucumbiu ao olhar sombrio dele, mas estava lutando pelo futuro deles.
- Não ficarei com restos. É tudo ou nada, meu amor. Você pode ter Marissa, eu e o futuro - ou pode ter Michael e um passado repleto de culpa e arrependimento. -Respirou fundo. - A escolha é sua.
Drake estava ofegante, como se tivesse corrido. Mas Maya sabia que ele jamais poderia se livrar do passado. Tinha que aprender a lidar com ele. Será que ela estava pedindo algo difícil demais?
- Eu não sei como deixar o passado de lado - disse ela num tom sombrio. - Se é tão inteligente, então me diga.
Balançando a cabeça, Maya admitiu que não podia.
- Você é como aquela droga de psicóloga infantil com quem me consultei. Acha que tem todas as respostas, mas não tem. Porque você não sabe. Nunca passou por isso.
Drake caminhou na direção da porta.
- Eu também amava Michael - disse ela. - Acho que ele teria adorado a nossa filha.
Drake parou por um instante e saiu, fechando a porta mm cuidado.
Sem poder fazer nada, Maya embalava o sono do bebê. Pensou se não estava cometendo um erro muito grande no não aceitar Drake como ele era.
linha que pensar no bebê. Toda criança precisa de um pai em tempo integral. Talvez devesse se casar com ele, para então tentar alcançar as profundezas escondidas do espírito dele e ganhá-lo com o seu amor.
Mas de alguma forma, Maya achava que isso era algo que Drake devia fazer sozinho, se fossem ter um casamento de verdade.
Ela se deu conta de que estava arriscando o futuro lauto quanto Drake arriscava quando saía em suas missão.
- Ele deve vir até nós - disse ela ao bebê, tentando evitar a tristeza que ameaçava chegar.
Maya levou um susto quando o telefone tocou. Atendeu relutante, ainda perdida em sua tristeza.
- Maya, sou eu, sua irmã mais velha. Será que você estava planejando me dizer que sou tia?
- Eu ia telefonar, mas... sinto muito.
- Ei, tudo bem. Então, como vai a nossa menina?
- Bem. Um anjo. E linda.
- Claro. Ela tem bons genes - brincou Lana. Em seguida ficou séria. - Como Drake está encarando os fatos?
- Ele acha que devemos nos casar. - Maya explicou tudo o que havia acontecido.
Lana ficou em silêncio até Maya acabar de falar e suspirou também.
- Logo, logo estarei de volta. O meu trabalho aqui está quase terminado. A minha paciente está se dando bem com a irmã. A filha mora perto. A enfermeira passa por aqui todos os dias. Em breve voltarei a Prosperino. Telefone quando precisar. Promete?
- Prometo. - Maya se despediu e desligou. Sentiu-se muito só naquele momento. E então sua filha fez um barulhinho, e ela sorriu, confortada.
Drake acordou assustado de seu cochilo. Levantou-se da cama e foi até a sala. Não havia ninguém por lá. Do jardim de inverno, viu seu pai do lado de fora, mexendo no chafariz no meio do jardim do pátio.
Vestiu a jaqueta e foi lá fora ajudá-lo.
- Quebrou? - perguntou ao chegar.
Seu pai levantou a cabeça, como se tivesse levado um susto e abriu um sorriso acolhedor. Drake quis saber sobre o que pensava o pai.
Problemas de família, respondeu a pergunta a si mesmo. Os olhos azuis do pai de fato refletiam problemas.
- Não, não - disse Joe. - Só estou me distraindo. É o que homens velhos fazem.
- Ah, então isso é o que devo esperar da minha velhice - Drake brincou.
Pegou a peneira e removeu algumas folhas da água cristalina. Seu pai havia limpado a fonte onde a água geralmente borbulhava. Drake limpou a cesta do filtro.
- Pronto para ligar a água? - perguntou Joe.
Drake pôs a cesta no lugar.
- Sim.
A água borbulhou e em seguida espirrou num arco gracioso, caindo na piscina circular onde peixinhos dourados balançavam as caudas e nadavam preguiçosos pela água gélida da fonte.
Está esfriando - disse Joe. - Vai chover hoje à noite. Olhou para o céu e para as nuvens escurecidas naquele cair de tarde.
- Sim - disse Drake, ausente, pensando em Maya, no bebê e nas mudanças que um momento descuidado de paixão podia fazer na vida.
Nas vidas, corrigiu. Mais vidas estavam envolvidas naquela confusão. A dele, a de Maya e a de Marissa. Até mesmo seus pais estavam envolvidos. Afinal, Marissa era a neta deles. Ele suspirou, frustrado por não conseguir resolver a situação, afinal. Maya não estava colaborando, admitiu cinicamente.
Joe sentou-se na beirada do chafariz e referiu-se a Drake.
- Estou adicionando um suplemento ao meu testamento anunciou o pai. - Para incluir a sua Marissa.
- Você não precisa - disse Drake. - Já preparei tudo para que o que tenho fique com Maya. Ela e o bebê estarão bem.
- Eu sei que você cuidará dos seus. Isso é algo que quero fazer. A sua mãe e eu - completou.
Drake não disse nada sobre a última afirmação do pai. Ele não sabia ao certo se sua mãe notaria Marissa. Parecia não notar que seus próprios filhos estavam vivos. Exceto pela atenção que hora dava, hora omitia a Joe Júnior e Teddy.
- Ficamos tão felizes quando você e Michael nasceram - disse Joe, obviamente perdido com suas lembranças. - Vocês eram bebês lindos. E inteligentes, também. Rand era maiorzinho, muito determinado e curioso. Tínhamos tanto orgulho de nossa pequena família... Quando Sophie e Amber vieram, achamos que a família estava perfeita.
- E então as crianças crescem - disse Drake, notando a tristeza nos olhos do pai.
Joe fez um gesto positivo com a cabeça, ainda pensativo.
- A vida continua, nem sempre pelo caminho que você preferiria.
- É Verdade. Maya não está cooperando mesmo. 
Joe estudou o filho, enxergando por debaixo da ironia, o homem por dentro, e além do homem, o menino que vivera com a culpa e o arrependimento por grande parte da vida. Drake fora o mais sério de seus filhos, tomando mais do que a sua fração de responsabilidade pelo bem-estar da família. A tragédia da morte do irmão gêmeo pesava muito sobre o seu espírito.
- Não podemos fazer com que os outros se conformem com os nossos desejos - disse ele, pensando na Meredith que conhecera no passado, incapaz de evitar a comparação com a mulher que hoje era uma estranha para ele.
- Não espero que Maya se conforme, mas temos uma filha em quem pensar. Não quero ser um pai ausente.
- Uma criança precisa de ambos os pais.
- Sim, mas quando disse a Maya que largaria as missões para pegar um trabalho normal, ela ficou furiosa. Disse que eu decidi sem consultá-la.
Joe prendeu um sorriso. Drake estava frustrado com as tentativas de fazer a coisa certa, mas, numa atitude machista, achava que podia decidir o que era o certo e seguir em frente.
- Entendo que Maya tenha suas próprias idéias sobre casamento e como manejá-lo.
- Ela é teimosa - admitiu Drake. - Jamais imaginei que fosse tanto.
Dessa vez Joe teve que sorrir.
- Lembro-me de uma briga que tive com a sua mãe no início do casamento. Mandei vocês para a cama sem jantar como castigo por algo que fizeram. Ela não achou certo não dar comida.
- O que aconteceu?
- Não servimos jantar naquela noite.
- Para ninguém?
- Para ninguém. Ela disse que comida, como amor, era uma necessidade básica. Se parte da família ficasse sem, então todos tinham que compartilhar o sacrifício.
- Eu me lembro disso - disse Drake, sentindo o calor da lembrança. - Todos acabamos comendo na cozinha.
- Isso mesmo. Eu e sua mãe o surpreendemos pegando comida escondido para vocês e acabamos fazendo um lanche à meia-noite.
Joe ficou aliviado ao ver Drake mais animado. Essa viagem ainda não havia resultado na felicidade que Joe esperava para o filho. O que mais queria na vida era uma vida repleta de felicidades para os filhos. Até agora, Rand e Sophie eram os únicos a terem casamentos felizes.
Mas o casamento nem sempre era feliz.
Pensara bastante sobre o momento em que o seu deixou de ser feliz. Foi quando Meredith anunciou que estava grávida de Teddy? Não, antes disso, obviamente, pois tivera um amante. Uma imagem dos olhos azuis de Teddy e de seus cachos louros lhe invadiu a mente, junto de uma imagem da cor idêntica de Graham.
Engoliu seco. Certamente Meredith, sua amada Meredith, não poderia ter estado com o seu irmão...
Mas houve alguém mais. Traição. Isso era um fato com o qual teve que conviver.
- Um homem deve aprender a deixar para trás coisas dolorosas - disse a Drake. - Você terá que perdoar Maya por não ter contatado a você. Às vezes o orgulho acaba atrapalhando a felicidade das pessoas - disse, tentando não contar sua própria história.
- Não é isso. Ela diz que vivo no passado, mas estou tentando pensar no futuro, providenciar um lar para ela e o bebê. Achei que ela ficaria feliz...
Drake perdeu o foco, encucado e irritado com a teimosia de Maya, insistindo que ele encontrasse o seu espírito antes de voltar a ela com o coração.
- As mulheres gostam de ser consultadas sobre esses assuntos - disse o pai, tentando ser educado. - Fale mais com ela. Se você quer mesmo se assentar e pegar um trabalho burocrático, a Colton Enterprises tem várias vagas para pessoas ativas como você.
- Obrigado. - Drake conseguiu sorrir para o pai. - As coisas não estão acontecendo mesmo como eu esperava. Cheguei dia seis, esperando estar casado no dia sete. Aqui estamos, doze dias depois. Sou pai, mas ainda longe de ser um marido.
- Isso tem a ver com sentimento? Eu amo você.
Drake balançou a cabeça.
Ela... gosta de mim. E eu dela.
Fale com ela. Não deixe que a felicidade lhe escorregue por entre os dedos sem lutar com todas as forças.
- Não é o que vou fazer - Drake assegurou ao pai, sentindo-se encorajado pela conversa. Ele e Maya compartilhavam uma filha e uma paixão selvagem e doce. Ela dissera que o amava. Como poderia fazê-la ver que deviam estar juntos?
- A chuva está caindo - disse Joe. - E melhor entrarmos. Tenho uma teleconferência com Peter e Emmett daqui a pouco. Emmett quer expandir as nossas operações com o petróleo. Peter diz que não é hora para isso por causa do excedente na produção dos países da OPEC.
- Na minha opinião, ouviria o conselho de Peter.
- Ele é um homem bom - concordou o pai ao caminharem para o jardim de inverno.
Foram até a sala para uma taça de conhaque. Drake acendeu a lareira e acomodou-se numa poltrona enquanto a chuva se transformava em tempestade.

Louise Smith acordou com as lágrimas escorrendo pelo rosto. Lá fora, a noite do Mississipi se tornara tempestuosa, como naquela noite quando acordara de um pesadelo. Dessa vez, não foi uma menininha ruiva que viu nos sonhos, mas dois menininhos idênticos.
Gêmeos.
De alguma forma ela sabia que eram seus filhos. Ela teve pelo menos um filho, de acordo com os médicos.
Onde, meu Deus, onde estavam esses bebês.
Balançou para a frente e para trás, com o coração repleto de dor e confusão. Ela não podia suportar. Tinha que saber. Tinha que descobrir o passado e encarar qualquer que fosse o horror que ele guardava, não importava o quanto fosse doer.
Aqueles bebês... precisavam dela. Seus bebezinhos perdidos... oh, Deus, os bebês...
- Por favor, por favor - sussurrou. - Meus filhos... meu marido...
Pôs a mão na boca quando o homem moreno apareceu em sua visão com uma expressão triste. Ele era real. E os bebês também.
Ela fora casada. Tivera filhos. Amou e foi amada.
- Eu sei! Eu sei! - gritou. - Onde estão vocês?
Só o vento que soprava a respondeu. Uma chuva pesada batia nas janelas, como se o mundo chorasse por ela, ecoando a sua dor.
- Por favor, Deus, ajude-me a encontrá-los - pediu, temendo que a insanidade que um dia lhe tomou por inteira, voltasse.
Perdida na escuridão de sua mente, talvez nunca mais descubra algo sobre o passado... ou sobre o amor que um dia vivenciou.
O seu marido. Seus bebês. A menininha ruiva que agora era uma mulher. Outros rostos, de outras pessoas, algumas crianças, alguns adultos. Ela precisava deles e eles precisavam dela. Tinha certeza disso. Corriam perigo. Um perigo enorme. Sentia isso fundo na alma. E ela era a única que podia salvá-los.
- Oh, por favor... por favor - chorou. - Deus do céu, ajude-me. Ajude-os.
Raios brilhavam com enorme intensidade e trovões miam sobre a terra num estrondo que fazia tremer prédios e janelas.
- Joe - gritou, mas a fúria da tempestade abafou a palavra. Era aterrorizador, mas nada comparado à tempestade dentro dela.


Onze

Na segunda-feira, seis dias depois do nascimento de Marissa, Maya terminou todas as suas tarefas. Depois de mandar Joe e Teddy para a escola, leu um capítulo num livro sobre a primeira infância e tirou um cochilo após o almoço. Em seguida, pegou Marissa e partiu para a Fazenda Hopechest.
Drake esperava por ela do lado de fora.
- Venha no meu carro - pediu. - Eu disse ao meu pai que olharia a fazenda para ver se poderíamos melhorá-la de alguma forma.
- Você deveria falar com a sua irmã. Amber sabe mais que ninguém sobre as condições financeiras do lugar e sobre as necessidades das crianças.
- Boa idéia - disse ele com calma, ajudando-a, junto de Marissa, a entrarem na caminhonete. - Você tem algumas sugestões?
Antes de se dar conta, estava no carro de Drake, discutindo as necessidades das crianças da Fazenda Hopechest, a qual servia com um lar de crianças abandonadas, de detenção juvenil e escola para crianças com dificuldades na vida.
- Suprimentos - disse Maya quando ele estacionou próximo à sala onde ela dava aulas particulares. - Livros, principalmente. É o mais importante que precisamos. As crianças precisam de livros que mostrem outras crianças que tiveram vidas tristes e tornando-se cidadãos bem-sucedidos. E também material de arte - giz e papel. Oh, livros de matemática também seriam úteis. Talvez possamos conseguir alguns daqueles programas de computador que vêm com instruções...
- Claro.
Maya se deu conta de que falava feito uma tagarela quando Drake sorriu. Ela se calou e foi para a sua sala, disse para Drake colocar a cesta onde Marissa dormia ao lado da mesa.
- Vou atrás do diretor para falar com ele - disse. - Pego você às três para então voltarmos. Tudo bem?
Maya fez que sim com a cabeça e não olhou para ele, pois preparava suas pastas e papéis. Johnny encontrou Drake ao lado da porta. Os dois falaram sobre o próximo fim de semana e os planos sobre o treino de laço. Suspirando, Maya admitiu que Drake era muito bom para Johnny e para os seus irmãos mais novos. Ele era um bom exemplo para os meninos.
Bem, até certo ponto. Ela não queria que os meninos se torturassem com o passado, como Drake fazia. Johnny, mais do que ninguém, precisava se afastar do seu passado turbulento e se aproximar de um futuro seguro.
- Como você se saiu com os problemas que o sr. Martin lhe passou? - perguntou ela, tirando da bolsa mais um romance para ele ler.
- Bem, eu acho.
Ele sorriu para ela, o que indicava que havia achado a tarefa fácil.
- Não fique muito animado - disse ela ao pegar o trabalho dele.
- Esse bebê é seu? - perguntou o menino, debruçando-se sobre o cesto onde o bebê dormia.
- Sim. Essa é Marissa Joy... Colton. - Ela parou e continuou, ao se dar conta de que aquilo não era segredo. - Drake é o pai.
- Vocês vão se casar?
Maya observou o adolescente com cuidado, certa de que havia outras perguntas por trás dessa, mas não sabia se estava disposta a respondê-las.
- Estamos resolvendo isso - disse ela. - É difícil saber o que se vai fazer. O trabalho dele nas Forças Especiais o leva para lugares aonde um bebê não pode ir.
- Então você não poderia ficar aqui enquanto ele está nas missões? Eu tinha um amigo cujo pai estava na marinha. Ficava longe durante vários meses. Acho até que eles gostavam disso, pois quando vinha para casa batia neles.
Maya balançou a cabeça ao ver a naturalidade com que Johnny contava o caso. Como era possível que as crianças crescessem e se tornassem bons adultos num mundo louco como esse? Johnny, por exemplo, era bom, animado e inteligente. Como foi possível as suas boas qualidades sobreviverem à infância que teve?
- Algumas pessoas precisam de uns cursinhos de como conter a raiva - disse ela. 
Johnny pareceu surpreso.
- Deve haver cursos sobre tudo. Eu vou conseguir um diploma de faculdade. Posso batalhar até conseguir, como você. Talvez trabalhe como vaqueiro em vez de babá.
Maya ficou tocada ao perceber que ele olhava para ela com admiração, antes de desviar o olhar. Esses eram os momentos que faziam a vida de um professor valer a pena, ver os resultados do seu esforço no desejo de um estudante em aprender mais.
Maya certamente estava na carreira certa. Pelo menos fez uma coisa certa na vida. O resto, no entanto, estava abalado. Engoliu seco enquanto o sentimento de perda dominava a sua razão. Queria seguir o coração e esquecer dos problemas que, à meia-noite, pareciam insuperáveis. 
- Vamos ao trabalho - disse ela. - Trouxe outro livro para você. Os meninos nessa história passam por uma aventura interessante. Gostei da maneira como os personagens se desenvolveram ao longo da história.
Nas próximas duas horas ela se concentrou nas tarefas, deixando de lado suas preocupações, ensinando aos seus alunos como decifrar letras e montar sons, palavras e frases com sentido. Ficou surpresa ao ver que Johnny linha realmente se saído muito bem.
- Da próxima vez vai ser mais difícil - prometeu, olhando para ele de um jeito que o fez rir.
- Ela é muito brava - disse Drake ao entrar na sala.
- É. - Com mais uma risada, o adolescente pegou o novo livro sobre três garotos que se perdem da família mas conseguem voltar para casa, aprendendo e crescendo no percurso.
Antes da viagem até a fazenda, Marissa acordou e exigiu o almoço.
- Quando ela se alimenta? - perguntou Drake.
- Quando ela quer. Estou seguindo um plano de alimentação voltado à demanda no momento. Quando ela tiver um mês, mudo gradualmente para um esquema mais organizado. Pelo menos esse é o meu plano. Colocá-lo em ação pode ser algo totalmente diferente.
O sorriso dele aqueceu o coração de Maya. Levantando o bebê, ela desabotoou a blusa e abaixou o sutiã especial. Marissa mamou do seu jeito barulhento de sempre e em seguida caiu no sono. Maya deu tapinhas na bochecha dela para que voltasse a mamar.
O bebê acordou com um choro irritado e recomeçou a mamar.
- Talvez ela não esteja com fome - disse Drake.
- Se ela exige a refeição, tem de cooperar. Não quero que ela se acostume a comer pouco, apenas para despistar a fome e dormir logo em seguida. Não posso amamentá-la a cada poucos minutos.
- Entendo.
- Tenho sorte de poder tê-la comigo enquanto trabalho. Deve ser muito difícil para os pais que não têm esse privilégio.
- Gostaria que você me ensinasse a cuidar dela, se não se importar. Acho melhor começar agora, para quando ela ficar comigo e eu tiver de fazer tudo sozinho.
Surpresa, Maya apenas o fitou por alguns segundos. Finalmente perguntou:
- Está planejando tê-la vivendo com você?
- É uma tradição os pais ficarem com os filhos nas férias e em feriados, não é mesmo?
Maya quase não pôde respirar, muito menos responder.
- Eu... acho que sim. Você gostaria que fosse assim? Uma criança requer muita responsabilidade. Você não poderia sair...
- Eu sei - disse ele. Maya terminou de amamentar Marissa e voltaram em silêncio para a casa. Drake carregou o assento do bebê, a bolsa com as fraldas e a maleta de Maya.
- Drake - chamou Teddy, voltando do cinema da família que ficava sobre a garagem de cinco vagas. Desceu apressado as escadas. - Vamos praticar laço!
- Vocês têm dever de casa primeiro - disse Maya.
- Por que sempre temos de fazer tarefas bobas? - reclamou Joe Júnior, seguindo o irmão.
- Por que vocês se saíram mal em matemática - respondeu Drake. - Maya vai me ensinar a dar banho em Marissa. Vocês dois, vão fazer as tarefas e depois falamos sobre o laço.
Joe torceu o nariz, descrente.
- Você vai dar banho na Marissa? Ela é só um bebê.
- Isso mesmo, e uma menina - completou Teddy, como se esse fosse o insulto maior.
- Acontece que gosto de meninas - disse Drake ao meninos. - Ainda mais quando são tão belas quanto as mães. O olhar de franca admiração de Drake provocou nela o desejo familiar. Confusa, partiu na direção do quarto.
- Podemos olhar? - Teddy quis saber, obviamente curioso sobre esse aspecto da vida adulta. - É difícil dar banhos em bebês? Ei, talvez possamos ajudar.
- Vocês podem passar talco nela - prometeu Maya. Mostrou a eles a pequena banheira que usava para o bebê.
- Enfie o cotovelo para testar a temperatura da água.
- Parece boa para mim - disse Joe, indo na frente. Os outros dois concordaram.
Maya mostrou a eles como despir Marissa, segurando-lhe a cabeça para que não a machucasse, tirou o vestidinho e a fralda.
- Ponha o braço esquerdo sob a cabeça do bebê e segure o braço esquerdo dela. Desse jeito ela não escapa quando estiver coberta de sabão.
Ela mostrou a eles como fazer.
- Tudo bem, daqui já podemos continuar, não é mesmo, rapazes? - perguntou Drake.
- Claro - disseram os meninos, cheios de confiança. Maya, sem saber se essa era a coisa certa a fazer, sentou-se na cadeira de balanço e observou a operação pela porta aberta do banheiro. Com muita discussão e risos, deram banho no bebê, passaram talco e a vestiram.
Drake era muito competente na tarefa. Durante os últimos seis dias, ele observou tudo o que ela fazia, estando perto dela e do bebê pela maior parte do tempo. Era quase um casamento.
Quase.
O coração dela pareceu apertar só de pensar nos dias e anos pela frente. Se Drake estava planejando encontrar um lugar em sua vida para a filha, isso era bom.
Sentada a sua mesa, verificou o e-mail e as mensagens no telefone. Em seguida, as tarefas do dia dos meninos. Quando terminou, os rapazes também haviam terminado. O bebê, com uma sábia olhada para Maya, fechou os olhos e caiu no sono, logo que foi posta no berço.
- Ela é um bebê ótimo, não é? - disse Drake, olhando a filha adormecida.
-Sim.
- Maya, eu fui um bebê bom? - perguntou Teddy. 
Maya sorriu.
- Você chorava a noite inteira, todas as noites no primeiro mês.
Ele riu.
- E Joe?
- Desde o início ele sabia que tinha encontrado um bom lar. Quase não chorava.
Os meninos se puseram em ambos os lados da mesa dela e abriram os livros. Drake se acomodou na cadeira de balanço, lendo uma revista sobre pais. Maya continuou lendo o livro sobre desenvolvimento infantil. Foi assim que a sra. Meredith os encontrou quando entrou.
- Ora vejam só, se não é a cena aconchegante da família - disse, parando ao entrar.
Maya enrijeceu por causa do tom de sarcasmo na voz de Meredith, mas sorriu calmamente. Não era bom deixar que Meredith soubesse que a desagradava.
- Olá, queridos - continuou Meredith. - Não vão dar um beijo em sua mãe?
Os meninos se levantaram e correram para os braços da mãe. Ganharam beijos e afagos. Meredith deu a eles um saco de doces e permissão para comê-los. Maya evitou dizer que o jantar seria servido em menos de duas horas.
Meredith fez várias perguntas aos meninos sobre suas atividades, despejando toda a sua atenção sobre eles, como não o fazia havia tempo. Na verdade, a sra. Meredith parecia distraída e seu humor parecia mais incerto... desde a festa de aniversário de Joe.
Bem, deve ser assustador quando alguém atira no seu marido. Qualquer um ficaria assim.
Entretanto, Joe já foi um senador dos Estados Unidos. Ficou rico com o petróleo há muito tempo e passou para outros empreendimentos. Um homem em sua posição faria inimigos, sem importar o quanto era bom. As pessoas têm inveja...
Maya pensou em outra coisa. A sra. Meredith parecia ter ciúmes do marido, não por causa de outras mulheres, mas porque seus filhos obviamente amavam e respeitavam o pai. Maya achou aquilo muito estranho.
Ao lembrar-se da conversa com Drake sobre a mãe estar diferente, sentiu um calafrio. O que estava acontecendo na família Colton?
Às nove e meia, Maya entrou na sala onde Drake, com Marissa no colo, conversava com o pai. Ele ficou cuidando do bebê enquanto ela supervisionava os meninos e os colocava para dormir. A cena com o pai e o filho parecia tão serena que ela detestou interromper.
- Perdoem-me. Acho que vou colocar Marissa para dormir - disse da porta.
- Entre, Maya - convidou Joe. - Junte-se a nós por alguns minutos. Os homens precisam da companhia das mulheres para se manter bem-comportados, não é mesmo, filho?
- Ah, claro. Isso mesmo, pai - concordou Drake com uma pitada de humor irônico.
Olhou para Maya de um jeito que a fez brilhar. Ela havia tomado banho e vestido uma saia longa e uma blusa escarlate e preta. Algo que ficara sem poder vestir por cinco meses. Essa noite, Maya se sentia atraente e feminina novamente.
Ela escolheu uma poltrona, sentou-se e relaxou, depois de um logo dia de afazeres.
- Cansada? - perguntou Joe com a voz suave.
Ela hesitou em admitir fraqueza, mas em seguida fez que sim com a cabeça.
- Até agora, o máximo que Marissa conseguiu dormir de uma só vez foram três horas. Eu não sabia que acordar tantas vezes durante a noite era tão desgastante.
Na semana que passou, ela pensou diversas vezes sobre como sua mãe suportara cuidar dessa casa enorme, planejar o cardápio e cozinhar, manter sua própria casa limpa e organizada e cuidar do marido e de duas crianças. Todas as suas lembranças eram de uma mulher feliz e incansável que raramente se irritava ou reclamava sobre o trabalho a ser feito. Maya não achava que era feita do mesmo material que a mãe.
Então, depois de admitir o cansaço, temeu que Joe fosse pensar que ela estava negligenciando as suas tare-las com seus filhos.
- Joe e Teddy têm sido maravilhosos me ajudando com o bebê. Fizeram até as tarefas da escola sem reclamar.
- Que bom. Se eles lhe causarem algum problema, pode me contar. - O velho olhou pela janela com um ar pensativo.
- Maya precisa dos finais de semana livres - disse Drake de repente. - Ela trabalha sete dias por semana, tenho certeza de que isso é contra as leis trabalhistas.
O pai mexeu a cabeça e cerrou os olhos, analisando o filho. Drake olhou diretamente pare ele.
- Você esta certo, filho. Maya, peço desculpas. Tenho estado tão ocupado com... outras coisas. Não tenho prestado atenção nos meninos e no tempo que você dedica a eles.
- Tudo bem - disse ela. - A mamãe ajuda quando preciso. Isto é, quando ela não está ocupada na cozinha. E o papai também, quando não está ocupado no jardim.
Ela se deu conta de que toda a sua família dependia dos Colton para sobreviver. Mas a escolha era deles. Os pais dela já haviam recebido ofertas de melhores salários e outros benefícios por visitantes que viram o seu trabalho.
- Família que brinca unida permanece unida - disse Joe. -Trabalhar juntos também é importante, ou até mesmo estar próximo quando o outro precisa.
Drake lançou um olhar calmo sobre ela. Maya percebeu que havia dor nos pensamentos sombrios que o habitavam.
- Você estava lá - disse ela. - Quando Marissa nasceu, você ajudou...
- Mas eu não estava ao seu lado nos meses anteriores a tudo isso.
Ela percebeu a crítica que ele lançou contra si mesmo. Não era um homem que esquecia rápido os erros.
- Você não sabia. Sinto muito por não ter escrito. Sei que deveria ter escrito.
Seus olhos se cruzaram e o desejo invadiu-lhes os corpos. Maya se deu conta do quanto amava esse homem tão honrado e bom. Ele levava a sério suas responsabilidades.
Talvez ela estivesse sendo teimosa e orgulhosa, pensando apenas em seus sentimentos feridos depois de ler aquele bilhete.
Não há espaço na minha vida para uma mulher e uma família.
Essas palavras ainda causavam dor em Maya. Ela balançou a cabeça levemente, negando a dor. O arrependimento era uma emoção inútil, a menos que trouxesse mudanças para ações futuras.
Se ela tivesse certeza de que ele a amava, teria aceitá-lo a sua proposta e o teria ajudado a resolver o seu passado. Mas ela não estava disposta a se tornar apenas mais uma responsabilidade adquirida por ele por causa do erro que cometeram em fazer amor.
Essa era a pior visão possível das coisas, ela refletiu. O fato de Drake considerar o tempo que passaram juntos um erro fazia com que Maya tivesse vontade de chorar desmedidamente à sombra de sua miséria.
Mas é claro que não chorou. Ao invés disso, sorriu e ouviu os dois homens conversarem sobre assuntos diversos da família.
Marissa acordou, espreguiçou-se e esfregou o rostinho na camisa de Drake. Quando não encontrou o que queria, fez cara de insatisfeita e começou a chorar.
- Aqui, mamãe. Acho que é com você agora - disse Drake sorrindo. Levou o bebê até a mãe.
Maya se levantou, pretendendo ir ao seu quarto, mas Joe sugeriu que se sentasse.
- Há algo de muito especial numa mãe amamentando o seu bebê - disse ele. - Evoca no homem os sentimentos mais tenros.
- É verdade - concordou Drake. - E sentimentos de proteção também. Ter filhos nos traz uma nova perspectiva.
Maya viu os dois trocarem olhares enquanto ela se sentava para alimentar o bebê faminto, que parou de chorar logo que encontrou o que queria. Quando era hora de fazer o bebê arrotar, Drake pegou Marissa, deitou-a sobre suas pernas e deu tapinhas nas costas dela.
- Ela prefere esta posição - disse ele ao pai, soando feito um especialista.
- Michael também preferia essa posição, mas você sempre teve de ficar no meu ombro para ver o que se passava. Você olhava para todos que entrassem no quarto. Se não fosse com a cara de alguém, berrava até que saísse.
Maya riu com a imagem do pequeno Drake.
- Ouviu isso? - Drake brincou com o bebê. - Ela está rindo do seu papai. - Levantou-se e entregou Marissa de volta para Maya. Ao deixar o bebê no colo da mãe, seus dedos tocaram nos seios de Maya. As chamas do desejo incendiaram-na de imediato. Ele também deve ter sentido o mesmo.
- Perdão - disse Drake, afastando-se.
Ela fez um gesto positivo com a cabeça, detestando o rubor que lhe invadia o rosto. Joe se levantou.
- Vocês jovens terão de me dar licença. O dia foi longo, e acho que vou me recolher. Preciso ler um relatório antes de ir para a cama.
- Boa noite - disseram Maya e Drake ao mesmo tempo. Ela pensou se Joe não achava que eles devessem ficar a sós.
Para resolver seus problemas?
Ele era bom e considerado, mas ela não queria ficar a sós com Drake. Era perigoso demais para a sua paz de espírito. Mudou o bebê de seio para terminar de amamentá-lo.
- Gostaria de ter o direito de tocar em você sem ter de pedir desculpas - disse Drake, pegando-a de surpresa.
- O... o que você quer dizer?
- Se fôssemos casados, eu teria de me desculpar por acidentalmente esbarrar em você?
Ela não respondeu, apenas ajudou o bebê a se acomodar no seio. Fazendo uma expressão de dor por causa da sensação estranha no seio - o leite descendo, disse a sua mãe -, balançou a cabeça lentamente.
- Você teve de pensar bastante antes de responder.
- Eu não sabia o que dizer. Mesmo se fôssemos casados, não tenho certeza de que direitos teríamos sobre o outro - disse ela.
- Teríamos todos os direitos de um marido e uma mulher para acariciar e se deleitar com a companhia do outro.
- Fisicamente? 
Ele ficou pensativo.
- Isso faz parte, mas não é tudo. Há outras maneiras de compartilhar uma vida. Como agora. Eu gosto de olhar para você enquanto a nossa filha se alimenta. Isso me faz lembrar das vezes em que toquei você nos seios e do quanto gostei. Sei que não podemos fazer amor até que o médico lhe examine, mas mesmo assim gosto de pensar sobre isso e sobre a maneira como você reage. Aqueles seus gritinhos me deixam louco.
Maya lançou uma expressão severa para ele.
- Não vou continuar o caso amoroso com você Drake disse ela com austeridade, ainda que talvez não suportasse essa decisão se ele insistisse no contrário.
- Achei que isso fosse parte do casamento.
Ela lançou sobre ele o seu olhar mais inocente, contrastando com o brilho sexy em seus olhos.
- Oh. Casamento.
- Sim, casamento. - Respirou fundo. - Não aceitaria nada menos que isso para nós dois. A nossa filha merece uma vida familiar estável. E os nossos outros filhos também.
Maya quase engasgou.
- Você está sugerindo que... você acha que eu, que nós...
- Sim, vamos.
Ela olhou para ele em choque, sem palavras.
- Isso vai acontecer. Somos voláteis demais juntos. Há sentimento, necessidade e desejo entre nós. Já somos muito íntimos. Contei a você sobre os fantasmas do passado que me assombram. É justo usar isso para me manter longe?
Maya abaixou a cabeça, sem saber o que dizer.
- É? - persistiu com voz suave. - Ofereci a você um futuro como minha mulher. Quero ajudar a criar a nossa filha. - Fez uma pausa e continuou: - Quero outros filhos. Com você. Você é a única mulher que imagino como a mãe deles.
- Isso não é justo, Drake.
- É verdade. Você é o meu futuro. Se você não for, então não sei o que será. Estou cansado da escuridão, Maya. Dê-me a luz do seu amor e lhe ofereço o meu futuro, o meu amor, o que você quiser. Se você apenas me aceitar.
Maya sentiu as lágrimas brotarem em seus olhos.
- Um Drake humilde? - disse ela com a voz trêmula. - Esse é o homem que conhecemos e amamos?
Ele deslizou um dedo sob o queixo dela e levantou-lhe o rosto levemente.
- Espero que sim - disse ele com sinceridade. - Temos uma filha linda. E uma enorme paixão. Isso é certamente um bom começo.
- Talvez.
- E então, casamento? Ela balançou a cabeça.
- Eu não posso. Tem algo, um impedimento... não posso explicar.
Ele suspirou.
- Tudo bem. Tenho de terminar a minha missão atual. Isso nos dará seis meses para conversar e planejar o futuro. Eu telefono e nos falamos também por e-mail. Você me dá esse tempo?
Olhando nos olhos dele, ela fez que sim com a cabeça, incerta sobre o que prometia.
- Enquanto isso, quero ser parte da sua vida pela duração da minha licença. Vamos relaxar e curtir o bebê.
O humor dele mudou, o seu sorriso ficou mais atrevido e muito cheio de si, mas o amor, ela descobriu, era mais forte do que o orgulho ou o medo, ou qualquer outra emoção. Ela tinha de arriscar para ver aonde isso ia levar.
- Tudo bem - disse Maya.
- A moça concorda. Eu devo estar sonhando.
Ela riu com ele, percebendo algo novo no ar. Não, nada de novo, mas velho - o velho Drake de muito tempo atrás.
Talvez, apesar de tudo, houvesse mesmo um futuro para eles.


Doze

- Onde está? - perguntou Patsy Portman, que se intitulara Meredith Colton por dez anos. - Já passava da hora de você telefonar.
- Estou em Redding. Tenho novidades - disse Silas Pike, que preferia ser chamado de Olhos de Cobra. - Quer ou não quer ouvir?
- É claro que quero ouvir! Você encontrou a Emily? 
- Não exatamente...
- Não vou lhe enviar mais dinheiro - disse Patsy, irritada.
- Quer parar um pouco e me ouvir? - disse ele, também irritado. - Encontrei o motorista de caminhão que deu carona para ela.
- E? - disse Patsy.
- Ele deu a ela uma carona até o Wyoming.
- Grande coisa. Já suspeitávamos de que ela estivesse lá.
Obviamente considerando-se um superdetetive, Silas soltou um de seus risinhos.
- Agora temos provas. Alguns freqüentadores de uma parada de caminhões se recordam dela perguntando sobre uma cidadezinha chamada Needle Creek. Patsy sentiu o corpo cocar.
- Nettle Creek? - Ela quase se esquecera do lar dos McGrath, onde Joe fora criado. Ela nunca estivera lá e não tinha a intenção de aparecer naquele fim de mundo. Prosperino já era ruim o suficiente. - Seu tolo. É Nettle Creek. Ela deve ter ido para a casa do tio Peter.
- Sei tudo sobre ele. O que preciso fazer é ir dar um passeio em Nettle Creek, encontrar a casa do McGrath e pronto, teremos a menina.
- Bem, então faça logo - disse Patsy. - E depressa. As coisas não estão bem por aqui.
Combinaram de se falar dentro de três dias e desligaram. Patsy guardou o minúsculo telefone celular no bolso. Ficava sempre no modo vibrador, para que ninguém soubesse quando ela recebia uma ligação. Nem mesmo Joe sabia da existência do telefone. Ela o comprara com um nome fictício.
Sorrindo de prazer por conseguir enganar Joe e seus vigilantes - aquele detestável Peter McGrath e a filha dele, Heather, agora casada com o detetive bisbilhoteiro, Thadeus Law, além dos filhos estúpidos de Joe -, ela dançou em volta do quarto. Quando a felicidade diminuiu, ela analisou a situação novamente.
Deixar que Emily Blair vivesse depois do acidente dez anos atrás foi um erro. Ela teria dado uma pancada na cabeça da menininha depois de ter fechado Meredith e tê-la forçado a jogar o carro numa vala.

Mas teve de se livrar de Meredith naquele momento. Não podia arriscar que alguém encontrasse o corpo e descobrisse que era Meredith. Então, lançara mão de outro plano brilhante.
Meredith não sabia o que estava acontecendo quando Patsy a deixou na clínica para deficientes mentais com problemas na justiça, onde ela uma vez estivera internada. Aquilo funcionou às mil maravilhas.
Na verdade, exceto pelo deslize quando ficou grávida de Teddy, tudo saíra como planejado. Tudo corria bem até a festa de aniversário de Joe.
Quem quer que fosse que tivesse atirado nele arruinou os planos dela. Joe estava prestes a beber a sua taça de champanhe - que continha um presentinho de aniversário providenciado por ela mesma -, quando o idiota disparou... e errou! Joe derrubou a taça sem beber uma só gota.
Foi decepcionante. Com os freqüentes pesadelos de Emily sobre o acidente e sua insistência em que havia duas Merediths no local, uma boa e uma má, Patsy não teve outra escolha senão livrar-se da garota, que agora era uma jovem mulher. Foi por isso que teve de contratar Olhos de Cobra.
Toda essa preocupação extra deixou-a sem tempo para se concentrar em livrar-se de Joe e encontrar sua filha, Jewel, além de procurar uma casa para si mesma. Talvez em San Francisco.
Suspirou ao sentar-se na poltrona de seda bordada. A sua vida já estava bastante complicada. Patsy gostava da idéia de simplificar as coisas, o que era exatamente o que estava tentando fazer. Com Joe e Emily - e Pike Olhos de Cobra - fora do caminho, sua vida seria bem mais simples. Ela morreu de rir só de pensar nisso.
Emily Blair Colton olhava para si mesma no espelho. Com os cabelos ruivos naturais, pensou em pintá-los para tornar mais difícil sua identificação. O caminhoneiro bondoso que lhe dera carona até o Wyoming facilmente se lembraria de uma ruiva, mas será que seria capaz de identificá-la se estivesse loura, ou morena?
Virou-se e andou de um lado para o outro no quarto.
Será que estava sendo paranóica sobre a mãe adotiva e a gêmea maligna? Talvez o louco que tentara matá-la não tivesse conexão com seus pesadelos sobre o acidente anos atrás e seus sonhos e lembranças de ter visto duas Merediths, uma abalada pelo acidente, com a mão na cabeça e sangrando por um corte, e a outra com um sorriso no rosto, empurrando a Meredith ferida para dentro de um veículo não identificado que os fechara, jogando-a para fora da estrada.
Emily havia desmaiado por causa dos ferimentos. Quando acordou segura no hospital, havia apenas uma Meredith. Todos lhe disseram que estava tendo alucinações, mas havia um detalhe - sua mãe jamais a chamou de Pardal depois do acidente. Ela parecia não se lembrar do apelido que dera a Emily.
Houve outras mudanças, também, pequenas coisas, mas óbvias o suficiente para garantir uma investigação. Mas como se investiga uma sensação de que as coisas não estavam certas?
Sua melhor amiga e prima, Liza Colton, acreditou nela desde o princípio. Agora, Rand, o filho mais velho dos Colton, também parecia convencido. Ele pediu para Austin McGrath averiguar a sua mãe. Mãe? Emily a via como a gêmea maligna de seus pesadelos.
Sentiu uma dor no coração. O que aconteceu com a Meredith boa, a mulher carinhosa que a adotara e salvara a sua vida da solidão e do medo quando não tinha ninguém?
Qualquer que fosse o preço, ela sabia que precisavam descobrir a verdade. Precisava ligar para Rand para ver se Austin descobrira algo sobre o passado de Meredith. Ela nunca foi de falar muito sobre a sua juventude.
Emily vestiu seu casaco pesado novo e saiu para o trabalho. O trabalho como garçonete dava a ela os meios de permanecer em Keyhole, onde se sentia segura. De certo modo.
Rand achava melhor que ela fosse ficar com ele, mas Emily tinha medo de ser facilmente descoberta assim. Ele concordava que tudo estava muito bagunçado ainda, no que dizia respeito ao seu desaparecimento, e que ela ainda corria muito perigo.
Alguém pegou o dinheiro que Joe pagara pelo resgate, mas quem?
O suposto seqüestrador era muito abusado para pedir um resgate quando não estava com a vítima. Será que era um mero oportunista? Ou será que a Meredith má estava mancomunada com alguém?
Emily sentiu as lágrimas lhe invadirem os olhos no caminho do restaurante e ao entrar pela porta de trás e pendurar suas roupas. Sua vida parecia ter se tornado um pesadelo sem fim.
Toby Atkins estava no balcão quando ela começou o turno.
- Olá - disse ele, deixando a xícara de café de lado.
O jovem policial era louro e charmoso de um jeito meio infantil, embora Emily tivesse de admitir que o seu físico espichado, de quase 1,90m, não tinha nada de infantil. Ele contribuía para a sensação de segurança que ela tinha no lugar, mas toda a atenção dele a preocupava. Ele estava ao mesmo tempo desconfiado de algo e interessado nela.
Não havia espaço em sua vida para pensar nesse tipo de coisa. Estava dando o melhor de si para ficar viva!

Drake entrou na cozinha onde Maya e sua mãe trabalhavam juntas em silêncio, como as mulheres o faziam por tanto tempo. Achou aquilo muito confortante. A família Ramirez era muito graciosa ao lidar com os seus. Eram muitos preocupados uns com os outros.
A nuvem negra de erros do passado parecia se aproximar enquanto ele pensava sobre os Colton. Drake senha que algo ruim estava para acontecer. Não tinha certeza se era por causa de suas preocupações com o passado ou com o presente. Falou com Rand na noite anterior, mas nenhum dos dois tinha novidades.
Já fazia quase um mês que ele chegara.
Sempre que se encontrava com Maya, parecia que uma enorme ansiedade tomava conta dele. Queria ir até ela, beijá-la até que ambos perdessem o ar.
Embora não fosse inocente o suficiente para desejar felicidade completa, estar com ela e com a filha trazia uma nova dimensão para a sua vida. Por isso estava ciente da leveza de seus passos no caminho para casa, sabendo que as suas duas meninas estavam lá.
Suas?
A cicatriz em sua cintura começou a latejar, como se o corpo lhe quisesse avisar sobre o perigo de se esperar muito do futuro.
- Vou para o quarto me trocar - disse ele às duas mulheres. - Vejo vocês no almoço.
- Tudo bem. - Maya o observou sair, segurando firme o coração. Era assustador amar alguém tanto, sabendo que a sua felicidade estava nas mãos dele.
- Vai dar tudo certo - disse a mãe, inesperadamente.
- Vai mesmo? - Ela não via como. Ao ouvir o choro de Marissa pela babá eletrônica, correu até o quarto.
Marissa chorou na troca de fraldas, mas parou quando Maya se sentou na cadeira de balanço e brincou com ela.
Depois de estimular Marissa até a exaustão, a amamentou, com a mente vaga, enquanto olhava pela janela, para a terra e as montanhas que cercavam a fazenda.
Lá fora, o dia de inverno era frio e claro. De acordo com a previsão do tempo, sexta-feira seria um dia nebuloso. Sentiu o coração gelar e desejou o calor do verão. Sempre achou que fosse se casar em junho. Riu de si mesma. Lá estava ela, uma mãe sem ao menos chegar a ser noiva.
Depois de amamentar Marissa, colocou-a no bercinho. Seu pai pegara o antigo berço dela do sótão e o estava repintando. Prometeu que estaria pronto no final da semana.
Maya gostava da idéia de ter o berço para a filha. Em seguida pensou em onde ela, Drake e Marissa estariam no final de março. Tanta coisa parecia ter acontecido - a volta dele, o nascimento, agora um novo elemento que entrara no relacionamento. Ele ficava próximo delas, segurando o bebê, embalando-o, ajudando nos banhos. Ele estava experimentando uma felicidade que quase fazia com que a escuridão desaparecesse.
- Mãe, a babá eletrônica está ligada - disse ela pelo interfone. - Vou olhar as tarefas de matemática de Joe com a sra. Meredith. Grite se ouvir o bebê chorar.
Inez concordou. Maya pegou os trabalhos de escola de cima da mesa e foi para a sala da chefe. Temia encarar a mulher de humores tão imprevisíveis.
Ao descer pelo corredor da ala sul, viu Drake entrar no quarto da mãe.
Maya desacelerou o passo, pensando se devia ou não interromper. Entretanto, a sra. Meredith lhe dera ordens de reportar diariamente sobre o progresso de Joe com os problemas de porcentagem. Maya seguiu em frente. Chegando à porta fechada, hesitou mais uma vez e bateu.
Sem resposta.
Ficou arrepiada. Bateu mais uma vez. Sem resposta. Apenas silêncio.
Maya achou estranho Drake estar no quarto da mãe quando esta não estava lá. Abriu a porta em silêncio.
- O que está fazendo? - perguntou ela.
Drake estava debruçado sobre uma gaveta aberta da mesa de Meredith. Ele deu pulo de susto e sorriu.
- Pego no ato. Eu devo estar ficando descuidado -disse ele e deu de ombros. - Estou obviamente mexendo nas coisas da minha mãe.
- Por quê?
- Estou sem dinheiro trocado e pensei em roubar algum - sugeriu ele.
- Hã.
- Você não acredita?
- Não. O que está procurando? Onde está a sua mãe?
- Decidiu ir a San Francisco passar o dia. Estou atrás de pistas.
Maya deixou as tarefas de Joe, corrigidas e devolvidas pela professora, sobre a mesa de Meredith.
- Pistas de quê?
- De qualquer coisa. Não sei bem - disse ele.
- Isso tem a ver com as perguntas que você me fez antes, aquelas sobre a sua mãe?
- Dê-me um minuto e conversaremos.
Maya se calou e o observou revirar a mesa, incluindo cada gaveta, procurando por compartimentos secretos. Ele vasculhou uma gaveta de arquivos, assobiou quando viu as cartas de cobrança e a quantidade de dinheiro que devia a vários comerciantes. E prosseguiu. Vasculhou o restante do quarto com a mesma eficiência.
- Nada - disse ele. - Vamos.
Pegando-a pelo braço, conduziu-a até o seu quarto. Maya não sabia se era uma boa idéia estar a sós com ele no quarto. Era um lugar familiar e trazia consigo lembranças de êxtase. E dor.
Ele fechou a porta e se apoiou nela.
- Presa - murmurou sério, para mostrar que estava brincando.
O fogo latente nos olhos dele a incendiou por completo.
- O que você estava procurando? - perguntou.
- Provas de que a minha mãe não é quem ela diz ser. 
Maya se lembrou das conversas que tiveram sobre as mudanças em sua mãe e sobre o fato de ela ter uma irmã gêmea. Mas ele lhe dissera que a gêmea estava morta. Os desdobramentos se tornaram óbvios. Pôs a mão no peito.
- Certamente você não acha que... você não pode acreditar que...
- O quê?
- Que essa gêmea... Não, isso é um absurdo imenso!
- É mesmo? - Ele andou de um lado para o outro no quarto. - As coisas mudaram, mas quando aconteceu? A mamãe ficou diferente depois do acidente, daquela vez, quando levava Emily para visitar sua avó biológica.
- Quando Emily achou ter visto duas Merediths. 
- Sim.
Maya nunca havia visto Drake parecer tão sombrio.
- Você já falou com Amber ou com Sophie sobre isso?
- Não, apenas com Rand. Como você disse, é absurdo.
- Mas poderia ser verdade.
- Então você acredita em mim?
- Claro - disse ela, sem pensar muito no caso. 
Ele parou na frente dela.
- Obrigado. Às vezes parece que estamos loucos e que ninguém viveria numa farsa por dez anos.
- Ao menos que fossem gêmeas idênticas. - Maya pensou em seus estudos sobre tipos de personalidades. - Farsantes são muito bons em se infiltrar nas vidas dos outros. São como camaleões. Ficam da cor do ambiente. Como posso ajudar?
- Apenas ficando por perto - murmurou, olhando-a nos olhos.
Ela não se moveu quando ele deslizou as mãos por trás do seu pescoço e, usando os polegares, levantou o rosto dela. Ela sabia das intenções dele, mas permaneceu parada.
O beijo foi suave e doce, muito doce. Preencheu-a feito mel, afagando sua alma. Ela respirou a essência dele, encheu os pulmões com o seu cheiro.
Drake. O seu amor.
Ela ergueu os braços e abraçou-o pelo pescoço, sentindo a força que emanava dele ao puxá-la ainda mais para perto. Por alguma razão, ela se lembrou do primeiro beijo no verão passado, lembrou-se da doçura, da dúvida sobre a emoção por trás do beijo, do desejo que ia além do plano físico.
- Eu preciso de você - sussurrou ele, apertando-a contra o peito e beijando-lhe a têmpora. - A necessidade está sempre lá, como uma dor que não acaba nunca.
Ela quase chorou ao sentir o desespero na voz dele.
- Eu não quero magoá-lo. Quero que seja feliz - disse ela, agarrando-o pela camisa.
Ele pegou no rosto dela novamente e acariciou-lhe os lábios com os seus, deixando-a ainda mais sedenta dele.
- Você é a minha felicidade.
Maya balançou a cabeça, sabendo que a escuridão ainda dominava o espírito dele, sentindo isso em seu toque, em suas carícias. Ela o segurou com força, como se quisesse passar o seu calor para ele; como se o seu amor pudesse clarear a escuridão em que ele se encontrava.
- Maya - disse ele com a voz rouca e intensa. - Minha doce amante, meu sonho realizado. Deixe-me tê-la em meus braços, só por mais um instante. Senti muito a sua falta.
- Isso não é bom - ela tentou dizer a ele. - Temos de pensar...
Drake levantou a cabeça, com os olhos assombrados.
- Talvez isso tenha sido o nosso problema. Pensamos demais, você e eu. Preciso tocar em você, preciso lembrar como me sinto tendo você em meus braços.
- Por quê? Não podemos ir mais adiante.
- Não diga nada - disse ele. - Só quero ter você em meus braços, só isso.
Balançando a cabeça de um lado para o outro, ela o deixou abraçá-la e sentiu a amargura dos últimos meses desaparecer da memória.
Ele a beijou com força, mas com uma paixão controlada. Suas mãos lhe acariciavam as costas, seus dedos fortes massageavam os músculos dela, como se a encontrasse através do toque.
Percebendo a intensidade do desejo dele, ela retribuiu o beijo, satisfazendo o seu próprio desejo de tê-lo.
- Sinto falta daqueles gritinhos que você dá - disse ele, beijando-a nos lábios, na orelha e no pescoço. - Eu acordo à noite, pensando poder ouvi-la, e descubro que é apenas um sonho. Deitado em uma barraca na floresta, penso em você. Nas manobras no deserto. Saltando de pára-quedas. Não importa onde. Você vai aonde eu vou.
- Mas apenas nos seus sonhos - disse ela, sentindo a dor da distância de novo. - Nunca é real.
- Foi real no verão passado. Criamos uma criança.
- Fomos tolos. Não devemos fazer isso de novo. 
Ele abriu um botão da blusa dela e foi abaixando os beijos. Mais um botão. Mais beijos. Ela fechou os olhos e tentou se concentrar na sua respiração.
- Eu pensei o mesmo, mas ter você nos braços não me parece tolice. É bom, muito bom.
A paixão selvagem tomou conta dela como no verão passado. Quando ele se sentou na cama, ela foi junto dele, sentando-se em seu colo enquanto a paixão aumentava.
- Muito forte - sussurrou ela. - Jamais achei que essa vontade pudesse ser tão forte.
- Eu sei. É o mesmo comigo. Nada, ninguém mais poderia satisfazer essa vontade.
- Sim - disse ela por entre a respiração, quando ele terminou de soltar os botões e arrancou a blusa dela.
- Preciso sentir você em mim, pele na pele. - Os olhos dele expressavam todo o desejo e admiração que preenchiam.
Com as mãos trêmulas, ela o ajudou a tirar a camisa de flanela que tinha haviam tempo. Deitaram-se lado a lado.
- Deitamos desse jeito da primeira vez, lembra? Eu estava dentro de você e ficamos juntos assim.
- Sim, eu me lembro - disse ela, perdida no passado e em todos os sonhos que tivera sobre eles. - Estar junto de você era... algo tão novo e maravilhoso.
- E mágico. Muito mágico.
- Eu não sabia que você sentia isso.
- Toda vez que olhava para você, que lhe tocava, era a mesma coisa. Você brilhava, como um fogo que eu não podia ignorar.
- Era o mesmo comigo - disse ela.
Ele respirou fundo e soltou o ar lentamente. Apoiado num cotovelo, acariciou os seios dela em círculos concêntricos cada vez menores, primeiro em um, depois no outro. Duas pequenas manchas úmidas apareceram no cetim de seu sutiã.
Lentamente, com cuidado, ele abriu o sutiã especial de amamentação. Uma gota de leite brotou no mamilo. Ele se aproximou e o tocou com a língua.
- O líquido vital - sussurrou. - Está em você, é parte de você, da mágica. Não é à toa que fizemos uma criança.
Ela tocou nos cabelos dele.
- É parte de você também, Drake. A fagulha partiu de nós dois.
- Eu sei. É difícil de acreditar.
- Eu acredito. Você é repleto de bondade. Eu sempre soube.
- Como? Perguntou ele, com os olhos cheios de dor. Balançou a cabeça como se não entendesse. - Como você pode ver bondade onde eu só posso ver escuridão?
Ela não respondeu. Puxou-o para perto de si a fim de confortar o seu coração perdido.
Ele beijou os seios nus dela com carinho e se molhou com as gotas do leite materno. Fechou o sutiã, beijou-a pelo pescoço enquanto a abraçava e a explorava com uma delicadeza nunca antes vista por ela.
- Você é a coisa boa - disse ele. - A única coisa boa na minha vida. Você e o bebê.
Ela quis perguntar a razão de Drake não deixar então que fossem parte da sua vida, mas não o fez. Esse momento era especial e tiveram muitos poucos momentos desse tipo no mês que passou.
- Segure-me - sussurrou ela.
- Sim - disse ele, soando como uma promessa.
Os momentos voaram. Trinta minutos. Uma hora. E ele ainda a tinha em seus braços, acariciando-a, beijando-a.
Ficaram juntos na cama, como da última vez que fizeram amor. Ainda apoiado em um braço, ele a tocou sem parar - seus seios, cintura, coxas -, como se não cansasse de admirá-la.
- Você faz o meu coração cantar - disse ela. Passou os dedos pelos pêlos do peito de Drake.
Ele sorriu, com um olhar sereno, como se esses momentos a sós lhe acalmassem a alma, ainda que a tensão da paixão estivesse sempre presente.
- Precisamos nos casar - disse ele.
- Ainda não.
- Quando?
- Não sei.
- Podemos dar um jeito.
As palavras dele eram repletas de confiança, mas Maya balançou a cabeça.
- Você não está pronto.
- Prometa-me uma coisa. - Ele passou os dedos no contorno dos lábios dela, fazendo-lhe a boca pedir por mais beijos.
- O quê?
- Que em seis meses, pensando você ou não se estou pronto, aceitará o meu pedido.
Ela tentou ignorar o brado do seu coração.
- Se me pedir de novo daqui a seis meses, aceitarei.
- Devemos dizer aos nossos pais que estamos noivos?
Ela não estava tão certa assim sobre o futuro.
- Prefiro não fazer isso. 
Por um momento, ele ficou em silêncio. Em seguida, fez um gesto positivo com a cabeça e se levantou. Estendeu a mão para ela e ajudou-a a levantar. Arrumaram suas roupas e saíram do quarto.
- Ainda quero ajudar no mistério sobre a sua mãe -disse ela. - Se houver mesmo mistério.
- Algo vai acontecer em breve. Tenho um pressentimento sobre isso. Austin, Thaddeus ou alguém mais encontrará a pista que deixamos passar. Daí saberemos.
Maya sentiu um frio lhe subir pela espinha no caminho do seu quarto, onde estava Marissa. Sua mãe estava lá, embalando o bebê e cantando baixinho em espanhol.
Inez sorriu para os dois ao se levantar.
- Ela tem sido um anjinho. Tive vontade de pegá-la no colo.
- Obrigado - disse Drake. Ele pegou o bebê e se acomodou na cadeira de balanço. - Embalar um bebê é relaxante, não é mesmo?
Inez olhou para Maya e depois para ele e riu.
- Sim, realmente. - Ainda sorrindo, saiu.
Maya viu o seu reflexo no espelho. Os cabelos estavam bagunçados, o batom havia desaparecido e as bochechas estavam ruborizadas.
- Ai, caramba - murmurou.
Drake olhou para ela com satisfação.
- Você parece uma mulher que foi beijada recentemente. Serviço completo.
Ao olhar para o sorriso dele, notou que também estava naquelas condições. Cabelos bagunçados, camisa abotoada até a metade...
- Onde isso vai dar? - perguntou ela, dando voz às suas preocupações.
- Você sabe - disse ele.


Treze

Maya acordou lentamente. Alongou-se bastante, sentindo-se de fato descansada. E feliz, como havia muito tão ficava.
Ela, Drake e Marissa passaram cada momento juntos durante o fim de semana. Drake fora atencioso, brincara com o bebê e às vezes roubara um beijo deles. Drake como um bom amante e pai presente era difícil de resistir.
Que maravilhoso seria se...
Ela não tinha certeza do que esse "se" envolvia, apenas sentia a dúvida implícita na palavra. Por um segundo, ficou triste e olhou para a janela, onde viu o céu claro.
Jogando as cobertas de lado, levantou-se e foi até o berço. O bebê ainda dormia como um anjinho. Marissa não acordara para a mamada das cinco da manhã.
Ciente dos seios fartos, Maya foi até o banheiro. Lavou-se e se vestiu. Em seguida, foi para a cozinha. Seu coração deu um salto ao encontrar Drake lá, junto de Inez, e uma nova garota que a ajudaria por algum tempo.
Sua mãe apresentou Maya a Elaine, uma universitária de férias explorando novos lugares. Era sua primeira viagem ao norte da Califórnia.
- Seja bem-vinda à nossa área - disse Maya, servindo-se de uma xícara de café e um copo grande de leite.
- Obrigada. Drake andou me falando sobre o litoral. É meio assustador dirigir pela Highway One, com todas as curvas, subidas e descidas.
Elaine parecia uma menina da Califórnia - pernas longas e cabelos compridos e louros, o rosto bronzeado de quem passa bastante tempo ao ar livre -, mas o sotaque não enganava, era do Kentucky.
Ouvindo a garota, que tinha mais ou menos a sua idade, falar sobre suas aventuras ao redor do país, Maya sentiu-se um tanto provinciana. Nunca estivera em lugar algum além de San Francisco e ao norte, em Ashland, Oregon, onde assistira a peças de Shakespeare. Uma vez sua família foi ao lago Crater para fazer um piquenique e admirar a paisagem.
Quando Inez saiu da cozinha e foi até sua casa, Maya se sentiu uma estrangeira enquanto os outros dois falavam sobre as suas aventuras.
Drake ria com as histórias de Elaine e, a pedido dela, contou um pouco sobre as suas próprias aventuras. Os dois conversavam animados como velhos amigos, enquanto Elaine lavava panelas e limpava a cozinha depois do café-da-manhã.
- Com licença - murmurou Maya, depois de comer metade de um pão. Ela percebeu o olhar de Drake ao colocar os pratos na lava-louças e sair na direção do quarto.
Chegando lá, jogou-se na cadeira de balanço e encarou a verdade. Estava com ciúmes da moça que viaja por toda parte, livre e confiante, sabendo que se sairia bem aonde quer que fosse. Drake obviamente achou Elaine muito interessante.
Maya pôs a mão em seus seios doloridos. Não se sentia mais tão jovem e não era tão livre desde a adolescência, quando começou a cuidar dos meninos. Com um ar sombrio ao pensar em suas próprias inseguranças, levantou-se e foi até o bebê que ainda dormia.
Filhos certamente mudam as perspectivas de qualquer pessoa. Marissa ainda não tinha três semanas, mas Maya tinha noção da solidão da responsabilidade e sabia que a culpada era ela mesma. Ela e Drake já poderiam estar casados.
Será que então teria tido ciúmes da adorável e livre moça que perambulava pelo mundo conforme a sua vontade?
Não há lugar na minha vida para uma mulher...
Engoliu seco a agonia que parecia sufocá-la. Na verdade, ele não a quisera, mas isso não significa que não poderia encontrar alguém - Elaine ou uma jovem mulher como ela - no futuro e querer ficar com ela para sempre. 
Drake bateu na porta e entrou, antes de Maya autorizar.
- O que houve? - ele perguntou, caminhando na direção de Maya. Olhou para o bebê. - Marissa está bem.
- Sim. Só estava...
Não conseguia pensar em uma explicação para o que estava fazendo - de pé ao lado do berço se sentido mal.
- Sentindo pena de mim mesma, eu acho - admitiu com honestidade.
Ele pareceu confuso.
- Por quê? 
Maya deu de ombros.
- Parece divertido, viajar e viver aventuras. 
Logo ele entendeu. Balançou a cabeça, com um ar carinhoso.
- Você não é esse tipo de pessoa. O seu lugar é aqui. Imagino que os pais de Elaine se preocupem muito com ela. Ela admite quase nunca ligar para eles. Você jamais faria isso para as pessoas que ama.
Maya pensou nos meses quando ele não ligava ou escrevia. Aquelas palavras a deixavam ainda mais triste. Quando foi que o amor se tornou tão louco e excitante como nas músicas?
No verão passado, ela respondeu. Naquele tempo foi Indo muito mágico. Agora, havia as conseqüências. Ela ninava Marissa, mas a vida era bem mais difícil agora.
Drake levantou a mão, correu o dedo sobre o queixo e nos lábios dela e disse:
- Ao falar com ela, percebi como essa é uma atitude egoísta e despreocupada. Achei que estivesse sendo nobre ao deixar você, mas agora tenho dúvidas...
- Talvez você tenha sido sábio em partir - sugeriu ela, ignorando a terrível dor que as palavras dele causaram quando ele parou de falar e a fitou.
- Ou talvez estivesse assustado - corrigiu. - Elaine ficou reprovada na faculdade, e os pais estão furiosos com ela. Talvez, assim como ela, eu achasse mais fácil fugir do que encarar as minhas falhas.
Atônita, Maya o fitou, tentando descobrir o que ei queria dizer com aquilo.
- Você nunca falhou em nada.
- Falhei com você. Perdi a sua confiança. Sinto muito por isso. Você precisava de mim e eu não estava por perto. Eu sou bom nisso - arrumar problemas para o outros, enquanto me livro, impune.
Um senso de responsabilidade, era isso o que ele senti por ela, Maya percebeu. Ele achava que falhara com ei como falhara com o seu irmão gêmeo havia tanto tempo;
- Não sou uma criança, Drake. Eu tomei a minha própria decisão sobre o que aconteceu entre nós no verão passado. Você não me seduziu ou me forçou a ter um caso com você. Você não é responsável...
- Sou sim! - balançou a cabeça nervoso. - Fiz amor com você e sumi, deixando um bilhete para trás garantindo que você permanecesse longe de mim. Conheço o seu orgulho. Sabia que a minha ida daquele jeito acabaria com o nosso relacionamento. Eu fiz de propósito.
Ela se virou, incapaz de olhar para ele.
- Achei que era o melhor a fazer - disse ele num tom sombrio. - Eu estava errado.
- Não importa - disse ela, exausta com tudo aquilo Não queria culpa e recriminações.
- Importa para mim. Quero me retratar pelo que aconteceu. Quero fazer a coisa certa para nós dois. Que~ que tudo volte a ser como naquela semana mágica junho.
A dor era insuportável. Maya balançou a cabeça, negando a ele a paixão que compartilhavam e o amor que ele julgou ter encontrado.
- Não dá para ser assim, Drake. Não podemos voltar no tempo. É impossível. - Maya o encarou. - É impossível - repetiu.
Drake cerrou os dentes. Seus olhos eram tempestuosos e repletos de amargura, além de raiva e da recusa em aceitar as palavras dela.
- Não podemos voltar - concordou ele -, mas podemos andar para a frente. Temos de fazer isso. Temos de pensar no bebê. Ela precisa de nós.
- Não impedirei que tenha um lugar na vida dela. 
Drake se virou e andou de um lado para o outro no quarto, como se organizasse os pensamentos. Parou próximo à porta e abriu um sorriso inesperado.
- Então você não pode me perdoar. Agora me dou conta de que estava contando com isso. Você sempre leve o coração delicado. Acho que essa é a pior coisa a aceitar. Feri a minha amiga... e jamais me perdoarei por isso.
Saiu em silêncio pela porta, como um fantasma em despedida.
Maya estava trêmula, incerta agora sobre onde estavam no relacionamento e sobre como seria dali em diante. Seus dois seios dilatados a lembravam de que tinha de alimentar o bebê. Inclinando-se sobre o bercinho, chamou suavemente:
- Ei, pequenininha, mamãe precisa que você acorde. 
Quando ergueu o bebê, soube de imediato que algo estava errado. Marissa estava muito quente. Muito mesmo. Ela abriu os olhos sem entusiasmo algum.
Maya pegou o termômetro digital na cômoda e tomou a temperatura. Apavorada, com o bebê no colo, correu na direção da porta. Enquanto discutia com Drake, sua filha jazia doente no berço, abandonada.
- Drake - gritou, correndo no pátio. - Drake!
Ele estava no gramado, a caminho das escadas que davam na praia. O vento arrancava o nome dele da boca de Maya. Ela segurou firme o bebê e correu na direção dele.
-Drake!
Ele se virou e a viu correndo em sua direção.
- O bebê - disse ela. - Está com febre.
- Alta?
- Quarenta graus. Temos de correr para o hospital. 
Drake segurou no braço dela e ambos correram para a caminhonete. Ele abriu a porta para ela e em seguida sentou-se atrás do volante.
- Por que não me disse que ela estava doente? - perguntou.
- Eu não sabia - admitiu. - Achei apenas que estivesse dormindo todo esse tempo. Ela não acordou para se alimentar às cinco da manhã. Quando decidi acordá-la depois que você saiu, vi que ela estava quente.
- É possível que ela tenha contraído algo?
- Não. Acho que não. Ela me pareceu bem na noite passada. Não se alimentou muito, mas não achei que... Talvez ela estivesse ficando doente naquele momento. Eu não notei nada. Deveria ter verificado a temperatura dela. Deveria ter feito isso ao acordar, quando me dei conta de que ela dormira demais. Eu...
- Pare com isso - disse ele. - Pare de se culpar. Eu também não notei nada de diferente com ela.
Maya ficou em silêncio pelo restante da viagem até o pronto-socorro. Ouviu as palavras de consolo de Drake, mas não acreditou nelas. A culpa era sua. Ela deveria ter notado que o bebê estava doente.
- Garganta inflamada - disse o pediatra. - E normal cm bebês. Ela ficará bem. Pode levá-la para casa logo que a papelada for preenchida. A enfermeira lhes trará algumas amostras de remédios para a febre. Use-os se a temperatura dela subir de novo.
Maya ouviu tudo sem tirar os olhos do bebê. Quando chegaram ao hospital, o médico estava dando consultas. Examinou Marissa e fez um gesto positivo com a cabeça quando examinou sua garganta. Em seguida pedira soro intravenoso. O tubo com o soro parecia ameaçador, conectado àquele corpinho. Ao meio-dia, o médico a examinara novamente e dissera que ela estava pronta para ir para casa.
- Obrigado - disse Drake ao médico.
Maya estava sentada ao lado do berço, com a mão sobre o bebê. Marissa, agarrada ao dedo da mãe, dormia profundamente.
- Nunca a vi tão quietinha - disse Maya num tom suave. - Parece até que ela está... - Não conseguiu dizer morta.
- Ela está descansando - Drake assegurou. - Marissa ficará bem.
Maya fechou os olhos por um instante e em seguida olhou para ele.
- Não graças a mim. Eu deveria ter notado que ela não estava bem na noite passada. Ela não queria se alimentar. A garganta devia estar dolorida...
Drake pôs as mãos sobre os ombros de Maya, com a intenção de acalmá-la, mas ao deixá-las lá por um tempo, começou a sentir como era bom tocá-la.
- Ei, está tudo bem. Pais também são humanos - disse ele, tentando amenizar o clima.
Mas ao vê-la com os olhos grudados no berço, sabia que palavras não diminuiriam a culpa que ela sentia.
- Ela poderia ter morrido - disse Maya. - E eu nem perceberia, pois estava ocupada demais com ciúmes de você por causa de uma mulher que você acabara de conhecer.
A confissão dela o acertou em cheio. Ajoelhou-se ao lado dela, repleto de preocupação. Ele e Maya estiveram ocupados com suas questões, mas não negligenciaram o bebê.
- Você não precisa ter ciúmes de ninguém. Será que não sabe que é a única mulher no mundo para mim?
Ela balançou a cabeça.
Drake, com dor no coração, abaixou a cabeça e encostou o seu rosto no de Maya. Ele a magoara muito ao deixá-la sozinha, apenas com um bilhete de explicação, para encarar as conseqüências do breve período que passaram juntos.
Ele se forçou a encarar a verdade. Por causa desse medo de amar alguém, porque ele sabia o que era ser deixado para trás com nada mais além do amor, porque o amor vem com esperanças, medos e sonhos, ele negou qualquer chance de um futuro entre eles. Correria da maior felicidade que poderia ter porque era um covarde.
- Perdoe-me - disse ele. - Você tem de me perdoar. 
Maya olhou para ele perplexa e se levantou quando a enfermeira entrou. Drake também o fez.
- Preciso de uma assinatura - disse a mulher - É só assinar aqui e estão liberados. - Entregou a Drake o formulário e observou Marissa. - Que bonequinha. Ela é um bebê tranqüilo?
- É, sim - disse Maya. - Quase nunca chora. 
- A minha neta teve muitos problemas de garganta inflamada quando pequena - disse a enfermeira. - Removemos as amígdalas dela quando tinha três anos. Tinha febres horríveis. - Estalou os dedos. - Espero que essa pequenina não passe por isso, mas quando começam cedo assim... - Balançou a cabeça e sorriu. - Isso é apenas a primeira das crises que vêm por aí.
Rindo como se isso fosse uma piada, a mulher examinou os papéis, ensinou-os a usarem os remédios que lhes dera e os dispensou.
Na caminhonete, no caminho de volta à casa, Maya suspirou. Drake lançou sobre ela um rápido olhar. Estava muito vulnerável naquele momento. Talvez não fosse uma boa hora para conversar.
Em casa, ele levou o bebê no cesto até o quarto de Maya e esperou em silêncio até que ela acomodasse Marissa no berço.
- Vou pegar um cafezinho para nós - disse ele. Na cozinha, ele se deu conta de que não haviam almoçado. Elaine estava lá, descascando uma pilha de batatas sob os olhos atentos de Inez.
- Olá - disse ela sorrindo.
Drake respondeu sem dar muita atenção e foi explicar a Inez o que houve com o bebê. Em seguida, ela preparou sanduíches e frutas e despachou-os com uma bandeja.
- Diga a Maya para não se preocupar cornos meninos - disse ela. - Eu cuido deles quando chegarem da escola.
- Obrigado.
Ele voltou correndo até Maya.
- Almoço - disse ele.
- Não estou com fome - ela respondeu, de pé ao lado do berço.
- Então pode me olhar enquanto como.
Ele abriu um espaço na mesa dela e lá deixou o lanche. Pegou-a pelo braço, conduziu-a até uma cadeira e lhe deu metade de um sanduíche. - Coma, você precisa produzir leite.
- Você me faz parecer uma vaca - resmungou ela, pegando o sanduíche.
Depois de comer, Drake deixou a bandeja no corredor, algo que normalmente não teria feito, mas era hora de conversar.
Sentou-se na cadeira ao lado da mesa e olhou para Maya. Os cabelos dela estavam presos para trás, com uma borrachinha dourada. Combinava com o suéter que vestia. Uma calça preta e colete com as costas em cetim preto e a frente com um bordado dourado completavam o modelo.
Não usava maquiagem, mas o frescor da sua pele tornava desnecessária qualquer outra cor.
- Sempre achei você a mulher mais bela que já conheci. Nunca passou por uma fase esquisita. Foi direto de criança para mulher num dado momento. Não sei quando, pois não estava olhando.
Ela lançou um olhar descrente sobre ele e em seguida voltou a olhar para o bebê.
- Mas sei quando percebi - continuou, precisando dizer tudo isso logo. - No ano em que fez 17 anos. Voltei para casa, vi você e perdi o sono pelo restante da minha estada. Por sorte, você passava o tempo todo com Joe e Teddy, do contrário, eu não sei se teria resistido...
Ele parou. Imagens de Maya naquele tempo intercalaram-se com as imagens dela na festa de aniversário do pai em junho passado. Ela usava um vestido branco com uma blusinha bordada e rosas nos cabelos.
O coração dele bateu forte, lembrando-o daquele primeiro momento, quando saíra no pátio e a vira, arrumando as flores em volta do bolo de aniversário. Naquele instante ele soube...
- No verão passado...
Ela abaixou um pouco a cabeça para que ele não pudesse ver seus olhos, e Drake se lembrou de que isso era um hábito que ela tinha quando não queria que ele lesse seus pensamentos.
- No verão passado - disse ele novamente -, não teve jeito. Logo que a vi, soube o que estava reservado para nós. E não deu outra - disse ele.
Maya conteve o ímpeto de protestar.
- Não é justo me lembrar de como fomos tolos.
- Não foi tolice - disse ele. - Foi maravilhoso e inevitável. Era para ter acontecido mesmo. Nenhum de nós poderia ter impedido o que aconteceu.
Ela suspirou, sabendo que ele falava a verdade. Mesmo sabendo o que vinha pela frente - a partida dele, a dolorosa leitura do bilhete, a descoberta da gravidez -, ela ainda teria se entregado a dele.
Um gemido baixo de dor, desejo e uma centena de outras coisas surgiu das entranhas dela.
Ele levou a cadeira para mais próximo dela, até que seus joelhos se tocassem.
- Esta manhã faz um mês que estou aqui. Quando cheguei, achei que seria um homem casado em um dia, dois no máximo. Planejei tudo como se fosse parte de uma campanha. - Ele riu sem a menor graça. - A primeira pista de que as coisas não sairiam como o planejado foi encontrar você montada num cavalo arisco. A partir de então, as coisas pioraram.
- Drake, preciso estudar.
- Por quê? Você não tirou dez na prova final?
- Sim. Não estou a fim de discutir com você.
- Então não discuta. Apenas escute. Você estava certa sobre mim e o meu passado. Aprendi a viver com a morte de Michael porque tinha de fazê-lo, mas ela sempre esteve dentro de mim, viva como uma ferida supurada, prestes a se abrir a qualquer momento.
- Quando a felicidade chegasse perto demais - disse ela.
- Isso mesmo. No verão passado, ao seu lado, cheguei o mais próximo da felicidade total em toda a minha vida. E então entrei em pânico e fugi.
- Foi um choque enorme, acordar e descobrir que você havia partido.
- Eu disse que estava tentando evitar que você sofresse, mas estava protegendo a mim mesmo. Se eu perdesse você... se viesse comigo e algo acontecesse... eu não poderia correr esse risco.
Ela viu as sombras correrem pelos olhos dele como fantasmas dos quais ele não podia se libertar.
Drake tocou-a no rosto e se afastou. Aprendi uma coisa neste mês. Ninguém pode predizei a vida. Não dá para evitá-la tentando evadi-la, ou tentando planejar tudo de antemão, pois não se pode prever uma picada de abelha ou a doença de uma criança. -Apontou para o bebê que dormia.
Os seios de Maya se contraíram e ela pôde sentir a pressão do leite apenas pela menção do bebê. O coração dela reagiu com nostalgia enquanto ele explicava que eles não tinham futuro juntos. Como se ela precisasse ouvir aquilo mais uma vez. Exausta, esperou que ele terminasse de falar.
- Ou se apaixonar - completou. - O meu destino eslava traçado no momento em que a vi. Cruzei o pátio para ficar ao seu lado. Desde então, jamais saí de perto de você, nem mesmo quando estava a quilômetros de distância. Você estava lá porque estava no meu coração, preenchendo-o com sonhos loucos e impossíveis.
- Drake, por favor, você não precisa explicar nada. Sei que você tem de partir.
Ele caiu de joelhos e lançou os braços em volta da cintura dela.
- Nunca - jurou. - Não pretendo mais deixar você, se me der outra chance. - Olhou fundo em seus olhos. - Preciso de você, Maya, como uma amiga, uma confidente e minha mulher. Você vem comigo, para vivermos juntos e compartilhar o que quer que seja que o futuro nos traga?
- Por quê? - Ela sabia que algo havia mudado, mas lealmente não entendia o quê. 
Drake estava tenso, mas era algo mais - um sentimento de perda misturado com uma expectativa silenciosa que ela notava, mas não sabia explicar.
Respirando fundo, Drake disse:
- Deixei o passado para trás. Você estava certa. Era algo que precisava fazer.
- Como? - sussurrou ela.
- Ouvindo você se culpando pela doença de Marissa, percebi o quanto aquilo era ridículo. Como se você fosse responsável por qualquer perigo que aparecesse na frente dela. Enquanto esperava lá no hospital, entendi algo mais -não foi culpa minha ter reagido tão depressa quando o carro veio acelerado. Michael não reagiu assim. Ficou paralisado.
Ao ver a tristeza nos olhos de Drake, Maya viu que ele finalmente se despedia do irmão. Ficou comovida com aquilo. Inclinando-se para a frente, ela trouxe a cabeça dele para repousar em seu peito, confortando-o.
- Ele não saiu da estrada como eu saí. Simplesmente ficou olhando para o carro que vinha em sua direção. Eu acho que... acho que nunca o perdoei por isso. Não podia perdoá-lo por morrer.
- Vocês nunca se separavam, e naquele momento ele deixou você para trás - murmurou ela, entendendo a tristeza que ele deve ter sentido.
- Sim - disse Drake. Em seguida, olhou para o berço. - Quero a promessa de vida que ela representa. Ela é a nossa promessa de futuro. Do nosso futuro. Quero muito isso. Quero nossos filhos, tantos quantos você estiver disposta a ter. Mas, mais que isso, quero você.
Com as mãos trêmulas, Maya segurou o rosto dele. Viu a verdade nas profundezas de seus olhos com pintinhas douradas.
- Amo você com todo o meu coração - disse ele. - Case comigo e lhe mostrarei o quanto isso é verdade. Era o que ela queria! Mais do que tudo!
- E a sua carreira nas Forças Especiais?
- Se você não se incomodar em viver na base, ou próximo a ela, teremos seis meses para descobrir o que vem pela frente. Você pode terminar os estudos por e-mail?
- Tudo menos as provas finais.
- Acho que podemos estar em San Francisco quando chegar o momento da prova. E o casamento?
Ela fez um gesto positivo com a cabeça, emocionada demais para falar.
Ele riu, ergueu-a em seu braços, girou-a no ar e jogou-se na cadeira de balanço.
- Amo você - sussurrou ele.
- Eu também. - Abraçou-o com força. - Sempre amei você.
- Que sortudo que sou.
Então ele a beijou como se o mundo estivesse prestes a acabar. Quando as coisas começavam a ficar mais interessantes, ouviram um choro estridente.
- O futuro chama- disse ele, erguendo a cabeça. Seus olhos brilhavam com o fogo da paixão.
E da alegria, ela pensou, ao levantar-se para pegar o bebê faminto que chorava. Ela trocou as fraldas de Marissa e se acomodou no colo de Drake na cadeira de balanço.
Ficaram em silêncio enquanto o bebê mamava. Maya, que não conseguia deixar de lançar olhares para o seu amado, maravilhava-se com o quanto tudo parecia tão fácil naquele momento.
O futuro traria as suas próprias incertezas, dores e momentos de escuridão, mas também haveria muitas alegrias. Como se lesse a mente de Maya, Drake murmurou:
- Nós vamos conseguir. O passado é importante. Devemos aprender com ele. É disso que temos de lembrar. Aprender e andar para a frente.
- Sim. As crianças transformaram as nossas vidas. Teremos de acompanhar Marissa e quem mais vier.
Com um sorriso satisfeito, Drake abraçou as duas.
- E o faremos - prometeu.
Sentados ali, em silêncio, Drake sentiu Maya relaxar e cair no sono. Marissa também dormiu. Pela janela Drake viu as sombras aumentarem no cair da tarde. No caminho do lago ele viu um menino de bicicleta, com uma vara de pescar amarrada no pára-lama.
Drake piscou os olhos, surpreso, curioso para saber quem era.
O menino parou no topo do morro, virou-se para Drake e lançou-lhe um sorriso; seus cabelos escuros esvoaçavam na brisa do inverno e seus olhos brilhavam, dourados sob o sol. E então, acenando, saiu na bicicleta, desaparecendo de vista.
Drake respirou fundo.
- Adeus - sussurrou. - Boa pescaria.
- O quê? - perguntou Maya, sonolenta.
- Nada. Amo você.
Ele a abraçou, sentindo o seu calor espalhar-se fundo nele, afagando-lhe a alma.
O bebê se mexeu e fez barulhinhos com a boca. Maya suspirou. Drake esfregou os olhos marejados. O futuro de Michael estava em algum lugar por aí, além das montanhas, mas o dele estava aqui, com seus dois amores. Era o futuro que ele queria.
Laurie Paige – As Razões do Coração
(Destinos 42)





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