Teresa Southwick - Vencidos por um beijo





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VENCIDOS POR UM BEIJO
This kiss
Teresa Southwick



A moça da cidade e o caubói.
Ela estava de volta à cidade. Não era mais a Hannah Morgan sem graça e desajeitada... Agora era a sofisticada dra. Morgan! Mas um olhar atencioso e um beijo ardente de Dev Hart fizeram-na reviver um sonho da adolescência. Talvez ele finalmente tivesse percebido que ela se tornara uma mulher!
A sensualidade e a inteligência de Hannah despertaram desejos longamente enterrados no coração machucado de Dev. Mas ele só precisava de alguém para cuidar de seu filho, não de uma mulher que virasse seus sentimentos de pernas para o ar. Hannah, porém, nunca se contentaria com o que Dev estava disposto a lhe oferecer... E, pelo que parecia, o coração dele concordava plenamente com Hannah!

Digitalização: Simoninha
Revisão: Crysty

Querida Leitora,
Final de verão, começo do outono... Nada melhor do que aquela leve mudança de temperatura, aquele friozinho suave e gostoso... E se você tiver um bom romance para ler, então, nem se fala! Prepare-se para as histórias sensacionais que foram escolhidas para esta estação! Este é só o começo...
Fernanda Cardoso Editora

Copyright © 2001 by Teresa Ann Southwick
Originalmente publicado em 2001 pela Silhouette Books,
divisão da Harlequin Enterprises Limited.

Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial, sob qualquer forma.
Esta edição é publicada através de contrato com a
Harlequin Enterprises Limited, Toronto, Canadá.
Silhouette, Silhouette Desire e colofão são marcas
registradas da Harlequin Enterprises B.V.
Todos os personagens desta obra são fictícios.
Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas
terá sido mera coincidência.

Título original: This kiss

Tradução: Edite Sciulli
Editora e Publisher: Janice Florido
Editora: Fernanda Cardoso
Editoras de Arte: Ana Suely Dobón, Mônica Maldonado
Paginação: Dany Editora Ltda.

EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Rua Paes Leme, 524 - 10° andar CEP: 05424-010 - São Paulo - Brasil
Copyright para a língua portuguesa: 2002
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.

Impressão e acabamento:
DONNELLEY COCHRANE GRÁFICA E EDITORA BRASIL LTDA.
DIVISÃO CÍRCULO - Fone C55 11) 4191-4633


      CAPÍTULO I
     
      Ela esquecera quão atraente podia ser um problema que usava calça jeans surrada, botas velhas e um chapéu preto.
      Hannah Morgan estava apoiada na cerca branca e observava Dev Hart comandar com imponência o adestramento de um cavalo. Ele estava de costas para ela e ainda não a havia visto. De fato ela tinha uma bela visão dos músculos das costas, dos ombros largos e das nádegas do caubói.
      Ela não o via desde o colegial. Então por que deveria considerá-lo um problema?
      Talvez tivesse algo a ver com o jeito que a calça colava no quadril magro e nas coxas musculosas. Ou com o furinho no queixo. Dez anos de lembranças trouxeram-lhe imagens instantâneas. Os olhos castanhos também. Recordava-se de como eles eram escuros e quentes. Uma mulher se arriscava a arder em chamas com apenas um olhar.
      Mas não ela, é claro. Agora era médica, e ainda a mesma loira magra cuja existência ele sempre ignorara, nos tempos em que tiveram nas aulas particulares de Física.
      Ele se virou, e Hannah percebeu quando Dev a viu. O olhar dele percorreu o ambiente, passou por ela e logo depois voltou, cravando-se nela com todo seu vigor masculino. Um pequeno sorriso surgiu-lhe no canto da boca, e um arrepio percorreu todo o corpo dela.
      Olhando para o lado, disse ao outro caubói:
      — Por hoje é só, Wade. Dê água e comida ao animal e depois leve-o até o curral.
      O coração de Hannah bateu mais forte quando Dev se aproximou lentamente. Existe alguma coisa mais sexy, mais masculina do que o andar de um caubói? Se existe, ela nunca tinha visto. Ele saiu do cercado e parou na frente dela. Rapidamente todos os anos de lembranças vieram-lhe à mente. Ele estava mais alto, largo, musculoso, e o que era mais importante: não era mais um adolescente.
      Dev Hart era um homem.
      Se permitisse que a ansiedade tomasse conta dela, ainda se sentiria como quando o vira pela última vez, uma garota desajeitada de dezesseis anos.
      — Hannah? — Indagou, surpreso. — Se eu não soubesse que vinha, não te reconheceria.
      — Oi, Dev. Mudei tanto assim?
      — E como! Quanto tempo faz?
      — Faz uns seis anos que não venho aqui — ela disse. — Mas acho que faz mais tempo que não nos vemos.
      Ela sabia com certeza que não se viam desde a formatura do colegial.
      — Os cabelos loiros e os olhos azuis são os mesmos, mas você está mais... desenvolvida. — ele constatou, tocando educadamente a aba do chapéu. — Polly disse que você só chegaria à noite.
      A mãe dela cuidava da casa de Dev. Depois que seu pai as tinha abandonado, Polly Morgan passou a limpar casas, inclusive a dos pais de Dev, para sustentar a família. Um ano antes Dev a contratara como governanta de tempo integral.
      Durante o colégio e na faculdade de medicina, Hannah sonhara em dar uma vida melhor à mãe. Ela se culpava pelo fato de Polly trabalhar tanto e prometeu a si própria dar a ela uma vida tranqüila. Poderia cumprir a promessa se conseguisse o emprego em Los Angeles, em uma prestigiada clínica de pediatras.
      — Consegui um vôo mais cedo e aluguei um carro no aeroporto. Onde está mamãe? A casa estava vazia.
      — Ela levou Ben para ler uma história na biblioteca. — Dev trocou as botas empoeiradas e cruzou os braços.
      A cabeça dela fervilhava, procurando algo para dizer e preencher aquele silêncio. Essa era sua primeira viagem para casa desde que a mãe se tornara a governanta dele. Hannah sabia que se encontraria com Dev, mas não esperava conversar sozinha com ole tão cedo. Polly deveria estar lá para ajudar.
      — Quantos anos tem seu filho agora? — ela quis saber.
      — Quase quatro. O aniversário dele é na próxima semana. — A boca divinamente torneada abriu-se em um sorriso. — Ele é um pestinha. Eu não sei o que faria sem sua mãe. Ela é especial.
      Sabia que ele e a mulher haviam se separado, mas não conhecia os detalhes. Quando soube, seu primeiro pensamento foi o de que os garotos ricos também tinham problemas, assim como as garotas estudiosas do subúrbio. Pensou também em quanto seria difícil para a criança. Ela sabia por experiência própria como era duro ser abandonada por um pai.
      Dev empurrou o chapéu para trás com um leve toque, e Hannah pôde ver o orgulho de pai brilhar em seu olhar. Não conseguia parar de imaginar que tipo de pai ele era. As lembranças do pai era algo que queria esquecer.
      — Como vão as coisas com você?
      — Bem. E com você?
      — Tudo ótimo, mas vou estar melhor quando souber o resultado das entrevistas que fiz com um grupo de médicos. Só estou esperando para saber qual deles vai me querer.
      — Quem não ia te querer? Uma garota muito inteligente, que se formou em Destiny High! — acrescentou com os olhos brilhando de interesse.
      — Não sei se sou tão inteligente assim, mas estar alguns anos adiantada ajudou bastante.
      — Você vai ficar por aqui para o campeonato de rodeios?
      — Para ser sincera, eu tinha me esquecido. Quando vai ser?
      — Daqui a quatro semanas. E se eu fosse você, tomaria cuidado. Esquecer do rodeio por aqui é uma ofensa grave — ele brincou.
      Ela riu.
      — É mesmo. Destiny não é nada sem os rodeios. Como anda o negócio de cavalos?
      Dez anos atrás era bem lucrativo, e ela achava que não havia mudado. A família de Dev vivia bem fornecendo cavalos para rodeios em todo o país, além de criá-los e treiná-los. Ele era o rapaz cobiçado por todas as garotas do colegial, tanto pelo dinheiro como pela aparência. Se não tivesse precisado dela para lhe dar aulas particulares, eles provavelmente teriam passado o colegial sem se lidar. Mas é claro que, após as aulas, nunca a olhava nem procurava aproximar-se quando se cruzavam nos corredores da escola.
      — Os negócios estão bons como nunca estiveram. Tomam muito o meu tempo, e é por isso que sou grato a Polly. Estaria perdido no ela não cuidasse de Ben.
      Hannah riu.
      — Ela adora seu filho.
      Ele se inclinou para a frente apoiando os cotovelos na cerca.
      — Sua mãe me contou que você está solteira e que tão cedo não pretende ter filhos. Disse ainda que precisa exercitar os músculos de avó enquanto tem disposição e idade para isso.
      O assunto desagradou a Hannah. Não sabia se pelo fato de sua mãe ter falado dela a Dev ou se por ele saber que estava solteira.
      — Como vai seu pessoal? — Hannah perguntou, mudando de assunto. Não queria discutir sua vida pessoal, ou a falta dela, com o rapaz mais cobiçado e famoso de Destiny High.
      — Eles estão viajando pelo país em um furgão. E o que sempre sonharam fazer, mas nunca tiveram tempo. Depois que papai teve um ataque do coração no ano passado, eles decidiram não arriscar. Meu pai se aposentou e passou os negócios para mim.
      — Bom pra ele. — Em sua experiência em Medicina ela já tinha visto pacientes que tiveram de voltar a trabalhar por razões financeiras, quando deveriam ter se aposentado. Hannah olhou a imensidão daquele rancho que se estendia pela terra vermelha do Texas até onde a vista podia alcançar. — Mas é claro que ele pode pagar por isso. Todos dizem que esta é a maior fazenda de Destiny.
      — Todos? — Dev franziu a testa. — Você conhece o lugar. — Aquela não tinha sido uma pergunta.
      — Não. — Ela balançou a cabeça negativamente. Sua mãe trabalhava para a família de Dev, mas sempre no horário de aulas de Hannah. E ela não voltava ali fazia muitos anos. Polly a visitara em Los Angeles. — Você deve estar pensando em uma daquelas garotas que o perseguiam por aí.
      As palavras saíram mais amargas do que esperava. Engraçado como voltar para casa trazia à tona essas sensações.
      — Os tempos com certeza mudaram — Dev respondeu, sacudindo a cabeça. — E para melhor.
      — Você está querendo me dizer que não gostava de todo aquele assédio feminino?
      — E você acha que sou bobo? — ele sorriu, malicioso. — Eu gostava, claro, mas isso foi há muito tempo. Eu tenho coisas melhores para fazer hoje em dia. Ser pai e comandar os negócios não deixa muito tempo para o resto.
      — Então é assim? — Por que estava surpresa? Sabia que não ora justo julgá-lo como o egoísta que conhecera. Ambos haviam crescido. Ele se casara, tornara-se pai e se divorciara. E tivera o bom senso de contratar sua mãe.
      Essas eram as boas notícias. A má era que a mãe morava ali como governanta e que vendera a própria casa, segundo ela, para cortar despesas. E o pior era que durante essa visita Hannah teria de ficar no Rancho Hart, sob o mesmo teto que Dev.
      Quando chegaram à casa, Hannah olhou ao redor. Notou que era realmente bem grande, e sua mãe havia dito que a parte dos empregados ficava separada do corpo principal da casa. Mesmo assim, sabia que veria Dev. Não sabia sobre o que mais conversar com ele. Nos últimos minutos o assunto se havia esgotado, e a conversa sobre as garotas dele a tinha deixado, logo de início, em uma situação desconfortável. Durante o curso de medicina ela aprendera a lidar com as pessoas, mas não com o sexo oposto. Seu treinamento lhe ensinara a ser determinada, mas não diplomática. Em outras palavras, ela era socialmente reprimida, o que talvez justificasse o fato de ela ainda estar solteira.
      — Olhe, Dev, eu não quero afastá-lo de seu trabalho. Vou voltar para casa e esperar por mamãe lá.
      — Você não está me atrapalhando. Eu tenho tempo de lhe mostrar o rancho, se você quiser. Posso pedir ao Wade que sele uns cavalos.
      — Não, obrigada — disse rapidamente. — Mas se não for incomodar, gostaria de dar uma volta a pé por aí.
      — Você tem alguma coisa contra os meios de transporte?
      — Não, se for um avião ou carro.
      — Você tem medo de cavalos? — ele adivinhou. Hannah concordou com um gesto de cabeça.
      — Eu caí quando era criança.
      Seu medo de cavalos sempre a fizera sentir-se como um peixe fora d'água em uma terra de caubóis. Isso era apenas mais um indício de que não pertencia àquele lugar. Se existisse mais alguém que crescera em Destiny e tinha medo de cavalos, gostaria de conhecer essa pessoa. Poderiam formar um grupo à parte.
      — Mas fora isso, não tenho medo de nada. — Ela notou o olhar divertido de Dev. — Prefiro dizer que esse medo vem do meu elevado QI. Não seria muito esperto de minha parte montar em um animal que poderia me esmagar como se fosse um inseto.
      Klü concordou, lançando-lhe uma piscadela.
      — É por causa daquela coisa de Física, não é?
      — O que a Física tem a ver com isso?
      — Um corpo em movimento tende a permanecer em movimento, a não ser que sofra ação de uma força externa.
      — Sim, mas...
      — Ou o corpo acelera dez metros por segundo.
      — Então você se lembra. E eu achando que tinha perdido meu tempo. — Ela não conteve um sorriso. — Apesar de achar que disse "objetos", pois o princípio físico se aplica a uma pena ou uma bola de boliche.
      Ele tinha um olhar estranho e intenso quando disse "corpo". Hannah percebeu que esse olhar desviou-se de seu rosto e percorreu-lhe o corpo. Quando seus olhos se encontraram novamente, viu nele uma vivacidade que não entendeu.
      Ora, ela não era uma extraterrestre. Já tinha sofrido abordagens masculinas. Mas esse era Dev Hart. Considerando seu passado, mal sabia que ela estava viva. Então por que ela deveria se importar com seu olhar?
      Ele pousou as mãos nas coxas e acrescentou:
      — Você não é mais minha professora particular, é uma médica. Não acha que corpos são mais interessantes que bolas de boliche?
      Dev tinha um olhar cortante. Não esperava isso dele. Uma espécie de tremor tomou conta de Hannah e percorreu-lhe o corpo em uma onda de calor. Dev nunca a olhara daquela maneira no colégio. Mas, afinal, fora das aulas particulares nunca reparara nela.
      Com Dev Hart sentia-se muito mais segura em conversar sobre física do que sobre corpos, por isso retomou o assunto.
      — Mas a verdade é a seguinte: prefiro ficar com os pés no chão. Dessa maneira, um cavalo não poderá me colocar em movimento e acabar comigo.
      — É verdade — ele concordou. — Mas é uma pena que uma queda a tenha traumatizado. Nada se compara ao prazer de montar a cavalo.
      Era o máximo. Após dez anos finalmente conseguia sua atenção e conversavam sobre suas deficiências.
      — Com certeza você tem coisa melhor para fazer do que ficar me pajeando.
      — Na verdade, tudo tem uma contrapartida. Graças a você consegui passar em Física no colégio e na faculdade. O mínimo que posso fazer é te ensinar a montar.
      — Acredite ou não, tenho me virado bem sem os cavalos. Não há muitas oportunidades de montar em Los Angeles. Sem dizer que há meios mais seguros de se locomover.
      Knquanto eles conversavam, um outro caubói entrara no curral conduzindo um cavalo selado. Pelo canto do olho, Hannah viu o rapaz subir no animal e trotar com ele pelo galpão. De repente, o cavalo empinou, o cavaleiro perdeu o equilíbrio e caiu no chão empoeirado.
      Quando o caubói levou a mão ao ombro com um gemido e não se levantou, a postura relaxada de Dev desapareceu. Ele rapidamente abriu o portão do curral e foi em socorro do colega, seguido por Hannah. Correram até o homem e se abaixaram ao seu lado.
      — O que aconteceu, Newy?
      — Alguma coisa o assustou e eu perdi o equilíbrio... — Ele parou de falar e deu um suspiro com uma expressão de dor no rosto. — Esse maldito cavalo sempre anda bem quando você o cutuca de leve no lombo — disse o homem visivelmente enraivecido. O chapéu suado estava caído a seu lado, e os cabelos castanhos e finos se emaranhavam em tufos na testa.
      — É o mesmo ombro? Deslocou? — Dev perguntou. Os olhos azuis do rapaz encontraram os de Dev, e ele concordou com um gemido.
      — Você tem certeza de que não está quebrado? — Hannah perguntou.
      O caubói balançou a cabeça.
      — Já aconteceu antes — resmungou. — Se eu caio de certo jeito... — parou, cerrando os dentes de dor — ...ele sai do lugar.
      — A integridade está comprometida — diagnosticou Hannah, sabendo que o trauma original deixara a junta vulnerável.
      — Esse maldito cavalo não tem integridade — ele protestou com uma careta.
      — Maldita Física — ela disse, encontrando o olhar preocupado de Dev. — Esse chão duro faz coisas desagradáveis com nosso corpo. — Em seguida, Hannah olhou o caubói ferido. — Você se importa se eu der uma olhada?
      Quando o rapaz demonstrou certa desconfiança, Dev informou:
      — Newy Tubbs, essa é Hannah Morgan, ou melhor, dra. Hannah Morgan.
      — Uma médica? Não sei...
      Hannah não sabia se o preconceito era pelo fato de ser mulher ou porque parecia um pouco mais velha que uma colegial. Não era a primeira vez.
      Dev tirou o chapéu e enxugou a testa com o punho,
      — A gente pode levá-lo até a caminhonete e enfrentar todos os buracos da estrada até o consultório do dr. Holloway em Destiny, ou a Hannah pode...
      — Tudo bem — ele concordou, relutante. — Pode dar uma olhada.
      Deve ser uma longa viagem para ele ter aceito tão depressa, pensou Hannah.
      Dev ficou de lado para lhe dar passagem. Hannah apalpou o ombro machucado e a protuberância mostrava que não estava quebrado.
      — Está deslocado. Um estudante do primeiro ano de Medicina poderia dar o diagnóstico.
      — Acho que vamos ter de levá-lo até o médico — disse Dev.
      — Com licença. Não tínhamos definido que eu sou a médica? A não ser, é claro, que você queira torturar este homem em uma viagem até a cidade. Do contrário, posso cuidar dele aqui mesmo.
      Newy avaliou-a com dúvida.
      — Uma coisinha delicada como você?
      — Ele está certo — interrompeu Dev. — O médico já fez isso antes. Vou buscar a caminhonete e...
      — Não é preciso força, só jeito — ela garantiu. — O que você tem a perder me deixando tentar? A não ser que você tenha medo de sentir um pouco de dor — ela desafiou. — E vai doer do mesmo jeito na viagem até Destiny, só que vai demorar muito mais.
      O rapaz deu uma olhada para o chefe e concordou, relutante:
      — Vá em frente.
      Hannah agarrou o punho e o braço do caubói.
      — Isso vai doer um pouco — disse, posicionando-se. — Mas isso não é novidade para você.
      Enquanto ele assentia com um gesto de cabeça, ela deu um tranco rápido no braço do rapaz. Newy reprimiu um grito e gemeu. Então fitou-a, surpreso.
      — Meus Deus, acho que deu certo! A dor está diminuindo. Ela abaixou-se ao lado dele.
      — E o que acontece quando tudo está no seu devido lugar. Você tem alguma tala? Esse braço precisa ficar imobilizado.
      Newy balançou a cabeça.
      — Não precisa, moça. Tem um estojo de primeiros socorros no celeiro. Wade está trabalhando por lá e já me enfaixou antes. — Dev ajudou-o a se levantar, e o caubói olhou para Hannah mexendo o braço machucado. — Muito agradecido, moça. Ou melhor, doutora — completou com um fraco sorriso.
      — De nada.
      Observou o rapaz dirigir-se ao celeiro. Dev olhou-a e falou:
      — Muito obrigado.
      — Não há por que agradecer. — Protegeu os olhos da luz do sol e sorriu feliz por ter demonstrado que era competente, e não apenas uma garota covarde que tinha medo de cavalos.
      Ele cruzou os braços.
      — Como posso lhe agradecer?
      — Não precisa. Esse é meu trabalho.
      Antes que ele pudesse responder, o som de pessoas correndo chamou-lhes a atenção. Hannah se virou e viu uma miniatura de caubói correndo o mais rápido que podia. Logo atrás vinha a mãe de Hannah, tentando acompanhá-lo de perto.
      — Oi, papai — o menino gritou a alguns metros.
      — Oi, Ben — Dev cumprimentou.
      Ele tomou-lhe o braço e conduziu-a para fora do curral. Hannah lutou contra a vontade de livrar-se daquele toque, mas isso só demonstraria fraqueza. E ser a mais nova na escola e na faculdade a ensinara a nunca demonstrar que não se pode ter total controle de uma situação.
      Então permitiu que ele a levasse para fora e observou-o trancar o portão, os músculos das costas retesando-se sob a camisa justa de algodão. Hannah tentou controlar o calor que lhe percorria o corpo, lira como se estivesse em uma montanha-russa. Lutava para parecer tranqüila e educada, pois por dentro ardia como uma caldeira.
      Observou Dev olhando o filho correr em sua direção. Aquele corpo magro, forte e musculoso ficou tenso, e Hannah percebeu que ele se preparava para agarrá-lo. Logo depois o garoto saltou para os braços fortes do pai. Dev abraçou o menino, beijou-lhe a tosta e acariciou-lhe os cabelos.
      — Oi, baixinho. Você e Polly se divertiram?
      O garoto fez um gesto afirmativo. Percebeu a presença de Hannah e apontou para ela.
      — Quem é? — perguntou.
      — Não é educado apontar, Ben. Esta é Hannah, a filha de Polly.
      A mãe juntou-se a eles, um pouco sem fôlego.
      — Você não se lembra, Ben? Eu lhe disse que ela viria nojo, Mia é uma médica. Oi, querida!
      — Oi, mãe. — Hannah abraçou a mãe. Agora sentiu-se em casa. Ficaram lado a lado de braços dados. Hannah percebeu que Ben ainda a olhava.
      O garoto arregalou os olhos.
      — Você dá injeção nas pessoas?
      — Às vezes. Mas só para fazê-las se sentirem melhor.
      Ben pousou o braço no pescoço forte do pai e deu-lhe uns tapinhas no ombro.
      — Eu não gosto de injeções.
      — Nem eu — concordou Hannah.
      — Eu também não — completou Polly.
      Ao lado da mãe, sentia-se invadida por uma onda de prazer. Ela era uma adolescente quando Hannah nasceu, e ainda era jovem e atraente. Freqüentemente as pessoas diziam que elas mais pareciam irmãs do que mãe e filha, os mesmos olhos azuis e cabelos loiros. Hannah sempre gostou de não ter puxado ao pai.
      Por um instante ela apoiou a testa no rosto da mãe.
      — É tão bom vê-la novamente. Senti sua falta.
      — Você é muito ocupada para sentir a minha falta — Polly respondeu, rindo —, mas é bom ouvir isso. Você é uma alegria para os olhos, mas está muito magra.
      Como se pegasse a deixa, Ben anunciou:
      — Estou com fome. Não está na hora de um lanchinho? Você não está com fome, papai?
      — Estou — ele concordou, olhando para Hannah. — E você? Fez uma longa viagem.
      — Estou faminta. — Ela reparou na boca de Dev, bem torneada. Antes que pudesse desviar o pensamento, imaginou como seria beijá-lo. Era uma idéia absurda, mas não pôde deixar de imaginar como seria sentir aqueles lábios contra os seus. Balançou a cabeça, afastando a idéia. — E com sede também — acrescentou.
      Ela devia estar desidratada após ficar tanto tempo sob o sol forte do Texas. Era a única explicação para os pensamentos loucos sobre a boca de Dev.
      — Então vamos — ele convidou. Colocou o filho nos ombros com facilidade e caminhou lentamente em direção à casa.
      Hannah e sua mãe conversaram um pouco, seguindo Dev de braços dados. Hannah admirava os longos passos do homem. Aquele vínculo entre pai e filho aquecia seu coração. Estava curiosa sobre a mulher com que Dev fora casado. E sobre o que acontecera para que ele criasse o filho sozinho.
      Logo depois subiam as escadas da enorme casa de Dev, que tinha dois andares, paredes de madeira branca e era circundada por uma ampla varanda. Havia uma torre circular no telhado com uma sacada em frente, e também duas chaminés e vários ornamentos em madeira nos balaústres.
      Polly os conduziu pelo amplo hall que levava às salas de estar e de jantar, ambas decoradas com molduras em forma de coroa. O som dos passos soava no piso de carvalho à medida que percorriam a sala. Na enorme cozinha, deu uma olhada em volta, reparando nos utensílios novos, nos balcões de granito e no fogão com um microondas ao lado. Em frente havia um balcão revestido de azulejos cercado de quatro bancos de madeira.
      Do outro lado do cômodo, em um canto com bancos sob a janela, havia uma mesa de carvalho e dez cadeiras com encosto de couro. O papel de parede com desenhos florais decorava a parte de baixo da parede bege-clara.
      — Isto aqui é bem aconchegante — Hannah elogiou, enquanto olhava em volta.
      — Obrigado. Foi decorado há um ano — Dev esclareceu, pondo Ben no chão. — Vá lavar as mãos, filho.
      — Mas eu já lavei, papai.
      — Há quanto tempo? — Dev pousou as mãos nos quadris, e o filho lançou-lhe um olhar de culpa.
      — Na cidade — respondeu vagamente.
      — Umas quatro horas atrás — informou Polly.
      — Já para o banheiro, seu pestinha!
      — Tá bom — ele resmungou, desaparecendo pelo corredor.
      — Ele vai precisar de ajuda para alcançar a torneira — disse Polly enquanto punha biscoitos, leite, frutas e chá gelado na mesa. — Eu mandaria o pai — comentou austera —, mas eles fazem a maior bagunça com a água no banheiro.
      — Eu vou — ofereceu-se Hannah. — Eu também preciso lavar as mãos.
      — É no final do corredor — orientou Dev. — Se você vir uma despensa, é por que passou do banheiro.
      Foi até lá e viu que Ben não conseguia acender a luz.
      — Precisa de ajuda?
      — Não. — Ben balançou a cabeça. Ele a olhou, e Hannah percebeu o quanto era parecido com o pai. — Talvez.
      Hannah sorriu e acionou o interruptor. Era um cômodo charmoso e funcional. Tinha o mesmo piso que o hall de entrada, mas a parede era coberta por um papel semelhante ao da cozinha. Pequenas placas de madeira davam um toque country ao ambiente. Em uma delas estava escrito: Não é um lar doce lar. É um banheiro.
      Ela riu e olhou para o garoto, que tentava, na ponta dos pés alcançar o sabonete.
      — Deixe-me ajudá-lo — ofereceu, passando sabonete em suas mãos e abrindo a torneira. Levantou-o pela cintura e, com a mão livre, molhou e esfregou as mãos do garoto. — Seu pai contou que você vai fazer quatro anos na semana que vem. Aposto que logo vai conseguir alcançar o interruptor.
      Ele a olhou pelo espelho e deu um sorriso amarelo.
      — Sim, eu vou.
      — Você já é um homem.
      Ele concordou com a cabeça, e uma mecha de cabelos castanhos caiu em sua testa.
      — Quando eu tiver quatro anos meu pai vai me dar um cavalo.
      — Nossa, como você é corajoso. Eu tenho medo de cavalos.
      — Papai vai me ensinar a montar. Se ele te ensinasse, você não seria uma gatinha assustada.
      Hannah estava tão cativada por aquela confiança no pai que nem ligou para a expressão "gatinha assustada". Como nunca sentira o mesmo por seu pai, invejava o garoto.
      — Não tenho tanta certeza de que não teria medo se ele me pusesse em um cavalo. — Mas ela não se referia ao cavalo.
      — Por que não descobrimos?
      A voz profunda de Dev a surpreendeu, fazendo os braços dela se arrepiarem. Ela estava tão distraída lavando as mãos e imaginando as coisas que o pai de Ben poderia lhe mostrar que não percebeu que ele estava na porta.
      — Descobrir o quê? — perguntou, enquanto colocava a criança no chão e passava-lhe a toalha.
      — Quem sabe Ben esteja certo c eu lhe ensino a não ter medo... de cavalos.
      — Papai pode ajudá-la — Ben garantiu.
      — Que tal amanhã cedo? — sugeriu. — Antes que o tempo esquente.
      Ela estaria quente se Dev estivesse ao seu lado, mesmo a dez graus abaixo de zero. Se dissesse não, pareceria a maior covarde do mundo para o garoto. E, afinal, não queria que o pai pensasse o mesmo.
      — Está bem — concordou, acariciando os cabelos do menino. Encontrou no espelho o olhar do caubói. — A gente se encontra bem cedo no curral.
      Talvez bem cedo ela tivesse coragem de enfrentar o cavalo... e Dev.
     
     
      CAPÍTULO II
     
      Após uma noite maldormida, Dev acordou mais cedo que de costume, pois queria terminar logo seu serviço para ter tempo de ensinar Hannah a cavalgar. E esse era um dos motivos que o mantivera acordado. Havia tanto trabalho no rancho, sem contar a bendita papelada que sempre deixava para o final. Não havia dúvidas de que ele preferia trabalhar ao ar livre, com os cavalos, a ficar entre quatro paredes.
      Não conseguiu parar de pensar na aula a noite inteira. Porque imaginara que a presença de Hannah seria desagradável, mas se enganara. Porque não conseguira tirar os olhos dela. Porque percebera que o filho gostara dela. Porque ela insinuara que ele havia sido o mais playboy da cidade.
      Ele não via dessa forma. Certamente Hannah o confundira com outro caubói a quem dera aulas.
      Mas por essas razões e certamente por algumas outras em que ainda não pensara, naquele momento encontrava-se no curral, com os cavalos já selados esperando por ela. E como se não bastasse, ele aguardava o encontro com mais ansiedade do que gostaria. Não a vira naquele dia. Levantara-se antes de o sol nascer e trabalhara como todas as manhãs. Era por isso que se sentia grato por Polly cuidar de Ben.
      Seria por gratidão que se oferecera para ensinar Hannah a montar? A mãe dela era muito importante. Hannah cuidara do ombro de Newy, e ele tinha de admitir que sua habilidade o havia impressionado. Sentia-se em dívida com as duas mulheres. Aquilo seria suficiente para deixá-lo tão ansioso por vê-la?
      Lembrava-se pouco dela, embora as aulas estivessem vividas em sua memória. Como poderia esquecer? Tinha sido muito humilhante. Suas notas não eram ruins, exceto a de Física. Então, para poder continuar no time de futebol, levo do receber reforço nessa matéria. O professor insistiu em que Hannah lhe desse as aulas. Além de ser vários anos mais nova, também era mais inteligente do que ele. Na época em que lutava para ser um homem, sentira-se um garotinho diante dela.
      Hannah era magrinha e usava uns óculos gigantescos. Quem imaginaria que em dez anos desenvolveria curvas e seios que a transformariam em uma mulher tão bonita? Ele nunca acreditaria que por trás daquelas lentes grossas se escondessem olhos azuis tão maravilhosos.
      E daí?
      Ela estava lá para ficar seis semanas. A presença de Hannah não passava de uma visita, pois sua vida concentrava-se do outro lado do país. Ele fora abandonado por uma mulher que acreditava haver lugares mais interessantes do que Destiny. Hannah deixara a escola antes que a maioria das pessoas e fizera uma vida a mais de dois mil quilômetros de distância. Ele seria bobo se permitisse que suas curvas e lindos olhos o deixassem esquecer esse fato. Sua missão era fazer com que perdesse o medo de cavalos. Nada além disso.
      Olhou em direção à colina e viu-a aproximando-se. Estava tentadora, com calça jeans, camisa verde-limão e um boné. Viu-a coberta da cabeça aos pés, mas aquelas curvas eram muito tentadoras. Seu pulso acelerou, mesmo podendo perceber tão pouco de sua pele. Essa sensação deu-lhe vontade de ver mais.
      Hannah parou junto à cerca que os separava e observou o cavalo antes que o olhar de ambos se encontrasse.
      — Bom dia.
      — Bom dia — Dev cumprimentou, tocando a aba do chapéu. Ele olhou para trás dela, esperando que o filho aparecesse. Ben havia ficado muito entusiasmado com Hannah e não parará de falar nela um instante sequer quando foi para u cama na noite anterior. Imaginou que ela não conseguiria sair do casa sem que ele a seguisse, principalmente por ter sido elo a insistir com as aulas.
      — Onde está Ben? — perguntou.
      — Ele estava desanimado o um pouco quente hoje cedo. Tirei sua temperatura e notei que apresentava um pouco de febre.
      — Acha que é alguma coisa grave? Devo levá-lo até...
      — O dr. Holloway? — ela concluiu, irônica. — Eu me formei entre os melhores alunos da classe c fiz residência em Pediatria e Clínica Geral. Vou acabar me ofendendo se todos quiserem ir ver o dr. Holloway.
      — Desculpe, eu esqueci. Você o examinou? — indagou constrangido, pois ficava atordoado sempre que a via.
      — Sempre carrego minha maleta Comigo. Não descobri nada digno de atenção. Algumas crianças ficam febris quando estão muito cansadas. Minha mãe sabe o que fazer nesses casos. E repouso, antipiréticos para controlar a febre e muito líquido. Ele ainda estava muito quieto quando saí de lá.
      — Parece um milagre...  
      Hannah riu, mostrando os dentes brancos e um sorriso encantador. Sem conseguir evitar, Dev pensou que ela deveria rir com mais freqüência. Em seguida, perguntou-se o que isso lhe importava.
      Hannah subiu na primeira tábua da cerca.
      — Acho que ele vai se sentir melhor com o tratamento.
      — Você é a médica.
      — Dessa vez você não esqueceu.
      — Você não deixa ninguém esquecer.
      — Desculpe-me, acho que se tornou um hábito por causa do meu treinamento. Por falar nisso, Ben não queria tomar nada, mas ficou animado quando lhe ofereci um refrigerante.
      — Você foi esperta. Como sempre, aliás.
      — Sem dúvida.
      O comentário fez seu sorriso esmaecer, e ele imaginou o porquê.
      — Já que Ben está em boas mãos, por que você não se coloca nas minhas? Em sentido figurado, é claro.
      Hannah enrubesceu. Ele não pretendia constrangê-la, mas agora que pensava em suas palavras, tocá-la não seria nenhum sacrifício.
      — Você já ouviu a expressão "tal pai, tal filho"?
      — Sim — Dev assentiu. — Por quê?
      — Porque vocês têm o mesmo brilho no olhar. Embora ache que o seu nada tenha a ver com refrigerante. Suponho então que haja uma inversão de papéis.
      — Você está me deixando perdido.
      — Agora você é o professor.
      — Ah... — Ele não pôde evitar um sorriso.
      — Não vai usar isso contra mim, vai?
      — Você se refere àquele esquema ditatorial do colégio? — Dev fez um aceno negativo. — Nem me passou pela cabeça.
      — Então por que está sorrindo desse jeito?
      — Eu? Não estou rindo como se agora fosse a hora de minha vingança. Não faria uma coisa dessas.
      Hannah olhou o cavalo com prudência.
      — Você sabe que não sou obrigada a subir nesse animal.
      — Você está falando do Encrenca? Mas ele é tão dócil.
      — Então por que tem esse nome? — ela devolveu.
      — Caiu bem para ele — Dev explicou com um movimento de ombros. — Ele nasceu muito doente e precisou de cuidados especiais. Mas acabou crescendo forte e bonito. — Não é garoto? — ele concluiu, afagando a cabeça do cavalo.
      — Estou com mau pressentimento...
      Algo dentro de Dev dizia que não podia deixar que ela desistisse. Não podia deixá-la fugir.
      — Olhe, Hannah, eu iria me envergonhar de você. As palavras covarde e medrosa me vêm à cabeça. Mas não gosto de mencioná-las.
      — Muito obrigada — ela tornou, contrariada.
      — A menos que você me force.
      — Está certo. Seu desafio deu resultado — Hannah concordou, saltando a cerca.
      Dev percebeu que ela se protegia atrás dele. Seus olhos ficavam maiores e mais azuis à medida que observava a altura do animal.
      — Podemos montar juntos até você se sentir confiante — ele ofereceu.
      — E desde quando cavalgar com você me daria mais confiança? Dev não imaginou que os olhos dela poderiam arregalar-se ainda
      mais, mas foi o que ocorreu. Teve a sensação de que ela não se sentia à vontade, mais por causa dele que pelo cavalo. Não saberia explicar por que sentia vontade de rir, mas conteve-se.
      — Vou atrás de você até pegar o jeito e parar de tremer como uma vara verde.
      — Essa expressão eu não ouvia desde que era criança.
      — Está pronta? — ele quis saber.
      Ela mordeu o lábio, olhou para Dev e depois para o cavalo e para a casa atrás de si, como se quisesse fugir.
      — Está bem. Mas que nunca digam que Hannah Morgan não tem garra e coragem.
      Essa era a garota de quem se lembrava. Por um instante sentiu-lhe o espírito do Texas na voz. O tom rouco e sedutor lhe trouxe pensamentos de coisas que não poderiam ser feitas em cima de um cavalo. Bem, talvez até fosse possível, mas com certeza seria desconfortável.
      Opa!, acalme-se, garoto, ele pensou. Livre-se dessa idéia. Seria apenas uma aula amigável. Ele queria ensiná-la a montar apenas como um favor a Polly. Dar um pouco de atenção a sua filha era o mínimo que poderia fazer por ela.
      Kra por isso que tinha de parecer tão próximo e íntimo? Apenas por diversão? Para ele ou para ela? Sem falar que não é preciso montar no mesmo cavalo para fazer alguém sentir-se tranqüilo.
      Ignorando esse pensamento sensato, ele disse:
      — Lição número um. Você precisa ficar amiga do Encrenca.
      — Acho que já fiz isso aparecendo aqui... — Hesitante, Hannah ficou ao lado de Dev.
      Ele a fitou, imaginando se ele tinha mais confiança nele ou no cavalo.
      — Isso não basta. Você tem de tocá-lo, assim... — Dev tomou-lhe a mão e colocou-a no pescoço do animal
      O pulso de Hannah era delicado e frágil. Ela era pequena, mal chegava ao seu ombro. Ele sentiu alguma coisa por dentro. Se não fosse um homem experiente, diria que era seu instinto protetor. Mas sabia o que não devia fazer. Havia aprendido a lição com a ex-mulher.
      Ela vivia dizendo que as mulheres esperavam mais da vida, que apenas ser mãe e esposa já não bastava. Não precisava de um homem que lhe dissesse quem era ou que a protegesse. O fato de a ex-mulher de Dev ter se tornado independente n partido foi como um soco na boca do estômago, e ele entendera limito bem o recado. Podia deixar Hannah fazer o que precisasse, e cultiva tudo bem.
      Mas ele parou atrás dela, próximo o bastante para sentir-lhe o perfume. Um aroma floral misturado ao do sabonete. Seus cabelos presos, saíam pela abertura do boné, roçando-lhe os ombros. Sentiu vontade de soltá-los e correr os dedos entre eles. Um calor intenso percorreu-lhe o corpo, e o suor gotejou-lhe a testa. Mas era uma simples aula, e o dia ainda não estava quente...
      — O que faço agora? — ela quis saber, olhando por cima do ombro.
      — Continue a acariciá-lo. Deixe que se acostume com você. — Eu também, ele pensou. Não conseguiu evitar uma certa rouquidão na voz, e desejou que ela não tivesse notado.
      — Acho que sou eu quem precisa se acostumar a ele — Hannah riu, nervosa. — Afinal, ele é muito maior do que eu.
      — Não vou deixar que ele te machuque — Dev tranqüilizou-a. Ele quase disse que nunca deixaria que nada a ferisse, mas felizmente se conteve. Não queria outra mulher em sua vida, especialmente alguém com uma profissão.
      — Obrigada. Mas se ele quiser acabar comigo, acho que você não vai poder fazer muita coisa.
      — Mesmo que algo o assuste, sempre há algum tipo de aviso. Dá tempo de sair do caminho. Ele fica inquieto, começa a bufar. As mesmas coisas que acontecem conosco quanto estamos aturdidos.
      — Até parece que eu fico bufando quando estou nervosa...
      — E eu que pensei que você fosse esperta. Acha que é uma atitude inteligente desdizer seu professor?
      — Diga-me você. Foi quem me ensinou.
      — Não me lembro disso.
      — Memória seletiva, hein! E um mal que afeta vários homens.
      — Ser feminista não é a melhor maneira de fazer amigos e obter a simpatia de seu professor de equitação. Mas não vou discutir isso com você. Aproveite que agora Encrenca está parado do jeitinho que você quer.
      — Vou ignorar suas insinuações — Hannah brincou, continuando a afagar Encrenca.
      Durante vários minutos Dev ficou a observá-la, a curva suave e elegante de seu pescoço torturando-o. Que gosto teria aquela pele macia?, ele se perguntou.
      Deus do céu. O que se passava com ele? Aquilo era uma loucura. Quanto antes a colocasse sobre o cavalo e cumprisse sua promessa idiota, melhor. Ele acabara de aprender outra lição com Hannah: Não se apresse em oferecer aulas de equitação a uma bonita médica da cidade.
      — Está certo — ele falou abruptamente. — Acho que é hora de montar e ver o que acontece.
      — Acho que estou pronta. Que faço agora? — ela perguntou, hesitante.
      — Ponha a mão na cela, o pé esquerdo no estribo, dê um impulso para cima e jogue a perna direita por cima do cavalo. Fácil como cair no sono.
      Ela olhou-o por sobre o ombro.
      — A palavra "cair" nunca deve ser pronunciada nessa conversa.
      — Desculpe, falha minha. — Dev replicou com vontade de rir.
      — Falha é outra palavra que não quero ouvir.
      — Que tal "vá e faça"?
      — O conselho perfeito — resmungou, tensa.
      Ela seguiu as instruções e deu um impulso desajeitado para cima. Dev não se moveu, apesar da vontade de colocar as mãos em sua cintura e ajudá-la. Mesmo porque ela estava muito nervosa. 'Podo seu semblante mostrava apreensão, dos ombros tensos até as pernas torneadas.
      — Muito bem, Hannah — ele elogiou, tentando incutir-lhe confiança.
      — Você não vai me deixar aqui sozinha, vai? — ela indagou, suplicante.
      Bem que queria, mas fora ele quem começara toda aquela história. Seu pai não havia criado um molenga. Da próxima vez, teria mais cuidado e não deixaria seu instinto falar mais alto que a razão.
      — Não.
      Dev tirou o pé pequeno e delicado do estribo e nele introduziu sua bota. Segurando na extremidade da cela, subiu no lombo do cavalo, deixando a sela inteira para ela. Lutou contra o desejo de envolver aquela cintura com os braços, mas pôde senti-la mexer-se contra seu peito. Apesar de tudo, colocou as mãos na cintura fina.
      — Relaxe — falou perto de seu ouvido, mexendo nos fios de cabelo que tinham se desprendido do chapéu.
      Ela estremeceu, e Dev deduziu que era de medo, pois o frio estava bem longe do Texas naquela época do ano. Com certeza, aquilo nada tinha nada a ver com ele e com o fato de estarem com os corpos colados.
      — Relaxe — Hannah repetiu, como se estivesse relembrando alguns conceitos de Física. — Concentre-se.
      Ele apanhou as rédeas que estavam em cima da cela.
      — Isto está ligado ao focinho do cavalo. Se quiser ir para a direita ou para a esquerda, é só puxar nessa direção. Faça pressão com os joelhos para ficar bem presa à sela. Seu traseiro vai lhe agradecer depois.
      — Você faz parecer fácil demais. Acho que já peguei o jeito. Foi bom por hoje. Todas essas informações estão rodando em minha cabeça. Minha mente está girando. — Ela olhou para trás.
      Não quero exagerar.
      — Sorte sua eu estar aqui.
      — Sorte por quê? Só se ele nos derrubar e você cair primeiro puru amparar a minha queda.
      — Porque você só pode descer se eu descer. E só vou fazer isso quando perceber que você não desistiu.
      — Não entendo por que isso é tão importante para você.
      Dev encolheu os ombros, tentando achar uma resposta razoável, até mesmo para ele. Então disse:
      — Porque estou realmente envergonhado por uma garota que cresceu em Destiny, Texas, ter medo de cavalos. Você vai manchar o nome da cidade.
      — Se servir de consolo, não fiquei aqui muito tempo. Deixei a cidade quando tinha dezesseis anos.
      — Não importa. Você tem o Texas no sangue, e o mínimo que pode fazer é dar uma volta nesse curral. Anime-se!
      — Está bem. — Eles ficaram parados por um instante, quando então ela perguntou: — Como faço ele andar?
      — Dê um toque leve com os joelhos. É bom falar com ele. Ela concordou com a cabeça.
      — Vai, Encrenca — Hannah pediu hesitante, ao mesmo tempo que seguia as instruções. O cavalo moveu-se para a frente devagar e começou a circular pelo curral. — Funcionou.
      — Não fique surpresa. Eu sou um bom professor.
      — E humilde também.
      Depois de várias voltas no ambiente cercado, sentiu que ela estava mais solta. Era a hora de deixá-la andar sozinha, mas isso significava que ele teria de descer. Tudo dentro dele rejeitava essa idéia.
      Antes que decidisse o que fazer, ouviu seu filho chamar:
      — Papai, Hannah...
      Instantaneamente, Dev colocou as mãos sobre as de Hannah e ajudou-a a fazer o cavalo parar. Ele desceu e depois colocou-a no chão antes de andar até a cerca. Ben aproximou-se, esbaforido por causa da corrida.
      — Papai, rápido.
      — O que foi? O que você está sentindo?
      — Polly disse que minha temperatura baixou, mas você tem de vir rápido. Hannah também. Ela é médica. Ela sabe o que fazer. — Depois ele se virou e correu de volta para a casa.
      No mesmo momento Hannah sentiu despertar seu instinto médico. Será que algo acontecera com a mãe? Em dois segundos ela se encontrava no portão.
      — Mamãe — foi a única palavra que ela disse a Dev. Ele acenou.
      — Estou bem atrás de você.
      Hannah não sabia que podia correr tanto. Fizera treinos de emergência durante o estágio, mas nunca houve um membro da família envolvido. Ela amava muito sua mãe. Aquela mulher fizera os maiores sacrifícios por ela. Hannah estava tão perto de conseguir seu objetivo, de dar-lhe uma vida mais tranqüila. Se alguma coisa lhe acontecesse, ela...
      Pareceu levar uma eternidade, mas alguns minutos depois ela invadia a cozinha.
      — Mamãe?
      — Aqui, querida — disse a voz familiar. — Na despensa. Hannah correu através do cômodo até a porta à esquerda. Sua mãe sorriu para ela, depois para Bem, que segurava uma caixa. Um grande alívio percorreu-a ao ver que não havia nada de errado com Polly. Então examinou a caixa mais de perto e viu um gato dentro. No instante seguinte, percebeu o que estava acontecendo. Com os olhos arregalados e uma expressão preocupada, Ben olhou-a.
      — Callie vai ter bebês. Ela precisa de um médico.
      Hannah acenou solenemente. Ele era muito jovem para saber que a gata provavelmente faria tudo sozinha. Caso contrário, precisaria de um veterinário. Então Hannah disse:
      — Vou pegar minha maleta.
      Correu até o quarto de Ben e apanhou a maleta que estava ao lado da cama. Ao retornar, Dev já se encontrava ao lado do filho, olhando para a mais nova bolinha de pêlos.
      — Onde está mamãe? — ela perguntou.
      — Ela disse que tinha coisas a fazer, e como o reforço chegou, foi para cima.
      Hannah pegou uma de suas luvas de borracha na maleta e calçou-a. Então ajoelhou-se do lado oposto a Ben. Enfiou a mão cuidadosamente na caixa, pegou o gatinho recém-nascido e colocou-o ao alcance de Callie para que ela pudesse limpá-lo.
      Alguns minutos depois nasceu outro filhotinho, e ela o colocou ao lado do primeiro. Depois de aproximadamente quarenta e cinco minutos, mais três filhotes nasceram.
      Hannah sentiu a barriga da mamãe gata.
      — Acho que esse foi o último.
      Os olhos de Ben brilhavam quando ela o olhou.
      — Nossa, cinco filhotes. Você é a melhor médica do mundo.
      — Mas eu não fiz nada — disse, sincera. — Callie fez tudo sozinha.
      O pequeno garoto sacudiu a cabeça e jogou-se nos braços dela.
      — Quero que você fique aqui para sempre, Hannah.
     
     
      CAPÍTULO III
     
      Agachada ao lado da caixa com os gatos, Hannah tentou equilibrar-se, pois quase caíra com o abraço entusiasmado de Ben. Olhando por cima da cabeça do garoto, encontrou o olhar de Dev. Estava tão perto que ela percebia as manchas douradas que davam um tom de avelã a seus olhos castanhos. Ou seria o medo que os fazia parecer diferentes? Em sua profissão, já vira muitas vezes a ansiedade paterna, e a sentia em Dev naquele momento. E pensava que sabia a razão de toda aquela apreensão.
      — Nossa! — exclamou, afagando as costas do menino. Suavemente, afastou o pequeno braço de seu pescoço. — Para sempre é muito tempo, amigão.
      Dev ainda estava inclinado a seu lado. Pôs a forte mão no ombro do garoto e puxou-o de encontro a suas pernas, e depois ergueu-o, até que encostasse em seu largo peito, envolvendo-o com os braços.
      — Hannah mora na Califórnia, filho.
      Então era isso! Dev estava preocupado com as esperanças do filho sobre a permanência dela. Jurara cuidar das pessoas, não fazê-las sofrer, e nele estavam incluídos garotos com grandes sonhos. Ela precisava ser incisiva com ele.
      Concordou com um gesto de cabeça.
      — Seu pai está certo, Ben. Eu só vim fazer uma visita no Texas.
      — Isso quer dizer que você não pode morar aqui?
      Ela fitou o rosto doce do menino e depois o semblante tenso do pai. Deus do céu. Ela estava ali havia menos de vinte e quatro horas e sentia como se estivesse fugindo de dois tornados do Texas: pai e filho.
      — Não, mas quer dizer que vou ficar aqui por pouco tempo e que preciso voltar para casa.
      Confiante, Ben cutucou a grande mão do pai que estava sob seu abdome.
      — Então você pode se mudar para cá — retrucou com a lógica simplista de um garoto de quatro anos.
      — Não é assim tão fácil, filho.
      — Por quê? — ele perguntou com olhar triste.
      — Por que as coisas de Hannah estão lá e... O garoto virou-se e abraçou o pescoço do pai.
      — Eu tenho uma idéia. E se nós a ajudássemos? Nós podemos colocar todas as coisas dela na sua caminhonete e trazer para cá.
      — Oh, meu amor... — Aquelas palavras tocaram o coração de Hannah. Aquele pequeno caubói a estava conquistando rapidamente.
      Dev olhou para Hannah, e em seu olhar amedrontado havia uma pitada de bom humor.
      — Eu deveria buscar um mapa e mostrar para ele o quanto é longe. Mas acho que não entenderia.
      — É, para as crianças tudo é fácil.
      — Eu entendo, papai. Eu quero que Hannah fique, e nós deveríamos ajudá-la.
      Dev pôs a mão em torno do pequeno ombro de Ben e virou-o para si.
      — Hannah é uma mulher ocupada, uma médica importante. Ela mora na Califórnia, e seu emprego está lá.
      — Fazendo o bem para as pessoas?
      — Isso mesmo. — Dev acenou afirmativamente.
      — As crianças também ficam doentes aqui — ele devolveu, obstinado.
      Ah, Deus, ela suspirou. Ben Hart, de quase quatro anos, e bem precoce para a idade, podia fazer dela o que quisesse.
      — Sim, aqui também — ela disse. — Mas elas procuram o dr. Holloway. Ele foi meu médico quando eu era criança.
      Dev olhou para ela e depois para o filho.
      — Você sabe como trabalhei duro para o rancho crescer? — Ben concordou e ele prosseguiu: — Hannah trabalhou duro para conseguir emprego em uma clínica na Califórnia.
      — Mas ela já é uma médica. Por que precisa de uma clínica? Hannah esforçou-se para não rir.
      — Trabalhar em uma clínica é um emprego, assim como criar cavalos e gado é o emprego de seu pai — explicou.
      — Então traga seu emprego para cá — Ben insistiu.
      — Nós temos de mudar a cabeça dela. — Era como se o pai não tivesse falado nada.
      Hannah se perguntava se ele herdara aquela determinação teimosa do pai. Se fosse, e Dev a usasse com ela, seria difícil resistir. Mas isso era improvável. A mesma história se repetia. Ela o notara, mas ele não lhe dava a mínima.
      — Eu não posso mudar a cabeça dela.
      E parecia que ele não queria, refletiu Hannah, o que era um alívio. Mas o pensamento soou-lhe um tanto falso.
      — Claro que você pode, papai. Você sempre diz que eu posso fazer qualquer coisa se tentar. Você tem de tentar. — Os olhos dele, da mesma cor que os do pai, animaram-se. — Eu sei que você consegue.
      — Sei que vou me arrepender disso — disse Dev a Hannah. Depois olhou para Ben. — O que posso fazer?
      — Beije Hannah — a criança sugeriu entusiasmada.
      O calor que sumira momentaneamente voltou à face de Hannah.
      — Meu anjo, não acho que seu pai queira fazer isso.
      — Claro que quer. Ele beijou Cassie Gordon uma vez e ouvi ele dizer a Polly que ela não queria mais sair do lado dele.
      Hannah contraiu os lábios ao ver o rosto de Dev. A sombra do chapéu a impedia de ver se ele estava corado ou embaraçado, mas certamente não se sentia nada bem.
      — É verdade? — ela perguntou.
      — Bem...
      — Então você ainda é a atração das mulheres de Destiny?
      — Nem tanto.
      — Mas, e a pobre Cassie Gordon?
      — Não se preocupe com ela. Cassie é um lobo em pele de cordeiro. Ben pôs as mãos no rosto do pai e puxou-o em sua direção. —
      Papai, você tem de beijar Hannah. Você pode mudar os sonhos dela. Funciona nos filmes.
      — O que você tem deixado essa criança assistir? — perguntou.
      — Essa é uma boa pergunta — Dev retrucou, esfregando a nuca.
      — Eu vi na Cinderela, na Bela Adormecida. Em todos eles.. Polly disse que eles são legais.
      — Ele vai lhe dar trabalho, Dev. É muito esperto. Ele suspirou, depois olhou para Ben.
      — A vida não é tão fácil como nos filmes ou nos livros. Ou no colegial — explicou, fitando-a.
      — Nós temos de mudar a cabeça dela. — Era como se o pai não tivesse falado nada.
      Hannah se perguntava se ele herdara aquela determinação teimosa do pai. Se fosse, e Dev a usasse com ela, seria difícil resistir. Mas isso era improvável. A mesma história se repetia. Ela o notara, mas ele não lhe dava a mínima.
      — Eu não posso mudar a cabeça dela.
      E parecia que ele não queria, refletiu Hannah, o que era um alívio. Mas o pensamento soou-lhe um tanto falso.
      — Claro que você pode, papai. Você sempre diz que eu posso fazer qualquer coisa se tentar. Você tem de tentar. — Os olhos dele, da mesma cor que os do pai, animaram-se. — Eu sei que você consegue.
      — Sei que vou me arrepender disso — disse Dev a Hannah. Depois olhou para Ben. — O que posso fazer?
      — Beije Hannah — a criança sugeriu entusiasmada.
      O calor que sumira momentaneamente voltou à face de Hannah.
      — Meu anjo, não acho que seu pai queira fazer isso.
      — Claro que quer. Ele beijou Cassie Gordon uma vez e ouvi ele dizer a Polly que ela não queria mais sair do lado dele.
      Hannah contraiu os lábios ao ver o rosto de Dev. A sombra do chapéu a impedia de ver se ele estava corado ou embaraçado, mas certamente não se sentia nada bem.
      — É verdade? — ela perguntou.
      — Bem...
      — Então você ainda é a atração das mulheres de Destiny?
      — Nem tanto.
      — Mas, e a pobre Cassie Gordon?
      — Não se preocupe com ela. Cassie é um lobo em pele de cordeiro.
       Ben pôs as mãos no rosto do pai e puxou-o em sua direção.
      — Papai, você tem de beijar Hannah. Você pode mudar os sonhos dela. Funciona nos filmes.
      — O que você tem deixado essa criança assistir? — perguntou.
      — Essa é uma boa pergunta — Dev retrucou, esfregando a nuca.
      — Eu vi na Cinderela, na Bela Adormecida. Em todos eles. Polly disse que eles são legais.
      — Ele vai lhe dar trabalho, Dev. É muito esperto. Ele suspirou, depois olhou para Ben.
      — A vida não é tão fácil como nos filmes ou nos livros. Ou no colegial — explicou, fitando-a.
      — O colegial é fácil? Eu penso nele como a parte dura da escola — ela replicou.
      — Mas, papai...
      — Ben, essa discussão está encerrada — disse com firmeza. Han-nah e eu vamos até a cozinha. Você fica aqui e vê a gata cuidar dos filhotes. E não toque neles — advertiu. — As mães protegem os filhotes, e ela pode arranhá-lo se achar que você quer machucá-los.
      — As mães fazem isso?
      — Sim. Menos a sua — acrescentou suavemente para o garoto preocupado.
      Ele se levantou e estendeu a mão a Hannah, ajudando-a a erguer-se. Ela a pegou, aceitando a ajuda. Enquanto sentia o calor daquela mão envolvendo a sua, percebia a preocupação de Dev com o filho. Ela faria tudo que ele lhe pedisse. Até deixaria o rancho se fosse para não magoar Ben.
      Depois de jantar e de cuidar da aborrecida papelada da fazenda, Dev foi à varanda para espairecer. Espreguiçou-se enquanto admirava o céu claro do Texas forrado de estrelas. Existiria alguma vista mais bonita que aquela? Ele duvidava. Pelo menos era o lugar em que o sol dera um tom dourado aos cabelos de Hannah.
      Deus do céu. Ela estava lá fazia apenas vinte e quatro horas e ele não conseguia parar de pensar nela. Especialmente nos lábios carnudos e sensuais, uma boca feita para o beijo.
      Lembrou-se de ter falado a Ben que a vida não era simples como os filmes ou o colegial. Hannah relembrou que para ela o colegial fora difícil. Mas ele não concordava. Naqueles tempos era bem mais fácil ignorar Hannah. Ele nunca pensara como seria beijá-la. Mas desde que a vira de novo, não conseguia pensar em mais nada. Aquela, sim, era uma situação difícil.
      Quando a brisa refrescante soprou-lhe no rosto queimado, Dev deu um longo suspiro. Seu olhar passeava pelo jardim a sua frente e pelas outras dependências do rancho bem distantes dali. Quando seu olhar voltou para perto da casa, pensou ter notado um movimento no terraço branco, a uns duzentos metros de distância Olhando com mais atenção e viu uma camisa verde-limão.
      Era Hannah.
      Ela desaparecera assim que terminara de ajudar Polly a lavai a louça do jantar. Se estava tentando se esconder, deveria ter usado algo mais discreto de que uma camisa verde-limão. Ele era bobo de dar importância ao fato, mas decidiu que ignorá-la não seria nada amistoso. Desceu as escadas e atravessou o passeio que levava à pequena construção.
      — Boa noite — cumprimentou.
      — Oi.
      — Importa-se se eu ficar aqui com você?
      — Não.
      Sentou-se a uma distância segura dela. Infelizmente ela estava contra o vento. Uma fragrância doce e feminina que sempre o faria lembrar de Hannah o envolveu. Seus cabelos estavam soltos e colocados para trás das orelhas, presos por uma bandana que combinava com a blusa. O luar conferia um tom prateado ao lago. Sentada ereta, ela tinha os joelhos juntos e as mãos sobre as coxas. Seus olhos pareciam enormes na luz suave e romântica.
      — Bonita...
      — Hein?
      Dev pigarreou.
      — Bonita noite.
      — Humm — foi seu único comentário.
      Dev se encostou na coluna de madeira e esticou os braços, descansando-os no parapeito. — O jantar estava ótimo. Sua mãe é uma ótima cozinheira.
      — Sim, ela é. Quando eu estava crescendo, ela esticava o dinheiro da comida como podia e fazia as refeições mais incríveis. — Sorriu com uma expressão distante. — Ela esvaziava a geladeira para nós duas, era o hambúrguer-surpresa. A surpresa era que não tinha nenhum hambúrguer.
      — Sua infância foi muito difícil?
      — Nós sobrevivemos — foi tudo o que disse, tensa.
      — Você gosta de cozinhar?
      Enquanto falava, Dev desejou apagar suas palavras. Depois do que Ben dissera à tarde, ele parecia estar fazendo uma entrevista de emprego.
      — Eu? Cozinhar? — Hannah riu, e foi como se música entrasse em seus ouvidos. — Isso é muito engraçado.
      — Um simples "não" bastaria.
      — Acho que qualquer pessoa que saiba ler pode seguir umas instruções e preparar uma refeição. Além disso existem pessoas como a mamãe que conseguem pegar uma receita e transformá-la um algo mágico. Eu prefiro ler o último jornal médico.
      — Então você escolheu a profissão certa!
      — Sem dúvida alguma.
      Ele percebeu que Hannah falava sobre seu trabalho com satísfação e prazer, e não pôde deixar de imaginar se algum homem conseguiria induzir nela uma reação parecida. Um homem como ele.
      Pensamento bobo número um. Um homem como ele não iria querer provocar esse tipo de reação em uma mulher como Hannah. Ela acabara de admitir sua devoção pelo trabalho e também que não era do tipo caseiro. Será que era necessário uma caminhonete passar por cima dele para que percebesse isso? Já cometera um erro, e não estava disposto a cometer outro. Especialmente tendo de proteger Ben.
      — Posso perguntar uma coisa, Dev? Você saiu da casa depois que os gatinhos nasceram e não consegui falar com você.
      — Claro. — De preferência, qualquer coisa que o fizesse parar de pensar nela.
      — Está tudo bem para você se eu ficar aqui?
      Claro que sim, foi seu primeiro pensamento. Controlou sua reação antes de responder:
      — Por que pergunta?
      Hannah juntou as mãos, e Dev suspeitou que se as pudesse ver, elas denotariam toda sua tensão.
      — Por causa de Ben.
      Ele inclinou-se para a frente, apoiando os braços nas coxas, as mãos pendentes entre os joelhos. Seu filho era a razão de tudo.
      — O que tem ele? — Dev inquiriu, com mais rispidez do que pretendia.
      — Vi o olhar dele quando disse que não queria que eu fosse embora.
      — Ele só tem três anos.
      — Quatro na semana que vem — observou.
      — Sim. E você disse que ele é esperto. Quem sabe em uma semana ele entenda que a Califórnia é muito longe e por que você não pode ficar.
      — Sim, mas estou preocupada com suas expectativas irracionais.
      — Sobre?
      — Nós.
      — Por quê?
      — Nenhum de nós quer um relacionamento sério.
      — É mesmo? — ele perguntou.
      Desde quando dizer o que ele queria ou não fazia parte do procedimento médico? Não faria nenhuma diferença se Hannah estivesse certa. Ou estava aborrecido por que ela confirmara a suspeita de que não estava interessada?
      — Então você tem prática na área de saúde mental? Ou você é vidente?
      — Eu enxergo muito bem, e vi seu rosto quando explicou a Ben que um homem não pode fazer uma mulher feliz se ele não está em seus sonhos.
      — Eu só não quero que o garoto se machuque.
      — Dediquei minha vida a fazer o melhor para as pessoas. Eu não o magoaria.
      — Não intencionalmente. — Ele respirou fundo. — Sim, você está certa. Não quero que ele tenha idéias erradas sobre nós dois.
      — O que aconteceu entre você e a mãe do Ben?
      — O de sempre. Diferenças irreconciliáveis.
      — Isso não me diz nada. Qual é sua história, Dev?
      — Desde quando uma médica precisa saber os detalhes pessoais?
      — Você se surpreenderia. Cada paciente é um mistério, e os sintomas são pistas. Um detalhe, se ignorado, pode levar um médico a um diagnóstico errado. E o estado emocional do paciente pode ser fundamental na recuperação.
      — Já estou recuperado.
      — Está bem. Então conte a sua curiosa e velha amiga o que andou fazendo nos últimos dez anos.
      Por razões que não entendia, queria contar a Hannah o que acontecera. Pelo bem do filho.
      — Corie era bonita, e provavelmente ainda é — começou com um riso desanimado. — Ela era a rainha do rodeio.
      — Sorte dela — Hannah comentou com um tom de voz tristonho. Algo naquele tom de voz o colocou na defensiva. Provavelmente o comentário sobre haver um monte de fãs correndo atrás dele. Quando ela reconheceria que ele amadurecera nesses dez anos?
      — Acredite ou não, não se escolhe a rainha do rodeio apenas pela aparência... Apesar de que isso ela possuía.
      — Acredito em você.
      — As garotas precisam ter boas notas...
      — Nossa! Eu poderia estar no páreo.
      — E estar envolvida na escola e na comunidade. E ser bonita ajuda bastante.
      — Bem, se beleza é importante, eu já estaria desqualificada.
      — Você está se subestimando — Dev disse com voz áspera. Hannah olhou para suas mãos, que estavam pousadas no colo.
      — Você estava falando de Corie.
      — Certo — continuou, aliviado por falar sobre algo não relacionado a Hannah. — Queria o que tive quando criança, uma família, uma mulher que ficasse em casa, que estivesse lá à noite para mim e meus filhos. Achei que ela pensava como eu. Me apaixonei rápida e profundamente pela rainha do rodeio.
      — Então vocês se casaram.
      — É.
      — E depois? O que aconteceu?
      — Logo Corie ficou grávida, e Ben nasceu. Mas durante toda sua vida lhe disseram que ela era bonita o suficiente para ser uma modelo em Nova York. Ela não conseguia tirar isso da cabeça.
      — Sei bem o que é ter um sonho — disse gentilmente.
      — É. E Corie tinha. Ela se esforçou e voltou à forma depressa. Só percebi que seu sonho era uma obsessão quando me disse que ia embora. Que tinha de tentar.
      — O que você fez?
      — Tentei convencê-la a não ir, pedi que esperasse até que Ben crescesse um pouco mais.
      — Ela queria levar Ben junto? Balançou a cabeça negativamente.
      — E ainda não sei se isso melhora ou piora as coisas. — Dev deu de ombros. — Afinal, nem eu nem Ben éramos suficientes para prendê-la aqui no rancho.
      Para ele o mal havia ido embora com sua partida. Mas ficou a lição de que família e carreira são como água e óleo. Agora era totalmente responsável pelo filho.
      — Ela vê Ben?
      — Na verdade, não. É muito ocupada. Parte de mim quer que se dê mal, mas ela está conseguindo trabalho, não a maior das maravilhas, mas ela se sustenta, e às vezes se lembra de mandar um presente para o Ben no Natal ou no aniversário.
      — Que pena, Dev.
      — Não importa mais.
      — Não banque o forte. É claro que importa, ou você não teria tentado proteger Ben de mim.
      — Eu não...
      Hannah ergueu as mãos.
      — Isso não é uma crítica, só uma constatação. Acho que você agiu bem. Ficaria surpreso com a quantidade de pais que não ligam para os filhos. Ele tem sorte de ter um pai como você.
      De alguma maneira, aquelas palavras tiraram um peso de seus ombros.
      — Obrigado, Hannah.
      — De nada. Agora a questão é achar uma mãe para ele.
      — A resposta é: nunca nesta vida.
      O tom machista que mais parecia um rosnado pairou no ar.
      — Mais machismo — ela comentou. — Mas o que se pode esperar de um homem que ganha a vida criando cavalos?
      — Isso é deboche, piada? Está zombando de meu trabalho?
      Hannah sorriu abertamente.
      — Acho que sim.
      — Certo, só queria saber.
      — Sério, Dev, Destiny é provavelmente o melhor lugar para você achar uma mulher que queira as mesmas coisas que você.
      Aos olhos dela, talvez. Ninguém ainda lhe atraíra a atenção. Ou melhor, ninguém até Hannah voltar. Uma mulher que morava a dois mil e tantos quilômetros de distância. Não era uma ironia do destino?
      — Eu não estou procurando — foi tudo o que disse.
      — Que mal faz ter um monte de mulheres sempre correndo atrás de você? — ela o ignorou.
      — Quem diz isso?
      — Eu.
      — Você deve estar falando de algum outro caubói.
      — Acho que não. Ao menos não é o que me lembro da época do colegial.
      — Os tempos mudaram.
      — E Cassie Gordon?
      — Nem sempre Ben vê as coisas direito.
      — Então você não a beijou?
      — Eu não disse isso.
      — Mas o beijo dela não fez a terra tremer? Não fez você ver estrelas, ouvir sinos e harpas?
      — Meus Deus, Hannah! Acho que você anda lendo aquelas revistas femininas e não os jornais médicos.
      — Não importa onde consegui minhas informações. Ouvi dizer que quando é bom você vê fogos de artifício.
      — Eles não estão falando de beijos — Dev retrucou mal-humorado. — Você já viu fogos de artifício?
      — Estamos falando de você — Hannah esquivou-se. — Talvez sua mulher ideal não exista.
      — Por que diz isso?
      — Estamos em um novo milênio. Mulheres têm carreiras em vez de famílias.
      — Concordo, quando são necessários dois salários para pôr comida na mesa.
      — Mas não é assim que acontece. As mulheres têm ambições, sonhos e aspirações. E, acredite ou não, cérebro.
      — Está certo. Mas é burrice envolver-se com alguém que não quer as mesmas coisas que você. Não sou burro, Hannah.
      — Nunca disse que você era, pelo contrário.
      — Até conhecer Corie. Pensava que ela queria o mesmo que eu, mas estava errado. Não vou cometer o mesmo erro duas vezes. Nunca mais vou me envolver com alguém que não esteja em sintonia comigo. Farei qualquer coisa para evitar que meu filho seja magoado de novo.
      Ao mencionar o filho, Dev deu uma olhada para a janela do quarto do garoto que ficava na frente da casa. Viu um pequeno rosto observando-os e perguntou-se quanto tempo fazia que estava ali, certamente esperando flagrá-los em uma atitude romântica.
      — Eu não magoaria Ben. Estou falando sério. Posso arrumar um lugar para ficar na cidade...
      — De jeito nenhum. Tenho duas boas razões para não aceitar isso.
      — E quais seriam?
      — A primeira é que devo a sua mãe mais do que posso pagar. Sem contar que adoro a comida que ela faz. Além disso, Polly é ótima com Ben. Estaria perdido sem ela. Aliás, sua mãe estava muito ansiosa por sua visita e quer passar o máximo de tempo com você.
      — Também estava ansiosa — Hannah admitiu. — Mas qual é a segunda razão?
      — E a famosa hospitalidade do Texas? Um bom anfitrião nunca mandaria uma dama arrumar as malas. — Ele balançou a cabeça. — Simplesmente não dá.
      Hannah olhou-o fixamente.
      — Está bem. Mas deve haver algo que possamos fazer para convencer Ben a não esperar tanto de nós.
      — Na verdade, eu tenho uma idéia.
      — Acho que senti um cheiro estranho — ela brincou.
      — Muito engraçado — Dev disse. Embora o sentimento que aquele sorriso produzira nele nada tivesse de engraçado.
      — Desculpe-me. Mas como você irá convencer o pequeno casamenteiro de que sou médica, você é um caubói e que nunca teremos nada em comum?
      — Há uma coisa que pode cuidar disso.
      — E o que é?
      — Um beijo.
     
     
      CAPÍTULO IV
     
      O coração de Hannah acelerou.
      — Como? Você falou em beijo?
      — Você ouviu certo. O que acha?
      Ela ficou aliviada por haver uma boa distância entre eles. Se Dev não estivesse sentado no lado oposto do belvedere, Hannah teria se levantado e procurado algum outro lugar para ficar. Então ela calmamente se recostou na coluna de madeira e cruzou os braços.
      — Será que estou compreendendo bem? — perguntou. — Tive a impressão de que você queria convencer seu filho de que não havia nem poderia haver nada entre nós. Não entendi como um beijo iria ajudar.
      — Ben precisa aprender um pouco sobre a realidade. Ele pensa que a vida é como nos filmes, em que um beijo traz a felicidade eterna.
      — Como nos contos de fadas — Hannah deduziu. Ele assentiu com um sorriso.
      — O beijo desperta a princesa do sono.
      — É... Ou transforma o sapo em príncipe — ela acrescentou, sem conseguir deixar de sorrir.
      — Na verdade, acho que era uma rã — Dev disse, irônico. — Mas você também percebeu que ele está convencido de que um único beijo pode mudar seus sonhos.
      — Você sabe, Dev, eu moro na Califórnia, e não sou mais aquela garotinha do Texas.
      — O que você quer dizer?
      — Por que acha que eu acreditaria nessa história de que um beijo faria Ben entender o recado?
      — Porque acho que é preciso ver para crer.
      Hannah não podia ver, mas aquele tom divertido lhe dizia que os olhos dele cintilavam. Estava ali havia pouco tempo, mas aquela expressão sexy ficara gravada para sempre em sua memória. Talvez devesse mesmo deixar o rancho, mas não pelo menino, e sim para seu próprio bem.
      — Então esse é seu único motivo? — ela questionou. Dev colocou a mão à altura do coração.
      — Que caia um raio sobre a minha cabeça se não estiver falando a verdade. O fato de você ser uma mulher bonita não tem nada a ver com os meus motivos.
      — Vamos ver se entendi. Se eu fosse feia como uma noite de tempestade você pensaria do mesmo jeito? — Essas palavras evocavam humilhações do passado ainda presentes em sua mente. Certa vez ouvira-o dizer isso a seus amigos. Ela não esquecera... Como poderia?
      — Se você fosse corcunda e tivesse uma verruga no nariz, ainda assim eu pediria permissão para te beijar.
      — Não acredito em você — Hannah zombou.
      — Você é uma mulher bonita, Hannah, então não posso provar que estou dizendo a verdade.
      Oh, misericórdia! O maior galanteador do mundo estava flertando com força máxima. E o que era pior, estava funcionando. Em nenhum momento acreditou que ele a achava bonita, mas começou a querer muito aquele beijo.
      — Não que eu concorde com essa idéia louca, mas se eu, se nós... nos beijarmos, como Ben ficará sabendo? Você quer que eu jure sobre a Bíblia e assine embaixo com meu sangue? — ela perguntou, querendo parecer despreocupada.
      — Nada tão dramático ou doloroso. Não olhe agora, mas ele está espionando lá de sua janela. Nós podíamos cuidar disso agora mesmo.
      — Mesmo?
      Dev concordou com um gesto.
      — Isso vai lhe ensinar que um beijo não é uma coisa definitiva na vida. Também vai entender que quando chegar a hora, você vai voltar para seu trabalho na Califórnia.
      — Seja lá qual for...
      — Não precisamos de detalhes sobre isso para esse beijo.
      — Claro que não.
      Hannah não imaginou que seu coração pudesse bater tão rápido.
      Uma profunda excitação a percorria, e o terraço parecia encolher. De onde estava podia vê-lo sob luz da lua. Dev parecia relaxado. Nem chapéu, podia ver os cabelos castanhos desalinhados. As mancas da camisa estavam enroladas até os cotovelos, e a calça jeans desbotada estava colada em suas coxas, delineando os músculos. A boca esboçava um sorriso. Se ganhasse um dólar por vez, nas últimas vinte e quatro horas, que imaginou como seria beijá-lo, nunca mais teria de se preocupar com dinheiro. E ele lhe oferecia essa oportunidade em uma bandeja de prata.
      — Você não está com medo, está? — O tom de voz era sutilmente desafiador, e um súbito sorriso deixou-a entrever dentes perfeitos.
      Essa combinação fazia-o parecer quase irresistível. Mas ela precisava resistir a Dev. Além disso estava com medo. Mas respondeu:
      — Não seja ridículo.
      Apesar do clima de galanteio, não havia motivo para começar um romance. Ela teria de ir embora. O emprego que a esperava lhe daria condições de ajudar a mãe e recompensá-la por todos os anos de sacrifício. Além disso, algo dentro dela lhe dizia que Dev representava perigo. Não havia chance de ela ficar em Destiny, e também não queria voltar para a Califórnia com o coração partido.
      Não seria mais uma conquista de Dev Hart. Ao mesmo tempo tinha a impressão de que o julgava com severidade excessiva. Ele era muito jovem, e já se passara muito tempo desde que fizera aqueles comentários imaturos. Ela, porém, não conseguia esquecer o desgosto que sentira no colegial: só conseguira a atenção de Dev por sua inteligência. Nos últimos dez anos se perguntava de tempo em tempo como seria se ele a olhasse como uma mulher. Mesmo em seus sonhos mais secretos, nunca esperou que suas fantasias se realizassem. Se ao menos ele tivesse ficado careca e flácido. Mas ela não teve tamanha sorte. Dev não só amadurecera como ficara melhor. E essa idéia a fez tremer.
      — Está com frio? — ele indagou.
      Como ele percebera? Será que, além de tudo, era capaz de ler pensamentos?
      — Está uma noite bonita — Hannah desconversou.
      A cena perfeita para um beijo. Detestava-o pela sugestão. Os motivos dele, pelo menos aparentemente, eram nobres: mostrar ao filho que nem sempre se consegue o que se quer.
      — Então, o que me diz? — Dev insistiu. — Ben está olhando. Por que não damos a ele o que quer?
      Queria dizer que nunca faria aquilo, mas Dev era inteligente, e se recusasse sua proposta ele iria saber o porquê.
      — Se isso tiver alguma chance de funcionar, terá de parecer convincente — Hannah hesitou. — Ele só tem quatro anos, mas sei que crianças são difíceis de enganar.
      — Aprendeu isso no estágio em Pediatria?
      — Para você ver como sou esperta... — ela devolveu no mesmo tom de brincadeira. — Como vamos fazer?
      — Posso desenhar um esquema... Pense em uma respiração boca a boca — Dev continuou, sorrindo.
      Ignorando o calor que lhe subia ao rosto, ela suspirou. -— Sei como funciona. E que... eu tenho um problema.
      — Mau hálito? Alergia?
      — Muito engraçado. — Tentou ficar séria, mas não conseguiu conter a risada. — Nenhuma das anteriores.
      — Então...
      — Eu já fui beijada antes, mas francamente, ainda não peguei o jeito. Considerando isso, duvido que pareça real.
      — Bem, minha querida, então quem te beijou não sabia o que estava fazendo.
      Ora, aquele homem do Texas despertava nela sensações que a deixavam totalmente atordoada. O sorriso dele, tão bonito e masculino, tirava-a do sério.
      De repente Dev levantou-se e venceu a distância entre eles com dois longos passos. Olhando-a de cima, estendeu-lhe uma das mãos. A fragrância de sabonete e de loção após barba misturada ao seu perfume pessoal entravam-lhe por suas narinas e faziam o sangue correr mais rápido em suas veias.
      — Ajude-me, Hannah. Beije-me e deixe-me mostrar a Ben que isso não é suficiente para fazê-la ficar.
      Sua masculinidade transbordante deixava-a sem fôlego. Seu coração batia tão forte que parecia querer saltar para fora do peito.
      Porém, parte dela queria saber como seria beijar o rapaz que todas as garotas desejavam. Se a experiência fosse péssima, pararia de pensar nisso. Se fosse boa, as lembranças poderiam ser úteis. Em alguma noite escura, fria, poderia recorrer a elas para aquecer sua solidão.
      Hannah olhou para aquela mão grande estendida, os dedos longos, esperando por ela. Por que nesse instante tinha de pensar que não se lembrava de quantos ossos existem na mão?
      — Hannah?
      Com um suspiro resignado, estendeu-lhe os dedos trêmulos e prendeu a respiração ao sentir o calor daquela mão envolver a sua. Dev a ergueu e a conduziu para um ponto iluminado pelo luar.
      — Quero que Ben nos veja — explicou.
      — Está bem, ele nos vê. Nós nos beijamos. E daí? — Hannah quis saber, com um tom de voz rouco.
      — Ele vai fazer perguntas, pode ter certeza. Então você conta a ele que nosso breve encontro à luz da lua não mudou seus planos. Você pode até dizer que vai voltar para a Califórnia quando sua visita terminar.
      — Está bem, entendi.
      — Vamos colocar nosso plano em ação.
      A voz escapou-lhe. Tudo o que pôde fazer foi assentir, enquanto Dev rodeava-lhe a cintura com uma das mãos, colocando-a bem a sua frente. Com a outra mão segurou-lhe o rosto, deslizou os dedos por seus cabelos e suavemente virou-lhe a cabeça. Então, lentamente, aproximou a boca dos lábios de Hannah.
      O toque foi quente, firme e puro, e Hannah desejou que estivassem deitados. De repente, seu coração começou a bater rápido como nunca acontecera antes. Ela deu um gemido involuntário, e Dev a puxou para mais perto. Inclinou-lhe o rosto para o lado e beijou-a com mais intensidade.
      Como se tivessem vontade própria, os braços de Hannah envolveram a cintura de Dev e deslizaram por suas costas. Seus seios se aconchegavam junto ao peito firme, como se ali fosse o seu lugar. Todas as curvas de seus corpos combinavam, e a sensação fez aflorar nela todos os sentimentos femininos que aprendera a suprimir.
      Com a língua ele percorreu os lábios dela e entreabriu-os. Ele lhe afagava o interior da boca quente e enviava ondas de calor para todo seu corpo. A excitação tomou conta dela. Não havia lugar para razão ou sanidade. Ela só conseguia sentir. Calor, fome e abandono varriam seu interior como uma onda de liberdade sensual.
      Suas pernas estavam bambas como as dos gatinhos que vira nascer de manhã. Em um instinto de defesa, agarrou-se à camisa dele e segurou firme. Dev envolveu-lhe a cintura com o braço e ergueu-a um pouco do chão, aproximando a boca de Hannah da sua.
      Como médica, conhecia várias das causas da taquicardia, mas nunca algo tão prazeroso provocara tal situação.
      Tocou-lhe os cabelos da nuca, sedosos e macios. Com o dedo indicador afagou-lhe o pescoço, descrevendo círculos para cima, para baixo e ao redor da orelha. Ao mínimo contato, sentia-o gemer. A respiração dele acelerou. Uma sensação excitante e poderosa tomou conta de Hannah ao notar de que maneira um homem como Dev se modificava ao mero toque de uma mulher como ela.
      Finalmente, sem interromper o beijo, ele pousou-a no chão. Hannah desejou que aquele momento de intimidade durasse para sempre.
      Ainda abraçados ao seu redor, ele ergueu a cabeça.
      — Isso vai mostrar tudo ao grande Ben — sussurrou com uma voz rouca.
      — Assim espero — ela murmurou, tentando encontrar o tom de voz ideal.
      Hannah gostaria de parecer calma, divertida, quase entediada, mas conseguiu apenas parecer mais ansiosa.
      Dev deixou pender os braços como se de repente não quisesse mais tocá-la. Deu um passo para trás e esfregou a mão na nuca, como que sem saber o que dizer.
      Aquela reação certamente se devia ao fato de ele ter beijado Hannah Morgan, a menina desajeitada e inteligente que lhe dera aulas particulares. A garota que não pertencia a Destiny, nem dez anos atrás nem agora.
      Não conseguiu ver se Ben ainda se encontrava espiando na janela. Não se importava se o garoto havia perdido o show e a lição. Nunca fora beijada daquele jeito. Na faculdade tivera algumas oportunidades, mas estudar anatomia não é um pré-requisito para se tornar uma especialista no assunto. Dev certamente sabia o que estava fazendo, ela pensou enquanto tentava recuperar o fôlego. Se não fosse pelo filho dele, nunca saberia que um único beijo poderia causar tal impacto.
      — Acho que está na hora de eu entrar — Hannah avisou, respirando fundo.
      — Está bem. Acho que vou ficar mais um pouco enquanto está fresco. Daqui a algumas semanas o calor vai estar insuportável.
      Hannah sentia-se invadida por um calor insuportável naquele momento, mas tudo o que conseguiu foi desejar boa-noite a Dev.
      Ela não iria ficar ali, mas aquele beijo quase a convencera do contrário.
      — Oi, Hannah-banana! — Ben espiou para dentro do quarto dela.
      — Oi, grande Ben.
      Agora viria o interrogatório, pensou. Reclinada na cama, Hannah olhou para o garoto. Era começo de tarde, e ela ficara ali hibernando a maior parte do dia, dizendo para si mesma que deveria dar uma olhada nos jornais. Quando se entediou a ponto de abrir uma revista de variedades, percebeu que já não podia mentir para si mesma. Quem imaginaria que ela estava hospedada no rancho de Dev Hart um dia depois de tê-lo beijado?
      O quarto era bonito e aconchegante. A cama grande estava coberta com uma colcha florida marrom, verde e branco e lençóis no mesmo padrão. Almofadas de várias cores e travesseiros bordados a enfeitavam, protegendo suas costas das barras de ferro da cabeceira. As venezianas pintadas de branco mantinham o sol lá fora. As paredes de cor bege eram enfeitadas com uma borda de esmalte branco, combinando com as portas almofadadas. Era mais bonito que seu apartamento na Califórnia, e aquele era apenas o quarto de hóspedes do rancho.
      Mas o ambiente agradável não apagava a lembrança do que ela e Dev haviam feito à luz do luar. Tinha o pressentimento de que a hora da verdade chegara. Teria de passar para a etapa dois da operação de decepcionar Ben.
      O garoto atravessou a soleira da porta e sentou-se de lado na cama.
      — Eu vi você beijar meu pai ontem à noite.
      — Você viu?
      Fingia estar surpresa, mas foi ela que ficou atordoada ao sentir um forte calor invadir-lhe o corpo. A lembrança sensual era tão forte que ficou contente por já estar sentada.
      O menino acenou vigorosamente com a cabeça.
      — Eu vi vocês na varanda. — Ele cocou o nariz. — Como naqueles filmes que eu falei para você, eles se beijam e vivem felizes para sempre.
      — É, eu me lembro — murmurou, evasiva.
      — Você e meu pai vão se casar?
      Ela teria de ensinar a Ben a arte de ganhar tempo. Que droga!
      Ali estava Ben interrogando-a sobre o grande acontecimento, o beijo. Ali estava ela para lembrar-lhe que seus planos não tinham mudado e que ela voltaria para casa.
      — Querido, você se lembra quando seu pai lhe disse que a vida real é diferente da dos filmes?
      O menino assentiu.
      — Mas quando você beija alguém significa que você o ama. Papai me beija. Polly me beija. E eu amo eles.
      — Existem diferentes tipos de beijos para diferentes tipos de sentimentos.
      — Isso quer dizer que a Polly não me ama? — O menino franziu a testa, e o brilho de seus olhos desapareceu.
      — Não. — Hannah sentou o menino a seu lado e abraçou-o. — O que eu quero dizer é que existem diversos tipos de amor. Tem o tipo que eu sinto pela minha mãe e você sente por seu pai. Tem o tipo que eles sentem por você. E tem o tipo romântico, que existe quando ocorrem os casamentos.
      — E quando acontece esse tipo de amor vocês se beijam na varanda? — perguntou esperançoso.
      Hannah fez um gesto negativo com a cabeça.
      — Seu pai só estava me ensinando a beijar — explicou, pouco convincente.
      — Você não sabia? — Ben indagou, espantado. Ela sabia agora!
      — Quando estava na escola, eu era muito, muito esperta. E por causa disso terminei meus estudos antes, mas para isso eu tive que estudar muito. Por isso eu perdi algumas coisas, e seu pai estava apenas me mostrando.
      — Faltou amor para você? — ele quis saber, confuso.
      — Não. Bem, sim — admitiu.
      — Então você ama o meu pai.
      — Eu gosto do seu pai. — Péssima palavra para o que sentia, mas não encontrou outra que fizesse justiça aos seus sentimentos.
      Aquilo não a estava levando a lugar algum. Se alguém descobrisse que ela estava tentando explicar o que é o amor para uma criança de quatro anos, eles cassariam sua licença médica baseados no fato de que ela não tinha o mínimo senso comum.
      — Ben, você tem outro motivo para vir falar comigo? — Por favor, diga que sim, implorou silenciosamente.
      Ben franziu as sobrancelhas por alguns instantes e depois acenou vigorosamente.
      — Papai quer falar com você.
      — Ele quer?
      — Lá no escritório. Dois homens vieram visitá-lo.
      — Quem são eles? — perguntou.
      — O Mitch, que é amigo do papai, e o dr. Holloway. Eu gosto dele. Ele me dá um brinquedo quando eu não choro.
      Hannah não sabia se ficava apreensiva por Dev ter mandado o filho chamá-la ou se ficava aliviada com essa desculpa para terminar aquela conversa sem sentido.
      Ajudou o garoto a descer da cama.
      — Vamos lá ver seu pai.
      Seguiu Ben pela escada e encontrou Dev no escritório, uma sala ampla ao lado do hall de entrada. Deu uma olhada rápida na mesa em L com um computador e nas cadeiras forradas com couro antes de dar atenção às visitas.
      Um era alto, cabelos claros, com grandes olhos azuis que faziam dele um páreo duro na concorrência com Dev pelas mulheres. Fazia dez anos, mas ela se lembrava de Mitch Rafferty, um peão de rodeio e amigo de Dev desde os tempos do colégio. Agora ele era membro da comissão organizadora do rodeio.
      O outro era o dr. Holloway, ainda atraente com seus quase cinqüenta anos. Ele era alto, de ombros largos, e seus cabelos grisalhos conferiam-lhe um ar distinto, mesmo vestindo um jeans desbotado e uma camisa de mangas compridas de algodão. Seus olhos azul-claros eram vivos e irradiavam bom humor.
      — Você se lembra do doutor... — Dev começou.
      — Mas é claro. — Não se lembrava de outro médico em Destiny. Fora ele quem cuidara de seu braço quebrado.
      — Pode me chamar de Frank — ele disse. — Sou um grande amigo de sua mãe.
      — É bom ver você de novo — Hannah respondeu, apertando-lhe a mão. — Já faz muito tempo, mas me lembro de Mitch também. O que você tem feito além de cuidar do rodeio?
      — Estou trabalhando com uma construtora. Esta área é ideal para a expansão imobiliária. A população do Texas tem crescido muito, e Destiny é o lugar ideal para se investir.
      — Tenho certeza disso.
      Mitch sorriu e lançou-lhe um olhar que faria a maioria das mulheres derreter a seus pés. Uma mera constatação clínica, pois Hannah não sentiu nada, nem calor nem fraqueza nos joelhos ou palpitação. Esses sintomas só se manifestavam quando estava com Dev. E ela nem queria pensar em seu significado.
      — O que posso fazer por vocês? — indagou, procurando olhar só para os visitantes. Sabia que se olhasse para Dev a lembrança do beijo a faria corar, e não pretendia dar explicações a eles. — Como não sei nada sobre expansão urbana, acho que deve ter a ver com o rodeio.
      — Nós precisamos de sua ajuda, Hannah — Mitch começou. Frank Holloway continuou:
      — De acordo com as regras, tem de haver um médico presente no rodeio.
      Dev cruzou os braços sobre o peito.
      — Achamos que poderíamos contar com o doutor.
      — É verdade — concordou o médico. — Mas eu terei de me ausentar por motivos particulares. Minha mãe está doente e preciso visitá-la — explicou. — Não sei quanto tempo vou estar fora e não quero deixar os garotos na mão. Polly comentou que você estava aqui e que talvez pudesse nos ajudar.
      — O que posso fazer? — Hannah quis saber.
      — Seja nossa médica. — Mitch fitou-a. — Estamos montando o campeonato no rancho de Taylor Stevens. Lá vai ter um posto médico, e você ficaria ali para o caso de algum ferimento.
      — Normalmente não acontece nada — completou Frank. — É só por precaução. Mas no caso de alguma emergência talvez você precise participar da remoção. Teremos uma unidade paramédica e um helicóptero.
      — O que me diz, Hannah? — Dev perguntou. — É só durante uma semana.
      O doutor pigarreou.
      — Na verdade, pode durar mais que isso se Hannah concordar com a minha proposta.
      — Que proposta? — ela indagou.
      — Queria pedir-lhe para atender alguns pacientes meus enquanto eu estiver fora. — Ele enfiou as mãos nos bolsos. — Sua mãe tem me falado de suas qualidades. Eu conferi, e é verdade. Quando eu estiver fora, o pessoal vai ter de ir bem longe se precisar de um médico ou de um hospital, o que custa muito mais caro do que uma simples consulta no consultório. Você realmente estaria me ajudando muito. Senão vou ter de me apressar para voltar, Pense um pouco e depois você me responde.
      — Está bem. — Hannah não precisou mais do que alguns segundos para pensar.
      Ela comparou as revistas que estavam no quarto com o fato de poder ser útil às pessoas. Com certeza a ociosidade era responsável por toda aquela preocupação. A vida frenética dos estudantes de Medicina não deixava muito tempo livre para o lazer. Então, tudo fez sentido para ela. Decidiu o que fazer naquele momento.
      — Está bem, pode contar comigo.
      — Tem certeza? — Dev perguntou. — Sei que está aqui para descansar e relaxar.
      Se Hannah precisava de algo para convencê-la, a voz profunda deu-lhe o empurrão de que precisava. Não havia oportunidade melhor para evitar qualquer tentação. Ou melhor, mais tentação.
      Ela chegara no dia anterior, e o desejo que sentia por Dev Hart estava a ponto de explodir. Ela não conseguira atraí-lo havia dez anos, e certamente nada de bom aconteceria agora. Relacionamentos não perduram. Seu pai e sua mãe eram a prova disso. Sem falar em Dev e a esposa e em todos os casais que ela vira se separarem no colégio e na faculdade. Para completar, o abandono do pai lhe ensinara que amar era muito problemático, e ela aprendera bem a lição.
      Sua atração por Dev Hart parecia aumentar a cada hora, mas qualquer envolvimento romântico com ele não daria certo. O diagnóstico era claro: Dev Hart era um destruidor de corações, e ela faria bem em se afastar um pouco. Esse emprego era tudo o que precisava.
      — Estou feliz em poder ajudá-lo, doutor, ou melhor, Frank. — Olhou para Dev. — Nem sempre é fácil conseguir descanso e relaxamento.
     
     
      CAPÍTULO V
     
      — Addie, estou indo almoçar. Se você precisar me contatar, estou com o meu bip e meu celular.
      — Médica de Los Angeles moderninha — a mulher resmungou.
      Antes de deixar Destiny, Frank Holloway deu a Hannah algumas instruções sobre seu método, seu consultório e sua secretária e enfermeira nos últimos vinte anos, Addie Ledbetter. Mas as informações sobre ela não lhe faziam justiça. Ela era do tipo perua, com cabelos alaranjados, olhos azuis bem grandes e uma língua afiada como um bisturi. Naquele momento ela resmungava e suspirava, e Hannah percebeu que seus sentimentos em relação a ela também não eram muito diferentes.
      — Eu sou médica, Addie, e moro em Los Angeles — disse, paciente. — E o que você quer dizer com moderninha?
      A mulher cruzou os braços sobre o peito volumoso.
      — Que carrega toda essa parafernália. Alguém pode pensar que você é uma astronauta com todo esse aparato chique.
      — Você quer dizer que o dr. Holloway não usa bip nem celular?
      — Só quando ele não está em Destiny. Mas o Roadkill Café é o único restaurante da cidade. Ou se come lá ou se traz um lanche de casa. E, sendo assim, acho que posso achá-la sem usar um satélite.
      Hannah pôs as mãos nos quadris. Queria rir e esganá-la ao mesmo tempo, que se danasse o juramento médico. Perguntava-se se Addie falava assim com Frank Holloway ou se era apenas com ela, uma estranha.
      — Posso garantir, Addie, que sou uma boa médica. Gosto de ajudar as pessoas e trabalho com seriedade. Se alguém precisar de mim, quero estar lá.
      — Se você diz...
      Hannah percebeu que não adiantava tentar convencer a mulher a acreditar nela. No colégio, na faculdade de Medicina e no estágio ela teve de se impor várias vezes. Finalmente, com alguma dificuldade, conseguiu algum respeito. Mas isso nunca aconteceria em Destiny.
      Ela abriu a porta e saiu na rua principal de Destiny. A cidade havia mudado de aspecto nos últimos anos. Todas as construções tinham ganho um ar de velho Oeste, até mesmo a loja de computadores do outro lado da rua. Na porta do consultório havia uma placa de vidro oval em que estava escrito com uma bonita letra: Frank Holloway, médico. Na loja ao lado ela viu os dizeres "Isso e Aquilo, Presentes e Antigüidades. Maggie Benson, proprietária". Hannah se lembrava de Maggie da Sociedade Nacional de Honra no colegial. Sempre gostara da garota sincera de cabelos vermelhos, e pensou em reatar a amizade. Talvez mais tarde.
      Passou pelo cabeleireiro e parou em frente ao café. Bem a sua frente, do outro lado da rua, viu a loja de tratores de Charlie. Do lado de fora, viu Dev conversando com uma mulher muito atraente. Mas isso não era novidade. No colegial ele sempre fora cercado pelas garotas mais bonitas, a não ser quando aprendia Física com ela. Hannah nunca estaria no mesmo nível, não importava o quanto aquele beijo na varanda a fizesse desejar o contrário. Ela sempre seria a modesta Hannah Morgan, e ele o bonitão que atraía as mulheres como o mel atrai as abelhas.
      A sombra do toldo de madeira protegeu-a enquanto observava. Mitch Rafferty passou perto dela, mas não a viu quando atravessou a rua. Quanto mais perto ele chegava dos dois, mais tenso parecia. Cumprimentou Dev e depois fixou o olhar na mulher, que pareceu familiar a Hannah. Dev deu uma olhada ao redor e a viu. Então fez uma reverência com o chapéu, disse alguma coisa aos dois que estavam ao seu lado e atravessou a rua.
      O coração dela disparou, fazendo-a querer se esconder no beco ou no café, mas descartou a idéia. Qualquer uma das opções pareceria uma fuga
      A bota de Dev fez um som oco quando ele subiu na calçada de madeira. Tirou o chapéu preto e passou os dedos nos cabelos.
      — Oi, Hannah. O que você acha de almoçar comigo?
      Ele a convidava para sentar com ele a uma mesa e dar-lhe toda sua atenção. Não importava que eles não estivessem completamente sozinhos, ou que o Roadkill Café não fosse o lugar mais romântico do mundo. Resumindo: almoçar com Dev Hart era estar com ele. Mesmo sentindo sua falta naquela manhã, ainda não estava preparada para encará-lo. Um dos motivos por que aceitara trabalhar no consultório era para ficar longe de Dev. Enfiou as mãos nos bolsos da caça azul.
      — Mas como? Levar uma pessoa desajeitada como eu para almoçar? — retrucou com voz trêmula. Ela queria que a frase soasse como uma alfinetada, mas não queria brigar. — Desculpe-me, acho que exagerei.
      Ele franziu a testa.
      — É verdade... — Deu de ombros. — Mas você não é desajeitada. Por que acha isso?
      — Uma vez desajeitada, sempre desajeitada — replicou com um sorriso. — Você nunca tentou me conhecer quando estávamos no colegial. Por que faria isso agora?
      Dev bateu o chapéu com força na coxa.
      — Eu era apenas uma criança há dez anos. Por quanto tempo vai me crucificar por isso?
      Hannah mordeu o lábio.
      — Para sempre.
      O que mais ela poderia usar como escudo? Além do mais, não conseguia controlar-se. Ficar a sós com ele fazia-a sentir-se como um peixe fora d'água.
      — Mas pelo amor de Deus, Hannah. Procure entender. Eu era um garoto...
      — Bela desculpa.
      — Acho que você é mais do que uma feminista — ele disse, encarando-a seriamente.
      — Desculpe — ela murmurou. — Escapou de minha boca.
      — Como eu estava dizendo, no colegial eu era um rapaz que ia bem em tudo, menos em Física. Não fiquei muito feliz por ser forçado a ter aulas com uma menina mais nova do que eu.
      — Você se preocupava porque seus amigos bobocas iriam zombar de você?
      — Claro que sim — concordou. — E você ainda esfregava seu QI na minha cara.
      — Eu não era má assim.
      — Não? Você era inteligente demais e eu ficava intimidado. Mas você mudou.
      — Eu ainda sou feia como uma noite de tempestade? Dev franziu a testa.
      — É a segunda vez que você usa essa expressão. Parece que é de propósito.
      — Foi o que eu ouvi você dizendo aos seus amigos. Obviamente você não se lembra.
      — Desculpe, Hannah. — Ele suspirou. — Mas você sabe muito bem que havia panelinhas no colegial.
      — Uns arrogantes — ela completou. Dev concordou.
      — Admito que eu não tinha muito jogo de cintura. Você pode me colocar no paredão por isso, mas não era bonita como é hoje. Você usava uns óculos enormes e, perdoe-me por dizer, parecia um garoto.
      — Obrigada por lembrar-me.
      — Eu não lhe diria isso hoje se ainda fosse verdade.
      Seus olhos se encontraram, e a intensidade desse olhar a enrubesceu.
      — Então eu não sou mais assim?
      — Meu bem, você cresceu e criou corpo. — Ele a encarou com um sorriso. — Você deve receber muitos elogios, não é mesmo?
      — Antes tarde do que nunca — ela emendou. Dev passou a mão por entre os cabelos.
      — Olhe, Hannah, você vai me fazer um favor se almoçar comigo.
      — É mesmo? Como?
      — O Mitch está paquerando Taylor Stevens. Lembrando-se da garota, Hannah estalou os dedos.
      — Então era ela. Eu sabia que a conhecia. O campeonato vai se realizar no rancho dela.
      — E isso aí. Mas de qualquer forma ele ficou um pouco nervoso quando me viu conversando com ela, e talvez fique mais calmo se você me acompanhar para almoçar.
      — Fique tranqüilo, meu querido. — Abanou-se com a mão, um gesto inútil que não diminuía o calor que Dev produzia em seu rosto.
      Ele a beijara sob a luz do luar, e ela sentira o chão desaparecer sob seus pés. Agora ele a convidava para almoçar para aplacar o ciúme do amigo. Finalmente parecia que ela tinha conseguido sua atenção. Dez anos de atraso e ela não estava nem um pouco lisonjeada. Em ambas as vezes, não fora o motivo da atenção. Mas admirava a honestidade dele. Até ela percebia que o tempo tinha melhorado sua aparência. E apesar de tentar não se aborrecer com o fato, sentia um certo desapontamento por ele a ter notado por outros motivos.
      — E então? Quer almoçar comigo?
      Por mais que Hannah quisesse correr para longe, não podia dizer não.
      — Obrigada, Dev. Eu adoraria. Infelizmente descobria que isso era verdade.
      Dev abriu a porta para ela, e eles entraram no café. O lugar era decorado no mesmo estilo do velho Oeste. O bar era de madeira com rodapés de ferro, e mesas redondas cobertas com toalhas vermelho e branco e rodeadas com cadeiras de madeira escura espalhavam-se pelo local. Nas paredes estavam penduradas fotos de rodeios e paisagens do Texas. Ao fundo, havia alguns reservados com bancos de madeira.
      Uma jovem bonita aproximou-se deles.
      — Oi, Dev. Oi, Hannah.
      — Você sabe quem sou?
      — Você é filha de Polly Morgan. É igual a ela.
      — Eu te conheço? — Hannah perguntou, sabendo que provavelmente haveria um jeito mais educado de falar, mas não fazia a menor idéia de como.
      A moça fez um gesto negativo com a cabeça.
      — Eu me chamo Bonnie Potts e me mudei para Destiny depois que você foi embora.
      — Que bom. Não por você ter vindo depois que eu fui embora — esclareceu. — É que não há como eu me lembrar de você. Eu não te conheço. Faz sentido?
      — Perfeitamente. Mesa ou reservado? — ela perguntou, olhando para Hannah e Dev.
      — Reservado — ele disse.
      — Mesa — ela completou.
      — Reservado, então — Bonnie riu e indicou-lhes os bancos no canto do bar.
      A mão de Dev formigou ao colocá-la no ombro de Hannah, guian-do-a pelo salão. Quando ela se sentou, afastando-se, ele percebeu que o contato lhe fazia falta.
      A garçonete entregou-lhes os cardápios que viera carregando sob o braço.
      — O que querem beber?
      — Eu gostaria de uma limonada — pediu Hannah.
      — Para mim, chá gelado. Bonnie anotou.
      — Vou dar uns minutos para vocês olharem o cardápio e depois volto para anotar os pedidos.
      Hannah entrelaçou os dedos e pousou as mãos em cima da mesa.
      — Deve ser bom — comentou.
      Seu tom de voz era agradável, mas Dev não se deixou convencer. Algo estava para acontecer em um futuro próximo.
      — Está bem. Eu quero saber. O que deve ser bom?
      — As mulheres aceitarem suas propostas. Eu queria mesa, e você reservado. E aqui estamos.
      — Sim, é bom — ele admitiu, inclinando-se para a frente e repousando os braços na mesa. — Mas parece que isso nunca acontece quando é realmente importante.
      — Por exemplo?
      — Fazer com que a mãe do Ben ficasse.
      — Oh, Dev... — Ela inclinou-se para pousar a mão sobre a dele. Um gesto de conforto? Deteve-se a tempo. — Desculpe-me. Eu falei sem pensar. Eu não quis fazer você se lembrar de algo triste.
      — Não é comigo que eu estou preocupado. — Ele não estava mais magoado, mas Ben era outro caso. Ele não daria outra chance a uma mulher se não fosse algo sério. Não colocaria seu filho em risco. — Imagino que a melhor coisa para uma criança é ser criada por um pai e uma mãe que o amam. Mas Ben não vai ter isso.
      — Ele tem um pai que o ama.
      — Mas a mãe o deixou. E algum dia isso vai fazer diferença.
      — Várias crianças lidam com isso hoje em dia.
      — Eu não quero ele seja como as outras crianças. Eu não quero que ele fique se perguntando se foi culpa dele o motivo por sua mãe ter ido embora daquele jeito.
      — Você precisará explicar para ele. Afirmar que não é culpa dele. Foi o que ela quis e a perda foi dela.
      Ele a encarou.
      — Perda?
      — Ben é um amor, e ela está perdendo todas as coisas boas da convivência do dia-a-dia. Talvez algum dia ela queira recuperar isso, e vai ser tarde demais. Mas várias crianças são criadas com apenas um dos pais e não se perdem na vida. Experiência própria.
      — Você sente falta de seu pai?
      — Não. — A expressão sombria dizia o contrário. — E se ele entrasse por aquela porta agora, eu sairia pelos fundos. Mas essa é a minha escolha. E vai ser o Ben quem decidirá se vai querer manter uma relação com ela.
      — Ela não merece.
      — Será uma escolha do Ben. E alguma coisa me diz que ele sabe muito bem tomar suas próprias decisões.
      — E verdade. — Dev desenrolou os talheres do guardanapo e colocou-os na mesa. — Ele sentiu sua falta hoje de manhã.
      — É mesmo? — Hannah se alegrou, com um brilho no olhar. Ele assentiu.
      — Ele até fingiu estar doente para que eu o levasse ao consultório.
      — Por que não o levou? Eu teria adorado. Ele seria uma ótima distração.
      — Muito trabalho hoje de manhã? Ela fez que sim.
      — Esta é a primeira vez que consigo me sentar hoje. Atendi desde um caso de calvície até uma eólica em um bebê.
      — O que se diz nas ruas é que você foi a melhor coisa que veio a Destiny desde o aparecimento da tevê.
      — Como você sabe? Dev a encarou.
      — Nós estamos falando de Destiny, uma pequena cidade do Texas. Às nove e meia da manhã todo o mundo já está sabendo das novidades.
      — Eu tinha me esquecido disso. — Sua expressão ficou séria.
      — O que foi? — Dev quis saber.
      — As pessoas podem estar contentes comigo, mas Addie Ledbetter pensa que sou uma médica moderninha de Los Angeles.
      — Dê tempo a ela.
      Hannah brincou com a toalha de mesa.
      — Eu não ficarei aqui tempo suficiente para ela se acostumar comigo.
      — Quando você vai ficar sabendo do emprego em Los Angeles?
      — Não tenho certeza. Pode ser em quatro ou seis semanas. — Ela sorriu. — Mamãe está torcendo para que sejam seis.
      — Então você vai ficar até receber o aviso?
      — A menos que seja um problema para você.
      — De maneira alguma.
      Ele gostava de tê-la por perto. Talvez até demais. E Ben... Ele devia a Polly. Não dispensaria sua filha só porque o menino se apaixonara por ela. Dev faria o máximo para explicar-lhe que Hannah iria embora. E tomaria cuidado para ele próprio não cair na armadilha de seus encantos. Se conseguisse fazer isso, conseguiria evitar um problema.
      — Enquanto eu estiver por aqui, traga o Ben a qualquer hora. Mesmo que ele não esteja doente. O garoto conquistou o meu coração.
      E você o meu, Dev quis dizer. Seu filho pensava que ela fosse um anjo, mesmo depois de tê-los visto no terraço e ela ter dito que não mudara de opinião sobre voltar para a Califórnia.
      Aquele beijo certamente fora um tiro que saiu pela culatra. Ben ainda nutria um amor infantil, e Dev não conseguia esquecer aquela médica e a força de seus lábios. Sem mencionar sua forte personalidade.
      Hannah era tão instável como o clima do Texas. Na noite em que ele a beijou a reação dela tirou-lhe o fôlego. Ele nunca sentira tamanha combinação de inocência e paixão, de ternura e pecado. Ele não conseguia tirar aquela impressão da cabeça. Quando a convidou para almoçar, ele poderia jurar que ela o provocou para afastá-lo. Por quê?
      Dev não podia acreditar que ela ainda remoía o que ouvira no colégio. Ela o importunava com aquela história das mulheres fazerem suas vontades. Será que ela estava com ciúme? Esse pensamento deu-lhe vontade de rir.
      Antes que pudesse, Bonnie aproximou-se deles.
      — Com licença. Eu teria vindo antes, mas hoje eu estou trabalhando na cozinha também. Vocês já se decidiram?
      — Vou querer um hambúrguer duplo — Dev pediu sem hesitar.
      — Você nem olhou o cardápio, não é mesmo? — a mulher protestou.
      — Ninguém faz um hambúrguer como você — ele disse sorrindo. Encontrou o olhar gelado de Hannah.
      — E para você, Hannah?
      — Desculpe-me, eu ainda não olhei o cardápio. Bonnie deu uma risada maliciosa.
      — Eu não estou surpresa. A gente esquece de olhar o cardápio quando se está sentada com um homem como Dev.
      O olhos de Hannah passaram depressa por Dev e voltaram para a moça.
      — Do que você gosta mais?
      — Seria mais fácil dizer do que não gosto. E olha que tenho uns centímetros a mais nos quadris para provar.
      — Você não está gorda — observou Hannah.
      — Obrigada. — Bonnie hesitou um instante. — Oh, meu Deus! Eu não ia atormentar vocês com isso, mas é preciso. É agora ou nunca.
      — O que é? — Hannah quis saber.
      — Eu sou a presidente do Grupo de Mulheres de Destiny. Uma vez por mês fazemos um almoço para arrecadar dinheiro. Para atrair as mulheres da cidade convidamos pessoas interessantes para fazer uma palestra.
      — E para onde vai o dinheiro?
      — Para a Fundação Pôr-do-sol. Nós juntamos o dinheiro e o guardamos até que alguém em Destiny precise de ajuda. Foi assim que Maggie Benson conseguiu parte do dinheiro para começar o seu negócio.
      Dev cruzou os braços sobre o peito.
      — Uma vez a banda do colégio o usou para tocar em Nova York no Dia de Ação de Graças. Outra foi para uma viúva com um bebê que precisava alugar um apartamento.
      — Que ótima idéia — concordou Hannah.
      — Temos um problema este mês — Bonnie contou, batendo o lápis em um bloco.
      — E?
      — O dr. Holloway seria nosso palestrante. Achei que seria uma boa idéia se um médico falasse alguma coisa sobre cuidados com a pele durante os meses de verão. O tema é "Os males do sol no verão, ou como reduzir os efeitos do sol na pele".
      Hannah concordou.
      — Mas devemos tomar cuidados durante o ano inteiro. Especialmente aqui, onde muitas pessoas trabalham em lugares abertos. E como existem diversos lagos, piscinas e esportes aquáticos, as pessoas se esquecem de proteger a pele, que aliás é o maior órgão do corpo.
      A garçonete concordava.
      — Não sei o que vamos fazer agora.
      — Hannah pode substituir o dr. Holloway — Dev sugeriu. — Ela com certeza sabe o que fazer.
      — Eu tinha medo de perguntar. Você está aqui de férias e já está ajudando o doutor em seu consultório... Não queria incomodar.
      — Eu adoraria ajudar. E na verdade tenho uma idéia. O que você acha de fazer do encontro uma feira de saúde?
      Pensativa, Bonnie batia o lápis nos lábios.
      — Conte mais.
      — Eu poderia fazer exames rápidos como, por exemplo, verificar a pressão, os níveis de glicose e a visão.
      — E se nós fizéssemos alguma propaganda e chamássemos mais mulheres?
      — Seria maravilhoso. Posso falar com o laboratório que o dr. Holloway utiliza e ver se eles podem nos ajudar. O Departamento de Saúde do Estado talvez possa doar algumas vacinas para as crianças.
      — Nossa! — Dev estava atordoado, olhando sucessivamente para as duas mulheres. — Vocês duas poderiam ter planejado o Dia D na metade do tempo.
      — Grandes cabeças — Hannah disse. — Dê-me a data e nós começaremos a trabalhar.
      — Será no fim de semana após o rodeio. E obrigada! — Bonnie completou: — Eu sei que as outras mulheres da organização também vão ficar agradecidas. E para responder a sua pergunta, minha opção favorita no menu é a salada de frango chinesa.
      — Então é o que vou querer. — Sorrindo, Hannah entregou o cardápio à garçonete.
      Depois que Bonnie saiu, Dev percebeu que Hannah olhava para ele.
      — O que foi?
      Ela o encarou com um olhar pensativo.
      — Você teve a impressão de que eu a intimidei?
      — Não foi só impressão. Você é realmente intimidante. Os olhos azuis dela se arregalaram.
      — Eu? Por quê?
      — Você é esperta, é uma garota aqui da cidade que se deu bem. Você mora em Los Angeles. É sofisticada.
      — Sou apenas a velha Hannah Morgan de sempre, a garota que não pertence a nenhum lugar.
      — Você não acredita no que está dizendo.
      Ela concordou com um gesto de cabeça.
      — No colegial, eu era uma desajeitada estudiosa vários anos mais nova que meus colegas. Na faculdade era difícil fazer amigos, pois todos eram mais velhos. Os professores esperavam mais de mim e me deixavam aflita por parecer criança. Eu tinha de trabalhar duas vezes mais do que todos para conseguir a confiança dos pacientes. E agora tento arrumar um emprego com um dos médicos mais prestigiados da Califórnia. Sou esperta e passei rápido por todos os desafios para conseguir minha licença. Mas sei que eles ainda se preocupam com a minha idade. Não estou reclamando de nada, só constatando os fatos. Não me encaixo em nenhum lugar. — Ela olhou pensativa para a dona do café. — Invejo a Bonnie.
      — Por quê?
      — Por que ela está de bem consigo mesma, com a cidade e com seu trabalho.
      — Tudo isso é por causa de Addie?
      — Ela é só mais uma.
      Dev inclinou-se para o lado e colocou a mão sobre a dela.
      — Seja você mesma, Hannah. Se fizer isso, e der tempo ao tempo, tudo vai se acertar.
      — Em Destiny?
      Dev queria dizer "espero que sim", mas felizmente se conteve. Perceber a vulnerabilidade de Hannah deixava-o ainda mais interessado. Ele a imaginava como uma pessoa esperta, que sabia o que queria e que não precisava da ajuda de ninguém. Agora vislumbrava a garota amedrontada que ela fora. Será que ainda era? Ele se sentia como que arrastado por uma forte corrente, e teria de dar um jeito de impedir que ela o afetasse desse modo.
      — Você pode se adaptar a qualquer lugar. E qualquer médico de Los Angeles ficará feliz de contratar você.
      Ele esperava que falar sobre sua volta à Califórnia fosse suficiente para voltar ao ritmo normal. Porque não conseguia evitar a sensação de que ele ficaria feliz de tê-la.
     
     
      CAPÍTULO VI
     
      — Não sei como você me convenceu a fazer isso.
      Hannah estava no curral ao lado de Dev e dos dois cavalos selados. Concordara em cavalgar com ele, e agora a imagem dos cavalos a fazia questionar sua sanidade, sem falar no bom senso.
      — Não foi preciso fazer nenhum pacto com o diabo — ele respondeu.
      — Pois parece que você é o diabo em pessoa — ela provocou. Então apontou para ele e fingiu estar brava. — Não diga uma palavra sobre ser tão fácil quanto cair do cavalo.
      — Você está exagerando. Só tive de lembrá-la de que era sua tarde de folga. Você não tinha nada melhor para fazer, do contrário não a teria encontrado vagando pela casa sem direção. Seja sincera, você estava morrendo de tédio. Eu apareci na hora certa...
      — Saber que tem razão não me faz sentir nem um pouco melhor — Hannah resmungou. — E, na verdade, não gosto da sensação de não ser capaz de fazer algo.
      E ela não se referia apenas a cavalgar. Não conseguia controlar seus sentimentos por Dev. Ele a encontrara perambulando pela casa e sugerira o passeio. Por um momento se perguntou se ele a procurava, mas concluiu que isso não passava de um desejo dela. E quisera não ter alimentado esse desejo. Afinal, era a mulher errada para ele.
      Dev queria uma dona de casa, e ela era médica.
      Era uma mulher de carreira, que teria um horário de trabalho nada convencional, porque as crianças não ficavam doentes só das nove às cinco. Amava o que fazia. A melhor parte era a recompensa que seu trabalho traria à mãe, a vida tranqüila que não tivera enquanto crescia. E queria começar assim que assumisse o novo emprego e mudasse com Polly para a Califórnia.
      Por enquanto, ali estava com Dev e os cavalos. Era hora de se manifestar ou se calar, pensou.
      Ela o olhou de relance. Havia três semanas que estava no rancho. Exceto pelo almoço em seu primeiro dia no consultório de Frank, a festa de aniversário de Ben, e os breves momentos durante o jantar, seus horários raramente se cruzavam. Atender pacientes e manter a clínica de Frank em funcionamento a fazia correr dia e noite, às vezes até nas primeiras horas da manhã. Quase não tivera uma noite ininterrupta de sono. Dev estivera ocupado com o rancho e os preparativos para o campeonato de rodeio da escola, para o qual só faltava uma semana.
      Tudo isso provava que eram totalmente incompatíveis. Mesmo assim seu coração disparara ao vê-lo. Por menor que fosse, a idéia de que ele fora procurá-la ainda acelerava sua pulsação.
      — Também estou certo sobre outra coisa — ele disse.
      — Sei que vou me arrepender de perguntar, mas o que é? — Hannah indagou docemente.
      — Seria uma pena desperdiçar aquela primeira lição de equitação.
      — Você quer dizer passar por uns minutos de medo e pavor sem ganhar nada, para ficar mais experiente?
      — Exatamente. E a prática leva à perfeição.
      Ela concordava plenamente. Tinha de praticar estar com Dev para poder controlar seus sentimentos. Estava ao caminho da cura?
      Então Hannah viu o sorriso largo e seus joelhos fraquejaram. Colocou a mão sobre o pescoço de Encrenca para se manter firme. Infelizmente, essa reação mostrava que havia uma falha na teoria sobre a prática levar à perfeição. Ela era a prova viva de que sua inteligência não era suficiente para não bancar a tola na frente de um homem bonito.
      E a possibilidade de isso acontecer era muito grande. Era tarde demais para desistir daquele passeio com alguma dignidade.
      — Alguém já lhe disse que é um homem sádico, Dev Hart?
      — É o motivo pelo qual todas as adoráveis garotas me seguem como se eu fosse o tal. Dê só uma olhada. Estão escondidas logo ali, dezenas delas.
      Ela conhecia a paisagem plana do Texas, ocasionalmente interrompida por morros, e sabia que seria difícil esconder uma mulher, muito menos um monte delas. Dev zombava dela.
      — E sarcástico também. E essa não é uma característica muito atraente.
      Dev segurou as rédeas de Encrenca com as mãos enluvadas.
      — Preciso cultivar um defeito. O centro das atenções precisa, de um limite. Todas aquelas mulheres...
      Hannah ergueu a mão, rendendo-se.
      — OK, talvez eu tenha exagerado.
      E talvez o tivesse perdido. Hannah suspirou. Não havia talvez. Essa brincadeira bem-intencionada era divertida. O fato de ele ser muito mais bonito era um ponto positivo. Uma sensação de alegria a invadiu, e de repente achou o dia deslumbrante. Nunca vira um céu tão azul. A temperatura estava ideal, e tudo ia bem. Não poderia estar mais feliz por terem se encontrado.
      — Talvez tenha exagerado? — ele ergueu uma das sobrancelhas. — Você não tem o hábito de admitir que está errada?
      — Não tenho muita prática nisso. É tão raro acontecer.
      — E bom que esteja com esse boné ajustável. Se fosse um chapéu de caubói o inchaço da cabeça cortaria o fluxo de sangue para o cérebro. Não sou médico, mas isso não pode ser bom.
      — Também tive de cultivar um defeito.
      — Não sei por que fica voltando ao assunto das mulheres.
      — Você mesmo usou o termo "centro das atenções".
      — Eu estava brincando — Dev protestou. — Você me viu com alguma mulher? Além de você e Polly, quero dizer?
      Ela pensou por um momento.
      — Na verdade sim. Eu te vi em Destiny com Taylor Stevens.
      — Isso foi há três semanas.
      — Você a viu de novo. Ele franziu o cenho.
      — Vi?
      — Tinha uma foto no jornal. — Você, Mitch Rafferty e Taylor. Em frente ao estábulo do rancho dela, anunciando o rodeio e a abertura da fazenda de veraneio.
      Dev assentiu.
      — É, me esqueci disso.
      — Memória seletiva — Hannah murmurou, mas ficou contente por ele ter esquecido.
      Dev lhe passou as rédeas e foi até seu cavalo.
      — Você vai ficar me azucrinando o dia todo ou vai cavalgar?
      — Decisão difícil. Provocar você é tentador... — ela brincou, com ar pensativo.
      — Hannah... — disse com a voz dura, mas seu olhar denunciava que estava brincando.
      Seu poder em resistir a ele enfraquecia. Naquele momento não conseguia se importar. Mais tarde se preocuparia por ter perdido terreno.
      — Está bem, estou pronta. — Já ao lado esquerdo de Encrenca, olhou para o assento de couro gasto da sela. Lembrou-se do que ele lhe ensinara e murmurou: — Vamos.
      Hannah colocou o pé no estribo e subiu no animal, desajeitada. Dev montou com um movimento gracioso, flexível e masculino, que a deixou sem palavras. Ela engoliu em seco e ajeitou-se na sela. O cavalo se mexeu e ela se lembrou do que Dev dissera sobre o movimento do corpo do animal ser um aviso, tomou fôlego e segurou-se.
      — Você está bem, Hannah — Dev tranqüilizou. — Ele está se ajustando ao seu peso.
      — Claro — concordou. — Faz sentido. Se alguém se sentasse nas minhas costas provavelmente eu teria de dizer alguma coisa.
      Ela podia dizer muitas coisas, por exemplo que essa era a segunda ou terceira vez que montava. Caíra na primeira, na segunda Dev estava atrás dela, e agora sentia a falta do corpo grande junto ao seu, da segurança de seus braços fortes e protetores. Mas isso tinha a ver com seu medo de montar, não com precisar dele. Não permitiria. Dev podia ter qualquer mulher que quisesse, e a história tinha um jeito irritante de se repetir. Ela ainda era diferente. Não tinha dado certo há dez anos e não daria agora.
      Enquanto saíam do celeiro, Hannah o olhou de relance. Ele estava tão à vontade, alto e garboso na sela que ela mal pôde conter um suspiro. Era muito difícil superar a atração que sentia, pois estar ao lado dele despertava sensações cada vez mais fortes. Por quê?
      A resposta era simples. Sentira falta de Dev, e não resistia em passar um tempo com ele, mesmo em cima de uma sela. Porém, não ficaria por ali muito tempo, portanto, que mal faria?
      Ficaram em silêncio por uns momentos, deixando a casa do rancho para trás. Dev a avisara que Encrenca era treinado para seguir seu cavalo, e que não precisava se preocupar em guiá-lo. Logo percebeu que ele tinha razão e começou a relaxar.
      Hannah olhou de novo para Dev, algo que se tornava um hábito. Sua silhueta e seu perfil não poderiam ser mais masculinos. Admirou-lhe as linhas fortes e atraentes do maxilar, os ângulos retos das maçãs do rosto. Ele se sentava ereto sobre a sela, uma mão segurando as rédeas, a outra pousada sobre a coxa musculosa. A terra vermelha do Texas, com a vegetação mirrada, se impunha diante deles. Nuvens brancas como a neve contrastavam com o azul forte do céu.
      — É tão calmo aqui — ela constatou com um suspiro. — Sereno seria a palavra certa.
      Ele a fitou.
      — Tenho a impressão que não é uma palavra que usa com muita freqüência.
      — Você está certo. Los Angeles não é o lugar ideal quando se quer paz e tranqüilidade.
      — Você já pensou em se mudar para cá novamente? Hannah podia jurar que ele parecia surpreso com a própria pergunta.
      — Por que está me perguntando isso? Ele deu de ombros.
      — Não sei. Pergunta boba. Você tem perseguido seu sonho durante quase tanto tempo quanto viveu aqui em Destiny. E ninguém sabe melhor que eu que não se pode forçar alguém a ficar contra a própria vontade.
      — Está falando de sua ex-mulher.
      — Sim.
      Hannah estudou seus ombros largos, tão fortes que poderiam suportar qualquer coisa que o destino jogasse sobre eles. A carga de criar o filho era só dele. Ela o respeitava muito por isso. Dev estava determinado a proteger o menino, mesmo dela, pois nunca faria parte de seu mundo. Ele só estava puxando conversa ao perguntar sobre sua volta. Não era nada além disso.
      — Ben tem você, Dev — disse, gentil. — Ele vai ficar bem. Às vezes a decisão de ter os pais juntos não depende de nós.
      Ele a olhou por baixo da aba do chapéu preto.
      — Fala por experiência própria?
      — Eu já te contei...
      — É, eu sei. Você sente raiva por seu pai ter partido.
      — Por que pensa assim?
      — Pelo que disse durante aquele almoço na cidade. Primeiro você afirmou que não sentia falta dele. Depois disse que sairia pela porta dos fundos se ele aparecesse. Pode dizer o que quiser, mas acho que você ficou furiosa por ele a ter abandonado.
      Depois de se recuperar da surpresa por ele lembrar-se do que dissera naquele dia, Hannah pensou sobre o comentário.
      — Não, não mais — disse finalmente. — Na verdade acho que ele me fez um favor.
      — Hum-hum — Dev murmurou, cético.
      — Você já ouviu a música do pai ausente e seu filho Sue? Ele sabia que não estaria por perto, e então quis que o garoto aprendesse a se cuidar sozinho.
      — Acho que sim.
      — Acho que meu destino é parecido. Não tive um pai para me apoiar, mas tive um QI alto. Você me acusa de me esconder atrás disso, mas escolhi pensar que é o meu melhor bem. Ele me trouxe até onde estou hoje, e quero que continue me ajudando.
      — Acho que você está exagerando, doutora.
      — E mesmo?
      — Há outra música que deve ter ouvido. Todo mundo precisa de alguém em algum momento...
      — Eu poderia lhe dizer o mesmo.
      — Touché. — Dev a estudou por um momento e voltou a olhar para a trilha em frente. — E eu preciso lembrá-la de não exagerar no primeiro passeio, senão vai acabar toda dolorida. — Ele a encarou, e o calor que emanava de seu olhar a percorreu por inteiro. — Aliás...
      — S-sim? — Hannah balbuciou, odiando não poder controlar o tremor da voz.
      Ele apontou para seus pés.
      — Tênis não são muito práticos para montar. Talvez fosse bom comprar um par de botas.
      — Como vou ficar pouco tempo, seria um desperdício.
      O pensamento a entristeceu. Depois ficou furiosa. Como ele ousava deixá-la triste por ter de voltar à carreira pela qual lutara tanto? Finalmente podia ver a luz no fim do túnel. Por que parecia que a luz estava presa a uma veloz locomotiva?
      Logo iria recompensar a mãe por lhe ter sido um fardo tão pesado. Quando fantasiara sobre esse momento, nunca pensara estar com Dev, ou em ficar triste.
      — Você vai receber notícias sobre sua entrevista muito em breve, não é?
      Hannah assentiu.
      — A qualquer hora. Se não, vou ligar.
      — Estou feliz que esteja aqui, para os campeonatos. — O couro rangeu quando ele se ajeitou sobre a sela. — Quero dizer, com Frank fora e tudo mais.
      — Estou contente em poder ajudar. Do contrário, ficaria entediada — ela sorriu.
      Dev lhe devolveu o sorriso enquanto oscilava levemente sobre a sela.
      — Isso me lembra de que Mitch me disse que o posto médico está pronto. Ele sugeriu que você fosse conferir. Frank fez os pedidos, mas seria bom ter certeza de que está tudo em ordem.
      — É uma boa idéia.
      — Podemos ir agora, se quiser.
      Ela se ajeitou, as costas começavam a sentir o efeito do passeio.
      — É longe? Vou ficar amaldiçoando-o a semana inteira?
      — Fica a poucos quilômetros daqui.
      — Então vá em frente. Encrenca com certeza vai te seguir.
      "Encrenca" era o que queria evitar. Talvez os suprimentos médicos desviassem seu pensamento daquele caubói cativante que estava prestes a roubar seu coração.
      Logo depois estavam no posto montado atrás das arquibancadas. Hannah observou o algodão, a gaze e as luvas descartáveis no balcão minúsculo. Estudou tudo minuciosamente e fez uma nova arrumação.
      Dev não sabia que a posição das coisas pudesse ser tão importante.
      — Você está muito nervosa. Ela se voltou e o olhou.
      — Diga-me, dr. Dev, que sintomas o fizeram chegar a esse diagnóstico?
      — Com prazer, senhora — Dev respondeu enquanto se recostava na parede do trêiler. — Você mudou essas coisas de lugar umas cinco ou seis vezes. Aqui não há tanto espaço assim... por que está tão impaciente? Não está preocupada, está?
      — Claro que não. — Hannah negou, mas havia uma sombra em seu olhar.
      — Fale comigo, Hannah.
      Ela apoiou uma das mãos sobre o balcão.
      — Não há nada a dizer. Parece que todos os suprimentos básicos estão aqui. É que estou acostumada com o equipamento de um hospital, mas posso me virar em caso de uma emergência.
      — Temos um helicóptero de resgate à disposição se for necessário transportar alguém.
      — Eu sei. — Ela deu alguns passos até o final do trailer, e então se virou e voltou. O movimento do piso parecia deixá-la mais tensa a cada passo.
      — O que é, Hannah? — Ele bloqueou a passagem e pôs as mãos sobre os ombros dela. Olhou aqueles olhos azuis grandes e ansiosos e disse — E, por favor, não insulte minha inteligência dizendo que não é nada. Algo a está deixando ansiosa.
      — Ansiosa?
      — E o trailer? Você tem claustrofobia?
      Eles se encararam por alguns momentos, e Dev pensou que Hannah fosse ignorar seu comentário. Então ela respirou profundamente, afastou-se e cruzou os braços.
      — E o trailer, mas não porque é pequeno. Ele me traz lembranças. — O olhar dela percorreu todos os cantos do lugar.
      — Más lembranças? — Dev indagou gentilmente, encorajando-a a falar.
      Seu olhar se entristeceu ainda mais enquanto estudava o ambiente monótono. Então o olhou de novo.
      — A única casa que tive foi um trailer como este. E minha mãe trabalhava catorze horas por dia para que tivéssemos isso.
      — Então você está zangada com seu pai — ele comentou. Hannah balançou a cabeça.
      — Não, estou furiosa comigo mesma. Ele foi embora por minha causa.
      — Ei, você era só uma criança. O que poderia ter feito para afastá-lo?
      Ela o encarou, seu olhar era amedrontado.
      — Lembra-se da queda do cavalo?
      — Sim, mas não vejo como...
      — Eu quebrei o braço.
      Dev tirou o chapéu e passou os dedos por entre os cabelos.
      — Bem, isso explica muita coisa, como seu medo de montar, por exemplo.
      — É mais que isso, Dev. Houve visitas médicas, gastos. A parte boa foi que pensei em ser médica pela primeira vez. E a má foi ter afastado meu pai.
      — Ora, Hannah...
      — É verdade. Ele estava conosco. De repente as contas começaram a se acumular e ele se foi. Eram muitos problemas.
      — Crianças não são um fardo. São uma responsabilidade que surge do amor — Dev a consolou, tentando ser gentil diante de sua vulnerabilidade.
      — Não no meu caso. E eu não senti tanto a falta dele. Eu lhe disse a verdade — retrucou, na defensiva. Ela suspirou e se virou para mexer na caixa do algodão. — Mas o fato de ele ter ido embora deixou minha mãe com um peso terrível.
      — Não foi sua culpa, Hannah.
      — Eu sei.
      — Não tente me enganar. Não preciso ser psicólogo para entendê-la. Você se culpa pelo que aquele canalha fez. Você sofreu um acidente, e ele as deixou quando mais precisavam. Você era uma criança, e ele o adulto que a desapontou.
      — Entendo isso.
      — Racionalmente, é provável. Emocionalmente... é outra história.
      — Então agora você é o psiquiatra de plantão — ela tentou brincar.
      — Tenho de admitir que a aula de Psicologia na faculdade não me deu essas credenciais, mas não é preciso ser um mestre para ver o que está acontecendo com você.
      — E o que está acontecendo?
      — Você vive no passado. Há dez anos, com seu grande QI, se sentia diferente por não ter um pai. E então se isolou.
      — E acha que ainda estou fazendo isso? Dev percebeu que Hannah não negava.
      — Se o cavalo estende o casco, o ferreiro vai lhe colocar uma ferradura.
      — Essa é difícil mesmo para quem é do Texas. O que quer dizer?
      — Que é óbvio que você ainda se mantém afastada.
      — Não nego que meu passado me transformou em quem sou, mas todos os dias sou grata por minha inteligência ter me trazido até aqui. Cada experiência que tive me fez a mulher forte e capaz que sou hoje.
      — Não discuto isso.
      — Escute, estou prestes a conseguir tudo pelo que lutei. Assim que conseguir aquele emprego, terei o dinheiro necessário para dar à minha mãe a vida que merece. Uma casa na Califórnia, muito bem fixa no solo, sem rodas. Ela não terá de trabalhar.
      — Talvez sua mãe tenha algo a dizer sobre isso. Ela é parte da comunidade e tem amigos aqui. — Dev interrompeu-se para não falar sobre suas suspeitas sobre Polly e Frank Holloway. Não tinha de falar sobre a vida amorosa da mãe dela.
      Ela cruzou os braços.
      — Isso pode ser inconveniente para você. Sinto muito por isso, mas meu objetivo é recompensá-la por tudo que fez.
      Hannah lutou para controlar a irritação. Aquilo não tinha nada a ver com perder a governanta. Se Polly quisesse ir, ele não ficaria feliz, mas teria de lidar com a situação. O que importava era Hannah e as más lembranças que a influenciavam.
      — Aquele paspalho abandonou vocês duas. Ele está em débito, Hannah, não você.
      — Estou — ela disparou. — Ele ainda estaria por perto não fosse por mim.
      — Isso não é amor de pai. Pergunte a sua mãe.
      — Eu perguntei.
      — E o que ela disse?
      — Que ele era jovem demais, que provavelmente não tinha a intenção de ter uma vida estável com uma mulher mesmo depois de dizer sim.
      — Polly é muito esperta. Certamente puxou a inteligência dela.
      — Ela disse que não devo me sentir culpada.
      — Escute sua mãe, Hannah. O problema é dele, não seu.
      — Vamos deixá-lo fora disso. Fatos são fatos. Mamãe cuidou de mim, agora é minha vez de cuidar dela.
      Dev cocou a nuca. Finalmente entendia tudo, como era profunda a dor de Hannah e porque ela se mantinha distante de todos e dele também. E sabia por que ela queria tanto deixar Destiny e lutar por sua carreira.
      Não havia dúvida de que Hannah era uma boa médica. As pessoas que a procuraram por causa de dores, gripes e problemas de estômago a punham em um pedestal. Mas sua dedicação à carreira ia além da paixão. E agora entendia o motivo.
      Ela estava decidida a compensar o afastamento do pai. Ele se sentia frustrado com isso, pois nutrira a idéia errada de que ela desistiria do sonho de trabalhar na cidade grande e ficaria em Destiny.
      Dev assistiu impotente à mulher que amava partir para construir uma carreira. Não sabia da ambição de Corie antes de se casar. Pensava que tinham os mesmos objetivos de vida. Ele fora forte. Agora estava enfeitiçado por outra mulher envolvida pelo sucesso. Não importava que sua vocação ajudava as pessoas, que ela era levada pela emoção e por razões altruístas, ou que seu objetivo de ajudar a mãe bagunçaria sua vida. Esse era um problema de Polly e Hannah.
      Sua prioridade tinha de ser Ben. Depois vinha ele, se quisesse ser útil para o filho. Dev sabia que seria um tolo se desse vazão aos seus sentimentos. Um idiota em percorrer um caminho cheio de buracos que o engoliriam. Um completo imbecil em deixar essa atração ir adiante. Se ele se machucasse de novo, seria o único culpado. Agora que sabia o quanto ela estava envolvida em seu objetivo, jamais a deixaria entrar em seu coração.
     
     
      CAPÍTULO VII
     
      Era a última noite do rodeio. Dev aguardava o fim intervalo na extremidade do curral. Não havia tanta gente agora, pois restavam apenas três eventos a serem realizados. Mas como ele era o salva-vidas, ainda tinha trabalho a fazer e esperava o sinal para recomeçarem.
      Enquanto esperava, Mitch Rafferty passou abraçado com Taylor Stevens. Apenas alguns minutos antes eles tinham revelado o que todos em Destiny desconfiavam: estavam loucamente apaixonados.
      Taylor abria novos horizontes para seu rancho para turistas. Mitch trabalhava para uma construtora desde que voltara a Destiny para trazer prosperidade à região. Dev os invejava e não podia deixar de pensar em Hannah. Durante sua última conversa, ela lhe abrira o coração e mostrara o quanto as lembranças de infância a magoavam. Ela partira e se tornara alguém, e estava prestes a conquistar uma carreira e uma vida de sucesso em outro Estado. Sabia que ela era ambiciosa, mas descobrira o quanto esse sentimento estava arraigado e que nada a faria ficar.
      — Um centavo por eles.
      Dev reconheceu a voz de Grady O'Connor. Ele olhou para o amigo.
      — Ei, xerife, um centavo para quê?
      — Seus pensamentos. Você parece bastante chateado. Deve estar pensando em alguma mulher.
      — Lembre-me de não planejar o crime do século aqui, pois com suas habilidades de vidente, eu não teria nenhuma chance.
      — Deixe-me impressioná-lo um pouco mais. Por acaso a moça não é Hannah Morgan?
      — Me algeme e me prenda — Dev confirmou.
      — O que há entre vocês?
      — Nada, nada.
      — Mas não porque não esteja interessado — o xerife adivinhou.
      — Não importa. Ela vai voltar para Califórnia.
      Ao menos agora ele sabia por que ela estava tão determinada em ter estabilidade financeira. Dev relembrou repassou a cena no trailer em que lhe contara sobre o braço quebrado e o que se seguiu. Ele quase riu de suas brincadeiras, mas a situação não era nada engraçada.
      Grady apoiou os antebraços na cerca.
      — Talvez possa fazê-la mudar de idéia.
      — Sem chance.
      A situação era lamentável. A primeira mulher pela qual se interessava depois de muito tempo só tinha olhos para a própria carreira. Mesmo que pudesse lhe oferecer todos os próprios sonhos e esperanças, Destiny, Texas, nunca seria suficiente para ela. Não adiantava nada querer que as coisas fossem diferentes. Ele quisera tanto que Corie não os deixasse. E aprendera uma lição importante: querer nem sempre era poder.
      Grady ajeitou o chapéu.
      — Então está interessado.
      — Eu disse isso?
      — Não, mas o mais importante é o que não disse.
      — O que quer dizer?
      — Você não disse que não queria fazê-la mudar de idéia, só que não tinha chance. O que não se diz é o que tem maior significado.
      — E como sabe disso?
      — Porque te conheço desde o colegial.
      — Então sabe que não sou o tipo que fica sonhando. A moça vai embora, ponto final. — Dev respirou profundamente e fitou o curral e o trator alisando a terra para os próximos eventos.
      — Pessoas importantes não aparecem todo os dias — Grady lembrou.
      — Que bonito — Dev replicou com um olhar mal-humorado. — Você deveria escrever uma coluna para uma daquelas revistas para mulheres desprezadas. Sem falar que sua experiência lhe daria as credenciais necessárias.
      — Não tenho nada disso — Grady comentou no mesmo tom.
      — Esse é o meu ponto. Então quem pôs o arco e flecha do Cupido sobre seus ombros?
      — Só estava tentando ajudar.
      — Obrigado. E deixe-me retribuir. Eu te vi com Jensen Stevens hoje cedo. A rainha do rodeio de Destiny que virou advogada pretende ficar por um tempo?
      — Não perguntei — o xerife comentou, intrigado.
      — Por que não se importa? — Dev provocou.
      — Não importa. Todos sabem que ela nunca vai esquecer Zach.
      — Ele se foi há quanto tempo? — Dev pensou um momento. — Sete, oito anos?
      — Nove.
      — E muito tempo para ficar apaixonada por alguém... Mais cedo ou mais tarde ela vai estar pronta para recomeçar. Talvez você possa dar um empurrãozinho.
      — Mesmo que tivesse inclinado a fazer isso, e não estou, tenho mais com que me preocupar.
      O tom ríspido chamou a atenção de Dev, que estudou o amigo. As linhas de seu rosto pareciam mais fundas. Ele estava muito tenso. Conhecia Grady 0'Connor havia muito tempo. O xerife era uma rocha sólida e firme, mas seu rosto denunciava que algo não ia bem. De repente, Dev notou um envelope no bolso do uniforme caqui.
      — O que está havendo? — perguntou.
      — Nada demais.
      — Sou seu amigo, Grady, o que é? O xerife colocou o pé sobre a cerca.
      — Fui acionado.
      — O quê? Por quem? Algum criminoso descontente? Grady balançou a cabeça.
      — A guarda das meninas.
      — Você está brincando — Dev tornou, chocado.
      — Queria estar.
      Grady O'Connor era um bom pai, xerife e amigo, e o papel de pai definitivamente vinha sempre em primeiro lugar. Até onde sabia, não havia ninguém que podia requerer a guarda das meninas. A família de Grady não tinha motivo e não faria isso. A esposa falecera e não tinha parentes. Então quem poderia ter algum direito? Ele desconhecia algum fato, ou o amigo não contara tudo.
      — Quem iria pedir a guarda de Kasey e Stacy? — Dev indagou.
      — Não tenho certeza — admitiu o xerife. — O nome dele é William Robert Adams.
      — Parente de Zach Adams?
      — Parece que sim.
      — O que vai fazer?
      — Vou precisar de um advogado. Jensen se ofereceu. — Grady encarou o amigo com uma expressão fechada. — Eu recusei.
      — Por quê? Ouvi dizer que ela é boa.
      — Você sabe por que não posso pedir isso a ela, Dev. — A intensidade de seu olhar não deixava dúvidas. — Ela é a última pessoa que deveria se envolver nisso.
      — Tenho a impressão que isso tem a ver com aquela noite no lago há dez anos...
      — Tenho a mesma sensação — concordou Grady, tenso. Dev assentiu, com expressão sombria.
      — Há algo que eu possa fazer para ajudar?
      — Se tiver, eu o aviso.
      — É só dizer. — Ele pensou um momento. — Eu vi Jack Riley.
      — Eu também, com Maggie Benson. — Grady deu um sorriso largo. — Você o viu pular no cercado de animais quando Faith caiu? A filha de Maggie é danada!
      Dev sorriu.
      — É, se alguém precisa de ajuda para criar os filhos, é a Maggie.
      — Não brinque. Você sabe quem é o pai de Faith?
      — Que detetive você é?! — Dev disparou. — Você não sabe?
      — Certas coisas estão além das minhas habilidades investigativas.
      — Acho que ela nunca disse a ninguém. Se tivesse dito, em trinta minutos Destiny toda saberia.
      — De qualquer forma, agora é tarde... Dev concordou.
      — Soube que Jack foi recrutado por um grupo de elite do Exército dez anos atrás. Aposto que teve experiências interessantes. Gostaria de ouvir as histórias que ele tem para contar.
      — É.
      — Tive umas vibrações estranhas a noite toda — Dev comentou. Ele estava se lembrando daquela noite nos campeonatos há dez anos. Fora a última vez em que os quatro estiveram juntos. — Desde que Mitch apareceu,., é como se o passado estivesse nos puxando de volta.
      Grady assentiu.
      — A última vez que vi Jack foi há cinco anos. Ele veio para o funeral do pai e foi embora de novo. Como uma operação secreta.
      — Eu me pergunto se ele vai ficar um tempo dessa vez — Dev disse. — Você podia pedir para ele colocar seu treinamento militar em prática e se livrar de quem quer que esteja por trás dessa ação.
      — Como oficial da lei, vou esquecer que disse isso. — Grady sorriu, mas seus olhos azuis continuaram gelados.
      — Está bem. Mesmo assim, essas estranhas vibrações não me deixam. Já faz dez anos que nós quatro estivemos juntos em Destiny.
      — Se você usar a palavra "cósmico" — Grady avisou —, vou passar minha coluna na revista feminina para você.
      Dev riu enquanto balançava a cabeça.
      — Só se as moças quiserem se atualizar sobre os preços da carne.
      — Os quatro juntos de novo. O que acha disso, Dev?
      — É. Sabe, tenho certeza de que Jack e Mitch iriam querer saber è ajudar. Sobre o processo, quero dizer.
      — Eu o aviso — Grady concordou. — Enquanto isso, vou ver o que posso fazer. Tenho de descobrir como derrotar o safado com o próprio jogo.
      — Que safado? Que jogo? — Hannah perguntou. — Vocês parecem estar envolvidos na conversa. O que está havendo? — Usando um avental branco, ela pisou sobre a tábua ao lado deles e os observou.
      — Nada demais — o xerife respondeu. — O de sempre. Como vai, Hannah? Salvou alguma vida ultimamente?
      — Está tudo tranqüilo. E você?
      — Eu já ia continuar trabalhando para manter a paz, ou algo assim. — Grady afundou o chapéu na cabeça. — Vejo vocês depois.
      — Até mais — Dev se despediu enquanto o amigo desaparecia na escuridão além dos holofotes.
      — Com certeza ele estava preocupado com algo — Hannah comentou enquanto observava o xerife.
      — Ele tem um bom motivo para isso.
      — Por quê? — Hannah quis saber, séria.
      — Terá de perguntar a ele. — Dev não ia contar, pois não era um segredo seu. Para distraí-la, ele tocou a ponta do estetoscópio pendurado em seu pescoço. — Bonito colar. Última moda?
      Hannah tirou o instrumento.
      — Hábito. Sinto-me quase nua sem ele.
      Dev gostaria de vê-la assim. O pensamento aqueceu-lhe o sangue, que acelerou nas veias, principalmente na região inferior de seu corpo. Ele precisava se distrair. Desejou que ela fosse piedosa e dissesse algo que afastasse a imagem sensual. Como ela não o fez, disse a primeira coisa que lhe veio à mente:
      — Você está quase livre — comentou.
      — Quer dizer que o rodeio está quase acabando, e que tive sorte de não ter enfrentado nenhum caso sério? — Suas palavras eram desafiadoras, mas o tom provocante desapareceu quando ela sorriu.
      A beleza daquele sorriso o fez sentir como se tivesse caído de um cavalo.
      — É, só faltam alguns eventos — conseguiu responder. — A montaria no touro é o último.
      — Isso me dá arrepios — Hannah confessou, preocupada. Não é natural uma pessoa tentar ficar em cima de uma coisa musculosa que fica se virando e sacudindo porque não a quer ali.
      — Também me assusta — Dev admitiu.
      — Sabia que você não era só mais um rostinho bonito — ela brincou. — Não como um adolescente que atendi ontem.
      — O que aconteceu?
      — Antes disso, não tive de lidar com nada mais complicado que arranhões, contusões e gaios. Mas acontece que esse pretendente a idiota monta touros. Seu nome é Ronnie Slyder e cortou a mão com um grampeador gigante.
      — Como é?
      — As crianças estavam brincando com pistolas de água. Ele pegou uma daquelas enormes e o embrulho lhe deu mais problemas do que um touro bravo.
      — Deixe ver se entendi isso direito. A semana inteira ele teve sucesso em montar uma porção de touros como aqueles e se machuca com um grampeador?
      Hannah assentiu.
      — E tem mais. Depois de levar seis pontos na palma da mão, ele disse que poderia ter sido pior. Eu pensei que ele queria dizer que teve sorte em não cortar nada que afetasse os movimentos da mão.
      — E não?
      — Não. Ele disse que teria ficado muito ? chateado se tivesse machucado a outra mão.
      — Por quê?
      — É a mão que usa para segurar a corda. Como está bem, vai poder montar esta noite.
      — Pode ser perigoso?
      — Eu não tentaria, mas depois que ele explicou como funciona, e eu chequei com Rafferty, não pude dar nenhum motivo para impedi-lo. Principalmente porque ele disse que precisa montar. Ele quer ganhar uma bolsa para a faculdade.
      O anúncio do último evento soou pelos alto-falantes.
      — E a minha deixa — Dev avisou.
      — Para quê? Não está um pouco velho para competir?
      — Sou salva-vidas.
      — Mas que novidade! — Hannah brincou com um sorriso provocante que fez seus olhos faiscarem.
      Aquele olhar o deixou atordoado, mas Dev sabia que tinha de ocultar sua reação. Para que deixá-la saber de seus sentimentos se logo iria embora?
      — Sabe, dra. Morgan, devia sair da clínica com mais freqüência.
      — É um trailer, Dev. E por que diz isso?
      — Por que se fizesse isso, saberia que sou um dos heróis dos rodeios.
      — É mesmo? Me conte por quê.
      — O salva-vidas monta, ou melhor, galopa perigosamente na arena. Tira o competidor de cima seu cavalo ou touro enraivecidos, também correndo perigo. E os põe em segurança assim que possível.
      — E o que chamamos de equipe de apoio em medicina.
      — Certo — ele concordou.
      — Nesse caso você é definitivamente um herói. Antes que Dev pudesse evitar, inclinou-se e a beijou.
      — Para dar sorte — explicou. — Tenho de ir. Até mais tarde.
      Hannah apoiou-se na cerca com força, e tentou controlar seu coração. Por que ele a tinha beijado? Ben estava em casa dormindo. Não havia razão para isso. E agora, maldição, seus lábios formigavam. Apenas com o suave toque de sua boca, um toque que provavelmente não significava nada para ele. Mas não pôde sentir raiva quando observou Dev se afastar. Como podia se zangar com um homem tão bonito?
      Como sabia que podiam chamá-la, se necessário, ficou para assistir às últimas competições. Não tinha nada a ver com observar o salva-vidas, pensou. Ela olhou para as competidoras na arena, e se maravilhou com a coragem e habilidade delas ao guiar suas montarias por entre vários obstáculos, gemendo quando algum era derrubado.
      Na próxima competição os rapazes tinham de derrubar um bezerro, algo muito parecido com uma luta-livre. Hannah achava aquilo muito violento e não conseguiu deixar de torcer pelo animal.
      Finalmente, chegou a hora da montaria com touros. Mitch Rafferty, membro do conselho organizador e ex-competidor, lhe dissera que o peão era desclassificado se caísse antes de oito segundos. O sistema de pontuação era mais complicado, dependendo do animal e de quão desafiadora fosse a montaria. Hannah lembrou-se da excitação de Ronnie Slyder ao lhe contar que iria montar o touro mais difícil nas finais. E estava feliz! Não entendia sua excitação juvenil com o risco. Pela primeira vez em sua vida se sentiu velha. Ou talvez apenas nervosa.
      Hannah observou a porteira se abrir e o touro disparar com o peão nas costas, segurando o laço de corda com uma das mãos. Depois disso não conseguiu assistir. Era demais para ela. Preferiu olhar para algo muito mais atraente: Dev. Ele era demais para ela, de um modo muito diferente.
      Dev galopou até a arena e com habilidade resgatou o peão. Cinco ou seis peões montaram, dando a Hannah a oportunidade de testemunhar a habilidade e a perícia de Dev. Finalmente era a vez do último peão, Ronnie Slyder. Quando a porteira se abriu, ela segurou o fôlego até que o tempo mínimo fosse atingido. Logo em seguida, o rapaz estava no chão, e a multidão gritava ansiosa. De onde ela estava era possível ver que pelo menos um dos chifres do animal o tinham ferido.
      Os palhaços do rodeio entraram em ação, distraindo o touro furioso e conduzindo-o para o cercado fechado. Hannah subiu a cerca e pulou, correndo na direção do adolescente ferido.
      — Não mexam nele! — gritou aos que tinham se aproximado para ajudar. — Peguem uma maça e o imobilizador para o pescoço.
      Ela se ajoelhou ao lado do garoto. Ele estava de costas e gemia, semiconsciente. Após checar sua pulsação, ela ouviu as batidas do coração. Ela examinou todo o corpo, procurando por ossos quebrados. Parecia não haver nenhum.
      — Como ele está? — Dev estava ao seu lado, preocupado.
      — Parece que não há nada quebrado. Droga, queria ter equipamento médico. Isso é como tentar fazer fogo com dois pauzinhos.
      Ela apalpou o abdome, e o garoto gemeu involuntariamente.
      Ele não estava em condições de falar. Alguém lhe deu o imobilizador, e Hannah ajustou-o ao pescoço. Então, com a ajuda de várias pessoas, colocou-o sobre a maça.
      — Vamos levá-lo para o hospital — ordenou aos paramédicos.
      — O helicóptero está a caminho — Dev assegurou.
      — Ótimo.
      Uma fenda se abriu na multidão, e uma mulher se aproximou.
      — Sou a mãe de Ronnie. Como ele está, doutora?
      Hannah observou os olhos preocupados da mulher, e desejou poder tranqüilizá-la. Desejou tê-lo impedido de competir. A pulsação e a respiração estão bem. Pelo que pude perceber ele não quebrou nada, mas sem exames e equipamento adequado isso é tudo que posso afirmar.
      O som do helicóptero preencheu a cena. Em alguns minutos ele pousou, e a equipe de emergência colocou o adolescente a bordo acompanhado da mãe e partiram.
      Hannah olhou para Dev.
      — E terrível terminar o rodeio assim.
      — É — ele concordou, erguendo o chapéu.
      — Tenho de ir. — Ela voltou-se na direção do trailer.
      — Para onde? O que está fazendo, Hannah? — ele perguntou, indo atrás dela.
      — Vou ao hospital. Preciso falar com o médico de lá. Ronnie precisa de um exame específico no abdome para excluirmos a possibilidade de hemorragia interna. Provavelmente precisamos checar o crânio também, sobretudo se ele não recuperar a consciência. Quero ter certeza de que todo o possível seja feito.
      — Tenho certeza de que a equipe do hospital está preparada para lidar com isso.
      — Sim, mas fui a primeira a socorrê-lo, ele é meu paciente. E quero assegurar que ele fique bem.
      Dev suspirou.
      — Você não tem de se sentir culpada por nada.
      Hannah lhe lançou um olhar. Estava surpresa por saber o que sentia.
      — Eu o liberei com apenas uma mão sadia.
      — Mitch também, e ele foi campeão em montaria. Ele saberia se um ferimento na outra mão seria um problema.
      — Eu vou para o hospital — ela insistiu.
      — Então eu te levo.
      — Não precisa.
      — Precisa sim.
      — Aconteceu em um segundo, Dev. Não houve tempo para você entrar e salvá-lo.
      Hannah percebeu surpresa no olhar dele.
      — Está bem, eu vou esquecer se você fizer o mesmo.
      — Depois de irmos ao hospital e termos a certeza de que ele está bem — ele concluiu, com um tapinha tranqüilizador.
      Hannah quis discutir, mas não tinha energia. Perdera as forças com tensão provocada pela emergência e mantendo a atração por Dev sob controle. Eles foram até a caminhonete em silêncio, e ela pôde pensar.
      Desde que voltara à Destiny, escondia-se atrás de tudo que se passara no colegial para tentar abrandar a força de sua fascinação por Dev. O fato de ele ignorá-la e dizer coisas imaturas sobre sua aparência, o ressentimento por ele ter olhado para ela, mas pelas razões erradas, tudo veio à tona e foi usado contra ele, para construir uma barreira e se manter distante.
      E agora ele a levava ao hospital a trinta quilômetros dali para que pudesse ver um paciente. Era hora de admitir que Dev Hart era um bom homem. Ela gostava dele. Muito. Mas isso era o começo e o fim.
      Ela era uma mulher de carreira, ele era üm vaqueiro. Os dois nunca iriam se encontrar.
      Ele destrancou a caminhonete e abriu a porta para ela.
      — Está bem — Hannah disse enquanto subia —, vamos até o hospital.
     
     
     
      CAPÍTULO VIII
     
      Dev passou esfregou a nuca enquanto esperava com Ken e Mary Slyder. Queria dizer algo para amenizar-lhes a preocupação. Mas se estivesse em seu lugar, com Ben no hospital após um acidente com um touro enorme, também estaria louco de preocupação.
      Mary estava sentada em um dos sofás plastificados, o marido ao seu lado abraçando-a. As luzes fluorescentes davam uma aparência fria e impessoal ao ambiente.
      A morena alta e magra tinha os dedos cruzados.
      — Queria que me deixassem entrar com ele. Por que não me deixam vê-lo? Isso não pode ser bom. Acho que não agüento esperar mais. O que está acontecendo? — perguntou, tensa.
      — Hannah disse que vai descobrir — Dev lembrou.
      — Mas faz tanto tempo que ela se foi. E se não lhe disserem nada? Ela nos avisou que não faz parte da equipe daqui.
      O marido grisalho alisou-lhe o ombro.
      — Não se preocupe tanto, querida. Se houvesse más notícias, já saberíamos de algo.
      — Ken está certo — Dev a tranqüilizou. — Além disso, sendo ou não da equipe, Hannah vai descobrir o que há com Ronnie. Tenho certeza de que não vão recusar isso a ela.
      Ele não estava imaginando coisas. Hannah parecia frágil e inocente até que se fitasse seus olhos azuis. Geralmente ostentavam inteligência, força de espírito e bom humor. Mas da última vez que a vira, eles queimavam com determinação enquanto percorria o corredor do hospital para descobrir o estado de Ronnie, como se estivesse em uma missão. Algo lhe dizia que quando voltasse traria informações.
      Hannah Morgan era uma grande médica e uma grande mulher.
      Ele não podia evitar pensar em como seria tê-la ao seu lado. Mas de repente afastou a idéia. Não era seguro pensar nisso. Dev deu uma olhada na porta dupla e acenou confiante.
      — Seja o que for, ela vai descobrir tudo o que está acontecendo com Ronnie. — Ele voltou a olhar para o casal perturbado e amuado no sofá. — Não se preocupem. Ela pode não ser da equipe, mas é médica. Tenho a sensação que não vai aceitar um não como resposta.
      Alguns momentos depois, a porta dupla se abriu, e Hannah entrou na sala. Ela ainda usava o mesmo avental branco, o estetoscópio pendurado no pescoço. Ela o usava assim como a maioria das mulheres usa jóias. Mas Hannah não era como a maioria. O pensamento fez o coração de Dev acelerar.
      Ela acenou para Dev, endireitou os ombros e foi até o casal que se ergueu de um salto assim que a porta se abriu.
      — Como ele está? O que está havendo? — Mary Slyder perguntou. Seu marido estava logo ao lado, levemente inclinado para frente como se fosse perder algo. — Ele vai ficar bem?
      — O médico é especialista em traumas. Isso é muito bom. Ronnie está em excelentes mãos com o dr. Elliot. Ele não acha que há danos sérios, mas pediu um exame para excluir a possibilidade de hemorragia interna. E quer uma tomografia do cérebro.
      — O que é isso? — Mary colocou as mãos sobre a boca invadida pelo medo.
      Hannah tocou-lhe o braço para lhe dar segurança.
      — Não é nada diferente de um raio X da cabeça, em vários ângulos. E um procedimento de emergência padrão porque Ronnie se contundiu e perdeu a consciência por alguns momentos. O médico está preocupado com a possibilidade de uma concussão. E ele está certo, eu penso como ele.
      A mulher enxugou uma lágrima.
      — Uma concussão é coisa séria?
      Hannah suspirou profundamente. Dev notou que ela hesitava. De alguma forma percebeu que ela filtrava as informações que podia lhes dar. Ela pegou a mulher pelo braço e a levou até o sofá e a fez sentar-se. Com um suspiro, Hannah se sentou na borda.
      — Se eu fosse você, iria querer saber tudo, então vou te falar.
      — Obrigada, doutora — Mary disse com um aceno de cabeça. — Não saber é pior.
      Hannah assentiu. Ela parecia exalar compreensão e conforto.
      — Pode ser que o ferimento seja grave. Mas não há motivo para pânico. O fato de ele estar consciente agora é um bom sinal.
      — Ela sorriu. — Ele lhes deu motivo para preocupação quando lhe perguntaram que dia era hoje.
      — Por quê? — a mãe perguntou.
      — Ele ficou dizendo que era sexta-feira.
      — Mas hoje é sexta — Mary disse.
      — Eles queriam saber a data, mas não foi isso que perguntaram.
      — Os pais ansiosos riram, e Hannah continuou: — Ronnie tem muito a seu favor. E sua cabeça dura é uma das vantagens.
      Dev sabia que ela pensava na insistência do garoto em montar com os pontos na outra mão.
      — Ele pode ser teimoso — Mary confirmou.
      — Não há ossos quebrados — Hannah continuou. — Mas até que todos os exames sejam feitos, só sabemos que ele tem um inchaço na cabeça e um corte no supercílio. Ele teve sorte de o olho não ser atingido. Ele é jovem, durão e está em perfeita forma, todos fatores a seu favor.
      Enquanto Hannah falava, escutava e respondia paciente as perguntas dos pais preocupados, Dev não tirou os olhos dela. Questões de vida e morte. Não podia imaginar quanta coragem era necessária para seu trabalho. Já a vira com Ben e sabia que era boa com crianças. Não tinha dúvida de que era uma ótima pediatra. Mas nunca percebera que usava habilidades completamente diferentes para lidar com pais. Era campeã com ambas as partes.
      Ela levara anos estudando e trabalhando duro para desenvolver suas habilidades e chegar a ganhar bem. Como poderia pedir para que ficasse em Destiny e desistisse de tudo? Ei! Parece que ele não afastara a esperança subconsciente de que ela não voltasse para a Califórnia. Dev começava a se perguntar se algum dia conseguiria esquecer essa idéia.
      — Quero ver Ronnie — Mary pediu.
      — Acho que só depois que fizerem os exames. — Hannah apertou a outra mão da mulher, e olhou para o pai do garoto. — Mas eu vou voltar. Eles não estão felizes com minha presença, mas vou continuar sendo xereta e os manterei informados.
      — Obrigada, doutora — Ken Slyder respondeu. — Como podemos agradecer por estar aqui por nós e por Ronnie?
      — É mesmo — Mary acrescentou. — É tão assustador. Obrigada por estar aqui explicando tudo.
      — Não faria de outro modo. — Hannah disse, è depois foi até a porta. — Volto já.
      Dev a seguiu até o hall.
      — Tudo aquilo era verdade?
      — Eu não mentiria para eles — afirmou e colocou as mãos nos bolsos do avental branco enquanto andavam.
      Havia algumas máquinas de café e refrigerantes no final do hall, e quando Hannah ia fazer a curva Dev colocou a mão em seu braço.
      — Deixe-me comprar um café para você — ofereceu.
      — Obrigada, vai ser bom. Puro, por favor.
      Ele colocou uma nota na máquina e apertou o botão. O copinho caiu e o líquido escuro e quente o encheu. Ele abriu a porta de plástico, pegou o café e lhe deu. Os dedos se roçaram. O calor resultante foi mais quente que o do café.
      — Então Ronnie vai ficar bem? — Dev perguntou, com as mãos nos bolsos do jeans.
      Hannah assentiu.
      — Sempre pode haver uma complicação, um coágulo, hemorragia interna, ou algo assim. Mas não havia porque dizer isso a seus pais. Tudo indica que ele ficará bem. Os exames são feitos para excluir a possibilidade de problemas, não só para achá-los.
      — Sei que ficou frustrada no rodeio, por não ter aparelhagem.
      — Felizmente nesse caso não faria diferença. — Ela olhou em volta. — As instalações aqui são boas e modernas. Ronnie está em excelentes mãos. Tenho certeza de que receberá o melhor cuidado aqui.
      — Os Slyder estão satisfeitos por estar aqui — ele disse. — E eu também.
      — Você? Por quê?
      Como poderia responder? Ele não tinha ligação emocional com o garoto, era apenas um adulto preocupado e participante do rodeio com uma ponta de culpa por não tê-lo tirado da arena antes. Mas de alguma forma, estar lá com Hannah fez tudo mais fácil, melhor. Uma sensação o incomodava, a de que não importaria se estivessem em um hospital, um restaurante de luxo, um curral, ou na sala de sua casa, no rancho. Ele simplesmente gostava de estar com ela.
      — Você é uma boa médica, Hannah — disse, sem jeito. Dev recostou-se na parede e a encarou.
      — Como você sabe? Eu não fiz nada. Como sabe que não é só um emprego?
      Ele cruzou uma perna sobre a outra.
      — Sei que tem motivo para desejar o sucesso. Mas não é só um emprego. Eu te vi em ação. Você é dedicada.
      Hannah deu de ombros, mas um sorriso satisfeito se insinuou em seu rosto.
      — Qualquer um pode falar com o responsável e conseguir informações.
      — É, mas você poderia ter feito uma ligação. Nem todos iriam se importar em vir. Você sim.
      — Sou esperta...
      — Isso não tem a ver com inteligência — Dev interrompeu-a. — Tem a ver com decência e cuidado. Destiny precisa de gente como você. — Ele piscou. Não acreditava que dissera isso.
      Aí estava novamente, a alusão de que queria que ela ficasse. Que diabos estava pensando?
      — Obrigada, Dev — Hannah agradeceu, olhando para um ponto distante para que ele não captasse algo em seus olhos. — Mas tudo o que fiz foi vir. Por razões egoístas. Precisava saber que Ronnie estava recebendo o melhor tratamento. Se isso me faz uma boa médica, então aceito o elogio.
      Ele percebeu que Hannah ignorara seu comentário sobre ficar em Destiny. Mas, diabos, a cidade estava crescendo e poderia usar sua experiência. Ele era um cidadão preocupado. Essa tinha de ser a razão pela qual dissera aquilo. E não tinha nada a ver com querer que Hannah ficasse.
      De jeito nenhum iria concorrer com a carreira de uma mulher. Não outra vez.
      Ela assoprou o café.
      — Tenho de ir e descobrir o que puder. Dev deu um sorriso largo.
      — Está bem, vá. Se precisar de músculos, pode me falar. Hannah acenou, e começou a se afastar. O tênis dela chiava no chão de linóleo. Ela virou para olhá-lo.
      — Está tarde, Dev, você não precisa ficar. Eu consigo uma carona para voltar para o rancho.
      — Fui eu quem trouxe você. Até mais tarde, senhora — disse enquanto mexia na aba do chapéu.
      — Obrigada, te vejo logo mais — agradeceu, sorrindo.
      Ele a observou se afastar, a médica de avental. Não conseguia evitar o calor que o invadia. O avental atingia o joelho, mas ele imaginava a curva de seus quadris, e admirava a forma de suas pernas e os tornozelos esguios. O que ela tinha que mexia com ele?
      Talvez se nunca a tivesse beijado. Aquela noite enluarada voltava para atormentá-lo. Ninguém o mandara querer dar uma aula ao filho por razões egoístas. Fora ele quem aprendera uma lição.
      Na noite de hoje vira por si mesmo o envolvimento e o entusiasmo de Hannah por seu trabalho. Devia ter visto isso antes. Ela era uma mulher apaixonada. Dev apostaria a fazenda que Hannah era capaz de se envolver profundamente. O homem de quem ela gostasse poderia considerar-se um felizardo.
      — Mas não serei eu — ele disse para as máquinas. — Não posso me arriscar.
      Hannah estava agitada demais para entrar na casa.
      — Acho que vou ficar aqui fora um pouco — disse a Dev enquanto passavam o belvedere a caminho da varanda da frente.
      Ele a levara de volta' ao rancho depois que todos os exames de Ronnie deram negativo. Ele recebera três pontos no corte acima dos olhos, e dissera que isso iria impressionar as garotas. O médico o mantivera no hospital para observação. E tudo estava bem, ela pensou com um suspiro feliz.
      — Vou fazer-lhe companhia — Dev disse com a voz profunda. O tom rouco a fez pensar em corpos emaranhados e lençóis
      torcidos.
      — Não é necessário — protestou. — Foi um dia longo, e você acorda muito cedo.
      — Alguém tem que fazer isso.
      Hannah notou algo mais em seu tom de voz. De fato, no caminho de volta do hospital ele mal pronunciara duas palavras.
      — O que há de errado, Dev?
      Ele se sentou nos degraus de madeira que levavam à varanda. Hannah se acomodou ao seu lado, sabendo que talvez não fosse uma atitude muito inteligente. O calor que sentia só de encostar em seus ombros confirmou sua suspeita.
      — Dá para perceber?
      Hannah se surpreendeu com a pergunta.
      — Sim, quer falar sobre isso? Tem a ver com Ronnie Slyder ter se machucado?
      — Indiretamente, sim. — Ele apoiou os antebraços sobre as coxas e deixou as mãos balançarem entre os joelhos abertos. — Fico imaginando Ben naquele hospital.
      — É... — ela disse. — Eu também.
      Querendo parecer casual, Hannah deslizou para o lado para se afastar do calor do corpo dele. Se pelo menos fosse fácil não sentir o perfume masculino de Dev.
      — Queria colocar meu filho em uma redoma e mantê-lo seguro
      — ele admitiu.
      — Pois saiba que mesmo isso não é infalível — consolou-o.
      — Estou falando sério, Hannah. As crianças pensam ser imortais.
      — Pessoalmente, acho que qualquer um que voluntariamente monta em um touro gigante precisa de avaliação psicológica.
      O comentário foi retribuído com um leve sorriso. Então ele olhou para a escuridão novamente.
      — Não estou falando só dos rodeios. Apesar de querer trancá-lo em um quarto ou contratar um guarda-costas em tempo integral, sei que preciso deixar que ele cresça. — Dev passou a mão nos cabelos. — Falo sobre decisões que as crianças tomam que podem afetar todas suas vidas. Como ensiná-lo a fazer a coisa certa? Como posso ter certeza de que fará o que é melhor para ele e para os outros a sua volta?
      — Isso não tem a ver só com Ronnie, não é?
      Ele a fitou por um longo momento e então assentiu.
      — Conversei com Grady hoje à noite no rodeio.
      — Eu vi. Ele se foi assim que cheguei. Há algo errado?
      — Ele está com problemas legais.
      Hannah passou uma mecha de cabelo para trás da orelha, cruzou ou dedos e pôs as mãos sobre o colo.
      — Como ele é o xerife, não pode ser tão mau. Ele jurou cumprir a lei, isso é o que ele faz.
      Dev balançou a cabeça.
      — E pessoal e é preocupante.
      — O quê? — O olhar de Hannah era interrogativo. Quase como encarar uma esfinge.
      — Algo aconteceu, Hannah. Há dez anos.
      — Quer me contar? — ela perguntou novamente. Dev sacudiu a cabeça.
      — Eu... Eu podia ter feito algo. As coisas poderiam ser diferentes se eu apenas tivesse... — Ele parou a passou a mão pela nuca.
      — Queria ter tido a cabeça no lugar. Eu era só um garoto. Todos nós. Mas agora está feito.
      Ele se levantou e deu vários passos, até onde a luz da varanda não alcançava. Então cruzou os braços e ficou lá em pé, olhando a escuridão.
      Hannah quis ficar onde estava, mas não podia. Com um suspiro se levantou e foi até ele. Hesitou um momento e pôs a mão sobre seu braço. O músculo retesou-se ao seu toque e Hannah se conteve para não pegá-lo com ambas as mãos.
      — Não posso dizer mais nada — ele disse.
      — Está bem. Mas tenho algo a dizer, e você não vai gostar. Dev olhou para baixo, e então cobriu a mão dela com sua palma grande e quente.
      —A menos que me ofereça uma vacina contra problemas com adolescentes, não sei se quero ouvir.
      — Eu bem que gostaria de poder fazer isso. — Ela suspirou. — Meu trabalho seria tão mais fácil. Lido com altos e baixos o tempo todo. No que diz respeito a Ben, tudo o que pode fazer é dar melhor de si. Às vezes não se pode fazer nada. Quando ele estava aprendendo a andar, você tinha de se afastar e vê-lo cair. Às vezes doía, mais em você do que nele. Se o tivesse segurado e carregado no colo, teria poupado essa dor, mas ele hão estaria correndo agora. Quando ele começou a andar, se tivesse antecipado suas necessidades antes que ele pudesse falar, não teria havido motivo para ele dizer as palavras.
      — Há momentos em que desejo que não tivesse mesmo — Dev afirmou com um sorriso.
      — Você não está falando sério — ela repreendeu gentilmente.
      — Não. E sei que está certa. É que pensando na minha adolescência, se eu só tivesse...
      — Não — Hannah interveio, enquanto tirava a mão de debaixo da dele e a colocava sobre os seus dedos. Ela apertou um pouco, desejando que ele absorvesse as palavras. — E tentador criticar depois que as coisas aconteceram. É tão fácil censurar depois que tudo passou. Nós deixamos as crianças livres, as vemos se balançar, se es-preguiçar, andar, correr, crescer e amadurecer. Quem não arrisca, não petisca. A maturidade é que leva ao equilíbrio. — Ela pousou o rosto no braço dele por um momento e suspirou. — Desculpe. Eu fico repetindo clichês sem parar.
      — Tudo bem.
      Ela levantou a cabeça e o olhou.
      — Você está totalmente certo. Se pudéssemos ver o futuro provavelmente tomaríamos outras decisões.
      — Nem sempre.
      Sua voz tinha o mesmo tom de antes. Os pêlos do braço dela se arrepiaram. Ela ainda o tocava, e sentiu o exato momento em que seus músculos ficaram tensos. Dev a olhou, um olhar intenso e enevoado
      — O que quer dizer? — Hannah perguntou sem fôlego.
      — Eu nunca poderia me arrepender disso.
      Dev segurou a mão dela e a pôs em seu peito, fazendo-a sentir a pulsação firme de seu coração. Ela teve a sensação de que ele ouvia uma melodia que não podia acompanhar, ele abraçou-lhe a cintura e a puxou suavemente. O calor de seu corpo a envolveu. Ela podia sentir sua mão quente nas costas, através da blusa.
      Seus seios estavam pressionados contra seu peito firme. Hannah sabia que era mais inteligente do que a maioria, sempre fora. Mas naquele exato momento não precisava disso para perceber que Dev Hart queria beijá-la.
      Hannah congelou quando ele abaixou a cabeça. Seria estupidez deixar. Seria tolice ignorar que tudo tinha a ver com a atração que havia entre eles, e não com o fato de ele gostar dela. Seria idiotice esquecer que atração e compromisso estavam tão distantes quanto o Texas e a Califórnia. Mas pela primeira vez em sua vida Hannah quis esquecer, ignorar, menosprezar sua mente superior, e mergulhar no paraíso dos sentimentos.
      Quando os lábios de Dev tocaram os dela, percebeu que esse estado de distração era bom, mais do que jamais pensara. A boca máscula era firme ainda que suave, dando e recebendo, exigindo e experimentando. O líquido quente corria em suas veias e parecia se juntar em seu ventre e se espalhar novamente. Ela não precisava de um dermatologista para lhe dizer que sua pele estava quente e enrubescida. Ou de um pneumologista para diagnosticar sua falta de ar. A causa era simples e complicada ao mesmo tempo.
      Dev.
      Ele se ajeitou um pouco e soltou a mão de Hannah. A leve brisa da noite a acariciava quando a mão dele lhe cobriu o seio. O contato há muito desejado a fez esquecer de respirar. Sua pele ardia sob o sutiã e a blusa. Esquecia todas as barreiras, todas as diferenças.
      Era hora de parar de pensar e apenas sentir. Deixar acontecer.
      Seus mamilos se retesaram ao mesmo tempo em que arqueou as costas, oferecendo-se a ele. Hannah o ouviu respirar fundo e sentiu sua outra mão puxá-la para mais perto de si.
      Dev explorou o contorno de seus lábios com a língua, e ela abriu a boca para beijá-lo. Ouviu a respiração ofegante dele e sentiu uma enorme satisfação com seu poder feminino. Mas um prazer diferente a atingiu quando Dev tocou-lhe o céu da boca, irradiando desejo por todo seu corpo.
      Ele beijou-lhe o canto da boca e passou para o maxilar e o rosto. Hannah parou de respirar quando tocou o ponto sensível entre o lóbulo da orelha e o maxilar. Ela pensou que morreria de puro prazer quando ele mordiscou, em uma tortura suave. Mas isso não foi nada comparado à excitação que a percorreu quando Dev tocou a ponta da orelha com a língua.
      — Ah, Dev — ela sussurrou. — Isso é tão maravilhoso.
      — Hannah, eu... droga. — Ele soltou um suspiro frustrado. Em seguida Hannah percebeu que ele parou de tocá-la e se afastou.
      Abriu os olhos e piscou, tentando esconder seu desapontamento.
      — Não posso fazer isso — ele disse.
      Ela não sabia o que dizer. Do que ele falava? Fazer amor com ela? Possuí-la agora? Tudo isso? Nada? Então soube o que isso significava. Ele não a queria. Não acreditava que pudesse ter sido tão tola. Ela imaginara como seria se Dev finalmente a notasse. Agora sabia. Seria humilhante e mortificante.
      Era como há dez anos. Dev não queria nada mais. Não queria saber mais nada sobre ela.
      — Eu também não. E tarde. Tenho de entrar. — Ela passou os dedos trêmulos pelos cabelos, virou e foi embora.
      — Hannah, espere...
      — O quê? — ela perguntou sem olhá-lo.
      Ele resmungou e deixou escapar um som frustrado.
      — Nada. Você está certa, é tarde.
      Ela subiu os degraus para a casa sem olhar para trás. Era tarde, tudo bem. Tarde demais para voltar atrás no que fizera. Mas amanhã seria outro dia.
      Estaria mais perto do memento de deixar Destiny. E Dev.
      Se pelo menos esse pensamento lhe trouxesse conforto em vez de uma tristeza profunda e uma dor dilacerante.
     
     
      CAPÍTULO IX
     
      Ao meio-dia Dev foi para casa. Estava cansado, faminto e mal-humorado. Newy lhe dissera isso e Dev teve de admitir, mesmo só para si, que seu capataz estava certo. Apesar de Hannah ser a culpada em relação ao cansaço e ao mau humor. Ah, ele começara, é verdade, mas ela retribuíra seu beijo. Seu romantismo podia estar enferrujado, mas seus instintos não poderiam estar tão enganados.
      Se pelo menos Hannah não estivesse tão bonita sob o luar, talvez tivesse resistido. Talvez se não tivesse dado seu sorriso doce e inocente. O calor a fizera brilhar mais que qualquer estrela no céu. E ele nem queria pensar como era bom o seu perfume e macio o seu toque. E seu gosto...
      Droga... Ele não conseguia parar de pensar nela.
      Ele entrou na casa pela porta de serviço, e pendurou o chapéu. No caminho para a cozinha parou no lavabo para lavar o rosto e as mãos. Ele desejou poder afastar as lembranças da noite passada com a mesma facilidade com que tirava a poeira da pele. Após secar as mãos e o rosto, entrou na cozinha e encontrou Polly pondo a mesa para o almoço.
      Ela o olhou sobre o ombro e sorriu.
      — Oi, Dev. Espero que sanduíches sirvam. Ele assentiu.
      — Estou com tanta fome que poderia comer um urso.
      — Você deveria ter tomado um café da manhã decente — ela ralhou.
      — Não estava com muita fome de manhã. — Ele pegou um copo do armário sobre a pia e serviu-se de água. — O que você vai fazer hoje à tarde?
      — Já que vai cavalgar com seu filho, decidi ficar um pouco com Hannah — informou animada. — Ela tem estado tão ocupada no consultório de Frank que mal ficamos juntas.
      Era sábado e Hannah não iria trabalhar. Isso significava que ela estaria por perto. Dev queria ficar o mais longe possível da casa e dos arredores, mas prometera a Ben que o acompanharia com seu novo cavalo.
      — Parece justo — ele disse. A idéia de ficar com Hannah não lhe parecia apenas justa, era mais atraente do que ele queria admitir. Mas o fato era que ele gostava de ficar com ela também. A cada dia, essa sensação ficava mais forte e mais difícil de ignorar.
      Beijá-la não fora a coisa mais estúpida que já fizera, mas provavelmente estava entre as cinco primeiras. Assim como ele queria bloquear a lembrança sobre o melhor beijo que já dera, queria ainda mais apagar o último olhar que vira no rosto dela. Dor e humilhação. Ele sabia que ela pensava que não a queria.
      A verdade era que ele a queria mais do que devia.
      Dev pensara seriamente em tomá-la nos braços e levá-la para seu quarto onde poderia amá-la durante toda noite. Sua reação ávida e franca a seu beijo lhe disse que provavelmente Hannah não faria objeção. Mas havia um problema. Na verdade, ele podia achar mais de uma dúzia, mas não havia porque pensar nisso.
      Na hora H, ele percebera que uma noite com Hannah não acalmaria seu desejo. Ele tinha a sensação de que amá-la, senti-la do modo mais íntimo que um homem pode conhecer uma mulher só iria fazê-lo querer mais.
      Dev queria explicar e aliviar a dor dela, mas se conteve. Era melhor apenas parar e, quem sabe, fazer de conta que nada acontecera.
      Antes que pudesse se preocupar mais, a médica de seus sonhos entrou na cozinha.
      — Oi, querida — Polly disse. — Fez sua ligação?
      — Oi — Hannah respondeu, corando quando o viu.
      Ela usava uma camiseta rosa e short branco que revelava pernas formosas, que ele imediatamente imaginou enroscadas ao redor de sua cintura.
      — Oi — Hannah cumprimentou-o. Dev cruzou os braços sobre o peito.
      — Boa tarde. — Os olhares de ambos se encontraram, e Dev se sobressaltou com a expressão dela, cheia de mágoa e dor. Ela pensava erroneamente que não a queria. Se apenas pudesse lhe dizer como isso não era verdade. Mas se fizesse isso, acabaria fazendo algo que ela odiaria. A expressão "entre a cruz e a espada" nunca fora mais verdadeira, pois era exatamente como ele se sentia
      — Que ligação foi essa? — Dev perguntou apenas para puxar assunto, disse a si mesmo.
      — Na verdade foram duas — ela disse. Era a voz fria e profissional da médica da noite passada no hospital. — Fui atrás se informações sobre Ronnie Slyder.
      Polly colocou um bule de chá sobre a mesa.
      — Hannah me contou o que aconteceu — explicou a Dev. — Como está o garoto, querida?
      — Ele recebeu alta essa manhã e deve ver o médico da família na próxima semana.
      — Qual foi o outro chamado? — ele perguntou. Polly ajeitou os cabelos loiros atrás da orelha.
      — O bicho da curiosidade te mordeu?
      — Só estou sendo amigável — Dev explicou.
      Isso só era verdade em parte. Percebeu que queria saber tudo sobre Hannah. O que ela fazia quando não estava com ele. O que sentia e pensava. O que faria pelo resto da vida.
      — Liguei para saber sobre meu emprego na Califórnia — ela respondeu. — Recebi duas propostas, mas nenhuma era a que eu esperava.
      Para o diabo com a curiosidade. Ele sentiu como se tivesse sido atingido por um caminhão. Sua reação era a prova clara de que ela lhe dissera mais do que ele deveria querer saber, principalmente sobre o resto de sua vida. Se tivesse um pingo de bom senso, ficaria quieto. Infelizmente, agora que entrara nessa estrada, precisava continuar.
      — Califórnia? — ele perguntou. — Hoje é sábado. Tinha alguém trabalhando? — Dev segurou o fôlego para amenizar a dor.
      — O gerente trabalha meio-período. — Hannah cruzou os braços sobre o peito, e encostou o quadril em uma das cadeiras de couro. — Uma das vantagens de uma equipe médica é ter gente suficiente para atender em muitos horários sem sobrecarregar ninguém. A medicina é uma profissão voltada para o público. Os médicos têm de estar disponíveis vinte e quatro horas por dia.
      Polly colocou um prato com carne e queijo sobre a mesa.
      — Não faça suspense, querida, o que o gerente disse? Hannah suspirou.
      — Nada ainda. Eles têm uma entrevista final, alguém indicado por um dos médicos. Depois os membros da equipe vão se reunir e decidir. Provavelmente isso vai levar de uma semana a dez dias.
      — E, olhando para Dev falou: — Espero que não seja inconveniente eu ficar mais um pouco.
      Ela ergueu o queixo em um movimento defensivo, como uma proteção no caso de ele querer mandá-la embora. Nada podia ser menos verdadeiro. Se havia algo que Dev queria pedir era para ela ficar para sempre, desistir do emprego na Califórnia. Se eles não gostaram dela o suficiente para que fosse a número um, azar deles.
      Se Hannah ficasse, haveria uma chance de ver o que era essa atração entre eles. Mas ela deixara claro que Destiny não estava em seu plano de carreira. Ela sentia a necessidade de recompensar a mãe por todo trabalho que tivera. Por isso, não era provável que considerasse qualquer sugestão sobre desistir de um bom emprego na cidade grande para voltar para casa. E depois do que ocorrera com sua esposa, seria idiotice perguntar. Se o fizesse, precisaria de primeiros socorros, ou melhor, um extintor de incêndio. Dev estava prestes a se queimar novamente.
      — Você pode ficar tanto tempo quanto precisar.
      — Obrigada, fico contente. Dev a encarou.
      — Então, o que vocês pretendem fazer à tarde? Hannah alisou a cadeira com o polegar.
      — Tenho de ir à cidade para resolver alguns detalhes para a feira de saúde da próxima semana.
      — E depois vamos fazer compras — Polly disse. — Há um shopping novo não muito longe. Quero levar Hannah.
      — Posso ir com vocês, Polly? — Ben surgiu em tempo de ouvir a última parte da conversa. — Oi, Hannah-banana.
      — Oi, grande Ben — ela cumprimentou com um sorriso afetuoso.
      Dev se sentiu como se os observasse de fora. Afastado do fogo, o bastante para não se queimar, porém sentindo falta do calor benéfico. Só sentiu o calor lhe subindo. Desde quando Ben preferia fazer compras a cavalgar?
      Mas ele sabia a resposta. Era a presença de Hannah. Ele não estava com ciúme, estava preocupado. Apesar de seus esforços, o garoto estava se apegando a ela.
      — Ei, filho. Pensei que quisesse montar hoje à tarde.
      — Você não quer mesmo fazer compras? — Polly enquanto colocava uma cesta de pães sobre a mesa.
      — Quero sim. — O menino fez um bico. — Quero ir com Hannah. Ela se inclinou e segurou sua mão. — Mas você ficou esperando seu pai para te ver montar o cavalo novo.
      — Posso fazer isso outra hora. Mas você não vai ficar muito mais tempo. — Um brilho surgiu em seus olhos castanhos enquanto ele a abraçou. — Mas talvez...
      — O quê? — Hannah perguntou.
      — Eu vi você beijar meu pai ontem à noite. Isso quer dizer que você vai ficar?
      — Mesmo? — Polly olhou para os dois.
      Bem, agora ele estava mesmo perdido, pensou. Como se precisasse complicar ainda mais os sentimentos do filho. Ele se esforçou para olhar duramente para o menino.
      — Você devia estar dormindo. E para responder sua pergunta, Hannah não mudou de idéia. Ela acabou de me contar que logo vai receber a resposta sobre o emprego na Califórnia.
      — Espero que você seja despedida — Ben disse, fazendo bico de novo.
      Hannah riu.
      — Eles terão de me contratar primeiro, garotão. — Ela olhou para Dev. — Mas te prometo uma coisa, você não vai me ver beijando seu pai de novo.
      — Se você beijá-lo, quer dizer que vai ficar — insistiu o menino. Dev suspirou ao se lembrar de que a determinação era uma qualidade em um homem.
      — Não — Dev disse. — Hannah não vai ficar e já é hora de por isso na sua cabeça.
      Ele sabia que fora rude e se odiou. Mas não queria lhe dar falsas esperanças. Não haveria final feliz para aquela estória.
      Dev não podia arriscar. Era adulto e merecia as conseqüências da própria estupidez. Mas não era o único que se apegara a ela. E Ben era só uma criança. Não colocaria o filho em risco novamente.
      A feira de saúde estava quase no final, mas Hannah só descansaria quando tudo acabasse.
      Ela deu início ao evento com a palestra sobre prevenção de câncer de pele no almoço do grupo de mulheres. Seu recado: protetor solar e mais protetor solar. Ela mesma desejou usar vários frascos em si mesma, embora a mesa em que se encontrava estivesse na sombra sob um toldo montado do lado de fora do consultório do dr. Holloway, o calor estava insuportável.
      Ela foi muito procurada depois do almoço quando as pessoas começaram a chegar à feira. O xerife O'Connor fechara rua Principal onde Addie a ajudara a instalar as cabines para os vários exames de laboratório.
      A enfermeira do consultório treinara Bonnie Potts para medir a pressão sangüínea, a pulsação e a temperatura. A enfermeira cuidou da coleta de material e Hannah ficou com as agulhas e o aparelho para medir a glicose do sangue.
      Ela colocou uma atadura no dedo de Ginger Applewhite. A mulher de trinta e poucos anos era casada com o dono da loja Charles - Suprimentos para Tratores, e trabalhava com o marido.
      — Então tenho de desistir dos chocolates, doutora? — a morena alta perguntou.
      Hannah franziu o cenho.
      — Sim, o nível de açúcar está alto, Ginger. Gostaria que fizesse um exame em jejum. Por que não liga para Addie e marca um horário para podermos conversar e combinar tudo?
      A mulher assentiu.
      — Devo ficar preocupada? Posso desmaiar por aí?
      — Isso é apenas um exame elementar e o sorvete que vi você tomar pode ser o causador do resultado.
      — Com esse calor, veio a calhar.
      — É por isso que quero uma amostra em jejum. — Hannah lhe entregou um cartão de visitas de Frank Holloway com o telefone do consultório. — E importante para descartarmos qualquer coisa séria.
      — Está bem. Vou ligar na segunda. — Ela sorriu. — Obrigada, dra. Morgan.
      Quando Ginger foi embora, um homem mais velho surgiu na frente de Hannah.
      — Quer verificar o nível de açúcar em seu sangue? — ela ofereceu.
      — De jeito nenhum. — Ele era alto, magro, tinha cabelos brancos e olhos azuis penetrantes e cerca de sessenta anos. — Addie disse para entregar isso para a doutora. — Ele lhe estendeu um papel com os resultados de seus exames.
      — Eu sou a dra. Hannah Morgan — ela respondeu.
      — Que diabos está dizendo? Você é só um bebê.
      — Aprendi a usar o penico na semana passada — Hannah murmurou.
      — Não há nada de errado com meus ouvidos — ele disse.
      — Fico feliz — ela replicou com um sorriso forçado. O nome no papel era Clóvis Evans. — Prazer em conhecê-lo, sr. Evans. Vou só dar uma olhada em seus resultados;
      — Não há nada de errado comigo — ele garantiu.
      — Você parece muito bem de saúde. — Hannah examinou os números no papel e franziu o cenho. — Vejo que sua pressão está alta. Gostaria que repetisse o exame.
      — Ela já fez isso, me disse para avisá-la que o segundo resultado foi igual ao primeiro. — Uma expressão de preocupação surgiu em seu rosto. — O que há de errado?
      Tentando decidir como lidar com a situação e quanta informação lhe dar, Hannah franziu o cenho enquanto olhava para o papel. Não queria assustá-lo sem necessidade. Ao mesmo tempo, não podia desqualificar o exame. Ela o olhou.
      — Sr. Evans, pressão alta pode ser um problema sério.
      — Como?
      — É conhecida como uma assassina silenciosa, pois pode causar um ataque do coração sem aviso.
      — Eu me sinto bem — ele insistiu, obstinado.
      — Isso é parte do problema. Se sentisse algo, tomaria uma providência. Mas é difícil acreditar quando não existem sintomas.
      — O que eu faço? — o sr. Evans perguntou, esfregando a nuca.
      — Gostaria de vê-lo no consultório. Precisamos falar sobre uma medicação para controlar sua pressão. Dieta e exercícios também podem ajudar.
      — Olhe, senhorita, eu não fico sentado no rancho sem fazer nada o dia todo.
      — Tenho certeza que não. E não há razão para se preocupar prematuramente.
      — Quem disse que estou preocupado? — ele disparou. — Tenho a saúde de um cavalo.
      — Ignorar o problema pode ser perigoso. Gostaria que ligasse para uma consulta.
      — Talvez quando o dr. Holloway voltar.
      — Sr. Evans, o senhor já ouviu a expressão que diz quando se enterra a cabeça na areia o traseiro fica à mostra? — Hannah perguntou.
      — Olhe, senhorita...
      — Clóvis, não comece. — Addie Ledbetter entrou e pôs a mão no quadril largo, e então encarou o homem duramente. — Não quero vê-lo perturbando a dra. Morgan.
      Hannah não podia acreditar no que via e ouvia. A mulher que mostrara todos os sintomas de uma TPM crônica viera em sua ajuda? Certamente a atitude de Addie melhorara ao longo das semanas, mas defendê-la contra um cidadão mais velho de Destiny era como agitar a bandeira branca. Ela a tirara de um apuro e Hannah quis beijá-la.
      Clóvis Evans pigarreou e lançou um olhar cético na direção de Hannah.
      — Ela não parece ter mais de dezoito anos. E é uma mulher. Por que deveria ouvi-la?
      Porque passei horas e horas estudando, Hannah quis dizer. Por que trabalhei feito louca, aprendi, e sei o que estou dizendo.
      — Eu sou mulher — Addie disse. — Tomaria cuidado com esse tipo de coisa se fosse você, Clóvis Evans. — Agora, quanto a doutora, ela passou anos na escola e é muito afiada. Eu a vi em ação e ela sabe o que faz. — A mulher gorda de cabelos vermelhos apontou para o homem rabugento. — O senhor trate de escutá-la, porque eu também estou te avisando. Nós nos vemos na segunda-feira bem cedinho.
      — Está bem, Addie. Se você diz. — Cordialmente olhou para Hannah. — Obrigado, doutora.
      — De nada — ela disse. Então olhou para a outra mulher e perguntou — Bem, o que posso lhe dizer?
      — Sei que está fazendo uma coisa boa — Addie disse. — Clóvis Evans vai te agradecer, e também a família dele. Essa feira é uma boa idéia, um serviço de verdade para a comunidade.
      — Gostaria de ter crédito por isso, mas há feiras como essa em toda parte. Quando se calcula tempo e dinheiro, é uma maneira barata de detectar problemas de saúde.
      — Uma idéia da cidade grande? — Addie perguntou com um sorriso zombeteiro.
      Hannah sorriu de volta.
      — Não vou entrar na sua. É só uma grande oportunidade para atender o pessoal sem que eles se sintam ameaçados.
      A enfermeira observou as pessoas que ainda vagavam entre as cabines.
      — Se tivéssemos mais tempo para avisar o pessoal, teríamos muito mais clientes para 'não ameaçar'.
      Hannah riu pesarosa.
      — Se tivéssemos mais gente, teríamos precisado de muito mais ajuda e equipamento.
      — Podemos planejar isso para o ano que vem — Addie sugeriu.
      — Posso fazer umas anotações para o dr. Holloway no caso de haver uma feira no próximo ano, mas não estarei aqui.
      Hannah sentiu um aperto no peito ao dizer isso. O fato de quo deixaria Destiny a atingiu, e ela sentiu um pesar profundo. Fora um dia bom. Ela conquistara Addie Ledbetter, se aproximara das pessoas da cidade, e eles tinham retribuído. Estava começando a fazer amigos. Eles a ouviram, pelo menos a maioria. Addie a ajudara com Clóvis Evans. Mas a feira, o acidente no rodeio, e o atendimento aos pacientes de Frank nas últimas semanas lhe trouxeram uma satisfação com seu trabalho que não sentia há muito tempo. Será porque tivera a oportunidade de se envolver pessoalmente? Por que era uma cidade pequena e todos se conheciam? Como seria exercer a medicina em Destiny?
      Com um suspiro profundo, Addie se sentou ao seu lado e lhe mostrou uma pilha de papéis.
      — O ano que vem está a trezentos e sessenta e cindo dias de distância. Planos podem mudar — disse sabiamente.
      — Não esses.
      — Que planos são esses?
      Em outras circunstâncias, Hannah não responderia essa pergunta, mas ao ver os olhos azuis penetrantes e empáticos da mulher, as palavras despejaram antes que pudesse parar.
      — Estou esperando uma resposta sobre um emprego na Califórnia. Vou ganhar muito bem e dar a minha mãe a vida que merece.
      — Então Polly vai se mudar para L.A.?
      — Essa é a idéia.
      — Hum...
      — O que isso quer dizer? — Hannah perguntou, intrigada. A mulher deu de ombros.
      — Talvez sua mãe tenha algo a dizer sobre isso. Ela e Frank Holloway podem ter idéias diferentes.
      Hannah a encarou. Sua mãe não lhe dissera nada sobre Frank. Antes que pudesse continuar, um rosto sardento conhecido de quatro anos surgiu na sua frente. E logo atrás o conhecido pai. Ela se sentiu desconcertada pelo modo que seu coração disparou ao vê-lo.
      — Oi, Hannah-banana.
      — Oi, grande Ben!
      — Tenho de ir — Addie avisou. — Tenho visita para o jantar hoje.
      — Não podia ter feito isso sem você. Obrigada por tudo, Addie. Até segunda.
      — Com certeza, doutora.
      Quando o rosto vermelho lhe sorriu e piscou, Hannah estava completamente chocada com sua reação. Ela queria chorar. Felizmente a presença de um certo caubói e seu filho fizeram com que conseguisse se conter.
      — O que está havendo? — ela perguntou, olhando Dev e Ben.
      — Examinei meus olhos — o garotinho declarou orgulhoso.
      Hannah olhou para a cabine vazia, onde um quadro mostrava a grande letra E. Como odiava isso quando criança. Sem óculos ou lentes, não conseguia enxergar muito abaixo daquela letra.
      — E como estão esses lindos olhinhos? — ela perguntou à criança. Com certeza ele estava bem. Da janela de seu quarto, os olhos de águia viram muito bem ela beijar seu pai.
      — Meninos não têm os olhos bonitos — zombou. — E de qualquer jeito, Addie disse que os meus não são tão bons — terminou taciturno.
      — Mesmo? — ela indagou, olhando para Dev.
      Era difícil para algumas crianças muito pequenas decifrar o quadro, já que não conhecem o alfabeto.
      — Você conhece todas as letras?
      — Sim, conhece — o pai confirmou.
      Pergunta tola. Ben tinha todos os sinais de ser muito precoce, e se alguém deveria saber era ela. Ela pulara as séries na escola e tinha as cicatrizes emocionais para provar. Só Dev a fazia esquecer disso. Seu cérebro parecia desligar quando ele estava por perto. Se tudo isso tivesse acontecido há dez anos, suas aulas não o teriam ajudado com a matemática, muito menos com a física.
      — Aqui estão os resultados dele.
      — Hum... — ela disse imitando Addie.
      Era uma palavra abrangente. Uma palavra? Talvez não. Mas soava bem e lhe dava um certo tempo. Os resultados mostravam uma diferença nos olhos. O direito tinha cem por cento de acuidade, o que provavelmente estava compensando o desvio do esquerdo. A levíssima imperfeição do olho esquerdo não o impedira de vê-la beijar Dev. A lembrança fez seu coração palpitar e a pulsação acelerar. A temperatura subiu e a pressão sangüínea provavelmente chegou perto da de Clóvis Evans.
      — Papai, posso ver Polly?
      Dev viu a mãe de Hannah conversando com Bonnie Potts na frente do Café Roadkill.
      — Claro, filho. Eu já vou.
      Hannah o estudou enquanto olhava o filho correr para sua mãe. Orgulho, preocupação e amor se misturavam em sua expressão.
      — Isso é só um teste, Dev.
      — É.
      — Antes de ele começar a escola, é bom saber se há algo de errado com seus olhos.
      — Está bem.
      — Sugiro levá-lo a um oftalmologista para um exame completo, de preferência um especializado em crianças.
      — Vou fazer isso. — Mas seu rosto ainda mostrava preocupação.
      — Você está preocupado com a visão dele, Dev?
      — Estou preocupado com tudo. — Ele a encarou e algo em seus olhos castanhos lhe disse que não era só com o bem-estar físico da criança.
      Hannah se lembrou da semana anterior, quando o menino dissera que vira o beijo deles. Dev concordara com ela que não aconteceria de novo. Ele não estava interessado nela o suficiente para se incomodar? Ou estava protegendo o filho?
      — Logo vou embora — ela avisou. Tentava dizer a ele e a si mesma que sua partida resolveria os problemas. — Será uma preocupação a menos para você — ela comentou, tentando distraí-lo com humor. Infelizmente deixar Destiny não lhe parecia nada divertido.
      — Eu ouvi você dizer a Addie que não estará aqui o ano que vem. Mas seu olhar mostrou que quer outra coisa.
      Dev lia sua mente tão bem por que queria que ficasse? Ou ela estava se enganando? Isso a surpreendia tanto quanto o fato de ele a entender tão facilmente. Estava triste por partir e se perguntava como seria ficar em Destiny.
      — Você viu tudo com um olhar no meu rosto? Não acredito.
      — Eu gosto desse rosto — Dev afirmou, com uma voz sedutora e profunda.
      Hannah percebera uma ponta de esperança? Ele era a razão pela qual, por um momento, considerou a idéia de ficar em Destiny.
      Ele também era a razão pela qual tinha de partir antes que fosse tarde demais.
     
     
      CAPÍTULO X
     
      Logo após as dez da noite, Dev entrou na cozinha pouco iluminada. Depois de voltar da feira, soube que sua égua premiada estava prestes a dar cria. Ela tinha um histórico de partos difíceis e ele queria estar presente. Ben insistira em acompanhá-lo, mas logo perdera o interesse no longo processo, e voltara para casa para ver Hannah.
      Ele não podia culpar o menino por isso. Ele mesmo lutava contra seu próprio apego a ela. Talvez fosse por essa razão que se sentia exausto, pensou, à beira da pia enquanto lavava as mãos.
      — Oi.
      Mesmo com o barulho da água jorrando, uma pequena palavra foi suficiente para reconhecer a voz dela. Seu tom era sedutor, suave e macio, com um leve toque de calor, assim como ela. Após fechar a torneira, voltou-se para estudar Hannah, que estava na soleira da porta. Ela segurava um livro e usava óculos.
      — Oi. — Dev alcançou a toalha no puxador preso ao armário e se apoiou na pia enquanto secava as mãos.
      — Está distribuindo charutos? — ela perguntou. — A égua deu à luz?
      Ele assentiu.
      — Um menino. Mãe e filho passam bem.
      — Estou contente.
      Sem maquiagem, descalça e com uma camiseta larga, Hannah estava tão bonita que quis tê-la em seus braços. Mas não podia fazer isso. Se a tocasse estaria liquidado, pois ela era a tentação em pessoa.
      — Mais alguém acordado? — ele perguntou. Hannah fez um gesto negativo com a cabeça.
      — Mamãe foi para o quarto cedo.
      — Sei que é tarde, mas e Ben? — Dev rezou para não ficar a sós com ela.
      Hannah sorriu com afeto.
      — Ele agüentou até às oito e meia. Depois de protestar que nunca fica cansado, adormeceu em trinta segundos. Acho que a feira o esgotou.
      — Você foi um grande sucesso na cidade.
      — Eu não. Mas acho que o evento foi muito bem.
      — Você é o evento. Sem uma médica ele não teria acontecido. Com um tornozelo cruzado sobre o outro, ela encostou no batente da porta e apertou o livro contra o peito.
      — Gostei mesmo de conhecer melhor o pessoal da cidade.
      — Creio que o sentimento é mútuo.
      Dev dissera a ela que se escondia atrás do elevado QI e do sofrimento pelo abandono do pai, mas não foi isso que viu. Ela brincou, conversou e riu com todo mundo, desde crianças até velhos. Addie Ledbetter ajudara, mas Hannah convencera o teimoso Clóvis Evans a se consultar. Ele estava feliz com o sucesso dela. Mas algo o incomodava e não conseguia perceber o que era.
      — A admiração mútua da sociedade de Destiny? — ela comentou, pensativa. — Talvez todos, exceto Clóvis Evans. Minha opinião médica é que ele precisa de um transplante de personalidade e uma cirurgia para remover seu excesso de cinismo.
      Dev riu.
      — Não vou dizer que o homem não é difícil, mas ele é o sal da terra.
      De repente Hannah esticou e alongou os dedos.
      — Falando em sal, mamãe pediu para avisar que deixou um prato de comida na geladeira para você.
      — Não consigo decidir se estou cansado ou com fome — ele admitiu.
      Ela foi até a mesa e puxou uma cadeira.
      — Então se sente, senhor. Eu esquento o seu jantar.
      — Não precisa. Eu posso fazer isso. Não estava insinuando nada.
      — Claro que estava. — Hannah abriu a geladeira e o olhou por cima do ombro. — Além disso, eu quero fazer isso. E o mínimo que posso fazer para agradecer sua hospitalidade.
      O começo da despedida.
      Dev estava cansado demais para lutar contra a tristeza que sentia ao pensar que ela partiria em uma semana. A idéia da casa-grande sem Hannah o deixava doente e isso explicava por que ficava incomodado ao vê-la interagir com as pessoas da cidade. Ela combinava com Destiny. Se não fosse assim, seria mais fácil dizer adeus?
      — Você sabe quando Frank vai voltar? — Dev perguntou.
      — Conversei com ele antes da feira. Disse que volta depois de amanhã. A mãe dele está bem agora, e ele sabe que vou embora em menos de uma semana.
      — Tem sido bom tê-la aqui, Hannah.
      Bom? A quem estava enganando? Bom não chegava perto do que sentia. Ela colocara brilho em sua vida. Ele sempre aguardava ansioso para ver Ben no final do dia, mas com Hannah era mais que isso. Ele sentia uma animação, um vigor, uma urgência em vê-la que nunca sentira. Nem com Corie.
      — E eu gostei de ficar aqui. — Ela tirou o papel alumínio do prato. — Você vai amar isso: purê de batata, quiabo e molho. Mamãe caprichou e eu vou caprichar no microondas.
      Dev não pôde evitar de sorrir, e isso o surpreendia. Vir do celeiro até a casa o deixara sem energia, e ele poderia jurar que não sobrara o suficiente para sorrir. Mas Hannah provara que era mentira.
      Sentou-se à mesa e deixou seu olhar devorá-la, reunindo as lembranças da coisa mais inteligente e bonita que já havia estado daquele lado do rio Grande.
      Quando o micro-ondas parou, Hannah tirou o prato e o pôs sobre a mesa. O vapor subiu quando ela tirava o filme plástico. Seus óculos embaçaram e Dev os tirou já que ela tinha as mãos ocupadas.
      — Meu herói...
      — É um prazer servi-la, senhora.
      — Eu tirei as lentes de contato. Meus olhos estavam cansados. — Sorrindo cordialmente, ela pegou os óculos e limpou-os na beirada da camiseta.
      — Eu percebi. — E também sentira... Algo indefinível, uma estranha sensação que sempre o percorria quando seus dedos tocavam os de Hannah.
      Dev apostaria seu último dólar que aquilo não acontecia apenas com ele. O rubor que de repente tomou conta do rosto de Hannah, a timidez e o modo como evitava o olhar dele, sem falar na rapidez com que recuou, tudo isso mostrou que ela tinha percebido o momento de intimidade. Ele queria abraçá-la pela cintura e puxá-la para perto, colocá-la no colo. Em vez disso, pegou o garfo ao lado do prato e se serviu de purê e um pouco de molho.
      — Você quer uma cerveja? — Hannah ofereceu.
      — Sim. Obrigado.
      Seus pés descalços faziam ruído sobre os ladrilhos enquanto ela caminhava até a geladeira. Ele acompanhou-lhe os movimentos com o olhar e admirou-lhe os contornos bem-feitos. A camiseta cobria o short, mas quando ela se inclinou o tecido moldou suas curvas como se acenassem para ele. Dev sentiu-se invadido por um desejo quase incontrolável de acariciá-la. Era engraçado como uma mulher bonita e sexy podia acabar com o cansaço de um homem.
      Não qualquer mulher. Hannah.
      Ela tentou desenroscar a tampa da garrafa. Com a borda da camiseta, tentou girá-la.
      — Preciso de um homem — afirmou enquanto entregava a cerveja para ele.
      — É um prazer servi-la, senhora. — Dev removeu a tampa com facilidade e deu um bom gole, tentando ignorar a inocente insinuação.
      — Eu a soltei para você — Hannah disse, procurando evitar o campo minado para o qual ele poderia conduzi-la facilmente.
      — Você detesta quando não consegue fazer algo, não é? — Dev constatou, fitando-a.
      — Gosto de estar no controle — admitiu.
      — Todos nós... mas como pediatra, e lidando com crianças o tempo todo, deveria saber que isso é impossível.
      — É verdade.
      — Papai?
      Dev virou-se. Como se fosse sua deixa, Ben surgiu na soleira da porta.
      — Oi, filho.
      O menino esfregou os olhos e cambaleou para dentro. Dev o pegou e o pôs no colo.
      — O que faz acordado?
      — Não estou com sono.
      — Não parece — o pai constatou, enquanto via a expressão divertida de Hannah.
      — Hum? — o menino balbuciou, em meio a um bocejo.
      — Nada. Você teve um pesadelo?
      — Talvez... Eu queria dar-lhe um beijo de boa-noite. Lizzy teve o bebê?
      — Um menino.
      — Posso dar o nome de manhã?
      — Claro. Está tudo bem? — Dev perguntou. A criança assentiu e o apertou.
      — Agora que está aqui.
      As palavras aqueceram-lhe o coração e ele olhou para Hannah, cuja expressão estava tomada pela melancolia. Dev percebeu que ela desejava que seu próprio pai estivesse por perto. Ela nunca admitiria isso; pois era algo que fugia de seu controle. Afirmara que aqueles fatos pertenciam ao passado e que eles a deixaram forte e resistente. Mas ele queria estrangular o homem que a abandonara. O imbecil não merecia ser chamado de pai. Ele se perguntou se a experiência não era um dos motivos que a obrigavam a partir, se a fazia ter medo de confiar nele.
      Ele desviou o olhar de seu belo. rosto e estudou a expressão sonolenta do filho.
      — Que tal voltar para cama?
      — Acho que estou cansado agora — Ben respondeu com outro grande bocejo.
      Hannah se moveu ao lado dele, envolvendo-o com seu perfume, uma combinação do sabonete com a fragrância única de sua pele macia.
      — Ei, grande Ben, que tal se eu te levar para a cama enquanto seu pai termina de jantar?
      — Você está com fome, papai?
      — Você não sabe o quanto, filho — ele falou, fitando os lábios de Hannah.
      Graças a Deus o menino era jovem demais para perceber a corrente estonteante e sensual que havia entre ele e Hannah.
      — Então vou para o quarto com ela.
      — Obrigado, camarada. — Dev abraçou o menino por um momento e beijou-lhe o alto da cabeça. — Boa noite, grande Ben, eu te amo.
      — Eu também te amo, papai.
      Quando ficou sozinho, Dev pensou em como começara a usar o apelido que Hannah dera a seu filho. E se perguntou o que mais iria se lembrar quando ela partisse. O que mais iria torturá-lo quando ela não estivesse mais ali à noite? Mas ele sabia que o buruco negro em sua vida após a partida dela seria tormento suficiente. Poucos minutos depois Hannah voltou e sua presença preencheu o vazio da cozinha. Dev a encarou quando ela sentou-se à sua direita. Ele pôs o garfo sobre o prato vazio e o empurrou. Tomou o último gole da cerveja, esperando que este abrandasse o desejo que sentia.
      — Você deu um sedativo a meu filho? — ele brincou para preencher o silêncio.
      — É claro que não. Por quê? — ela zombou.
      — Não é fácil fazê-lo dormir. Achei que ia demorar tanto que não a veria de novo esta noite.
      E Dev percebeu que isso o incomodara bastante. Hannah deu de ombros.
      — Não foi tão difícil. Eu li uma história rápida para ele, apaguei a luz, e lhe dei um beijo de boa-noite.
      Se ela o beijasse, Dev pensou, nenhum dos dois iria dormir. Pelo menos não tão cedo. O pensamento lhe aqueceu todo o corpo, e ele respirou fundo. Tinha de parar com essa tolice, se não pensaria que estava apaixonado por ela.
      E isso simplesmente não podia acontecer. Não confiava nas emoções. Ele se entregara a elas uma vez e falhara. Agora não era só em si mesmo que tinha de pensar. E havia três pontos contra Hannah: vivia a milhares de quilômetros de distância, sua carreira estava em primeiro lugar, e provavelmente não veria com bons olhos um cara que caçoara dela há dez anos.
      E o pior de tudo era que Ben parecia ter se apegado a ela também. Hannah parecia exercer um efeito positivo nos dois homens da família Hart.
      Dev não conseguia evitar desejar tê-la notado na época do colegial. Será que eles teriam uma chance se a vida não tivesse se intrometido e o tornado um cínico? Infelizmente, a experiência o transformara em um homem prudente, quase amargo.
      — Um centavo por seus pensamentos — Hannah ofereceu.
      Engraçado, Dev se lembrou do xerife usando a mesma expressão. Ele nunca fora dado à reflexão, talvez devesse isso a Hannah também.
      — Acredite em mim. Eles não valem tudo isso.
      — Duvido.
      Dev observou os lábios dela. Como queria experimentar sua maciez de novo, beber sua doçura e seu fogo. Mas eles concordaram em não se beijar mais. O que ela pensaria se ele quebrasse o pacto? Ao ver seus olhos se abrirem um pouco e sua respiração acelerar, jurou que ela desejava o mesmo que ele. Dev se aproximou.
      — Hannah, eu...
      De repente o telefone tocou. A noite estava quieta e já era tarde, e ele se alarmou. Isso sempre acontecia desde que Hannah passara a trabalhar no consultório de Frank. Dev já deveria ter se acostumado. Hannah nem piscou.
      — Eu atendo — ela disse, e pulou para alcançar o fone preso à parede. — Alô?
      Hannah reagiu tão rápido que ele chegou a ficar feliz com a interrupção. Dev a observou, seu olhar sonhador desapareceu e foi substituído por uma expressão intensa. Ele a reconheceu, vira-a no rodeio quando Ronnie se machucou, e na feira de saúde quando contou a Clóvis Evans sobre sua pressão. Era sua expressão profissional.
      — Quando? — Em seguida afirmou: — Eu os encontro na emergência. — Ela desligou e virou-se. — Eu tenho de ir, é só o tempo de me trocar. Um bebê doente.
      — Você quer que eu te leve?
      — Não. Você está exausto e tem de levantar cedo. Eu vou ficar bem. Mas, obrigada.
      Então Hannah se foi.
      Poucos minutos depois, Dev ouviu a porta da frente se fechar.
      A parte boa era que o bebê doente estava em boas mãos. A ruim era que ele tivera uma prévia de como seria a vida sem Hannah, um pouco antes do que queria.
      Mas isso era bom, não era? Ele precisava de algo que o lembrasse que ela era uma boa médica casada com seu trabalho. Infelizmente, o homem que a amasse teria de dividi-la com as pessoas que precisassem de seu conhecimento. O tolo seria abandonado assim com freqüência.
      Dev estava contente por não ter perdido o controle sobre seus sentimentos.
      — Vou para o inferno por essa mentira — ele pensou, e se sentiu só como nunca.
      — É bom ter você de volta, Prank. — Polly Morgan sorriu para seu convidado enquanto colocava a salada na mesa do jantar.
      Hannah olhou para Dev ao pôr a cesta de pães na fronte dele, Havia um brilho em seus olhos, e ela soube que ele estava prestes a dizer algo, mas não imaginava o que estava por trás daquele belo rosto.
      — Polly tem razão. Hannah tem trabalhado feito louca ultimamente.
      Ele a estava defendendo?, Hannah se perguntou. Ninguém nunca fizera isso por ela. Apesar de ser uma atitude gentil, era desnecessária. Ela só fizera seu trabalho, mas agora Frank estava de volta. Ele chegara a Destiny naquele dia e Hannah o convidara para jantar, seguindo as instruções da mãe. Ao ver como o rosto dela brilhava, pensou que pelo menos uma das mulheres da família Morgan estava feliz em vê-lo. Para ela mesma significava estar a um passo da partida. O pensamento a encheu de tristeza.
      Mas naquela noite ela tinha boas notícias para dar, pensou. E tentou não estragá-las pensando em como ficaria dilacerada com sua partida.
      Dev e Ben já estavam sentados à mesa há algum tempo enquanto Hannah ajudava a mãe a colocar na mesa o frango frito, a salada de batata e os pães. Quando tudo finalmente ficou pronto, Polly se sentou ao lado do médico.
      Hannah se sentou em frente a Dev.
      — Devo admitir que também estou contente com sua volta, Frank. Não sei como cuida de tudo sozinho. Não trabalhava tanto desde que era residente.
      Ben se contorceu animado.
      — Frank, Hannah consertou aquele bebê.
      — Ben me faz parecer uma heroína.
      — Se a carapuça serviu... — Frank disse e piscou.
      — O bebê só precisava ser medicado e de tempo para combater o vírus que pegou do irmão mais velho. Ele está em casa agora e passa bem.
      Hannah queria poder dizer o mesmo. Com só mais dois dias em Destiny, era o desânimo em pessoa. E sua mãe era exatamente o oposto. A mulher brilhava como uma colegial apaixonada. Hannah não sabia direito como se sentia em relação a isso.
      Desde que Frank chegara, Hannah procurara observar os dois. Não conseguira esquecer o que Addie insinuara sobre eles estarem apaixonados. Mas ela não percebia nada de especial. Addie devia ter se enganado. Ou será que Hannah não queria ver?
      Ela os observava conversar e ainda não podia detectar nenhum sinal de que houvesse mais que amizade entre eles. Polly só estava animada com um convidado para jantar.
      O tilintar dos talheres e as vozes encheram o ar enquanto se serviam. Hannah ora observava a mãe, ora Dev. Era como armazenar material para a memória, pequenos pedaços de um quebra-cabeça que mostraria uma figura fantástica para quando não pudesse mais vê-lo.
      — Então, Hannah — Frank disse, interrompendo-lhe os pensamentos. — Foi tudo bem no consultório enquanto estive fora?
      — Tudo bem — ela respondeu.
      — Você não teve problemas com Addie? — ele indagou com um olhar astuto.
      — Você quer dizer quando ela me acusou de ser uma médica moderninha de Los Angeles?
      Ele riu.
      — É, isso mesmo.
      — Levou um tempo, mas acho que a conquistei. Dev serviu-se de um pouco de salada de batata.
      — Na feira de saúde, ela e Addie encurralaram o pobre Clóvis Evans. Ele não teve chance.
      — Addie daria uma péssima diplomata, mas cuida muito bem do meu consultório e de tudo ali, inclusive de mim. Ela é uma . boa enfermeira e por trás daquele jeito bravo há um coração de ouro. — Frank mastigou pensativo e então acrescentou: — Todos em Destiny ainda estão falando sobre a feira. Você fez uma grande festa, doutora.
      Hannah enrubesceu de orgulho com as palavras do médico.
      — Foi bom, mas não fiz nada sozinha. Muita gente ajudou. Polly sorriu para o médico e olhou alegre para Hannah.
      — Ela só está sendo modesta.
      — Frank, Hannah examinou meus olhos — Ben contou.
      — Não exatamente, rapaz — ela disse. — Só interpretei os dados.
      — Hum? — o menino murmurou, sem entender.
      — Hannah só disse que fez um bom trabalho, amigão — Frank disse rindo. — Algo me diz que a feira será um evento anual em Destiny. Apesar de que se a cidade crescer como penso, não séi se durei conta sozinho.
      Hannah percebeu uma certa expectativa em seu olhar. O brilho em seus olhos a fez pensar que ele tinha uma idéia em mente.
      — O que foi? — ela perguntou.
      Frank olhou para sua mãe com intimidade. Polly sorriu para ele e acenou em silêncio. Os dois pareciam um casal que se comunicava sem palavras.
      Frank pigarreou.
      — Hannah, quero te oferecer sociedade na minha clínica.
      — Hannah é uma boa médica — elogiou Ben.
      — Sim, filho, e Frank ofereceu um emprego à Hannah — Dev explicou para o menino.
      — Então Hannah vai ficar comigo?
      — Não sei — Dev a olhou. — Vai?
      Seu tom de voz não revelava nada, mas a intensidade de seu olhar fez seu coração acelerar. Os olhos dele estavam tão ansiosos que sentiu vontade de alcançá-lo e abraçá-lo. Mas não podia fazer isso.
      Frank abaixou o garfo.
      — Diga alguma coisa, Hannah. Acho que formamos o time ideal. Sou clínico geral e você é pediatra. Sem falar que minhas pacientes adorariam ter uma mulher para conversar. Sua mãe disse que você ainda não recebeu a resposta da Califórnia. Então, o que diz?
      Ela ficou parada por um momento, encarando o homem que acabara de complicar seu plano de carreira tão bem elaborado. Então olhou para Dev Hart, o homem que sempre complicara sua tão bem elaborada vida pessoal.
      — Uau! Minha mãe se precipitou um pouco sobre a oferta na Califórnia. Tantos empregos, tão pouco tempo... — Sem falar que a viagem de ida e volta iria me matar.
      — Do que está falando, Hannah? — Polly perguntou, confusa.
      — Eu recebi a ligação hoje. Fui aceita no emprego que esperava. Ben se balançava na cadeira.
      — Então você vai ficar aqui, não é, Hannah-banana?
      — Você aceitou o emprego? — Dev quis saber.
      — Sim. — Ela olhou para Ben. — Tenho de voltar para a Califórnia, grande Ben.
      Os olhos castanhos como os do pai se encheram de lágrimas.
      — Não. — O menino balançou a cabeça. — Eu não quero. Fique aqui — ele implorou.
      — Não posso. Querido, por favor, escute...
      — Não. — Ele escorregou para fora da cadeira. — Eu não gosto mais de você. — As lágrimas escorreram por seu rosto antes que corresse para fora da sala.
      Hannah pôs o guardanapo sobre a mesa e começou a levantar.
      — Vou falar com ele.
      — Não. — Dev pôs a mão em seu braço.
      A esperança em seu rosto fora substituída por raiva. Os músculos de seu rosto se contraíram e a boca se transformara em uma linha reta. Então ele se levantou e seguiu o filho. Dev também a odiava? Seu corpo inteiro gritava contra isso. Não podia suportar a idéia de ele a odiar porque...
      Oh, Deus. Ela o amava.
      Por que agora estava tão claro?
      Que médica ela era. Todos os sintomas estavam tão claros. Pulso acelerado sempre que ele estava próximo, fraqueza nos joelhos quando ele dava aquele sorriso devastador.
      E como se tudo isso não fosse prova suficiente, havia outro fator que deveria tê-la convencido. Quando lhe ofereceram o emprego de seus sonhos, se sentira como se tivesse sido condenada a uma vida na prisão sem possibilidade de condicional.
      Por um segundo pensou em mudar de idéia. Talvez pudesse ficar. Talvez pudesse aceitar a proposta de Frank e não partir. Ela finalmente estava começando a se sentir em casa e as pessoas pareciam aceitá-la. E havia Dev. E Ben. Pai e filho roubaram seu coração. Tudo de que precisavam era tempo. Certo? Seria uma atitude inteligente?..
      Inteligência. Seu único dom. Como poderia ter se esquecido? Quando seu pai partira, aprendera que nunca teria um pai e uma mãe. E nada acontecera para desfazer a lição de que não se pode ter tudo. Ela podia ter o emprego que queria, mas era na Califórnia. Ela podia se apaixonar, mas o homem vivia a meio país de distância, no Texas. Ela poderia finalmente se estabelecer em algum lugar, mas teria de partir.
      Mas. esquecera a primeira e melhor lição: não seja estúpida.
      Apaixonar-se por Dev fora estúpido. Mas não tinha de deixar essa ferida em seu coração. Não tinha de ficar. Estava na posição para ter tudo.
      Felizmente era inteligente. Aprendera que tudo não incluía o amor de Dev Hart.
     
     
      CAPÍTULO XI
     
      — Parece que seu mundo desmoronou — Polly lhe lançou um olhar compreensivo.
      — Tem razão, mãe.
      Ela enxaguava os pratos que a mãe lavava. Dev e Ben não retornaram mais à mesa. Já fazia mais de uma hora que o menino dissera que não gostava mais dela e o pai lhe lançara um olhar de ódio.
      — Sinto-me péssima — Hannah continuou.
      — Sinto muito, querida. Tente não se aborrecer com isso. — Polly esfregou a panela na pia.
      — Não posso evitar. Afinal de contas, sou pediatra. Você viu a carinha do Ben? Eu jurei cicatrizar a ferida. Que tipo de pessoa eu sou? — lamentou.
      — Ben não entende. Ele vai superar isso.
      — Ele é um menino muito inteligente — Hannah argumentou. — Mas tudo que entende é que eu o estou deixando.
      — E ele está certo.
      — Não tem nada a ver com ele.
      — Então tem a ver com dinheiro?
      — Sim. Não. — Hannah apoiou as mãos na beira da pia e se inclinou para frente enquanto balançava a cabeça. — Não é tão simples.
      — Deixe-me perguntar uma coisa — sua mãe disse. — Quando Frank lhe ofereceu a sociedade, você realmente pensou nessa possibilidade?
      — Claro que sim.
      Polly lhe lançou um olhar astuto.
      — Não se esqueça de que eu estava aqui. Você levou uns trinta segundos para recusar.
      — Eu trabalhei duro por aquele emprego na Califórnia. E eu já o aceitara quando Frank fez a proposta.
      — Califórnia é um emprego, não uma sociedade — a mãe ressaltou.
      — Mas será, com o tempo. As coisas são diferentes em Los Angeles. — Hannah pegou a frigideira, a enxaguou e a pôs no escorredor. — O salário inicial e a porcentagem nos lucros vão me dar o que preciso — ela se defendeu.
      — E quanto você precisa?
      — O suficiente para te comprar uma casa. Para que não precise trabalhar mais e para compensar tudo que perdeu por minha causa.
      Polly parou de lavar uma tigela grande e a encarou.
      — Então esse é o motivo de tudo isso? Pagar-me de volta?
      — É mais que isso. Meu pai partiu porque cuidar de mim era uma carga pesada demais. Naquele dia você começou a trabalhar em dois empregos, além de ter de cuidar de mim. Você estava sempre trabalhando para que tivéssemos comida na mesa, roupas e um teto sobre nossas cabeças. Pelos meus cálculos, acho que te custei uma vida.
      — Desde quando amor se põe na ponta do lápis?
      — Não quis dizer isso.
      — Quis, sim. — Com as mãos molhadas sobre a pia, Polly se virou para encará-la. — Vamos esclarecer uma coisa. Seu pai era um imaturo, sonhador mulherengo que nunca teve intenção em construir uma vida quando se casou comigo. Eu já te falei isso uma vez e pensei que tivesse entendido.
      — Eu entendi.
      Sua mãe balançou a cabeça.
      — Parece que não. Vou falar de novo. Você caiu do cavalo e quebrou o braço porque ele estava ocupado demais paquerando, e não cuidou de sua própria filha. Ele partiu porque não me amava e nunca amaria. Não teve nada a ver com você.
      — Você nunca me disse que ele estava tendo um caso.
      — Ele é seu pai. — Polly deu um suspiro profundo. — Não queria acabar com a imagem dele. Mas agora parece que eu errei em não te contar todos os fatos. E não era só ele. Nós éramos jovens, Hannah. Fiquei grávida de você. Achei que tive sorte quando ele concordou em se casar. Pelo menos evitei que lhe pusessem um rótulo desagradável. Mas é só isso que devo àquele imbecil.
      — Isso significa que você sacrificou muita coisa por mim.
      — Ah, querida. — Polly tomou-lhe as mãos, sem perceber que pingavam. — Nunca foi um sacrifício. Ser mãe não é uma obrigação. Você é a melhor coisa que já me aconteceu. Eu faria tudo de novo, sob as mesmas circunstâncias. Eu cuidei de você do melhor modo que pude. Eu te amo.
      — Obrigada, mãe. Eu também te amo. E é por isso que quero comprar uma casa e dar as coisas para você.
      — Eu não entendo.
      Hannah apertou as mãos da mãe.
      — Quero que se mude para a Califórnia. Eu posso cuidar de você para variar. E podemos fazer coisas juntas, compensar o tempo perdido.
      — Nunca poderemos recuperar aquela época. Só precisamos fazer de cada momento que passamos juntas uma lembrança especial. — Polly balançou a cabeça. — E não é só isso, eu gosto da minha vida aqui.
      — Mas você desistiu da sua casa...
      — Aquele trailer não era grande coisa. Acredite, eu não me importei com isso. Esta é minha casa agora — disse enquanto olhava a cozinha espaçosa à sua volta.
      — Mas não é sua — Hannah protestou.
      — Não preciso do meu nome na escritura para me sentir em casa. E adoro meu trabalho. Dev Hart é meu chefe, mas ele nunca me faz sentir como empregada, exceto pelo salário generoso que deposita na minha conta. Hannah, ele é como o filho que nunca tive. E Ben... — seus olhos ganharam um brilho especial. — Ele não é um trabalho, é uma alegria.
      — Mas, mãe...
      — Sem mas, Hannah. Você é livre para comprar o que quiser. Sei que trabalhou duro e com certeza tem esse direito. Mas não preciso de nada que o dinheiro possa comprar. E sobre mudar para Los Angeles, acho que prefiro ficar aqui.
      — Creio que sei o que quer dizer — retrucou tristemente. Estava claro que quando Hannah mudasse para a Califórnia,
      o faria sozinha. Como tudo que planejara por tanto tempo dera tão errado? Sempre dissera a si mesma que inteligência e trabalho duro seriam suficientes. Hannah conseguira o emprego de seus sonhos, e de repente seus sonhos se despedaçavam. Polly apertou a mão dela de novo.
      — Este é o meu lugar. Eu gosto de Destiny. Apesar do choque, Hannah conseguiu sorrir.
      — Essa felicidade por acaso tem algo a ver com um certo médico bonito e distinto?
      Algo que ela nunca esperara ver, nem em um milhão de anos, aconteceu. Polly Morgan ficou vermelha como uma colegial. Graças a Deus! Hannah finalmente entendeu: o dinheiro e as coisas materiais não constituem a vida. São as pessoas que nos fazem felizes. Talvez sua mãe tivesse tido momentos difíceis enquanto ela crescia, mas estava compensando agora. E Hannah tentara afastá-la disso.
      Polly virou para a pia novamente e começou a esfregar uma panela perfeitamente limpa.
      — Gosto muito de Frank — foi tudo o que disse.
      — Vocês estão saindo?
      — Ele me leva ao cinema e para jantar — ela admitiu.
      — Não, quero dizer namorando. Acho que o termo politicamente correto é estar firme.
      Com as faces vermelhas, sua mãe respondeu:
      — Somos bons amigos.
      — Como assim? Eu tenho de falar com ele, perguntar sobre suas intenções? Tenho de desafiá-lo para um duelo com nossos estetoscópios?
      — Só se mudar de idéia e decidir aceitar sua proposta na sociedade. — Quando sua mãe virou para encará-la, ela viu a esperança brilhando nos olhos azuis.
      — Mãe, isso quer dizer que quer que eu aceite? — perguntou com delicadeza.
      — Isso eu não posso decidir. Tudo que posso dizer é que você está triste como se não pudesse ir. Ou será que está triste porque não quer ir?
      — Como disse, já aceitei o emprego.
      — Mas você não assinou alguma coisa?
      — Mas aceitei verbalmente.
      — Então lhes diga que mudou de idéia. Você não era a única candidata.
      — Eu passei minha vida inteira tentando me assentar, ganhar confiança.
      — Posso estar errada, querida, mas parece que conseguiu isso desde que voltou para Destiny.
      Quanto a Dev, Hannah nunca se sentiu confiante. E era o que mais queria.
      — Mãe, você me ensinou a ser independente. É isso que estou fazendo.
      — Você aprendeu a lição, só que está seguindo o caminho errado. Uma mulher tem de estar preparada para se cuidar, mas isso não significa que tenha de passar a vida sozinha.
      — Então por que você passou?
      — Por várias razões. Eu estava ocupada. — Ela virou e olhou pela janela. — Eu tinha você. E não queria me machucar. — Polly a olhou tristemente. — Acho que te dei um mau exemplo e te ensinei uma lição errada.
      — O quê?
      — Não se arrisque. Proteja-se para que ninguém possa machucá-la. Hannah se sentia como se sua vida tivesse perdido totalmente o rumo. Ela só podia esperar que o tempo e a distância cicatrizassem a ferida em seu coração.
      — Não é uma lição tão má, mãe. Polly balançou a cabeça.
      — É sim. Temo ter-lhe custado a chance de ser feliz. Acho que quer aceitar a oferta de Frank c ficar, mas está assustada com seus sentimentos por Dev.
      Hannah arrancou os fiapos do pano de prato.
      — Não seja tola, mãe.
      — Não acho que estou sendo. E tenho notícias para você. Nem todos os homens são irresponsáveis como seu pai.
      — Eu sei disso.
      — Sabe? Por isso está virando as costas para um homem bom? Dev Hart é estável, leal, amável. E é bonito o bastante para sair na capa de uma daquelas revistas de Holywood. Você não está sendo exigente demais? O que está faltando, Hannah?
      — Nada.
      — Olhe, querida, mantive a boca fechada porque às vezes é isso que uma mãe deve fazer. E acredite, não foi fácil. Mas ouvi Ben dizer que viu o pai te beijar. Duas vezes.
      — Não significou nada — Hannah se defendeu. — Ele quis mostrar a Ben que a vida não é como um conto de fadas e que eu ainda partiria.
      — Nas duas vezes? — Polly perguntou, cética.
      — Não tenho certeza sobre a segunda vez — Hannah admitiu. — Aquilo aconteceu de repente.
      — Você gostou? — Polly a encarou com um olhar duro. — Se mentir eu saberei.
      — Não faria isso. Gostei mais do que qualquer coisa. — E mesmo tendo prometido que não aconteceria uma terceira vez, Hannah queria beijá-lo mais que tudo.
      — Então o que está esperando? Um convite por escrito para ficar?
      — Ele nunca me pediu para ficar. — Hannah sentiu as lágrimas brotarem em seus olhos.
      Sua mãe a olhou como se ela tivesse dezesseis anos e tivesse dito que não conseguia amarrar os sapatos.
      — Então é isso? Você pretende voltar para a Califórnia por que ele não te pediu para ficar?
      — Ele disse que a cidade podia usar meus conhecimentos médicos, mas nunca disse que queria que eu ficasse. — Hannah piscou e fungou.
      Sua mãe balançou a cabeça e suspirou.
      — Querida, acho que você estava escondida atrás da cocheira quando Deus distribuiu a inteligência.
      — Você faz parecer que sou a idiota da classe.
      — Sobre amor e relacionamentos você é. Não há outra maneira de dizer isso. Você ficou tão ocupada estudando que não aproveitou o tempo para aprender a se relacionar.
      — Não podia bancar essa distração.
      — Bem, agora você pode — a mãe tornou secamente. — E aí está algo para se pensar. A mulher que ele amava mudou as regras depois do 'sim'. Ele perdeu a mãe do filho para uma carreira mesmo depois de esquecer o orgulho e implorar para ela ficar. E ele prefere ficar sofrendo a fazer isso de novo.
      — Então acha que ele se importa comigo?
      — Tudo que estou dizendo é que deveria falar com ele, conversar de verdade, antes de virar as costas. Prometa-me que antes de fazer isso vai pensar no que eu disse.
      — Eu vou procurá-lo.
      Seria muito difícil encará-lo. Apesar de todos seus esforços, magoara seu filho, abrira uma grande ferida em seu coração. Hannah iria conversar com ele.
      Mas a pergunta era: Dev falaria com ela?
     
     
      CAPITULO XII
     
      Dev se encontrava debruçado sobre a cerca do curral, e olhava o céu cheio de estrelas. Ele colocara Ben na cama e tentara fazê-lo entender o que ele mesmo não sabia, o porquê de Hannah ter de ir embora. Como ele a deixara partir? Ele a amava.
      Então ouviu o som dos passos suaves atrás de si e de alguma forma soube quem era. Sentiu um nó no estômago enquanto aguardava.
      — Dev, posso falar com você?
      Hannah. O que mais haveria para ser dito?
      Ele sabia agora que nutrira um sonho de juventude, de um lar, família e a mulher cuidando da casa. Hannah o fizera ver que no mundo atual o papel da mulher incluía o trabalho, e que os homens deveriam aprender a se adaptar a isso.
      Hannah tinha um emprego agora, e era muito distante dali. Ele sabia que era isso que ela queria mesmo antes de ela chegar, então não deveria estar chocado. Mas a dor que sentia era a de uma punhalada, apesar de ter feito tudo para evitá-la. Ele tentara não se envolver. Enquanto observava o céu limpo, perguntava-se se seu destino seria sempre desejar a estrela errada.
      — Dev?
      Ele respirou profundamente e virou-se. Hannah estava a sua frente, os cabelos prateados sob a luz do luar. Estava tão bela...
      — Sobre o que você quer falar?
      — Como está Ben?
      — Ele vai ficar bem.
      — Nunca quis magoá-lo.
      — Eu sei.
      — Você sabia que minha mãe e Frank estão namorando? — Hannah falou sem pensar.
      Seus lábios se abriram em um sorriso quase contra sua vontade. Apesar de a dor no coração migrar para a alma, Hannah tinha esse poder. — Sim, eu suspeitava. Ele passa muito tempo aqui no rancho.
      — Você poderia ter-me dito algo.
      — Por quê?
      — Porque me sinto uma idiota. Fiquei fazendo planos, e ela já tinha os dela. Você me deixou pensar em dar a ela uma vida sabendo de seus sentimentos por Frank.
      — O que ela disse? Sobre a nova vida, quero dizer.
      — Você não adivinha? Ela não quer se mudar. — Hannah foi até o lado dele e apoiou-se na cerca. — Ela me fez ver que não sou responsável por sua felicidade. Ela gosta da vida aqui e não vai para a Califórnia. Isso deveria deixá-lo feliz.
      — Por que você diz isso?
      — Não vai perder sua governanta.
      — Eu quero que Polly seja feliz, em primeiro lugar. Ela é mais do que uma empregada para mim, e você sabe disso — Dev disparou.
      — Sinto muito. E que é demais para mim. E estou preocupada com ela. Acha que estão apaixonados? — Hannah perguntou.
      — Como vou saber? Não me sinto qualificado para comentar sobre a vida de Polly e Frank, de jeito nenhum. Não é fácil para um cara como eu. Sou um rancheiro, não um terapeuta de casais. Além disso, me dei mal com o amor uma vez. — Na verdade duas, mas não havia motivo para lhe dizer isso.
      — Não acho que deva assumir toda a responsabilidade pelo que aconteceu com seu casamento.
      — Talvez não. Mas Corie era muito jovem.
      — E você era o homem mais velho e experiente? — Hannah disse com um sorriso.
      — Algo assim. — Doía tanto olhar para ela. Dev desviou o olhar e encarou a escuridão. — Ela despertou meu instinto protetor. Algo aconteceu há dez anos. Estávamos todos no lago e...
      — O quê? — Hannah quis saber.
      — Os detalhes não importam — ele disse. — Mas foi uma lição para nós.
      — Nós?
      — Eu, Mitch, Jack Riley e Grady 0'Connor. Garotas. Mulheres são vulneráveis. Precisam ser cuidadas. Quando conheci Corie, ela era tão jovem, tão bonita... — Dev deu de ombros. — Ela me fez querer tomar conta dela.
      — Acho que é muito doce de sua parte.
      — É. Eu sou mesmo muito doce....
      — Não seja tão duro consigo mesmo.
      — Por que não? Eu era mais velho. Você mesma disse, deveria ter sido mais esperto. Mas estraguei tudo pois quis protegê-la por amor. Pressionei muito para conseguir o que pensava que queria.
      — E conseguiu?
      — Sim, consegui. — Ele esfregou a nuca. — Infelizmente eu me precipitei e não lhe dei a chance de dizer o que queria. Não tinha a menor idéia de que ela queria uma carreira.
      Hannah tocou seu braço.
      — Não pode assumir a responsabilidade por ela não ter falado que desejava algo diferente.
      — E. Que piada. Uma mulher que fica em casa, cuidando das crianças e cozinhando. Parece ultrapassado.
      — Não é piada. Parece ideal em um mundo perfeito — ela o confortou.
      — Era tudo que eu conhecia. E pode me chamar de porco chauvinista, para mim estava bom. — Ele a olhou. — Você me fez ver que as coisas mudaram.
      — Eu? Mesmo? Ele acenou.
      — Finalmente percebi que Corie e eu... nossa relação... não tinha nada a ver. Nós não demos certo porque ela não me amava o bastante... — Dev parou de repente para evitar as palavras críticas — ...para ficar.
      — Então o que quer agora? — Hannah perguntou, esperançosa.
      Não deixar você partir, ele pensou. Não sofrer tanto diante da perspectiva de uma vida sem você. Uma chance de recomeçar, de não machucá-la ou ser um tolo pregando que as mulheres têm de ficar em casa, descalças e grávidas.
      — Eu quero...
      Dev não queria. Precisava de Hannah. Mas fora um imbecil uma vez. Ninguém poderia dizer que não aprendera a lição. Ele não imploraria para ela ficar por Ben, ou por ele. Se ficasse, teria de ser por vontade própria.
      — O que quer?
      — Quero que Destiny cresça e prospere.
      Dev não pediria para ela ficar, mas achou que não faria mal ressaltar algo a seu favor.
      — Sabe o que quero dizer. Mitch tem uma construtora. Ele está trabalhando para melhorar a região. Casas, shoppings, indústria, lazer. Já é um lugar muito bom, e as coisas só vão melhorar.
      — É mesmo? — Hannah sabia que ele evitava tocar no ponto principal. Mas ele não dissera que não a queria. Só mudara de assunto.
      — É... — Dev encostou na cerca e a encarou. — Temos muito espaço, água e ar limpos. As crianças podem crescer perto dos animais. Mas não seria mal ter lugares para ir e coisas para fazer. Estamos no caminho certo. Não acha bom estar no começo de tudo isso? Prosperidade significa mais gente, que precisa de mais cuidados médicos.
      — Como?
      — Você não fez um juramento?
      — Fiz. Mas não acho que não começava com "viva longa e prosperamente".
      — Tudo que estou tentando dizer é que há mais coisas na vida do que o dinheiro possa comprar.
      Hannah fora até ali para se desculpar por ter magoado seu filho. Também pensara sobre o que sua mãe lhe dissera, sobre aceitar a sociedade que Frank lhe oferecera. Mas amava Dev. Ele era maravilhoso, bonito, carinhoso, gentil e tinha um senso de humor fora do comum. Ele a ajudara a entender seu passado. O problema era só um: não havia mais o que esconder. Se Dev virasse as costas para ela, achava que nunca superaria. Abaixar a guarda podia estar na lista das dez coisas mais estúpidas a fazer.
      — O que quer dizer? — Hannah perguntou, esperando que ele declarasse amor eterno e dissesse que não sobreviveria se partisse.
      — Estou dizendo que Destiny é um ótimo lugar e que está prestes a ficar ainda melhor. Só isso.
      — Está bem, então — ela concordou. — Estou contente que tenha esclarecido. Mas há algo que eu preciso esclarecer. Eu vim do nada e me tornei alguém com inteligência e planejamento. Abandonar meu plano de carreira agora não seria muito brilhante.
      — Está dizendo que Destiny seria um retrocesso?
      — Não. Vòu procurar explicar. Mudar meu curso na atual conjuntura seria como trocar de cavalos durante a travessia de um rio. Acho que não é a coisa mais inteligente a fazer.
      — Certo, entendo seu ponto de vista, mas percebo uma coisa.
      — O que seria?
      — Você pode ter o QI maior que o Estado do Texas, mas isso não muda o fato de que está com medo.
      — Do que eu teria medo? — Ela própria sabia.
      — De se magoar. — Dev respirou profundamente. — Nunca conheci seu pai, mas acho que é igual a ele.
      — E com base em que você diz isso?
      — Você não tem peito para ficar e lutar. Está fugindo... como ele fugiu.
      — Como ousa...
      — Se a carapuça serviu...
      Raiva e dor se misturaram dentro dela, que virou as costas com intenção de ir embora. Era hora de deixar tudo para trás. Naquele momento, soube exatamente o que deveria fazer. Tirara um peso de seu coração. Ela via claramente o que a faria feliz. Hannah voltou-se para ele e o olhou com calma.
      — Você está certo, estou fugindo. E estou cansada de ser uma pessoa solitária. É hora de parar. Você estava certo sobre dinheiro não ser tudo. Há a realização pessoal e satisfação, e fazer parte da comunidade. Criar raízes e deixá-las crescer e fortificar. Decidi aceitar a proposta de Frank e ficar em Destiny.
      — Bom.
      — Bom? Isso é tudo que tem a dizer?
      — Posso dizer que isso é muito repentino?
      — Pode parecer. Mas sinto que é o que eu queria há muito tempo. Podia ter ficado na Califórnia e encontrado trabalho em qualquer lugar enquanto esperava a resposta do emprego que queria. De alguma forma sabia que tinha de voltar para casa. Trabalhar com Frank é a coisa certa para mim.
      — Sua mãe deve estar feliz.
      — Ela ainda não sabe. — Hannah o fitou. — Eu estava esperando que você ficasse feliz com isso.
      Finalmente ela pôs as mãos nos quadris. Haviam chegado a um impasse. Dev não comentaria sua decisão, ela não lhe diria o quanto isso importava. Ambos esperavam que o outro desse o primeiro passo. Bem, ela acabara de mudar o rumo de sua vida. Era hora de abrir o jogo ou se calar. Agora ou nunca. Então iria arriscar.
      Hannah se aproximou dele e pôs a mão em seu braço.
      — É óbvio que o que temos aqui não é uma falha de comunicação. É medo de se comunicar.
      — É mesmo?
      — Parece que nenhum de nós quer falar primeiro. Vou bancar a madura. Assim, posso me sentir superior pelo resto de nossa vida.
      De repente Dev a puxou para seus braços. Ele a segurou bem forte, e a olhou com uma intensidade que fez sua cabeça girar. Hannah esqueceu tudo que pretendia lhe dizer. Seu pulso acelerou e o coração pareceu saltar-lhe no peito. Sentiu um calor percorrer-lhe o corpo e parecia não estar perto dele o suficiente. A comunicação era uma habilidade superestimada, pois as ações diziam muito mais que palavras. Ela ficou na ponta dos pés, esperando que ele a beijasse.
      Mas em vez disso ele confessou:
      — Eu a amo, Hannah. Nunca se esqueça que eu disse primeiro. Ela piscou e sorriu.
      — Eu o amo, Dev. E não me importa quem tenha dito primeiro, já que nós dois sabemos que eu diria também.
      — Está bem.
      A felicidade borbulhou dentro dela. Sentiu paz novamente, ela e Dev combinavam. Mas tinha de ter certeza. Procurou qualquer sinal de dúvida em seus olhos.
      — Você tem certeza? Você viu que a vida de uma médica não é fácil. Às vezes os pacientes vêm em primeiro lugar.
      — Você é uma boa médica, foi isso que vi. As pessoas precisam de você. Faça o que precisar ser feito. Não me importo se você vai para a cozinha ou se estará em casa ou não quando eu chegar, contanto que volte... para mim. Receberei o que tiver para dar. Percebi o vazio da minha vida sem você. — Ele a apertou com cuidado. — Ter você, seja como for, é o paraíso.
      — Você está me pedindo para ficar?
      — Jurei que não pediria... nem mesmo por Ben. — Dev a abraçou por um momento, então se afastou e a encarou. — Diabos, estou te pedindo para ficar. Não me deixe, Hannah. Cure meu coração, me faça completo. Deixe-me fazer você feliz. Faça de mim o caubói mais feliz do Texas. Case comigo, por favor.
      — Ah, Dev. — Seus olhos ficaram úmidos ao ouvir suas palavras. Uma lágrima rolou pelo rosto delicado, e ele a enxugou com o polegar.
      — Não faça suspense. Meu futuro inteiro depende do significado dessa lágrima. Isso é um sim?
      Hannah assentiu.
      — Não há nada que gostaria mais do que casar com você. A terceira vez é que vale...
      — O quê?
      — Você me beijou duas vezes. Precisamos do número três.
      — Será um prazer servi-la, senhora.
      Dev a envolveu nos braços e a beijou. O toque foi suave, ainda que repleto de paixão e promessa.
      Hannah já se sentia a mulher mais feliz do mundo. Não pensara ser possível ter tudo, mas conseguira. Um lindo caubói que a amava, uma carreira gratificante e uma família. Hannah sabia que o amor eterno e o compromisso deles estava selado com aquele terceiro beijo.
      Dev ergueu a cabeça e a olhou.
      — Acho que isso invalida nosso acordo de não nos beijarmos mais.
      — Está bem — ela concordou feliz.
      — Graças a Deus. — Ele soltou a respiração com alívio e beijou-lhe a testa.
      Hannah apoiou o rosto no peito forte e ouviu a batida firme de seu coração. — Sabe, Ben estava certo o tempo todo. Aquele primeiro beijo me prendeu a atenção e me fez começar a pensar em ficar. Mudou minha vida, como nos filmes.
      — Ele vai ficar feliz em saber disso. Ela o olhou.
      — Devíamos ir contar a ele e à minha mãe.
      — Logo. Primeiro tenho de dizer algo. — Ele a segurou bem perto, os lábios quase se tocando. — Eu lhe prometo meu coração, meu amor e minha vida. Vou fazê-la a mulher mais feliz de Destiny.
      Seus lábios se tocaram, e a promessa da felicidade eterna estava selada com aquele beijo.