Barbara Faith [ Homens Sedutores 3 ] - Príncipe do deserto











 Príncipe do deserto
  The sheikh’s woman
  Barbara Faith
  Homens Sedutores 3

   Catherine sempre sonhou em conhecer o Marrocos, com suas palmeiras, o luar prateado do deserto e o aroma de perfumes exóticos. Em suas fantasias, desejava ser raptada por um atraente sheik, que a levaria para sua fortaleza, onde a amaria com paixão. No entanto, o que Catherine nunca imaginou é que sua fantasia se tornaria realidade...
  
  
  
  
  
  
  
  
  
   CAPÍTULO  I
  
   O avião estava prestes a aterrissar, e Catherine começou a distinguir as construções avermelhadas da cidade antiga. Era Marrocos... a jóia do mundo islâmico.
   Durante anos a fio, ela sonhara com essa cidade. Murmurava seu nome sonoro, enquanto imaginava folhas de palmeiras ondulantes sob o luar prateado do deserto, sentia o aroma de perfumes exóticos e o sabor de frutos jamais provados antes. Embora relutasse em admitir, também sonhava com homens atraentes, talvez um sheik de olhos negros, um mouro como o espanhol António Banderas, que a raptaria, levando-a para sua fortaleza inexpugnável, onde a amaria com paixão... pelo menos por um fim de semana.
   Nos momentos de maior sensatez, culpava o brutal inverno de Chicago por seus excessos de imaginação. Naquelas gélidas manhãs de fevereiro, enquanto corria da porta de seu minúsculo apartamento até o carro, amaldiçoava o frio que parecia se infiltrar em seus ossos e a neve escorregadia que representava um perigo em potencial para todos os motoristas. Não era de espantar que ela sonhasse com Marrocos!
   Então, na semana anterior e em meio à mais severa das nevascas dos últimos trinta anos, tio Ross lhe telefonara de Nova York a fim de convidá-la a ir com ele para Marrocos.
   — Vou a uma conferência de proprietários de poços de petróleo americanos e do oriente, que se realizará em Marrocos — dissera Ross. — Eu pretendia levar meu assistente, mas, no último minuto, ele desistiu, pois sua esposa está prestes a ter um bebé. Esse encontro é muito importante, Catherine. Estarei representando um conglomerado de petróleo e precisarei de alguém para assumir o papel de anfitriã. Será que não pode ir?
   Marrocos.., Pela janela do escritório, ela via as pessoas lutando para caminhar contra o vento gelado que varria a cidade.
   — Quando pretende partir?
   — Na próxima semana.
   — Mas... é muito pouco tempo, tio Ross. Eu...
   — Já é mais do que hora de tirar umas férias, menina — interferiu ele, disposto a não ouvir objeções.
   — Não sei. Quanto tempo ficaríamos por lá?
   — Só duas semanas, e... eu realmente preciso muito de você, Catherine.
   Como recusar esse apelo? Tio Ross era irmão de seu pai e a recebera de braços abertos quando os pais dela morreram num acidente, quinze anos atrás. Morara com ele enquanto cursava a faculdade e, embora já vivesse sozinha havia muitos anos, ainda considerava aquela casa seu verdadeiro lar.
   Além disso, Ross cuidava da herança que ela recebera do pai e assumira esse papel de afetuosa paternidade em todos os aspectos de sua vida.
   Uma recusa estava fora de cogitação. Então, no sábado, ela e o tio embarcaram para Marrocos.
   Agora a cidade de seus sonhos finalmente se concretizava diante de seus olhos fascinados. Altas e majestosas palmeiras ladeavam as largas avenidas, por onde trafegavam magníficos Mercedes e também Rolls Royces, ao mesmo tempo em que homens de vestimentas longas e capuzes, chamadas de albornozes, conduziam caravanas de camelos.
   A conferência iria se realizar em um hotel luxuoso, situado entre gramados com intermináveis canteiros de flores e que mais parecia um oásis em meio ao calor. Tão logo foi conduzida a seu quarto, Catherine postou-se no terraço, aspirando o ar fresco do deserto, sentindo o sol acariciar seu rosto, enquanto admirava as distantes montanhas Atlas. Seu sorriso era de intensa felicidade.
   Catherine acordou na manhã seguinte com o nascer do sol e, sem preocupar-se em vestir um robe, correu para o terraço. Através da bruma matinal, ela divisava os minaretes e as mesquitas. Ao longe, ouvia a voz do imã, chamando os fiéis para rezar, com as mesmas palavras que se repetiam por séculos. O misticismo daquela cidade lhe provocava arrepios.
   Mais tarde, enquanto tomava café com o tio, viu chegarem as delegações dos outros países, é, em poucos minutos, o enorme salão ficou repleto tanto de homens com ternos quanto com trajes árabes. Disfarçadamente, ela examinava os que usavam as longas túnicas brancas, mas nenhum deles se parecia com António Banderas!
   —  Não precisarei de você hoje, Catherine — disse Ross, enquanto assinava a nota do café da manhã. — Aproveite para conhecer a cidade, mas esteja de volta para a recepção, no final da tarde.
   Ross examinou a sobrinha com um olhar de franca admiração.
   —  Os homens árabes adoram loiras altas. Quero que você esteja linda esta noite. — Ele retirou um maço de dinheiro da carteira. — Caso não tenha trazido um vestido capaz de fascinar um monge de pedra... compre um, o mais bonito que encontrar, sem se importar com o preço. A presença de uma bela mulher ao lado ajuda muito a realizar bons negócios com esses milionários do Oriente Médio.
   Catherine encarou o tio, sem saber o que responder. Não lhe agradava a ideia de servir de isca e não aceitou o dinheiro.
   —  Estou certa de que o vestido que trouxe é adequado à ocasião.
   —  Bem... — Ross não escondia a hesitação. — Eu quero que você se divirta enquanto estivermos em Marrocos. Achei que gostaria de comprar um vestido novo.
   — Não é necessário. Tenho tudo que preciso. — Então, para amenizar a rispidez de suas palavras, ela sorriu. — Não quer mesmo que eu o ajude agora de manhã?
   — Está tudo sob controle — afirmou ele. — Encontro você às seis e meia, no saguão do hotel.
   — Como quiser...
   Beijando o tio, Catherine dirigiu-se para o balcão do hotel a fim de pedir informações.
   — Eu queria ir até o Djemma. — Ela sorriu, embaraçada. — Sinto muito, mas não sei como se pronuncia...
   — É Djemma El Fna, mademoiselle — explicou o recepdonista. — Não fica longe e, se esperar um minuto, chamarei um guia para acompanhá-la.
   — Não será necessário — falou Catherine, com firmeza. — São dez horas da manhã, e prefiro ir sozinha.
   O recepcionista franziu a testa, contrariado, mas não ousou contestar.
   —  Depois de chegar à avenida, vire à direita e siga em frente. Não terá de andar mais do que dez minutos para chegar ao Djemma. Entretanto, seria melhor se fosse...
   —  Obrigada — interrompeu-o Catherine, afastando-se rapidamente do balcão.
   Satisfeita com sua atitude, ela cruzou os impecáveis gramados com magníficos canteiros de flores, que separavam o hotel da avenida. O perfume das gardênias se espalhava pelo ar, e, cantarolando baixinho, Catherine alegrou-se por ter escolhido um vestido branco bem leve e curto para aguentar o calor do dia.
   Realmente, ela levou apenas dez minutos para alcançar o Djemma El Fna. Na verdade, pressentiu, antes mesmo de ver, a proximidade do mercado por meio dos sons e aromas exóticos. Vozes masculinas e femininas, somadas às das crianças, reverberavam no ar quente, ouvia-se a melodia dissonante de tambores, de cornetas e de realejos. O perfume do incenso, da mirra e das especiarias se mesclava ao odor pungente de fumaça, animais de carga e camelos,
   Catherine jamais vira antes uma multidão tão variada e ruidosa. Mulheres de rostos cobertos com véus conversavam entre si, enquanto escolhiam galinhas assadas ou espetos de carneiro. Homens com longas vestes brancas gritavam para se fazer ouvir acima do vozerio dos vendedores, que apregoavam suas mercadorias;
   Fascinada, ela observava os saltimbancos, com roupas de cores gritantes, e os tocadores de realejo com seus chimpanzés amestrados. Encantou-se com as bancas que vendiam sapatos de couro macio, incrustados de pedrarias, adagas preciosas e tapetes de desenho requintado.
   Em um dos cantos do mercado, uma pequena multidão se reunira para ver alguma maravilha exótica, e Catherine não pensou duas vezes para se juntar ao grupo.
   Sentado ao chão, um homem tocava flauta, e da cesta a sua frente surgiu uma cobra, que se ondulava com a melodia hipnótica.
   Assustada, Catherine tentou recuar, mas o homem as suas costas não se movia. Sem poder sair do lugar, ela viu a cobra oscilar para a frente e para trás, até finalmente entrar de novo na cesta.
   Então, o encantador de serpentes avistou a bela turista loira e, abrindo outra cesta, retirou uma cobra preta e a estendeu para ela.
   — Uma bela cobra para uma bela mulher — disse ele. —Pegue e tire uma foto!
   Em pânico, Catherine forçou a muralha humana a suas costas, a fim de fugir dali, mas não conseguiu se mover nem um passo. O homem a seu lado apanhou a cobra e a aproximou de seu rosto.
   — Não venenosa — explicou ele, num inglês mal falado. —Tira foto!
   Antes que Catherine pudesse reagir, o homem colocou a cobra ao redor do pescoço dela.
   Por alguns instantes, ficou imobilizada pelo terror. Então a cobra se moveu, deslizando em sua pele.
   —- Não! Tire-a daqui! Socorro!
   Subitamente, a multidão se abriu para dar passagem a um homem de albornoz cinza e expressão enfurecida, que avançava na direção dela. O desconhecido agarrou a cobra e jogou-a longe, enquanto gritava com o encantador de serpentes.
   Catherine sentiu que ele a segurava pelos ombros e praticamente a arrastava pelo meio da multidão. Depois de alguns minutos angustiantes, os dois alcançaram um pátio, tranquilo e quase deserto.
   — Você está bem? — perguntou o desconhecido, soltando-a.
   — Acho... acho que sim — murmurou ela, tentando recuperar o controle. — Obrigada por me salvar... eu...
   — O que está fazendo sozinha no mercado? Onde foi parar seu guia?
   — Eu não tenho um guia.
   — Veio até o Djemma... sozinha?
   — Achei que não tinha nenhum problema, e realmente foi tudo muito bem até... até o homem colocar aquela cobra horrível em meu pescoço.
   Ela estremeceu, empalidecendo com a lembrança. Então seu salvador a segurou novamente pelo ombro, praguejando em voz baixa.
   — Venha comigo. Você está precisando tomar um café forte.
   O desconhecido era muito alto e de ombros largos. O traje árabe de um tom cinza-claro realçava os cabelos negros como a noite e a pele de um moreno-acobreado. Os olhos castanhos pareciam ter um tom quase dourado, e Catherine jamais vira um homem tão bonito... e tão assustador!
   Deixando-se levar, ela foi conduzida para dentro de um restaurante, e, depois de subirem uma escada estreita, sentaram-se em uma mesa junto da janela, de onde se divisava a movimentada entrada do mercado.
   Depois de pedir dois cafés e um conhaque para ela, o desconhecido a encarou, ainda revelando raiva.
   — Você já tomou o café da manhã? Precisa de uma bebida forte e é melhor que não esteja de estômago vazio. Não quer nada para comer?
   — Não, obrigada...
   Antes de Catherine poder se explicar, o garçom chegou com o conhaque. Ao ver que ela hesitava em beber, o desconhecido não se conteve.
   — Vamos! Beba imediatamente!
   Intimidada, Catherine nem pensou em desobedecer.
   — Quem permitiu que você viesse sozinha ao mercado? — perguntou ele, enraivecido.
   A ideia de que alguém teria direitos sobre ela a ponto de dar-lhe permissão para ir a qualquer lugar despertou a combatividade de Catherine.
   —  Eu queria visitar o Djemma e não achei que haveria problema algum em vir por conta própria.
   — Está viajando sozinha?
   — Não, vim com meu tio. Ele irá participar da conferência entre os conglomerados de petróleo americano e os do Oriente Médio.
   — Ah! — Ele a fitou com um olhar de desconfiança. — Eu também vim para Marrocos a fim de participar dessa conferência. Sou Tamar Fallah Haj.
   — E eu sou Catherine Courlaine.
   — Courlaine? Por acaso seu tio é Ross Courlaine?
   — Exatamente. Você o conhece?
   Ele desviou o olhar, como se examinasse a xícara de café. Seus dedos eram longos, contrastando com as mãos fortes.
   —  Conheço-o apenas de nome.
   —  Sim... — murmurou ela, sem saber como continuar a conversa. — De onde vem, senhor...
   — Fallah Haj. Eu venho de El Agadir.
   — Sinto muito, mas não sei onde fica essa cidade.
   —  El Agadir é um pequeno país, com muitos poços de petróleo, que se localiza ao norte das montanhas Atlas.
   Catherine lembrou-se de ter admirado as montanhas, do terraço de seu quarto.
   Quando a viu se distrair com suas lembranças, ele a examinou mais atentamente. A jovem turista era esguia demais para seu gosto, pois preferia mulheres com curvas mais exuberantes. Entretanto, adorou a pele muito alva, com a suavidade das pétalas de uma camélia, e os olhos de um azul intenso. Sem dúvida, uma mulher fascinante e. capaz de conquistar qualquer homem. Preocupado, imaginou por que motivo Ross Courlaine a trouxera para Marrocos.
   —  É inacreditável, não? — perguntou ela, olhando para a cena vista pela janela. — O mercado costuma ser sempre assim?
   —  Sempre. Na verdade, o Djemma não mudou quase nada nos últimos séculos. — Ele hesitou, mas não resistiu à vontade de provocá-la. — Logicamente, já não se leiloam mais escravas no mercado.
   —  Ora! Você deve estar brincando!
   —  De modo nenhum! — Ele se forçou a conter o riso. — Há alguns anos, traziam-se mulheres de diversas partes do mundo para serem vendidas em Marrocos. Tente imaginar a cena... vestidas com roupas transparentes, elas eram conduzidas para uma plataforma, em torno da qual se reuniam os homens. O leiloeiro apregoava o preço inicial e...
   — Mas... isso é um crime! — explodiu Catherine, horrorizada.
   —  Talvez fosse mesmo...
   Subitamente, Tamar a viu como se ela estivesse sendo leiloada na praça do mercado. As curvas do corpo esguio surgiriam em todo seu esplendor, reveladas pela roupa transparente, e os magníficos cabelos loiros pareceriam um manto sobre seus ombros nus. Ele seria capaz de pagar um milhão de peças de ouro por aquela mulher!
   Para sua surpresa, Tamar sentiu um desejo quase incontrolável de tocá-la. A sala estava vazia e bastaria deitá-la sobre uma das mesas e, abrindo o vestido diminuto...
   Por Alá! Ele estaria perdendo o juízo? Não costumava sentir esse desejo selvagem por desconhecidas que encontrava no mercado!
   — Tenho um compromisso — resmungou ele, levantando-se da mesa abruptamente. — Vou levá-la até o hotel.
   Catheríne sentiu o sangue ferver nas veias. Com que direito aquele homem dava-lhe ordens? Não lhe perguntara se podia acompanhá-la até o hotel! Entretanto, não lhe agradava nada a ideia de retornar sozinha. Tentando manter a dignidade, ela também se levantou e o fitou, como se lhe concedesse um favor. — Sim... você pode me acompanhar.
   Ele a fitou, perplexo, mas não fez nenhum comentário. Segurando-a pelo braço, conduziu-a pela escada estreita e pelo restaurante, sem dizer uma só palavra. Ao chegarem à praça do mercado, chamou uma das carruagens à espera de turistas e a ajudou a subir.
   Catherine sentia o calor do corpo másculo muito junto ao seu. Quando a carruagem fez uma curva mais fechada, seus ombros se tocaram, e sua perna, sem meia, tocou a dele. Por um instante, quis descobrir se os homens árabes usavam calças compridas debaixo dos longos albornozes e enrubesceu.
   A carruagem finalmente parou, e ele a conduziu, em silêncio, até o saguão do hotel
   — Vejo-a à noite, srta, Courlaine.
   Com um gesto rápido, mas cortês, ele beijou a mão de Catherine. Tão repentinamente quanto surgira, seu salvador desapareceu na multidão que circulava pelo vestíbulo luxuoso, deixando-a com a respiração alterada e a sensação de que os lábios másculos haviam marcado para sempre a pele de sua mão.
  
  
   CAPÍTULO II
  
   O salão, iluminado por imensos candelabros de cristal, parecia o cenário de uma história de As Mil e Uma Noites. Tapetes preciosos cobriam o chão, espelhos dourados adornavam as paredes e mesas de mosaicos coloridos ofereciam as especialidades culinárias mais sofisticadas de todos os países do mundo. Garçons de branco circulavam, oferecendo altas taças de champanhe aos convidados ocidentais e sucos ou água para os árabes.
   A delegação mais numerosa era a dos países árabes, e os homens não tinham vindo com suas esposas, como alguns dos participantes europeus ou americanos. As mulheres ocidentais, talvez intimidadas pelos homens austeros com longas vestes flutuantes, não se afastavam de seus maridos, ou se reuniam em pequenos grupos fechados, sem se misturar aos demais convidados.
   Apenas Catherine, ao lado do tio, estava rodeada por homens árabes.
   A distância, Tamar a observava. Os cabelos loiros pareciam ainda mais dourados em contraste com a seda negra do vestido quase severo na simplicidade de suas linhas e sem o realce sequer de uma jóia. Então, Catherine virou-se, e ele engoliu em seco ao ver o profundo decote que revelava a pele muito alva das costas. A camélia presa na parte posterior de sua cintura atraía o olhar para a curva suave das nádegas moldadas pelo tecido muito fino.
   Como acontecera de manhã, ele se surpreendeu com a súbita onda de desejo que o envolveu. Então, uma emoção mais forte prevaleceu, e sentiu ódio do tio que a expunha quase nua aos olhares dos homens.
   Havia uma pequena multidão masculina em tomo de Koss Courlaine, mas os homens, embora parecessem ouvi-lo, mantinham os olhos fixos em Catherine. Tamar quase podia ouvir suas respirações alteradas pelo desejo. Mais uma vez, perguntou a si mesmo quais seriam as intenções daquele homem ao trazer consigo uma mulher tão bela.
   —  É o sr  Courlaine que prende sua atenção, amigo   — perguntou uma voz junto do ouvido de Tamar. - Ou a beldade seminua que está ao lado dele?
   — Minha atenção se dirige para o mesmo lugar que a sua, Hamid Nawab, tinha ainda mais raiva de Ross Courlaine, ao ver a expressão de luxúria nos olhos do outro homem. Se Cathenne fosse sua, ele jamais permitiria que mostrasse o corpo dessa forma e a cobriria de véus, para impedir que alguém visse o rosto perfeito, e de longas roupas, para ocultar a perfeição das curvas sensuais.                                              
   Subitamente, Catherine ergueu os olhos e o viu. Ela se sobressaltou, como se tivesse adivinhado seus pensamentos eróticos. Perturbada murmurou algo para o tio e se afastou, na direção de um dos terraços.                                              
   — Acho que Courlaine trouxe sua bela sobrinha para distrau nossa atenção durante as negociações - disse Hamid, serr disfarçar o desejo. - Ela é uma mulher capaz de enlouquecer qualquer homem!
   Dando uma baforada no perfumado charuto cubano, ele segurou Tamar pelo braço.
   — Venha. Eu o apresentarei a ele.
   Elegante e distinto, Koss Courlaine sorriu quando os viu, PeTí Meu bom amigo Nawab - falou Koss, com toda a amabilidade. — É bom vê-lo de novo!
   — Também acho átimo - disse Nawab. - Gostana de apresentá-lo ao príncipe Tamar Fallah Haj.
   — De El Agadir, certo? E um prazer conhece-lo, principe. Eu esperava ansiosamente por esse momento.
   — Eu também queria conhecê-lo — respondeu Tamar. -Soube que nem você nem seus associados aprovam a ideia da formação de uma confederação voltada para os interesses dos árabes.
   —  Eu não desaprovo — informou Courlaine, sorrindo. — Entretanto, acredito que o equilíbrio do poder deva ser mantido pelos maiores conglomerados.
   — Como o seu.
   Courlaine sorriu mais uma vez, mas, antes que pudesse responder, Hamid interferiu, com o rosto distorcido pelo ódio.
   — Você veio a Marrocos para sabotar o encontro! Pouco se importa se vamos ou não chegar a um entendimento mútuo.
   — Meu caro Hamid...
   — Não! — A voz de Hamid refletia ameaça. — Não permitirei que arruine nossos esforços. Você gostaria de unir alguns países e de excluir outros, mas eu o impedirei, Courlaine!
   — Este não é o lugar apropriado para discutirmos — interferiu Tamar. — Amanhã, teremos tempo de sobra para todos os argumentos possíveis. Com licença...
   Sem esperar por uma resposta dos dois homens, Tamar afastou-se rapidamente. Como Hamid, suspeitava que Ross Courlaine estivesse bastante mal-intencionado. Resolveria esse problema no momento adequado. Agora, sua mente se voltava para outro assunto... ou melhor, para outra pessoa.
   Catherine estava em pé, apoiada no parapeito do terraço, e vestida de negro. Bela, mas de uma cultura diferente, uma mulher pela qual jamais devia se interessar, E, no entanto, não conseguia lutar contra a atração que o impelia a se aproximar dela, a admirar os cabelos prateados pelo luar, que também iluminava a pele sedosa das costas nuas.
   Tamar aspirou o perfume feminino que o excitava como se ele fosse um garanhão selvagem em busca de sua parceira para o duelo do sexo. O desejo foi tão intenso que ele mal sufocou um gemido, e Catherine voltou-se ao ouvir um som no terraço, até então deserto.
   — Oh... sr. Fallah Haj! — exclamou ela, sobressaltada. — Boa noite.
   — Boa noite, srta. Courlaine. Não está gostando da festa?
   — Estou, é claro. Só queria... respirar um pouco de ar fresco
   — É a primeira vez que vem a Marrocos?
   — Sim... — Ela sorriu, embaraçada. — Sempre sonhei em conhecer esta cidade. Quando tio Ross me convidou a acompanhá-lo, não consegui resistir!
   —  Só passou um dia na cidade, e há muitos lugares para conhecer.
   —  Quero conhecer todos! — exclamou ela, entusiasmada.— Principalmente o Saara...
   — O deserto do Saara fica além das montanhas, senhorita.
   — Onde também fica seu país, certo?
   —  El Agadir foi construído dentro de um oásis. Embora tenhamos prédios modernos e avenidas amplas, jamais esquecemos que o deserto está muito próximo. Eu gostaria de levá-la para conhecer as belezas agrestes do Saara.
   — E eu gostaria muito de ir...
   Envolvida pala magia da noite, Catherine não recuou diante da intensa atração que sentia por aquele homem fascinante e, ao mesmo tempo, perigoso. Nunca vira, em outros olhos masculinos, um desejo tão forte, que parecia transformá-la em uma mulher primitiva e ávida por prazeres desconhecidos. - Sr. Fallah Haj...
   — Meu nome é Tamar.
   — Sim... eu gostaria de retornar à recepção, Tamar.
   — Sem dúvida. — Incapaz de se controlar, ele colocou as mãos sobre os ombros nus de Catherine. — Por que está tremendo?
   — Eu... eu não estou tremendo.
   Ele sorriu, confiante. Naquela manha, Catherine se comportara como uma americana, cheia de independência e capaz de se recuperar de qualquer susto. Agora, com um sofisticado vestido negro, era o retrato de uma mulher de sociedade. Entretanto, tremia ao ser tocada com mais intimidade, e essa aparente inocência o excitava a um ponto quase insustentável. Com um gesto rápido, ele a tomou nos braços e a beijou. No primeiro instante, Catherine ficou tensa e tentou empurrá-lo, a fim de escapar do abraço. Seus lábios se tocaram, e Tamar contornou os dela com a ponta da língua. Incapaz de resistir, Catherine os abriu, como uma flor desabrochando ao calor do sol.
   Tamar a abraçou mais forte, colando seu corpo ao dela. Suas mãos buscaram a pele macia das costas nuas, e ele as deslizou até as nádegas cobertas pela fina seda. O beijo se tornou ainda mais ardente e possessivo.
   — Pare... por favor — murmurou Catherine, entre um beijo e outro.
   Com muito esforço, Tamar conseguiu se controlar e a deixou escapar de seus braços.
   —  Não devia se vestir assim. Você enlouquece de desejo qualquer homem... quando se expõe a ele quase nua.
   — Meu vestido é perfeitamente decente! — exclamou ela, revoltada. — Preciso voltar para a festa.
   Embora tentasse se mostrar calma, ela mal controlava o tremor dos lábios, ainda marcados pelo ardor dos beijos de Tamar.
   — Catherine?
   — Sim? — Ela hesitou, parando por um instante.
   — E sua camélia?
   Só então ela percebeu que a flor caíra do decote de seu vestido. Perturbada, estendeu a mão para pegá-la, mas Tamar recuou, colocando a camélia no bolso do paletó, com um sorriso enigmático.
   — Almoçaremos juntos amanhã — ele disse. — Sinto muito se a ofendi, mas não era essa minha intenção.
   — Você terá várias reuniões e...
   —  Só precisarei comparecer no período da manhã. Darei um jeito de escapar à tarde e a levarei para conhecer Marrocos.
   Catherine ansiava por descobrir cada detalhe da cidade encantada de seus sonhos e sabia que só a conheceria de verdade na companhia de alguém como Tamar. Entretanto, precisava ser muito prudente, pois a atração entre os dois era altamente explosiva. O beijo daquela noite despertara uma mulher primitiva em seu íntimo, e não podia permitir que ela vencesse seu lado racional.
   — Podemos nos encontrar à uma hora? Está combinado? Tamar a fitava, como se adivinhasse seus temores. Então, respondeu por ela:
   — Está combinado, Catherine.
   Apesar de estar entretido em uma conversa com vários potentados árabes, Ross os viu quando entraram no salão. Os dois saíram juntos do terraço, e ele disfarçou um sorriso. Com uma expressão satisfeita, voltou a concentrar-se no assunto que estava sendo discutido.
  
  
   CAPÍTULO  III
  
   Ao acordar, na manhã seguinte, Catherine decidiu que não iria almoçar com Tamar, em hipótese nenhuma!
   Ele estava muito longe de ser o tipo de homem que a interessava. Era agressivo, autoritário e machista demais. Sem dúvida, julgava que o lugar da mulher era no interior do lar, fechada entre altas paredes de pedra, coberta por véus da cabeça aos pés e sempre grávida.
   Só não podia negar que também era o homem mais atraente do mundo! Não correspondera a seu beijo com o ardor descontrolado de uma adolescente? Mas considerava-se vivida e sabia que corria um grande risco, caso se aproximasse demais de alguém como Tamar. Além disso, ficaria apenas quinze dias em Marrocos, e seria um envolvimento sem futuro.
   A campainha do telefone interrompeu seus pensamentos.
   — Tio Ross...
   — Acordei você, querida?
   — Não. Eu acordei com preguiça e não me levantei ainda, mas estou bem desperta.
   — Tem todo o direito de ficar na cama o tempo que quiser. Gostou da festa?
   — Adorei,
   — Todos a acharam maravilhosa. Você estava realmente linda.
   — Muito obrigada.
   — Percebi que o príncipe Tamar também se encantou com sua beleza.
   — Príncipe?
   — Você não sabia? Ele raramente usa o título, mas é um . príncipe de verdade. Vi vocês dois retornando do terraço juntos e... achei-a um tanto corada.
   — Deve ter se enganado!
   Catherine ouviu o tio rir diante de sua resposta indignada, mas pouco convincente.
   — Vão se encontrar hoje?
   — Bem... ele me convidou para almoçar, mas não sei...
   — Por favor, vá almoçar com ele, querida. Comporte-se como se fosse minha secretária, a encarregada das relações públicas de seu velho tio.
   Ela estava pensando em como escapar do pedido do tio, quando Ross avisou-a de que precisava desligar, pois teria uma reunião dentro de cinco minutos.
   — Vista algo sedutor e não falte ao encontro. Ross desligou antes que Catherine pudesse responder. A insistência do tio a desagradava, embora não soubesse definir o motivo. Algo não soava bem...
   Naquele instante, alguém bateu à porta. Era o porteiro que viera lhe entregar uma caixa branca. Ao abri-la, Catherine encontrou seis rosas vermelhas e um cartão, onde se lia: "Embora sinta muito por tê-la ofendido, não me arrependerei de um beijo inesquecível."
   Sorrindo, ela pousou os lábios no cartão. Talvez o príncipe Tamar fosse perigoso demais, mas era muito encantador! Com uma das rosas na mão, pensou no vestido que usaria para almoçar com aquele homem irresistível.
   Catherine passou ao lado de Tamar sem o ver. Só se deteve quando ouviu que alguém a chamava pelo nome e não disfarçou a surpresa. O príncipe em trajes ocidentais era de tirar o fôlego!
   —  Sinto muito, mas não o reconheci de blazer e camisa esporte — disse ela, rindo. - Esperava encontrá-lo com o costumeiro traje árabe.
   Ele devolveu o sorriso, e Catherine relaxou pela primeira vez desde que concordara em almoçarem juntos.
   — Quer ir a algum lugar especial, ou prefere que eu escolha aonde iremos almoçar?
   —  A cidade é sua — respondeu ela. — Eu nao conheço Marrocos.
   — Então, eu a mostrarei a você em toda sua beleza.
   O carro de Tamar era um luxuoso Rolls Royce, e, embora ele fosse um excelente motorista, os dois conversaram pouco. Catherine aproveitou a atenção dele na estrada para observá-lo à vontade.
   O rosto másculo revelava uma personalidade forte e autoritária mas a boca parecia desmentir a austeridade quase severa dos traços perfeitos. Os lábios transmitiam uma sensualidade intensa, e Catherine corou ao lembrar-se das sensações despertadas pelo simples toque deles em sua mão, na noite anterior.                                                      
   A mera recordação a fez estremecer, e ela so podia crer que se tratava de um efeito do clima quente e do exotismo daquela cidade fascinante. Ou será que era mesmo Tamar quem a excitava dessa maneira? De qualquer forma, precisava ser prudente e não se arriscar a dar um passo do qual se arrependeria.
   Ele a levou a um restaurante localizado em meio a um magnífico jardim, e a mesa escolhida ficava sob uma acácia florida, que parecia perfumar todo o ambiente.
   Quando chegou o champanhe, ele abriu uma exceção e tomou uma taça da bebida, pois queria fazer um brinde.
   — Que sua estada em Marrocos seja perfeita, srta. Courlaine.
   Catherine apenas sorriu, perturbada com a intensidade do olhar de Tamar.
   Por Alá! Ela tem algo especial que me excita como jamais mulher nenhuma conseguiu. Parece delicada, quase frágil, e emana uma sensualidade tímida que poderia levar um homem à loucura. Quero protegê-la e mimá-la de todas as maneiras possíveis. E, ao mesmo tempo, sinto um desejo incontrolável de possuí-la com um ardor primitivo. Por que desperta essas reações tão intensas em mim? Por que me priva da capacidade de raciocinar?
   Tamar pediu uma enorme quantidade de pratos típicos árabes e a incitava a experimentar cada um deles. Catherine não se opunha, demonstrando prazer em descobrir os sabores exóticos.
   Após o almoço, ele a conduziu aos pontos mais belos da cidade, ansioso por mostrar-lhe tudo que havia de mais importante. Na verdade, sentia uma vontade inexplicável de levá-la a lugares ainda mais distantes, como as pirâmides do Egito. Queria velejar com ela pelo Nilo e ver a lua prateando a água do salão de seu iate.
   Percebendo que estava se entregando a devaneios absurdos, Tamar tentou desviar o rumo de seus pensamentos. Catherine Courlaine não pertencia a seu mundo e talvez não se submetesse a uma aventura breve, dizendo adeus com um sorriso satisfeito quando o relacionamento findasse. Ele precisava controlar seus desejos para não perder a cabeça por aquela mulher!
   Em algum ponto do passeio, ele segurou o braço de Catherine a fim de ajudá-la a subir uma escada e, depois desse momento, não mais o soltou.
   No meio da tarde, Tamar parou em um típico café árabe para que Catherine descansasse do longo passeio pelos pontos turísticos da cidade.
   — Muito obrigada por ter me levado para conhecer Marrocos — disse ela, com um sorriso meigo.
   —  O prazer foi todo meu.
   — Mas eu o afastei de seu trabalho.
   —  Não havia nenhuma reunião importante esta tarde, mas amanhã passarei o dia todo ocupado. — Ele hesitou, — Gostaria muito que jantasse comigo, hoje. Depois, poderíamos ir dançar e...
   Dançar seria uma desculpa perfeita para tomã-la nos braços e sentir o corpo sensual colado ao seu.
   —  Oh, céus! Fiquei tão empolgada com nosso passeio que me esqueci de dar-lhe o recado de tio Ross. Ele gostaria que você jantasse conosco esta noite!
   —  Não imagino por que ele me convidaria para jantar com vocês.
   —  Talvez porque queira conhecê-lo melhor. — Catherine mal disfarçava a perplexidade. — Vocês irão se encontrar nas conferências e...
   — Será por sua causa? — perguntou ele, com uma expressão sombria.
   Subitamente, Tamar desconfiava que Catherine saíra com ele por ordem do tio. Seria por isso que sorria com tanta meiguice e o deixara segurar-lhe a mão?
   Uma onda de raiva o envolveu, mas Tamar esforçou-se para não revelar sua emoção. Se era esse o jogo de Catherine, ele entraria para ganhar. Jantaria com o tio e a sobrinha, observaria e ouviria tudo, mas não se deixaria fascinar pela beleza ou pela suavidade dessa mulher. Na verdade, assim ficaria livre de remorsos quando a levasse para a cama!
   Catherine percebeu uma mudança de expressão de Tamar, mas a alteração foi tão rápida que julgou ter imaginado. Ele voltou a ser o refinado cavalheiro de antes e a conduziu de volta ao hotel, com a mesma simpatia com que a apanhara naquela manhã.
   — Diga a seu tio que eu aceito o convite — ele falou quando pararam à porta do elevador. — Será um prazer jantar com ele... e com você, Catherine.
   O sorriso de Tamar se transformou em um gesto de crueldade quando a porta do elevador se fechou. Ao voltar para seu quarto, ele não perdeu um só minuto e telefonou para Hamid Nawab.
   — Hamid? Aqui é Tamar.
   —  Onde você esteve? Procurei-o a tarde toda! Aconteceu algo grave, amigo. Uma facção de Mali Bukhara está ameaçando tomar a nova área de poços de petróleo, que acabou de ser descoberta na costa da Tunísia. Courlaine está envolvido nessa trama, e temos de impedi-lo de agir.
   — Tem certeza absoluta?
   — Claro que tenho! — A voz de Nawab demonstrava pânico. — Por Deus, Tamar! Sabe o que isso provocará?
   Sim, ele sabia e muito bem! Os poços de petróleo encontrados na costa da Tunísia tinham sido considerados os mais lucrativos dos últimos anos. Tanto a Tunísia quanto Mali Bukhara reclamavam a posse desse tesouro, e esse era um dos motivos da conferência que estavam realizando.
   A maioria dos membros da delegação apoiava a Tunísia, mas, se Mali Bukhara e Ross Courlaine juntassem suas forças as outras delegações não poderiam fazer quase nada para impedi-los de tomarem esses poços.
   — Irei jantar com Courlaine hoje à noite —- informou Tamar.
   — E passou o dia todo com a sobrinha dele, quando devia ter ficado conosco. — Nawab não escondia a desconfiança. — Começo a me perguntar de que lado você está, meu amigo.
   — Não ouse duvidar de minha lealdade, Hamid Nawab! Se Courlaine e a sobrinha estiverem conspirando em favor de Mali Bukhara, eu os denunciarei.
   — Depois que o fizer e antes de ele ser levado pelas autoridades... eu gostaria de passar algum tempo com o maldito Courlaine no deserto. Na verdade, seria melhor ainda com a sobrinha dele!
   Tamar cerrou os punhos, controlando a fúria.
   — Eu me encarrego da sobrinha. Pique fora disso!
   Ele desligou o telefone, exasperado. Se fosse verdade que o tio e a sobrinha estavam, envolvidos nessa trama, ele deixaria Hamid vingar-se de Courlaine. Quanto a Catherine...
   Respirando fundo, Tamar forçou-se a manter a calma e, depois de alguns minutos, telefonou para a floricultura no saguão do hotel e encomendou um buque de gardênias para ser entregue no quarto da srta. Courlaine. Afinal, ele pretendia vencer esse jogo.
   Ross e Catherine esperavam por Tamar no saguão do hotel, quando ele saiu do elevador, às oito da noite. Ela estava ainda mais linda, com um vestido vermelho que lhe moldava o corpo como uma segunda pele.
   Na verdade, era a cor perfeita para uma mulher que usava sua feminilidade como uma arma! Tamar estava feliz por poder examiná-la friamente, sentindo apenas atração física. Ele vestia terno cinza, uma cor que refletia seu estado de espírito bastante sombrio.
   — Tamar! — exclamou Courlaine, efusivo. — Fiquei feliz por ter aceitado jantar conosco. Catherine contou-me que vocês dois passaram uma tarde muito agradável juntos!
   Só então Tamar a fitou nos olhos. Catherine sorriu, tocando de leve as duas gardênias que prendera na alça muito fina do vestido. Ele desviou o olhar, temendo revelar seus sentimentos, que somavam desejo e ódio.
   —  Pensei em irmos ao Sahara Room — prosseguiu Courlaine. — Se você concordar...
   — Perfeito. É uma ótima escolha.
   —  Então vamos! — Ross esfregava as mãos, incapaz de conter a satisfação.
   Ele havia alugado uma limusine com motorista, e Catherine ficou entre os dois homens na parte posterior do automóvel. Courlaine tagarelava sem cessar, e, quando encontrou uma oportunidade, ela agradeceu Tamar pelas flores que recebera. .,
   —  São lindas!
   —  Como você, ma chère — murmurou Tamar, notando sorriso satisfeito de Ross.
   O Sahara Room parecia um cenário de As Mil e Uma Noites. Muitas velas e o perfume de incenso davam a Catherine a impressão de que ela fora transportada para um outro inundo. A música era suave, apropriada para momentos de intenso romance.
   — Por que não vão dançar? — indagou Ross.
   —  Mas é claro — respondeu Tamar e, levantando-se da mesa> estendeu a mão para Catherine.
   Quando os dois chegaram à pista de dança e Catherine se deixou envolver pelos braços fortes de Tamar, ela deu vazão à inquietação que a perturbava.
   —  Há algo errado? — questionou ela.
   —  Claro que não. Por que pergunta?
   —  Não sei... você me parece tão diferente.
   — Realmente?
   Como se não tivesse tomado conhecimento do comentário de Catherine, Tamar a apertou mais, forçando os seios rijos a se comprimirem de encontro a seu peito. Por um instante, sentiu o desejo crescer a um ponto quase insuportável, mas forçou-se a pensar na cumplicidade dela no plano do tio, que era usar a feminilidade da sobrinha a fim de afastar sua mente de problemas sérios. Involuntariamente, seus músculos ficaram tensos.
   — Tamar? O que foi?
   — Tê-la em meus braços provoca sensações perturbadoras, ma chère — respondeu ele, forçando um sorriso. — Com você... um homem quase pode esquecer... muitas coisas.
   A pista de dança era iluminada apenas por candelabros, mas Tamar a conduziu a um canto ainda mais escuro. Deslizando os lábios pelo rosto macio de Catherine, beijou-a levemente na boca.
   — Tamar! — Ela tentou afastar-se, mas os braços fortes a prendiam com firmeza.
   Descendo a mão para pouco abaixo da cintura dela, Tamar continuou a beijá-la provocantemente. Mordiscou-lhe o lábio inferior e a pele suave do pescoço.
   Ele notou o corpo de Catherine reagir as suas carícias e sentiu-se vitorioso. Aquela mulher seria sua no momento que a desejasse!
            Catherine mal se dava conta da existência de outros pares na pista de dança. Tamar era um desconhecido, mas ela jamais se sentira tão atraída por nenhum outro homem. Na verdade, seria capaz de perder a cabeça e agir de alguma forma que nem sequer conseguia imaginar.
   Subitamente, a música cessou. Tamar a fitava com os olhos brilhando de desejo... e algo mais que Catherine não entendia.
   — Vamos — disse ele, com uma certa rispidez, conduzindo-a de volta à mesa onde Ross os esperava.
   Eles jantaram e assistiram a um show. Após algumas atrações previsíveis, veio o ponto alto do espetáculo: a dança do ventre. Uma mulher de curvas opulentas, reveladas através dos véus que cobriam um minúsculo biquini de lantejoulas, começou a ondular o corpo exuberante. No início, os movimentos eram lentos, mas foram ficando mais rápidos até se tornarem quase frenéticos e a pele morena ficar brilhante de suor:
   Durante todo o espetáculo, Tamar acariciava os ombros nus de Catherine. Ela queria afastar-se, mas não encontrava forças para recusar aquele prazer.
   — Francamente! — exclamou Ross quando a dança terminou. — Nunca vi um espetáculo tão sensual!
   Mas, com certeza, ele não se impressionara muito com a dança, pois, tomando um gole de champanhe, mudou completamente o rumo da conversa.
   — Quais são os planos de vocês dois para amanhã?
   — Infelizmente, terei de comparecer às sessões de amanhã. — Tamar brincava com a faca de prata. — Aparentemente, a delegação de Mali Bukhara tem planos que irão provocar problemas. Se for verdade, eu me juntarei aos outros... a fim de impedi-los de fazer o que pretendem.
   — Mali Bukliara é um país rico e poderoso. Negociar com eles talvez seja de interesse geral.
   — Oh? Pensa assim, Courlaine?
   — Sim, príncipe Tamar. É o que eu acho.
   — Mesmo sabendo que são uma nação guerreira?
   —  Eles têm de se proteger. É melhor atacar do que ser atacado, certo?
   A mão nas costas de Catherine se crispou, e, abruptamente, Tamar a retirou.
   —  Há cinco anos, eles trucidaram metade da população de Ridani.
   —  Não, não — falou Ross, balançando a cabeça. — Eles apenas estavam defendendo sua fronteira.
   Tamar precisou usar todo seu autocontrole para continuar a conversa de maneira civilizada.
   — Suponho que sempre existam dois lados de uma mesma moeda.
   — É claro que sim. Não custa ouvir o que a delegação de Mali Bukhara irá nos dizer, concorda? —- Ross inclinou-se por sobre a mesa, encarando Tamar. — Você tem muito poder, príncipe. Os outros homens o respeitam e acatam suas opiniões. Já o ouvi falar e sei que pode convencer a quem desejar com sua retórica.
   Então, ele não se enganara a respeito dos motivos ocultos daquele convite para jantar! Também não errara sobre o papel de Catherine. Ela era a batedora do exército, enviada na frente dos demais a fim de envolvê-lo com seus encantos para torná-lo predisposto a concordar com o tio. Enfim, representava uma irrecusável recompensa por sua colaboração.
   Ross acabou de confirmar as suspeitas de Tamar ao sugerir que ele fosse dançar de novo com sua sobrinha.
   Catherine sorriu para Tamar, mas o sorriso morreu em seus lábios ao ver um brilho frio nos olhos dele. Subitamente, descobria uma insuspeitada crueldade naquele homem, uma emoção de tal intensidade que a enchia de medo.
   — Eu... estou um pouco cansada, tio Ross. Ficaria aborrecido se terminássemos a noite? Gostaria de voltar para o hotel.
   — Mas é claro, querida.
   Depois de pagar a conta, Ross e seus convidados retornaram ao hotel, quase em silêncio absoluto. Ao chegarem no saguão, ele se deteve.
   — Vou encontrar alguns amigos que me esperam no bar do hotel — disse Ross, sempre sorridente. —Você se incomodaria de acompanhar minha sobrinha até a porta do quarto dela, príncipe Tamar?
   — Será um prazer. Agradeço-lhe o excelente jantar, sr. Courlaine. Espero que me permita retribuir essa amabilidade durante sua estada em Marrocos.
   Embora sorrisse, os olhos de Tamar permaneciam frios e distantes.
   — Otimo! — exclamou Ross, batendo amigavelmente no ombro de Tamar. — Precisamos conversar de novo. Estou certo de que temos interesses em comum.
   Sem notar a evidente frieza de Tamar, Ross continuava a tagarelar sobre banalidades, enquanto se despedia da sobrinha. Finalmente, ele se afastou na direção do bar, deixando os dois a sós.
  
  
   CAPÍTULO  IV
  
   — Quer beber algo antes de subir, Catherine? — perguntou ele, segurando-a pelo braço.
   — Não, obrigada. — Ela se virou para fitá-lo. — Não precisa me acompanhar... talvez tenha algum outro compromisso.
   — Não tenho nada a fazer a não ser conduzi-la até a porta de seu quarto.
   Sem esperar mais, Tamar quase a empurrou na direção dos elevadores. Entretanto, quando chegaram ao quarto, ele permaneceu imóvel, mesmo depois da porta ter sido aberta.
   — Gostaria de entrar por alguns minutos.
   Catherine hesitou, mas acabou cedendo àquele pedido que mais parecia uma ordem. Ela entrou no quarto e parou no meio da saleta, virando-se a fim de encará-lo de frente.
   — Qual é o problema? Algo mudou radicalmente desde hoje à tarde. Você está muito diferente.
   — Acha mesmo?
   — Tamar... o que...
   Antes que Catherine pudesse se preparar, Tamar tomou-a nos. braços, agora sem a gentileza de quando a beijara na pista de dança. Aboca que se apoderou da sua era possessiva, quase violenta, e as mãos acariciavam os seios com uma avidez brutal, exigindo a entrega total.
   Surpreso, Tamar percebeu que Catherine se debatia em seus braços, como se quisesse escapar da intimidade daquele abraço. Por que lutava contra suas carícias? Não fora isso que ela e o tio haviam planejado?
   — É o que você quer... renda-se, ma chère. Catherine continuava a se debater, empurrando o peito de Tamar com os punhos cerrados, mas ele a apertava sempre mais de encontro a seu corpo.
   — Pode negar que me quer? — insistiu ele, deslizando as mãos pelos seios, rijos de Catherine e sentindo os mamilos se enrijecerem a seu toque.
   — Não assim!
   — Que diferença faz o modo que a irei possuir? O importante é que eu sinta prazer em usar seu corpo sensual! Até que ponto você pretendia chegar, Catherine? Apenas provocar meu desejo ou se entregar por completo?
   Ela o fitava, pálida e chocada, como se tivesse sido fisicamente agredida. Tamar a olhava com raiva, cansado daquele jogo.
   — Pois não vai dar certo, sabe? Não sou o tipo de homem que perde a cabeça por qualquer mulher, como você imaginou.
   — O quê?
   — Já sei qual é sua intenção. Descobri porque aceitou meu convite para almoçar, porque me beijou e agiu como se também sentisse desejo por mim, — Ele a afastou rudemente. — Se depender de mim... você e seu tio podem ir para o inferno!
   Tamar dirigiu-se para a porta, mas Catherine o seguiu e segurou-o pelo braço.
   — Sobre o que está falando?
   —  Sobre o fato de seu tio estar tentando sabotar a conferência! Sobre a idéia dele de que poderia comprar minha colaboração com seu corpo! Foi por isso que Courlaine a trouxe para Marrocos, não foi? Achou que, se precisasse de algo para desviar a delegação árabe do caminho certo, uma bela mulher seria o suborno perfeito!
   Inesperadamente, Tamar voltou a prender Catherine em seus braços.
   —  E você fez o jogo dele. Seduziu-me com sua meiguice, com seu corpo que sempre parecia pronto para se entregar...
   Ela deu um grito de raiva e, soltando um dos braços, ergueu-o a fim de esbofeteá-lo.
   — Nem tente — esbravejou Tamar. — Não piore a situação. Por que concordou em ajudar seu tio?
   — Não sei do que está falando! — A voz dela estava trémula de emoção. — Vim para Marrocos porque tio Ross disse que precisava de mim. Ele jamais me usaria... Por Deus, Tamar! Meu tio nunca faria isso que você sugeriu. Como ousa afirmar algo tão terrível?
   Tamar quase acreditou nela. Catherine estaria sendo usada sem saber? Ou apenas se tratava de um excelente desempenho?
   Ela a soltou e se encaminhou novamente para a porta.
   — Diga a seu tio que o plano dele não dará certo. Eu não caí na armadilha... nem perdi a cabeça por você.
   Catherine permaneceu imóvel no meio do aposento, após a saída de Tamar. Aquele homem prepotente estava errado! Tio Ross jamais a usaria dessa forma. Como aquele homem pudera pensar que ela se submeteria a um papel tão vil?
   Mas... se o que Tamar dissera a respeito de seu tio fosse verdade... Não! Não podia ser!
   "Você não imagina como os homens árabes adoram mulheres loiras e altas, querida", havia dito Ross. "Compre um vestido que enlouqueça a todos. A presença de uma bela mulher a meu lado, enquanto negocio com esses potentados orientais, só irá ajudar minha causa!"
   Cobrindo o rosto com as mãos, Catherine chorou desconsoladamente, como se seu coração estivesse se partindo em mil pedaços. Na verdade, estava mesmo!
   Antes mesmo do início das reuniões daquela manhã, já se podia perceber sinais de conflito. Após uma hora, a situação se alterara, e, levantando as mãos para o alto em sinal de impotência e raiva, algumas delegações abandonaram a sala de conferências. Hamid Nawab precisou ser removido à força do recinto.
   Courlaine afastou-se para dar passagem aos homens encarregados de empurrar Nawab, que o fitou com ódio. Ross apenas sorriu.
   Tamar presenciara a troca de olhares entre os dois homens e não sentiu a menor vontade de sorrir. Conhecia Hamid Nawab e sabia quanto podia ser perigoso e traiçoeiro. Quando ele lhe falara sobre Ross Courlaine, sua voz destilava veneno, e, se o americano dava valor à vida, era melhor se acautelar.
   Quando o chefe da delegação de Mali Bukhara se apresentou para expor sua posição, Tamar saiu da sala. Seria mais proveitoso organizar algumas reuniões secretas e agrupar os que apoiavam sua causa, talvez nessa mesma tarde, a tentar vencer seus oponentes naquele momento.
   Hamid esperava por Tamar no restaurante do hotel. Estava lívido e quase sem fala, tal a intensidade de seu ódio.
   —  Maldito Courlaine! Esse excremento de camelo merece morrer. A conferência está prestes a se dissolver por causa dele! — Hamid cerrou os punhos, mal contendo a fúria. — Ele precisa ser detido, porque, se não for...
   Hamid calou-se, e sua expressão se transformou em uma máscara plácida.
   — Olhe! Ali vem ele com a sobrinha. Estou determinado a...Tamar colocou a mão sobre o braço de Hamid, num gesto que pedia cautela.
   — Não. Não é o momento certo.
   Tio e sobrinha foram conduzidos a uma mesa do outro lado do salão. Ross mantinha seu costumeiro sorriso brando e, como sempre, estava impecavelmente vestido, com um terno cinza que só podia ter custado uma fortuna.
   Catherine estava com um vestido azul e os cabelos dourados caiam sobre os ombros. Tamar sentiu o estômago se contrair e precisou de muita força de vontade para não ir até a mesa dos dois, arrancá-la da cadeira e exigir que ela lhe revelasse qual sua parte no esquema de Ross para que a conferência fosse um fracasso.
   — Você está errado, Tamar. — Os olhos de Hamid se estreitaram ao olhar para Catherine e o tio. — O momento certo é agora.
   As palavras de Hamid Nawab soavam como uma promessa.
   Catherine avistara Tamar no instante em que entrara no salão. Ele havia olhado em sua direção e rapidamente desviado os olhos.
   Naquela manha, ela acordara exausta, após uma noite em que pouco dormira, e não tinha a menor vontade de enfrentar o tio nem Tamar. Pedira o café no quarto e mal tocara as frutas exóticas, tomando apenas várias xícaras de café.
   As palavras de Tamar sobre seu tio não podiam ter nenhum fundo de verdade. Os comentários de Ross deviam ser uma mera coincidência! É evidente que ele se interessava por sua aparência e queria que estivesse bem vestida e bonita.
   Os participantes da conferência eram seus amigos, e naturalmente ele desejava que tivessem a melhor impressão possível de sua sobrinha. Como Tamar ousava acusá-la de fazer parte de uma espécie de conspiração, sugerir que o tio a usara como isca para obter vantagens pessoais?
   Talvez devesse revelar ao tio o que ouvira sobre ele na noite anterior. Entretanto, antes que pudesse falar, Ross perguntou-lhe se Tamar a conduzira em segurança até o quarto.
   Diante de sua resposta afirmativa, Ross deu um sorriso benevolente, e Catherine perdeu a coragem de mencionar o assunto.
   Depois do almoço, ela foi até a recepção e pediu que lhe providenciassem um guia para uma visita aos souks e subiu ao quarto para trocar de roupa. Quando retornou ao saguão, um homem, com o tradicional albornoz e um turbante branco, aproximou-se dela.
   — Sou seu guia, mademoiselle Courlaine. Meu nome é Cashan e tenho um carro a sua espera.
   — Pensei que fossemos a pé. Não é muito longe daqui... ou será que me enganei?
   — O dia está muito quente, mademoiselle. Além disso, irá andar bastante... quando chegarmos lá. Guarde sua energia para fazer compras, certo?
   Catherine concordou com a sugestão do guia e seguiu-o até uma limusine parada diante do hotel. O motorista nem sequer virou a cabeça quando a viu abrir a porta, e, por um instante, ela hesitou. Então, achando que estava sendo muito tola, entrou no carro.
   Cashan falava sem cessar, enquanto se afastavam do hotel. Após um bom tempo, Catherine interrompeu o fluxo contínuo de palavras do guia.
   — Não pensei que fosse tão longe!
   — Oh, só falta um pouquinho!
   Após percorrer o amplo bulevar, o carro enveredou por um labirinto de ruelas estreitas e tortuosas. Percebendo que ela ficara alarmada, o guia a tranquilizou.
   — E um atalho. Não se preocupe, mademoiselle. Catherine sentiu um arrepio de medo e tentou se acalmar.
   O hotel contratara esse guia, portanto, só poderia ser uma pessoa idónea. Tudo devia estar certo, mas...
   — Oh, céus! — Ela fingiu estar nervosa. — Esqueci-me de dar um recado importante para meu tio! Poderia pedir ao motorista para parar o carro? Preciso dar um telefonema.
   — Não hâ nenhum lugar de onde possa telefonar por aqui, mademoiselle.
   — Mas é claro que deve haver! — insistiu ela.
   — Não há mesmo — disse Cashan, com firmeza. O temor de Catherine se transformava em pânico.
   — Pare este carro imediatamente!
   Ele a ignorou, gritando para o motorista ir mais depressa.
   — Estamos chegando, mademoiselle.
   O carro entrou em uma viela escura, e, quando diminuiu a marcha a fim de não colidir com um carrinho que vendia laranjas, Catherine conseguiu abrir a porta. Mas, antea que pudesse saltar, Cashan a puxou de volta para dentro da limusine. Ela começou a se debater, e então o guia amarrou suas mãos com uma corda que estava sob o banco.
   — O que está fazendo? Pare já este carro e me deixe sair!
   — É na próxima esquina — disse ele ao motorista, ignorando os protestos de Catherine.
   Ao chegarem a uma rua mais larga, havia um caminhão com a porta traseira aberta e uma rampa para a entrada do carro. Em segundos, eles estavam dentro da carroceria fechada e em movimento.
   No interior do caminhão, a escuridão era quase total, e Catherine ouviu a voz de Cashan que se dirigia ao motorista.
   — Eu não disse que ia ser fácil, Youssef? Agora, ajude-me a lidar com ela.
   Praguejando, o motorista ajudou Cashan a amarrar os tornozelos de .Catherine, que se debatia sem parar, e depois os dois a colocaram no chão do carro.
   — Quando nos livraremos dessa maldita mulher? — perguntou Youssef.
   — Assim que chegarmos ao deserto.
   Catherine estava apavorada. O corpo doía por ter sido jogada no chão do carro, e não controlava os tremores de medo. O que iria acontecer com ela? Pretenderiam abandoná-la no deserto... para morrer? E por quê? Quem seria o responsável por isso?
   Já passava da meia-noite, e Tamar ainda não conseguira conciliar o sono. A reunião da tarde fora pior do que a da manhã. Ele acendeu a luz, a fim de procurar o maço de cigarros na mesa-de-cabeceira. Então, lembrou-se de que parara de fumar havia dois anos. Estava prestes a ligar para a portaria, para pedir café, quando seu telefone tocou.
   — Catherine está com você? — perguntou Ross Couriaine, sem preâmbulos.
   — Como? Sobre o que está falando?
   — Ela está em seu quarto ou não?
   — Claro que não! O que...
   — Pois também não se encontra no quarto dela! Liguei várias vezes para lá, e ninguém atendeu, então... há poucos minutos, recebi o telefonema de um homem. Ele disse... disse que estão com Catherine.
   — Preste bastante atenção, Couriaine! Se for mais uma de suas táticas para usar Catherine a fim de me envolver...
   — Você não entende? — gritou Ross, aflito. — Ela desapareceu!
   — Esqueça o assunto, Couriaine. Não vai dar certo comigo!
   Enfurecido, Tamar bateu o telefone. Tenso demais para dormir, ele se levantou e começou a andar pelo quarto. Dizer que Catherine desaparecera era um golpe baixo demais até para Ross Couriaine!
   O telefone tocou novamente, e Tamar atendeu, fora de si de raiva.
   — Ouça, Couriaine! Se você...
   — É Hamid quem fala. Já conversou com Couriaine, Tamar?
   — Acabei de interromper a ligação dele. Por quê?
   —: Ah! Então a velha raposa está preocupada? — Hamid deu uma gargalhada. — Ótimo!
   — Couriaine me comunicou que a sobrinha dele desapareceu — disse Tamar, sentindo um início de pânico.
   — E é verdade.
   —  Hamid... — Ele tentou manter a voz calma. — O que você fez agora?
   — Achei que a moça gostaria de passar alguns dias no deserto. Enquanto isso, o nervosismo do tio vai aumentando. Amanhã, ele receberá um telefonema com instruções sobre o que deve fazer, caso queria vê-la novamente.
   Tamar segurava o telefone com força, tentando não perder o controle.
   — Francamente, meu amigo! Você me surpreende.
   — Eu lhe disse que não iria ficar parado enquanto aquele maldito provocava o fracasso da conferência.
   — E o que acontecerá com a mulher?
   — Ela ficará presa até eu conseguir o que quero!
   —  E se não conseguir? E se Couriaine se recusar a ser intimidado dessa forma?
   — Então, não me responsabilizo pelas consequências.
   —  Onde você está agora? — perguntou Tamar, tremendo de raiva.
   — Em meu quarto. Foi um dia exaustivo! — Hamid bocejou. — Amanhã será um dia muito interessante, e quero estar bem descansado para aproveitar cada momento dele, príncipe Tamar.
   — Então — Tamar forçou-se a rir — durma bem. Depois de desligar, Tamar permaneceu imóvel por alguns minutos, respirando fundo e tentando raciocinar. Logo, admitiu que não era o momento de ser racional. Catherine fora raptada, e ele precisava agir!
   Vestindo-se rapidamente, colocou um albornoz escuro sobre as roupas. Depois de pegar bastante dinheiro e um cartão de crédito, apanhou um revólver, que guardou no bolso, e uma adaga de prata, que enfiou dentro da bota.
   Silenciosamente, desceu as escadas até o quarto de Hamid e, usando o cartão de crédito, abriu a porta. Esperou alguns instantes até seus olhos se acostumarem com a escuridão e aproximou-se da cama, sem fazer nenhum ruído.
   Então, agarrou a figura que dormia e deu um brado que acordaria até um morto.
   Hamid tentou sentar-se na cama, mas Tamar o segurava pela garganta, enquanto acendia a luz de cabeceira.
   — Maldito seja! — vociferou Tamar, dando um tapa violento no rosto de Hamid. — Onde está Catherine? O que fez com ela?
   — Deus meu! — disse Hamid, num fio de voz. — Por que está agindo assim? Você também odeia Courlaine!
   — Mas não uso meu ódio contra mulheres! Tamar arrancou Hamid da cama e o colocou em pé.
   — Vista-se!
   —Por quê? Para onde pretende ir? — Hamid estava apavorado.
   —  Vamos encontrar Catherine. E quando isso acontecer, reze para que nada tenha acontecido com ela. Se a tocaram de alguma forma... eu acabarei com você, Hamid. Juro por Alá que o matarei!
   Catherine perdeu a noção de tempo. Lembrava-se de ter sido retirada do carro e colocada no chão do caminhão. Passaram-se horas. A estrada era esburacada, e, a cada solavanco, seu corpo doía mais. Ela tentava, em vão, manter a calma.
   Então., recordou-se da manhã em que encontrara Tamar no mercado. Quando os dois pararam para descansar no restaurante em frente a uma praça, ele lhe falara sobre leilões em que mulheres eram vendidas como escravas. Seria isso que iria lhe acontecer?
   Não, era uma ideia absurda e ridícula. Esses leilões haviam acontecido muito tempo atrás, e estavam em pleno século vinte!
   Tamar... Ela pronunciou o nome em voz alta, sentindo-se reconfortada com o som melodioso. Tamar,..
   Será que ele se importava com seu desaparecimento, ou julgava ser mais um dos truques sujos de Ross Courlaine? Lembrava-se do desprezo nos olhos de Tamar e do último beijo, ofensivo em sua brutalidade e cheio de desdém.
   Não... Tamar pouco se importaria se ela tivesse desaparecido da face da Terra! Não daria a menor atenção ao fato.
   Acreditando sinceramente nessa possibilidade, Catherine encolheu-se no chão duro e chorou.
   Hamid orientou Tamar na direção de um bairro sórdido, distante dos hotéis de luxo e das casas palacianas. Era uma área perigosa, onde se refugiavam os fora-da-lei. E onde se escondiam os homens que haviam raptado Catherine.
   Finalmente, eles entraram em uma viela sombria, e Hamid apontou uma das casas.
   — É aqui.
   Parando o carro, Tamar retirou Hamid, com as mãos amarradas nas costas, e empurrou-o na direção da casa.
   — Chame seu cúmplice.
   __Cashan? — A. voz de Hamid revelava seu terror. — Cashan!
   A cortina que servia de porta foi afastada, e viu-se apenas a mão de um homem.
   — Quem é? — perguntou alguém, num murmúrio. — O que quer aqui?
   Tamar empurrou Hamid com tal violência que ele se chocou contra o outro homem, derrubando-o ao chão.
   — O que você fez com a mulher? — perguntou Tamar, agarrando o desconhecido, antes que ele pudesse se erguer.
   Cashan olhou para seu chefe, como se lhe pedisse instruções. Mas Hamid estava aterrorizado com a violência de Tamar e se encolheu em um canto da sala, sem dizer nada.
   — Onde está ela? — bradou Tamar, demonstrando que seria capaz de matar para obter uma resposta. — Para onde levaram a mulher americana?
   Praguejando, Cashan arrancou uma adaga da bota suja de terra e avançou sobre Tamar. A rapidez de seu oponente fez com que errasse o golpe, e, em uma fração de segundo, levou um soco no estômago que o derrubou.
   — Fale agora! — Tamar sacudia o homem que se contorcia de dor. — Diga onde está ela!
   — Eu... eu não tenho culpa — balbuciou Cashan, com as mãos sobre o estômago dolorido. — Fiz apenas o que Hamid Nawab me ordenou. Entreguei-a aos homens que ele contratou.
   — E onde ela está agora?
   —  Não sei. Eles iam levá-la para... um acampamento de nómades.
   — O que pretendem fazer com ela?
   — Receberam ordens para mantê-la prisioneira até obterem notícias minhas. Depois de cinco dias... podem fazer o que quiserem com a mulher. — Cashan encolheu os ombros franzinos. — Podem vendê-la ou usá-la entre eles até se entediarem. São nómades, e, quando partirem, ninguém mais a encontrará.
   Com muito esforço, Tamar controlou-se para não apertar as mãos no pescoço do homem até matá-lo.
   — Sabe onde essa tribo está... agora?
   — Sei onde estavam há duas semanas.
   — Leve-me até lá!
   — Não! — gemeu Cashan. — Eles são perigosos, podem me matar.
   —  E eu o matarei mesmo, se você não me levar. A escolha é sua.
   Mais uma vez, Tamar acertou um soco em Cashan e não sentiu a menor piedade do homem que se contorcia de dor. Continuou a agredi-lo até ouvir uma resposta afirmativa. Então, amarrou-lhe as mãos atrás das costas e o empurrou na direção da porta.
   — Ei! Não me deixe aqui! — berrou Hamid. — Solte minhas mãos, eu quero ir...
   — Por mim, você pode ir para o inferno! — esbravejou Tamar, empurrando o outro homem para dentro de seu carro.
   Antes de deixar a cidade, ele parou para telefonar.
   —  É Tamar — disse ele, quando atenderam a ligação. — Estou a caminho de El-Gandouz. Encontre-me lá, com dez homens, camelos, suprimentos e armas. Vamos entrar no deserto e procurar Catherine. Acelerando o carro, rezou para encontrá-la... e para que já não fosse tarde demais.
  
  
   CAPÍTULO  V
  
   O caminhão parou, e, quando as portas.se abriram, Catherine ficou cega pela luz forte do sol. Ao recuperar a visão, gritou de pavor ao ver um homem com uma adaga na mão, avançando em sua direção.
   — Não se preocupe. Não vou cortar seu pescoço... ainda. Ele apenas cortou as cordas que prendiam as mãos e os tornozelos de Catherine e a empurrou para fora do caminhão, nos braços de um outro homem.
   — Os animais já estão aqui, Ahmed — disse ele. Então, ela viu que se encontravam no deserto, e vários outros homens, com kaftãs e turbantes, esperavam sua chegada junto de alguns camelos.
   — Dêem-lhe água e comida. Precisamos partir logo. Catherine tremia de pavor. Para onde iriam levá-la e o que pretendiam fazer com ela?
   — Meu, tio... é um homem rico. — Sua garganta estava tão seca que mal conseguia falar. — Ele pagará a quantia que pedirem. Mais do que vão receber do homem...
   — Cale a boca!
   Ahmed estava em pé diante dela, ameaçador.
   — Se dizer mais uma palavra, eu enfiarei uma bola de pano em sua boca! Só fale quando alguém se dirigir a você, maldita mulher branca! E me obedeça sem dar um pio, entendeu?
   Mais uma vez, empurrando-a com violência, Ahmed a fez sentar-se ao chão, junto de uma palmeira, e afastou-se. Um outro homem, menos feroz, aproximou-se e lhe ofereceu um punhado de tâmaras, um pão e um cantil com água.
   — Coma. Vai precisar de forças nos próximos dias.   
   — Para onde estão me levando?
   — Para o deserto. Nós a soltaremos... quando recebermos notícias da pessoa que planejou tudo.
   E quem seria essa pessoa? Quem a odiaria tanto a ponto de mandar raptá-la?
   Apavorada, Catherine começou a comer, mas ainda não tinha terminado quando Ahmed a agarrou, colocando-a em cima da sela de um camelo.
   — Não vai amarrar as mãos dela? — perguntou um outro homem, de aparência ainda mais cruel.
   — Para quê? Mesmo com as duas mãos livres, essa maldita vai custar a se manter em cima do camelo!
   Catherine conseguiu não cair, mas com um esforço quase sobrehumano, principalmente quando o homem que comandava os camelos gritou para os animais e eles começaram a trotar.
   Agarrada às rédeas, ela procurava se equilibrar no dorso daquele animal estranho, que parecia balançar como barco numa tempestade. Finalmente, os camelos diminuíram a velocidade de seu passo, e Catherine avistou as dunas. Sonhara tanto em conhecer o deserto... mas não dessa forma!
   A cada hora dos dias escaldantes e das noites geladas, ela repetia a si mesma que iria sobreviver. Não sabia como, mas resistiria a tudo!
   Os homens de Tamar o esperavam em El-Gandouz. O líder do pequeno grupo, que se chamava Bouchaib, era de sua total confiança.
   — Fizemos como ordenou, príncipe Tamar — disse Bouchaib. — Trouxemos tudo que pediu e podemos partir a qualquer momento.
   Tamar cumprimentou os outros homens. Todos eram servidores dedicados havia muito tempo, e alguns, como Bouchaib, serviram seu pai antes de lhe jurarem lealdade. Então, agarrou Cashan pelos ombros e o empurrou na direção deles.
   — Esse excremento de camelo servirá como nosso guia. Vigie-o, Bouchaib. Não o deixe escapar.
   Cashan se encolheu, apavorado. Bouchaib era um homem enorme, de ombros muito largos, e o rosto, marcado pelo sol e com cicatrizes das lutas em que se envolvera, já havia aterrorizado homens muito mais corajosos do que aquele capanga de Hamid.
   — Para onde iremos, príncipe Tamar?
   — Para um acampamento de nómades.
   Ao olhar para o horizonte quase infinito do deserto, Tamar lutou para controlar o pânico que sentia ao pensar em Catherine, sozinha em algum ponto daquela imensidão desolada, nas mãos de homens cruéis.
   — Alguns homens raptaram uma mulher americana, e temos de encontrá-la... rapidamente.
   —  Onde fica esse acampamento? — perguntou Bouchaib, erguendo Cashan do chão.
   — Perto... perto do oásis de Ben Sabah — balbuciou Cashan, apavorado. — Fica a dois dias daqui.
   — Se estiver errado ou mentindo, ou por estupidez sua não conseguirmos encontrar o acampamento, eu o matarei — disse Tamar a Cashan.
   Sem ouvir o que Cashan tentava lhe dizer, Tamar montou em um dos camelos e deu ordens para a partida.
   Já estamos indo, Catherine. E, com a ajuda de Alá, nós a encontraremos!
   A noite, Catherine foi retirada de cima do camelo, quase desmaiada de calor e exaustão. Ela conseguiu apenas tomar alguns goles de água e permaneceu imóvel. Com os olhos fechados, ouvia as vozes dos homens que se preparavam para acampar.
   Logicamente, tio Ross já devia ter chamado a polícia, que estaria a sua procura.
   Ela conseguiu até ver as viaturas policiais, com sirenes ligadas e luzes vermelhas, cruzando velozmente o deserto. Então, percebeu o ridículo de sua conclusão. Carros normais afundam as rodas nas areias do deserto. Será que a polícia de Marrocos usava camelos? Cavalgariam em formação, como Lawrence da Arábia? Ou quando alguém se embrenhava por entre aquela infinidade de dunas era considerado perdido para sempre? Ela estava apavorada...
   Cansada demais para chorar, Catherine deitou-se de lado e se entregou a um desespero silencioso.
   Tamar sabia que estava exigindo demais de seus homens, mas não lhe restava outra opção. Descansavam apenas três horas, no fim da noite, e seguiam adiante à primeira luz da madrugada. Comiam e bebiam, sem desmontar dos camelos, sempre cavalgando velozmente.
   — Já estamos quase chegando — repetiu Cashan, pela terceira vez na mesma tarde.
   — Você disse isso há menos de uma hora. — Tamar aproximou seu camelo do dele. — Está brincando comigo ou se perdeu? Eu o matarei se...
   —  Príncipe Tamar! — Bouchaib ergueu a mão para que a caravana parasse. — Há excrementos de camelos a nossa frente, e começa a aparecer mato rasteiro. O oásis deve estar perto.
   Tamar preparou-se para avançar rapidamente, mas Bouchaib o segurou pelo braço.
   — Não, milorde. Espere. Será melhor atacarmos durante a noite. Estará escuro, e os pegaremos de surpresa.
   Embora seu único desejo fosse atacar furiosamente o campo de nómades, Tamar hesitou. Sabia que Bouchaib estava certo, e as trevas da noite os ajudariam.
   — Aguente firme, Catherine — murmurou ele baixinho. — Tenha coragem que logo chegarei até você.
   Catherine fora colocada em uma tenda, onde duas mulheres de expressão impassível a vigiavam. Logo a tarde começou a cair, e ela avistava, pela abertura da lona suja, a movimentação do acampamento.
   O pânico inicial se transformara em um terror que lhe provocava náuseas. Ficava ainda mais desesperada ao pensar em como seu tio estaria se sentindo. Pobre Ross!
   Também pensava em Tamar, embora soubesse quanto ele a desprezava. Entretanto, por mais furioso que estivesse, nunca seria capaz de contratar outros homens para fazerem esse trabalho sujo.
   Mas, se não fosse ele, quem estaria por trás de tudo? Alguém que odiava seu tio a ponto de usá-la a fim de forçá-lo a se render? Essa possibilidade a deprimia, despertando uma incerteza angustiante sobre as palavras de Tamar. Será que Ross realmente pretendia provocar o fracasso e a dissolução da conferência?
   Finalmente, Catherine não conseguiu mais pensar, exausta depois daquela jornada de dois dias através do deserto. Os sons do acampamento tinham diminuído, limitando-se ao ocasional ladrar de um cachorro.
   A mulher que a vigiava acomodou-se mais longe dela. Talvez, na manhã seguinte, conseguisse dominá-la e fugir. Amanhã... Os olhos de Catherine se fecharam. Mal ela dormira, foi acordada por gritos apavorantes. Ouviu tiros e brados de fúria e de dor. Ao erguer a vista, deu-se conta de que sua vigia desaparecera e correu para a abertura da tenda. Uma visão de horror a esperava.
   Um grupo invadira o acampamento dos nómades, e os homens se enfrentavam com sabres. Ela ouviu tiros e, acima dos ruídos assustadores, uma voz chamando seu nome. Só podia estar sonhando!
   Então, ouviu a voz mais perto e também começou a gritar.
   — Aqui! Estou aqui!
   Um homem aproximou-se, montado em um camelo e com roupas que voavam ao vento. Ela foi erguida no ar e jogada sobre a sela. Sentiu que a seguravam firmemente pela cintura e notou que galopavam para fora do acampamento.
   Não havia tempo para pensar, era preciso agarrar-se à sela para não cair. Entretanto, permanecia a dúvida. Estaria sendo salva ou apenas roubada por outra tribo sem lei? As suas costas, ainda se ouviam tiros, mas o tropel de outros animais chegava mais perto.
   — Continuem galopando — gritou o homem que a segurava pela cintura. — Não parem!
   Tamar! Catherine virou-se para trás a fim de ver o rosto dele, porém apenas os olhos estavam descobertos. Olhos castanhos e selvagens de um bandoleiro do deserto, prestes a destruir e violentar. Ou disposto a salvar?
   Por uma fração de segundo, seus olhares se encontraram.
   — Aguente firme — murmurou ele.
   E a caravana continuou a galopar pela noite escura do deserto.
  
  
   CAPÍTULO  VI
  
   O tropel dos camelos estava muito próximo, e o assobio das balas, que passavam sobre suas cabeças, somado aos estridentes gritos de guerra rompiam o silêncio sereno da noite do deserto.
   Catherine agarrava-se à sela. Sabia que Tamar a protegia com seu corpo e apavorava-se sempre que ele se voltava para trás a fim de atirar em algum dos perseguidores.
   Ela perdeu a noção de quanto tempo se passou até cessarem os tiros. A calma voltou a reinar entre as dunas, permitindo-lhe apoiar as costas no peito musculoso de Tamar e relaxar, após as terríveis cenas da batalha no acampamento e o pavor daquela perseguição em pleno deserto. Mas será que havia sido realmente salva?
   Eles cavalgaram por algum tempo até Tamar erguer um braço, fazendo sinal para que todos se detivessem.
   — Barakal Já estamos longe o bastante. Eles não nos perseguem mais.
   Desmontando, ele a ajudou a descer do camelo, e Catherine quase perdeu o equilíbrio, abalada por tudo o que acontecera. Tamar a segurou para evitar que caísse.
   — Você está bem? Eles a machucaram de alguma forma?
   — Não, eu... eu estou bem. Como me encontrou?
   —  Falaremos depois. Preciso cuidar de meus homens. — Ele se virou para seus seguidores. — Alguém foi ferido?
   — Mohammed levou um tiro no ombro — respondeu uma voz.
   — Não é nada sério — afirmou o homem que fora ferido. — Posso continuar.
   — Tem certeza? Deixe-me verificar — disse Tamar, aproximando-se de Mohammed.
   Bouchaib ajoelhou-se ao lado de Tamar diante do homem ferido e, rasgando uma tira de seu turbante, fez um curativo de emergência.
   —  A hemorragia vai parar — informou Bouchaib. — Ele conseguirá seguir adiante sem nenhum problema. E a mulher? Ela está bem?
   — Sim. O que aconteceu com Cashan?
   — Eu o arranquei de cima de seu camelo logo que entramos no acampamento. Os nómades saberão que Cashan nos levou até lá e acabarão com ele. É uma tribo perigosa, Tamar. Eu me sentiria mais tranquilo se seguíssemos adiante.
   Tamar voltou-se para Catherine, que se aproximara e olhava ansiosamente para o homem ferido.
   — Eles enviarão um grupo em nossa perseguição. Temos de continuar, e você irá comigo.
   Só lhe restava concordar. Catherine ainda não sabia por que Tamar viera a sua procura. Tio Ross teria pedido? Estaria esperando sua chegada em algum lugar no meio do caminho? Tinha tantas perguntas a fazer, mas não houve tempo. Foi colocada de novo em cima do camelo, e, segundos depois, voltavam a galopar por entre as dunas.
   Ela teve a impressão de que cavalgaram por muitas horas. Seus olhos se fechavam involuntariamente e logo acordava, sobressaltada. As únicas sensações reais eram o movimento do camelo e a pressão do braço musculoso de Tamar em torno de sua cintura.
   — Encoste-se em mim e descanse — murmurou ele. — Eu não a deixarei cair.
   Embora não quisesse dormir, seus olhos se fecharam. No mundo intermediário entre o estado de alerta e o sono, Catherine lembrou-se de sua fantasia idiota de ser raptada por um sheik fascinante, que a levaria para viver noites de paixão no deserto. Seu excesso de imaginação se tornara realidade e a assustava demais. Para onde Tamar a estaria levando? E o que planejava fazer com ela?
   Eles cavalgaram até o amanhecer. Então Tamar avistou um oásis e deu ordens para a caravana parar.
   — Precisamos descansar, e este é um lugar seguro.
   Ele ajudou Catherine a desmontar e lhe entregou um cantil.
   — Beba!
   — Como me encontrou? — perguntou ela, depois de ter tomado alguns goles d'água.
   — O homem que a raptou nos conduziu até o acampamento.
   — Mas por que fui raptada? Iam pedir um resgate? O que...
   — Mais tarde — respondeu Tamar, mais uma vez se recusando a falar. — Agora você precisa descansar.
   — Mas eu...
   — Não insista. — Tamar virou-se para chamar seu homem de confiança, que se aproximou rapidamente. — Este é Bouchaib. Acompanhe-o, ele cuidará de você.
   O homem alto e de expressão ameaçadora a levou até uma touceira de palmeiras, junto de um pequeno lago cristalino.
   — Durma.
   — Mas estou com fome.
   Ele tirou do bolso um punhado de tâmaras.
   — Isso terá de bastar... por enquanto.
   Antes que Catherine pudesse protestar, o homem se afastou. Suspirando, ela se acomodou de encontro a um dos troncos e observou o movimento dos homens de Tamar. Um deles acendera uma fogueira, outros dois levavam os camelos para beber água no lago, e o ferido foi acomodado junto de outro grupo de palmeiras. Por entre as folhas, avistava-se a imensidão do deserto.
   Era tudo tão estranho! Tinha sido arrancada do mundo que conhecia e transportada para um universo exótico. Fora raptada, resgatada e levada por um homem a quem mal conhecia e considerava seu tio um inimigo.
   Mas a exaustão venceu sua curiosidade e, virando-se para o lado, Catherine adormeceu.
   Após cuidar do homem ferido, Tamar aproximou-se de onde Catherine dormia e sentiu a costumeira onda de desejo. Ela estava em seu reino, o deserto. O universo primitivo que lhe pertencia-Na noite anterior, quase enlouquecera de medo de não poder salvá-la e jamais se esqueceria da visão de Catherine, parada à porta da tenda, com os traços de excitante beleza banhados pela luz das fogueiras do acampamento, e o medo refletido em seus magníficos olhos azuis.
   Também não se apagaria de sua mente a sensação do corpo frágil, mas tentador, colado ao seu durante a cavalgada. Mesmo frente ao perigo daquela fuga alucinada, com os nómades muito próximos, sentira-se excitado por aquele contato íntimo. O vento do deserto jogava os cabelos dourados para trás, e ele mergulhara o rosto entre os fios sedosos.
   Acomodando-se perto dela o bastante para tocá-la, se fosse preciso, adormeceu sabendo que o deserto seria o cenário ideal para possuí-la, e nada o impediria de torná-la sua.
   Quando acordou, pouco antes do meio-dia, Catherine estava sentada e com os olhos fixos nele.
   — Bom dia... Sabbah ai kair, Catherine.
   — Bom dia. Não entendi o resto do que disse.
   — É um cumprimento e significa uma manhã de felicidade. Você precisa aprender a falar um pouco de árabe. — Tamar não sorria. — Será útil enquanto estiver por aqui.
   — Mas nós iremos direto para Marrocos, não é?
   — Talvez você gostasse de tomar um banho — disse ele, ignorando a pergunta de Catherine.
   — Claro que sim, mas...
   — Pedirei que coloquem alguns cobertores em torno do lago. — Ao notar que ela parecia em dúvida, prosseguiu: — Não há nada a temer da parte de meus homens.
   Catherine gostaria de lhe perguntar se também não teria motivos para sentir medo dele, mas faltou-lhe coragem.
   Em poucos minutos, a pequena lagoa fora protegida de olhares curiosos por vários cobertores espessos. Tamar voltou para junto dela com um traje oriental nas mãos.
   —  Suas roupas estão rasgadas e sujas. Vista este kaftã depois de se banhar.
   Ele começava a se afastar quando Catherine o chamou:
   — Espere! Tenho muitas perguntas a lhe fazer. Foi meu tio quem lhe avisou que eu havia sido raptada? Como você...
   — Courlaine me telefonou na noite de seu desaparecimento. Não acreditei nele. Achei que tudo não passava de mais um truque sujo de vocês dois.
   — Fingir meu próprio rapto? — questionou ela, com os olhos brilhando de indignação.
   —  Mal eu desliguei, um homem chamado Hamid Nawab me telefonou, então eu soube que era verdade. Você fora mesmo raptada. Fui até o quarto dele e... — A expressão de Tamar refletia uma frieza tão cruel que Catherine recuou alguns passos, atemorizada. — Bem, convenci-o a me levar até o responsável por seu sequestro. Como aconteceu? Foi forçada a ir? Estava sozinha la rua?
   —  Não. — Ela explicou o que ocorrera. — Ainda não o agradeci por ter me salvado. Tudo aconteceu depressa demais... o ataque, os gritos e entre eles uma voz que parecia ser a sua. Custou-me acreditar que fosse verdade. Não sei por que decidiu vir a minha procura, mas sou-lhe eternamente grata.
   — Não é sua gratidão que eu quero — murmurou ele, aproximando-se mais.
   Chocada com o desejo primitivo refletido nos olhos de Tamar, Catherine perdeu a voz e, sem nada dizer, pegou o traje que ele lhe estendia.
   Hesitante, ela se dirigiu para o biombo improvisado com os cobertores e entrou na lagoa. Sabendo que ninguém a veria, despiu-se completamente. Depois de lavar as roupas íntimas e colocá-las sobre um arbusto para secar, relaxou na água muito fria, mas reconfortante.
   Não é sua gratidão que eu quero. Essas palavras não saíam de sua mente, assustando-a e, ao mesmo tempo, despertando uma sensação de indescritível prazer.
   Não, não podia pensar nisso agora! Estava salva, e, no momento, era só o que importava.
   A sensação de frescor da água era tão agradável que Catherine só se conformou em sair quando sentiu um delicioso cheiro de comida sendo preparada. Vestiu o longo traje de algodão, estranho, mas bastante confortável, e aproximou-se do grupo reunido em torno de uma fogueira.
   Os homens estavam conversando animadamente, mas se calaram quando a viram. Não tiravam os olhos dela... todos, inclusive Tamar, ele a visualizara com trajes translúcidos de uma odalisca, e não com aquele camisolão rústico, mas ainda assim sentiu um desejo intenso. Se Catherine não tivesse cabelos loiros, poderia até parecer uma mulher de seu povo. Entretanto, uma árabe jamais se apresentaria com o rosto descoberto diante de homens que não pertencessem à família. Se ela fosse sua...
   Esse pensamento o perturbou de tal forma que se dirigiu a ela com rispidez involuntária.
   — Sente-se e coma!
   Depois de saciar a fome, Catherine aceitou o café forte dos árabes e voltou ao assunto que a inquietava.
   — Quanto tempo levará até voltarmos para Marrocos?
   — Marrocos fica a três dias daqui. Talvez até mais...
   — Tanto assim? — Ela suspirou, desanimada.
   — Só que não iremos para Marrocos.
   — O que disse?
   — Que não retornaremos à cidade. Os homens que a raptaram devem estar nos seguindo, e, se nos confrontarmos, haverá um novo combate. — Tamar tomou um gole de café, procurando convencer a si mesmo, assim como Catherine, de que sua medida visava apenas a proteção dela. — Por isso... decidi levá-la para minha casa, em El Agadir.
   — Não pode me levar para... para esse lugar. Tio Ross deve estar preocupado comigo! Quero voltar a Marrocos. Imediatamente!
   — Sua segurança será total em El Agadir — continuou ele, ignorando os protestos de Catherine. — É uma viagem de três dias, e partiremos em trinta minutos.
   — Pois eu insisto em voltar agora para Marrocos!
   —  A partir desse momento, você não insiste em nada, apenas faz o que eu disser. Salvei-a, agora se tornou minha responsabilidade.
   — Não quero ser sua responsabilidade!
   — Mas já é. E trate de se mexer. Não temos tempo para conversas fiadas. — Apanhando um rolo de pano de sua mochila, ele o entregou a Catherine. — Enrole-o em torno de sua cabeça e procure esconder o rosto ao máximo.
   Diante da inabilidade dela em fazer um turbante, Tamar decidiu ajudá-la.
   — Não fique irritada. Só quero protegê-la de todos os perigos. Catherine sentiu os dedos de Tamar roçarem em seu rosto e estremeceu. Ressentida com a intensidade das sensações que aquele mero toque provocava, encarou-o com um olhar de raiva.
   — Não quero ir com você!
   — Não quer, mas irá,
   Ele se afastou bruscamente, a fim de supervisionar a retirada, e pediu a Bouchaib que selasse um dos camelos de carga para Catherine.
   — Sim, sidi. Ela é teimosa e não será uma mulher fácil de proteger.
   — Apesar disso, obedecerá a minhas ordens.
   — Claro que sim. E está levando-a para El Agadir para a proteção dela, certo?
   — É evidente que sim! Por que outro motivo a levaria para minha casa?
   — Não consigo pensar em nenhum outro — disse Bouchaib, com uma expressão maliciosa.
   Enfurecido com a insinuação silenciosa, Tamar afastou-se. Estava levando Catherine para El Agadir para a segurança dela e porque Courlaine desistiria de seus planos perniciosos para garantir o bem-estar da sobrinha.
   E o outro motivo? Por que foge da verdade e não admite que a quer em sua casa e... em sua cama?
   Forçado a encarar seus desejos mais ocultos, Tamar imaginou-a com trajes transparentes e sedutores. Ele a ensinaria a agir com a docilidade de uma mulher árabe, e, não importava quanto tempo tivessem para conviver, durante esses dias Catherine seria sua e de mais ninguém.
   Os dias que se seguiram foram um teste desafiador para Catherine. Por orgulho, jamais deixaria Tamar perceber sua exaustão e quanto se sentia desconfortável sobre o lombo de um camelo. Seu corpo inteiro doía, mas não se queixou nem uma única vez.
   A noite, tinha forças apenas para desmontar e procurar um canto onde pudesse dormir. Quando chegava a madrugada, enfrentava uma nova jornada árdua sem fraquejar. Sempre que Tamar lhe perguntava se estava cansada e se gostaria de descansar, desviava os olhos e respondia que se sentia perfeitamente bem.
   Não acreditava que correria qualquer perigo se retornasse a Marrocos. Tamar a levava para El Agadir por algum motivo pessoal. Talvez o fato de mantê-la prisioneira forçaria seu tio a agir como ele queria.
   Portanto... teria de fugir daquele homem que cavalgava a sua frente, belo como um herói do deserto. Não sabia como, mas precisava escapar de suas garras!
   Catherine acabaria perdendo a capacidade de raciocinar se ficasse muito tempo junto de Tamar. Em um determinado momento, ele a fitaria com aqueles olhos ardentes como o calor do deserto, e não teria forças para resistir!
   Como se adivinhasse os pensamentos dela, Tamar deu ordens para que parassem a fim de descansar e, segurando-a pela cintura, ajudou-a a desmontar. Seus corpos se tocaram levemente, e os olhos dele brilharam de desejo.
   — Solte-me — pediu ela, assustada com sua própria reação de prazer.
   — Catherine — murmurou Tamar, segurando-a com mais força. Ela o empurrou, impulsionada pelo pânico. Não tinha dúvida nenhuma... precisava fugir daquele homem.
  
  
   CAPÍTULO  VII
  
   A caravana se detivera em mais um oásis para upassar a noite. Catherine e Tamar estavam a sós, pois os homens haviam acampado na encosta de uma duna, atrás das palmeiras.
   — Amanhã, cruzaremos as montanhas, e então restará apenas um pequeno trecho de viagem. Antes do anoitecer, estaremos em casa.
   A casa de Tamar, não a dela! Catherine desviou o olhar, fitando as chamas da fogueira, a fim de não demonstrar a extensão de seu desespero ou sua determinação em fugir.
   Não sabia quase nada sobre El Agadir, exceto que era o reino de Tamar, onde ele teria poder absoluto, e, se decidisse mantê-la a seu lado, ninguém poderia ajudá-la. Portanto... precisava fugir naquela noite mesmo.
   Ela olhou para as estrelas, em busca de orientação, mas a beleza do firmamento a distraiu de seu objetivo. Nunca vira um céu tão belo antes ou uma lua de um prateado tão intenso. Odiava os dias tórridos do deserto, porém a noite suavizava a paisagem, transformando as dunas em um jogo de luz e sombras.
   — Você ficou muito quieta — disse Tamar, interrompendo-lhe o devaneio. — No que está pensando?
   — Em como o deserto é bonito à noite.
   Tamar permaneceu um longo tempo em silêncio, e, quando falou, sua voz revelava uma intensa emoção.
   — Não existe nenhum outro lugar tão magnífico no mundo. Embora viaje com frequência para a Europa e para seu país, basta se passarem alguns dias para que eu sinta uma enorme saudade daqui. O deserto está em meu sangue, é parte de mim e de minha vida.
   Ele se aproximou da fogueira e colocou mais alguns gravetos.
   — Talvez seja porque minha mãe descende de uma tribo beduína. Fui criado em El Agadir, mas frequentei uma escola em Casablanca e depois cursei a universidade de Princeton. Durante todos esses anos, eu sonhava com a temporada em que iria com ela, passar alguns meses com seu povo. Aprendi a amar o deserto, — Tamar encarou Catherine, com firmeza.
   — Não importa aonde meus compromissos me levem, sempre voltarei. Criarei meus filhos aqui.
   Catherine sabia que Tamar era um homem do deserto e pertencia àquele lugar árido e misterioso. Mas ela não! A imensidão das dunas, o calor e a sensação de espaço infinito lhe eram estranhas demais. Queria a civilização, luzes brilhantes, gelo nas bebidas, água quente para tomar banho, vinho gelado e comida sofisticada.
   —  Somos muito diferentes — disse ela, fitando-o através das chamas.
   Tamar era um homem excessivamente atraente. Seus olhos castanhos pareciam desnudar os recessos mais íntimos da alma de uma mulher. Os lábios, que podiam ser tanto sensuais quanto cruéis, prometiam despertar sensações inebriantes. Prazeres que Catherine ansiavapor descobrir, mesmo sabendo que jamais se renderia.
   — Sei como o deserto foi uma experiência difícil para você — prosseguiu Tamar. — Quando chegarmos a El Agadir, verá que tudo é diferente e muito melhor.
   Ele esperou que Catherine se manifestasse, mas diante do silêncio, insistiu no assunto.
   — Está irritada comigo porque decidi levá-la para meu país. Posso até compreender sua raiva, mas não correrá perigo nenhum em minha casa. É minha hóspede...
   — Sou sua prisioneira! — interferiu ela. — Está me forçando a ir com você, como aquele homem em Marrocos. Não é diferente dele!
   — Como?! Ele a raptou!
   — E o que acha que está fazendo?
   — Cuidando de sua segurança e protegendo-a do perigo.
   Se ao menos a voz de sua consciência se calasse! Tamar a ouvia repetir que ele estava tentando se enganar, pois queria Catherine afastada de todos e a sua mercê.
   O que mais quer além de protegê-la, Tamar? Duvida que a possuirá tão logo esteja era sua casa? E acredita mesmo que ela aceitará partilhar sua cama sem lutar?
   Ele nunca precisara possuir mulher alguma à força e jamais o faria. Entretanto, nunca desejara tanto alguém quanto desejava Catherine!
   — Não me compare àquele animal — disse ele, enfurecido, aproximando-se de Catherine. — Eu só quero protegê-la e mantê-la...
   Por quanto tempo a impediria de voltar para Marrocos? Até se saciar daquele corpo que o enlouquecia? E isso levaria uma semana, um mês? Trinta dias com Catherine seriam suficientes para acabar com sua obsessão?
   Tamar apertou as mãos nos ombros dela, ao pensar no prazer que ambos teriam quando finalmente se amassem.
   — Solte-me — disse Catherine, tentando se afastar.
   O desejo se tornara forte demais para que ele pudesse resistir, e, tomando-a nos braços, apossou-se da boca delicada.
   Catherine esforçava-se para se libertar, mas Tamar era mais forte e a forçava a se render ao beijo, que se tornava possessivo e ávido. Os lábios dele exigiam uma resposta ardorosa, que ela se recusava a dar.
   Aos poucos, Catherine foi perdendo as forças para lutar. A chama do desejo se acendera em seu íntimo, envolvendo-a como uma labareda voraz. Embora pedisse, entre um beijo e outro, para que Tamar a soltasse, entreabrira os lábios e cravara as unhas nas costas musculosas para trazê-lo mais perto de si.
   — Não... eu não quero...
   — Eu sei — murmurou ele, sem parar de beijá-la. — Eu sei... Tamar a beijou com mais ternura e, colocando a mão na cintura de Catherine, puxou-a ao encontro de seu corpo. Queria que ela descobrisse quanto o excitava. Ouviu-a suspirar e se entregar ao abraço, vencida pela força das sensações.
   Subitamente, o vento trouxe até eles as vozes dos homens acampados atrás das dunas. Eram os sons da realidade, que vinham destruir o momento de sonho. Percebendo a hesitação de Tamar, Catherine afastou-se rapidamente.
   — Eu não quero você!
   Chocado, ele a fitou por um instante e depois afastou-se. Sem olhar para trás, desapareceu entre as dunas.
   Catherine permaneceu imóvel, paralisada pelo conflito de suas emoções e incapaz de raciocinar. Ah, mas ela conseguia sentir! Seu corpo ainda tremia de desejo e pela descoberta de sensações que jamais imaginara existir.
   Desesperada, ela cobriu o rosto com as mãos. Sua única salvação era fugir!
   Tamar acomodou-se para dormir, a uma certa distância de seus seguidores, e ficou com o olhar perdido nas chamas da fogueira.
   O que havia de tão especial em Catherine a ponto de transformar um indivíduo racional e civilizado, como ele sempre se considerara, em um homem primitivo, que quase a possuíra ao céu aberto?
   Nunca vira uma mulher tão linda... Com os cabelos dourados caindo em mechas sedosas sobre os ombros e os olhos brilhando de desejo, Catherine despertava nele uma onda de paixão quase impossível de controlar. Fora preciso reunir todo seu autocontrole para resistir e se afastar dela.
   Tentava acreditar que a desejava tanto por estar havia algum tempo sem uma mulher, mas sabia que mentia para si mesmo. Não desejava apenas um corpo feminino complacente e sensual. Queria Catherine e ninguém mais!
   Incapaz de conciliar o sono, Tamar dirigiu-se à encosta da duna, onde ela dormia. Já havia se passado mais de uma hora desde que a deixara, e, para sua surpresa, não havia ninguém junto da fogueira. Talvez Catherine tivesse se levantado para andar pelo acampamento...
   Então, ele ouviu um som baixo, mas reconheceu a voz feminina. Era Catherine que, montada em um dos camelos, incitava-o a se mover.
   —  O que houve? — A voz de Bouchaib soou às costas de Tamar. — Estamos sendo atacados?
   — Não. E a mulher... ela está fugindo.
   Sem perder um só segundo, Tamar escalou as dunas e saltou sobre um dos camelos, seguindo atrás de Catherine. Tinha de alcançá-la antes que se perdesse na vastidão do deserto. Ela sabia para que lado ficava El Agadir e certamente iria para a direção oposta, onde não havia nada, nem um vilarejo, nem um oásis, apenas um mar de dunas áridas por centenas de quilómetros.
   Tamar galopou por um longo tempo até que, do alto de uma duna, avistou um movimento a distancia. Sim! Era Catherine. Acelerando a marcha do animal, alcançou-a e, com um gesto rápido, arrancou-a da sela, trazendo-a para sua montaria.
   Catherine reagiu e tentou agredi-lo com os punhos fechados. Os dois caíram sobre a areia macia, e Tamar a prendeu de encontro ao solo com o peso de seu corpo. Quando seus olhares se encontraram, ele não resistiu e a beijou com um ardor inesperado.
   Isolados na solidão do deserto, ambos permitiram que o desejo sempre presente viesse à tona. Tamar exultava ao sentir o poder que tinha sobre aquela mulher, sabia que podia conquistá-la a qualquer momento.
   Por um instante, parou de beijá-la para admirar o rosto banhado pelo luar e viu que ela se rendia a sua força, e não a seu desejo. Então, caiu em si. Não podia possuí-la daquela forma, como um nómade primitivo!
   Catherine o fitava, com lágrimas nos olhos, e a respiração ofegante revelava que também lutava contra o desejo de se entregar à paixão. O tempo parecia ter se detido, e ambos se encontravam em um mundo só deles.
   Então, uma voz ecoou no silêncio da noite.
   — Tamar! Príncipe Tamar?
   Ela permaneceu imóvel, deitada sobre a areia, e ainda tremendo pela excitação da fuga e pelo prazer que sentira nos braços de Tamar. Quando conseguiu levantar-se, avistou Bouchaib que se aproximava.
   — Alá seja louvado! Encontrou a mulher! — exclamou ele, nitidamente aliviado.
   Tamar ajudou Catherine a montar em seu camelo e, percebendo que ela tremia convulsivamente, passou o braço ao redor da cintura delicada, prendendo-a de encontro a seu peito.
   Catherine sentiu uma súbita exaustão e um tumulto de emoções contraditórias que a impedia de raciocinar. Sua tentativa de fuga fracassara, mas o pior fora a traição de seu corpo. Estivera prestes a se entregar ao homem que a mantinha prisioneira. Tamar teria percebido? E se surgisse uma outra ocasião semelhante, seria capaz de resistir?
   Eles retornaram ao acampamento sem trocar uma só palavra, mas ambos sentiam a excitação provocada por seus corpos se tocando.
   — Partiremos com os primeiros raios de sol — disse ele a Bouchaib, enquanto ajudava Catherine a desmontar.
   — Vai amarrá-la? — perguntou o velho seguidor, olhando para Catherine.
   — Eu não poderia..
   — Mas e se ela tentar fugir outra vez?
   — Ela não tentará — afirmou Tamar, desejando mantê-la em seus braços pelo resto da noite.
   — Deixe-me ir — implorou ela, ansiosa.
   — Sinto muito, Catherine. Não posso permitir que vá.
   Â caravana cruzou as montanhas no final da manhã, e, quando desceram novamente para o deserto, Bouchaib dirigiu-se a Catherine, a quem vigiara desde a partida do oásis.
   —  Chegaremos a El Agadir em menos de três horas. Lá você terá todo o conforto.
   Mas seria sempre uma prisioneira... e talvez incapaz de resistir ao desejo que a impelia para os braços de Tamar. Teria forças para lutar contra suas próprias emoções?
   A tarde, ela chegara a um ponto de exaustão que já não lhe permitia pensar em nada. Queria apenas tomar um banho quente, vestir roupas limpas, comer algo decente e dormir em uma cama macia. Só voltaria a se preocupar com o problema de lidar com Tamar quando estivesse bem descansada.
   Envolvida em seus pensamentos, ela se surpreendeu quando a caravana parou.
   — Olhe a sua direita — pediu Tamar. — É El Agadir! Os últimos raios de sol transformavam a cidade em uma jóia resplandecente, pousada sobre as areias do deserto. Torres, mesquitas e minaretes, cobertos de mosaicos multicoloridos, pareciam ter se tornado dourados à luz do crepúsculo.
   — Este é meu lar — murmurou Tamar, comovido. — Seja bem-vinda, pois é seu lugar.
   Antes que Catherine pudesse protestar, ele voltou a galopar. Quando o dia morria, eles entraram no reino de El Agadir.
   CAPÍTULO  VIII
  
   A cidade era circundada por uma muralha alta, com um portão vigiado por guardas de brilhantes uniformes vermelhos com galões.
   — Esta é a capital de El Agadir — explicou Bouchaib, quando cruzaram o portão. — Para o leste, ficam as outras cidades e os balneários. As terras ricas em petróleo se localizam ao sul. É um país pequeno, aproximadamente do tamanho do Estado de Massachusetts.
    Eles avançaram por uma avenida ampla, ladeada por altas palmeiras. Carros luxuosos se misturavam a caravanas de camelos, e, no centro comercial, homens e mulheres, em trajes árabes, caminhavam apressados. A maioria delas se cobria da cabeça aos pés, deixando apenas os olhos à mostra.
   Para surpresa de Catherine, havia algumas mulheres que vestiam trajes ocidentais, e as mais jovens até usavam jeans.
   — O príncipe Tamar realizou muitas mudanças quando assumiu o trono, após a morte de seu pai — disse Bouchaib, diante da perplexidade de Catherine. — Embora as famílias mais tradicionais prefiram que suas mulheres cubram o corpo e o rosto, já não é mais uma lei. Agora, elas podem até estudar engenharia ou medicina. Alguns, como eu, acham que será o fim de nossa sociedade.
   Na opinião de Catherine talvez fosse a salvação! Preconcebidamente, considerara Tamar um típico machistas para quem a mulher devia estar coberta de véus, descalça e sempre grávida. Era inquietante ter de mudar seu conceito a respeito dele.
   Também a cidade não combinava com a ideia que fizera.
   Havia prédios modernos, de vidro e aço, além das típicas construções orientais.
   Depois de cruzarem o centro, começaram a subir uma colina, e, após uma curva fechada, Tamar aproximou-se dela e, detendo a marcha, apontou para o alto.
   — Ali está minha casa.
   Catherine ficou boquiaberta. No alto da colina, ficava um palácio saído de um conto de fadas. Torres pontiagudas se alternavam com arcos mouriscos, cobertos de mosaicos dourados. Só então tomou consciência de que Tamar era mesmo um príncipe, com poder absoluto sobre seus súditos!
   Ela o seguiu para dentro das muralhas do palácio, fascinada com o que via. Os jardins eram magníficos, e a profusão de flores de todas as espécies espalhava um perfume inebriante pelo ar. Os imensos gramados, cortados por riachos, pareciam de veludo, e fontes cristalinas se alternavam com recantos próprios para o lazer a céu aberto.
   Depois de agradecer aos homens e despedir-se de Bouchaib, Tamar ajudou Catherine a desmontar.
   — Este será seu lar, enquanto estiver aqui, Catherine. Se precisar de algo, basta pedir.
   Ela ia insistir em seu pedido de ir embora, quando um grupo de criados se aproximou, impedindo-a de se manifestar.
   Tamar a apresentou a todos e a impeliu na direção de uma mulher mais velha.
   — Cuide da srta. Courlaine, Fátima. Chame as costureiras e escolha alguns tecidos, pois ela precisa de roupas.
   — Tomarei todas as providências, príncipe Tamar. Quando Fátima afastou-se respeitosamente, Catherine reagiu.
   —  Não será necessário! Não pretendo ficar aqui mais do que dois dias, no máximo.
   — Creio que ficará mais tempo — disse ele, sem fitá-la: Catherine estava em sua casa e não partiria enquanto ele não decidisse. Não a deixaria ir antes de saciar seus desejos com todos os prazeres daquele corpo sensual, não antes de possuí-la por mil e uma noites.
   — Acompanhe Fátima — disse ele, com a voz rouca de desejo. — O jantar é às sete horas, e eu irei buscá-la em seu quarto. Catherine queria se recusar a comparecer, mas estava faminta e precisava recuperar as forças para poder fugir.
   — Está bem — concordou ela, seguindo Fátima, sem olhar para trás.
   Fascinada, seguiu a criada por um labirinto de corredores, passando por aposentos de um luxo estonteante. Cruzou pátios internos com fontes recobertas de mosaicos, das quais jorrava água perfumada.
   Finalmente, entraram em um pequeno pátio com canteiros de rosas, e Fátima abriu uma porta pesada e com incrustações de madrepérola.
   — Estes são seus aposentos, mademoiselle.
   Após cruzar um vestíbulo rodeado por colunas de mármore, Catherine subiu alguns degraus e se deparou com a sala mais bela que já vira.
   O amplo aposento tinha o chão de mármore rosa, recoberto por inúmeros tapetes preciosos. Sofás que incitavam ao ócio se alternavam com almofadas bordadas de dourado, e luminárias de prata espalhavam uma luminosidade suave no ambiente. -   — O quarto é ali — disse Fátima,
   Mais uma vez, Catherine quase perdeu a fala diante de tanta beleza. A cama, enorme e sobre uma plataforma mais alta, tinha uma colcha de seda cor-de-rosa, e o tapete, fofo e aveludado, era de um tom mais forte. Amplas janelas circundavam o aposento, com exceção de uma das paredes em que havia um espelho de ponta a ponta.
   — O jardim fica aqui — explicou Fátima, abrindo um dos painéis de vidro. — Não precisa preocupar-se com sua privacidade, pois ele é particular e fechado.
   No centro do pátio, havia uma piscina de mosaicos dourados, e, a uma pequena distância, arcos mouriscos sombreavam canteiros de camélias e rosas.
   Certa de que nada mais a surpreenderia, Catherine seguiu Fátima até o banheiro e parou, fascinada. Nos últimos três dias, sonhava com um bom banho e agora encontrava uma banheira que parecia pertencer à época dos romanos! Era quase uma piscina e toda rodeada de canteiros. Em um dos lados, exuberantes samambaias se mesclavam a orquídeas selvagens, de todos os tons de rosa. Do outro, uma pequena cascata nascia entre as pedras, fornecendo água pura e cristalina.
   — Prepararei seu banho, mademoiselle.
   — Sim, obrigada —balbuciou Catherine, tentando disfarçar seu espanto, sem nenhum sucesso.
   Ela retornou ao quarto e sentou-se em uma das poltronas com almofadas de plumas de ganso. Nunca vira tanto luxo em toda sua vida! Tio Ross era um homem muito rico, mas ela jamais encontrara ambiente nenhum que se comparasse ao esplendor daquele palácio. Não seria difícil se deixar fascinar por tanta beleza...
   Reagindo, Catherine ergueu-se da aconchegante poltrona. Ela não se deixaria seduzir!
   Entretanto, ao banhar-se em água perfumada e ao som de uma sonata de Mozart, ela viu sua imagem refletida nos espelhos que circundavam a banheira e suspirou de prazer.
   — Nada mau! Afinal, o luxo acaba sendo um vício — murmurou ela, sorrindo.
   Só que não pretendia ficar tempo bastante para se viciar em nada! Talvez fosse forçada a permanecer no palácio por uma semana, não mais. Insistiria em partir, e Tamar teria de concordar. Seu tio devia estar em pânico, e queria telefonar para ele na hora do jantar. Mas, por enquanto...
   Fechando os olhos, ela relaxou na água tépida. Pensou em Chicago, sob tempestades de neve, com o vento gelado que soprava do lago Michigan e se entregou ao prazer do banho quente.
   Pouco depois, Fátima retornou e lhe estendeu uma ampla toalha felpuda.
   — Coloquei algumas roupas no armário, mademoiselle. São poucas, mas deve encontrar uma que seja adequada para o jantar desta noite. Amanhã, as costureiras lhe farão outras sob medida. Os perfumes e a maquiagem estão na penteadeira, a sua escolha. Voltarei às sete para conduzi-la à sala de jantar.
   — Muito obrigada e... eu gostaria de dar um telefonema.
   — Sinto muito, mas não será possível — murmurou Fátima, baixando os olhos. — Não há telefone em seus aposentos.
   — Então, conduza-me até onde eu possa fazer uma ligação.
   — Não posso, mademoiselle.
   — Mas...
   De nada adiantaria protestar, pois Fátima desaparecera. Praguejando, Catherine começou a secar os cabelos. Dentro de uma hora, encontraria Tamar e lhe comunicaria que precisava telefonar. Se ele recusasse... iria descobrir a extensão de sua fúria!
   Tamar esperava pela chegada de Catherine em uma sala de jantar menor e mais íntima. A presença dela em sua casa o enchia de prazer e expectativa. Jamais havia trazido mulher alguma ao palácio. Seu relacionamento com a bela atriz italiana se desenrolara em uma vila, em Capri, e no apartamento que tinha, em Florença.
   Ele se entretivera com Moníque, a linda modelo francesa, em sua casa na Riviera. Gwen fora seduzida em um castelo de Sussex e Pilar, a ardente espanhola, em uma mansão na Costa del Sol.
   Nunca quisera trazer nenhuma delas a El Agadir. Por que esse desejo de mostrar sua casa a Catherine? E por que a aguardava no aposento que mais lhe agradava em todo o palácio?
   Inúmeras vezes, ele jantara a sós com a mãe naquela sala. Era aconchegante e tinha os quadros de que mais gostava, telas de Picasso, Matisse e Monet adornavam as paredes.
   Entretanto, sua predileta era a Mulher de Algiers, pintada por Delacroix, talvez porque o lembrasse da beleza triste de sua mãe. Embora amasse muito o marido, nunca se sentira bem no palácio. Ela amava o deserto, onde sempre desejava estar e onde morrera.
   Finalmente, a porta foi aberta, e Fátima deu passagem a Catherine.
   Ela usava um longo vestido de gaze azul e parecia emanar uma luminosidade interior. Os olhos brilhantes, rodeados pela sombra de kohl, assemelhavam-se a pedras preciosas.
   — É uma bela sala — disse ela, aproximando-se.
   —  Concordo — murmurou Tamar, controlando a emoção. — Jantaremos dentro de alguns minutos, mas achei que gostaria de tomar uma taça de champanhe.
   — Eu adoraria.
   Depois de servi-la, Tamar acomodou-se diante dela.   
   — Você está linda...
   —  Obrigada. — Ela agradeceu o elogio, sem sorrir. — Só que agora preciso dar um telefonema.
   —  Oh? E com quem precisa falar?
   —  Com tio Ross, é evidente! Estou desaparecida há cinco dias, imagino que ele esteja em pânico!
   —  Se lhe disser que é minha convidada e que o avisará quando for retornar a Marrocos, eu permitirei que telefone.
   — Permitir? — Catherine empalideceu de raiva. — Bem, se é essa a condição, eu tenho de me curvar a sua vontade, certo?
   Ela esperou que Tamar fizesse a ligação e enfim pôde falar com o tio.
   — Alõ? Sim, eu estou muito bem, tio Ross. É, a viagem pelo deserto foi muito exaustiva e... decidi descansar alguns dias na casa dele, em El Agadir. Avisarei quando for voltar a Marrocos.
   Os dois conversaram por mais alguns minutos, e então Catherine estendeu o fone a Tamar.
   — Tio Ross quer falar com você.
   Durante os poucos minutos de conversa, Catherine percebeu que Tamar tranquilizava seu tio, insistindo na necessidade de sua permanência em El Agadir. Finalmente, ele desligou, disfarçando um sorriso malicioso.
   —  Seu tio me pareceu muito feliz por você estar em minha casa.
   — É claro! Tio Ross ficou aliviado porque estou em segurança!
   — Sem dúvida!
   A expressão e a voz de Tamar pareciam insinuar que havia algo de suspeito na atitude de Ross. Irritada, afastou-se dele, a fim de examinar a sala. Ao ver os quadros, aproximou-se para observá-los melhor e parou, fascinada, diante da tela de Delacroix.
   — É maravilhosa!
   — Também acho. A mulher me lembra minha mãe. Sentindo a raiva se desvanecer, Catherine aproximou-se de Tamar.
   —  Como era ela?
   — Uma pessoa infeliz, creio eu...
   — Como a mulher do quadro.
   —  Exatamente. E também como a mulher do quadro, ela possuía tudo. Jóias, belos vestidos e, no entanto, parecia estar distante do mundo a seu redor. Minha mãe amava o deserto e sentia-se infeliz quando estava longe dele.
   Catherine o fitou, surpresa com a melancolia presente na voz de Tamar. Sentindo que se intrometia na intimidade dele, afastou-se até a parede mais distante da sala, e seu olhar recaiu em um intrincado mosaico. Curiosa, tocou as pedras diminutas, seguindo o desenho com as pontas dos dedos,
   —  O mosaico conta uma história — murmurou Tamar, atrás dela.
   — Verdade?
   — Há alguns anos, eu estava sozinho nesta sala e comecei a estudá-lo mais atentamente. Você precisa olhar bem de perto para perceber a trama.
   Havia algo de estranho na voz de Tamar, uma tensão que Catherine não conseguia definir. Mas curiosa em decifrar o mosaico, voltou a analisar os desenhos.
   No início, viu apenas a beleza colorida das pedras que se entrelaçavam, formando pequenas figuras. Então, distinguiu os contornos de um homem e uma mulher, ligeiramente afastados, mas de frente um para o outro. Os dois estavam nus.
   No desenho seguinte, o homem conduzia a companheira para dentro de um jardim de árvores douradas com flores de rubi. A mão dele cobria o seio da mulher.
   Ciente da presença de Tamar as suas costas, Catherine hesitou em prosseguir. Podia imaginar o que viria a seguir, mas estava fascinada demais para se deter.
   A cada nova cena aumentava o erotismo das imagens. Os corpos dourados se amavam nas mais diversas posições, envolvidos pelo desenho do bosque que parecia isolá-los do mundo. A mulher se oferecia ao companheiro e o seduzia com sua feminilidade, e ele a dominava com sua força máscula.
   Enrubescendo, Catherine recuou, embora não conseguisse desviar os olhos dos desenhos.
   — São dois amantes — murmurou ele, bem junto do rosto de Catherine.
   — É... interessante.
   O embaraço de Catherine era maior porque via os olhos de Tamar pousados nela, observando suas reações. Então, sentiu a mão forte tocar seu ombro e pressentiu que ia ser beijada.
   Naquele momento, alguém bateu à porta. Eram os criados trazendo o jantar. Desorientada, Catherine deixou-se conduzir por Tamar, que a acomodou sobre almofadas macias diante de uma mesa baixa.
   — Amanhã, eu a apresentarei à comida de minha região. Hoje, achei que você gostaria de algo mais típico de seu país. Filés mal passados, batatas assadas e salada César. O que acha?
   Faminta, Catherine sorriu pela primeira vez naquela noite.
   De algum ponto da sala, vinha o som melodioso de uma cítara, que preenchia o silêncio do ambiente, enquanto os dois comiam com apetite. Catherine não recusou os morangos com creme, mas afirmou que não poderia nem sequer provar os doces árabes.
   — Ah! Mas você tem de experimentar a baklava.
   —  Eu não conseguiria! — exclamou ela, satisfeita com o magnífico jantar.
   — Só um pouquinho — insistiu Tamar e, num gesto rápido, colocou, com a ponta dos dedos, um pouco da calda feita de mel nos lábios de Catherine.
   Como se estivesse hipnotizada, ela provou um pedaço do doce que Tamar lhe oferecia e depois mais outro. Seu coração batia descompassadamente, e não conseguia desviar os olhos do rosto másculo muito próximo do seu.
   Sem perceber que se movia, Catherine inclinou-se para a frente, oferecendo os lábios a Tamar. Entregou-se ao beijo possessivo e mal protestou quando ele a deitou sobre as almofadas macias.
   Sentiu as mãos de Tamar explorando seu corpo, e, por um instante, seu olhar recaiu no mosaico erótico da parede. Agora as figuras pareciam muito mais nítidas e reais. Os corpos dourados se uniam no ato de amor, e a figura dourada do homem se inclinava, sugando os seios da mulher.
   A mão de Tamar deslizou por entre as dobras do vestido e tocou-lhe o seio... roçou levemente a pele macia de suas coxas...
   Ela fechou os olhos a fim de não ver mais as figuras se amando e lutou para recuperar o controle. Precisava impedi-lo de continuar!
   — Pare... eu não posso...
   — Por que não?
   Ignorando o protesto de Catherine, ele a beijou novamente, agora com mais ousadia, descobrindo o interior da boca delicada. A mão buscou o seio rijo e, afastando o tecido que o cobria, tocou-o com ardor.
   — Não... por favor, Tamar! Deixe-me ir...
   Ele a fitou e não pode recusar o pedido de Catherine. Controlando o desejo, deixou-a soltar-se de seus braços.
   Catherine sentou-se e cobriu os seios que ele desnudara. Tamar a observou, sem nada dizer, por alguns minutos.
   — Você me deseja, Catherine. Por que se recusa a ceder?
   — Eu não quero...
   Mais uma vez, ela olhou para as figuras do mosaico e admitiu que mentia a Tamar e a si mesma. Também sabia que, como os amantes isolados no bosque dourado, iria ser possuída por aquele homem que a enlouquecia de desejo.
   — Quero ir para o quarto agora — murmurou ela, num fio de voz.
   — Pois não. Chamarei Fátima para levá-la a seus aposentos. Catherine evitou fitá-lo até perceber que Fátima entrava na sala. Então, virou-se para ele, com o rosto transfigurado pelo desejo ao qual temia ceder.
   Ele cruzou a sala e, segurando-lhe a mão, beijou a pele macia do pulso de Catherine.
   — Boa noite, querida.
   Quando ela retirou a mão, sentiu que todo seu corpo tremia e, sem olhar para trás, seguiu Fátima, antes que se arrependesse de não se entregar a Tamar...
   Catherine estava extremamente cansada e dormiu tão logo encostou a cabeça no travesseiro, mas seu sono foi agitado. Embora o quarto fosse fresco, ela sentia um calor intenso que lhe provocou sonhos estranhos.
   Alerta como se estivesse acordada, sonhou que perambulava por entre um bosque dourado à procura de seu amante. Ele surgiu a sua frente e a tocou com ternura. Beijou-lhe os lábios, acariciou-lhe os seios e desapareceu...
   Assustada, Catherine sentou-se na cama e sentiu seus olhos se encherem de lágrimas ao perceber que estava realmente sozinha.
   Inquieta demais para voltar a dormir, ela se levantou da cama e foi até a porta que dava para o jardim de seu quarto. Faltava ainda uma hora para o amanhecer, e o mundo parecia ainda dormir, imóvel e silencioso. Nem uma folha se movia, e não se ouvia o canto de pássaro algum. O orvalho brilhava sobre as pétalas das camélias, e uma névoa suave roçava a superfície da água da piscina.
   Perturbada demais pelo sonho, Catherine entrou no jardim. Sentiu a relva molhada debaixo de seus pés e sentou-se à beira da piscina. Ela hesitou em entrar na água, que parecia convidá-la a um mergulho. Então se lembrou de que ninguém a veria e não resistiu mais.
   Sem sequer tirar a camisola de algodão, mergulhou nas águas frescas e nadou por um longo tempo, como se o exercício pudesse afastar as imagens eróticas de sua mente. Catherine só parou ao ver a luminosidade rósea da madrugada invadir o jardim. O ar estava quase frio, e ela sentiu que se livrara das tensões da noite. Ao sair da piscina, arrependeu-se de não ter trazido uma toalha. A camisola molhada colava-se em seu corpo como uma segunda pele e precisava logo de um banho quente.
   Um pássaro cantou bem perto dela. Ao erguer os olhos para procurá-lo, avistou uma sombra parada à porta de seu quarto. Era Tamar.
   Ele estava com os cabelos revoltos, a barba por fazer e uma expressão tensa. Catherine parou, subitamente consciente de que a camisola molhada a deixava nua. Entretanto, a mente recusava-se a funcionar e apenas as sensações existiam. Sentia a umidade da grama sob seus pés, o perfume das camélias e o canto quase hipnótico de um pássaro.
   — Eu tinha de ver você — murmurou ele, sem se mover. Catherine cruzou os braços, num gesto de proteção. Envergonhada, queria cobrir o corpo revelado pelo tecido molhado.
   — Você está com frio — disse Tamar, dando alguns passos na direção dela. — Deixe-me aquecê-la.
   Ele a tomou nos braços, levando-a para dentro do quarto. Despertando de sua imobilidade, Catherine começou a se debater.
   — Não! Você não tem o direito de me forçar a...
   — Sonhei com você a noite toda — disse Tamar, sem soltá-la dos braços. — Sempre que fechava os olhos, eu via o mosaico, e eramos nós dois os amantes do bosque dourado. Toquei seus seios e a deitei sobre a relva...
   Catherine começou a tremer com tal violência que teria caído se Tamar não a sustentasse. Não era possível duas pessoas terem o mesmo sonho!
   — Fiz amor com você entre as árvores do bosque. Seu corpo vibrava de paixão, e uma chama de volúpia nos consumia.
   — Era só... só um sonho — balbuciou ela, incapaz de acreditar no que acontecera. Só podia ser uma coincidência absurda. Ou também se partilhavam sonhos?
   — Perco as forças quando a toco, Catherine. Se não estou a seu lado, ouço sua voz em minha mente como uma melodia celestial e sinto seu perfume entranhado em minha pele. Você não é igual a ninguém que eu tenha conhecido em toda minha vida. Sabe disso, não?
   Ela não tinha voz para responder. Parecia estar sendo transportada para um outro universo, feito de palavras doces e sensações delirantes.
   — Tento convencer-me de que você é independente demais para meu gosto, enquanto admiro sua coragem de desafiar a todos. Procuro admitir que somos diferentes demais e um relacionamento entre nós é impossível. Apesar de todos os argumentos...
   Tamar apossou-se da boca de Catherine, num beijo que transmitia todos seus anseios e exigia uma. entrega absoluta e sem restrições. Um encontro de lábios ávidos que refletia a paixão partilhada em seu sonho... e no sonho dela.
   Finalmente, Catherine se rendeu e, entreabrindo os lábios, encostou seu corpo ao dele, movendo-se com uma sensualidade inconsciente. Tamar não resistiu ao convite que ela mal percebia ter feito e a carregou para a cama.
   Uma mínima parcela de Catherine ainda relutava em ceder a um desejo que sabia ser arriscado demais. Depois que tivessem se amado, o mundo nunca mais seria o mesmo, e ela viveria das lembranças de um amor impossível.
   — Pare... estamos cometendo uma loucura...
   — Você está com frio. — Retirando a camisola de Catherine, Tamar a deitou na cama a cobriu-a com seu corpo. — Eu a aquecerei.
   Ela ainda tremia de frio e temor, mas Tamar a abraçava, murmurando palavras em seu idioma, sons doces que ela não compreendia. Mas a voz era persistente, macia, e a conduzia a algum lugar mágico onde nunca estivera antes.
   O murmurar terno e as carícias ainda suaves acabaram por afastar a tensão de Catherine, e ela voltou a se transformar na mulher do mosaico, uma amante de pele dourada que espera o momento de se entregar à paixão e de levar seu homem ao delírio.
   As mãos que deviam afastá-lo, impedindo um ato de amor e de loucura, tocavam os ombros musculosos com volúpia. Ela perdera a identidade e só existia para o prazer.
   Sentindo que Catherine se rendia à paixão, Tamar se entregou ao prazer de descobrir o corpo com o qual sonhara até quase enlouquecer de desejo. Beijou cada centímetro da pele sedosa e alva como a luz do luar, mas não tocou os seios que se erguiam, pedindo para ser acariciados.
   Enfim, quando não pôde mais se conter, colou os lábios nos mamilos rijos. Catherine assustou-se ao ouvir sua própria voz ecoar no quarto, num gemido de intenso prazer.
   A excitação de Catherine contagiou Tamar, que se preparara para conter seus próprios desejos até que ela estivesse pronta para recebê-lo. Mas agora era quase impossível não ceder à urgência de possuí-la sem mais esperar.
   Tamar deslizou os dedos pelas coxas femininas, buscando a fonte do prazer final. Catherine se abriu para ele, como uma flor oferece suas pétalas ao calor do sol. Num movimento rápido, mergulhou no corpo quente da mulher que se tornará uma obsessão em sua vida.
   Utilizando a antiga arte oriental do Kama Sutra, Tamar movimentava-se dentro de Catherine, levando-a até bem perto do clímax, para depois diminuir o ritmo, prolongando os momentos de volúpia. Era uma doce tortura que nenhum dos dois queria findar.
   Então, sentiu que o corpo de Catherine começava a tremer convulsivamente e aumentou o ritmo de seus movimentos até ouvi-la gritar seu nome. A voz ecoou no silêncio do quarto e lançou os dois para um mundo além da realidade.
   Abraçados, ainda tremiam tal a intensidade do clímax, e Tamar já pensava nos muitos outros momentos de paixão que se seguiriam. Atos de amor quando raiava o dia, noites de delírio em que manteria Catherine nos braços até o desejo renascer.
   Ele a amaria com paixão pelo tempo que tivessem para viver seu romance. Desejaria Catherine com a mesma intensidade, enquanto ela quisesse ser sua. Viria o dia em que seria obrigado a deixá-la ir. Mas até então...
   — Você precisa de um banho quente — murmurou ele, começando a levantar-se da cama.
   — Não estou mais com frio — disse ela, sem disfarçar o embaraço.
   Mas Tamar ignorou as palavras de protesto, e, quando Catherine ficou sozinha no quarto, tentou conciliar suas emoções contraditórias. Por que deixara acontecer? Não poderia ter exigido que Tamar saísse de seu quarto? Ou pelo menos lutado para defender sua honra, em vez de se entregar tão rapidamente?
   Antes que ela encontrasse as respostas, Tamar retornou ao quarto, enrolado em uma toalha.
   — Vamos! — exclamou ele, carregando-a nos braços. Catherine suspirou, resignada. Que mulher teria forças para resistir a um amante tão sedutor?
   Uma música suave espalhava-se pelo amplo banheiro, e ela foi envolvida pelo calor da água e pelos braços de Tamar. Resoluta, tentou ignorar a insistente voz de sua consciência.
   Você está perdendo a batalha e o juízo. O sol do deserto deve ter abalado sua mente e despertado desejos inomináveis. Nunca agiu assim com nenhum outro homem, lembra-se? Não é mais uma adolescente irresponsável, e sim uma mulher madura!
   — Tamar? — murmurou Catherine, enquanto ele ensaboava cada uma de suas curvas. — Não sei o que você faz comigo. Quando me toca ou me beija...
   — Assim? — Ele se apossou-se dos lábios trémulos de Catherine, num beijo em que se mesclavam a ternura e a violência da paixão.
   — Oh, por favor...
   —  Por favor o quê, Catherine? Não quer que eu a toque mais, ou sentiu o desejo renascer?
   Sem esperar pela resposta dela, Tamar a colocou sobre o espesso tapete que rodeava a banheira.
   — Você me enfeitiçou, mulher de cabelos dourados.
   Mais uma vez, o ato de amor foi breve demais. Quando seus corpos se uniam, uma chama voraz parecia consumi-los. A cada nova posse, a urgência aumentava e a ternura se transformava em um abandono quase selvagem. Eles já não eram mais um homem e uma mulher que pertenciam ao mundo civilizado, e sim dois seres primitivos que não recuavam diante de nenhuma forma de prazer.
   Mergulhada num universo de sensações sempre mais intensas, Catherine não continha os gemidos de prazer que se misturavam ao murmurar do nome de Tamar. Ele avançava e recuava, levando-a até bem perto do êxtase, até ambos não poderem mais adiar o momento de explodirem num clímax que nenhum dos dois jamais experimentara antes.
   Após o momento de mais intenso prazer, eles permaneceram abraçados e em silêncio, usufruindo a dádiva daquela fusão completa de seus corpos.
   — Nunca senti tanto prazer como com você, querida — sussurrou ele, fitando-a com paixão. —Acho que jamais a deixarei escapar de meus braços.
   — Ah! Mas você terá de deixar. — Ela tocou o rosto másculo do homem de seus sonhos. — Algum dia, terá de deixar.
  
  
   CAPÍTULO  IX
  
   Os dias se passavam em uma sucessão de prazeres. Catherine nunca fora tão feliz em toda sua vida, jamais partilhara uma intimidade tão completa com ninguém. Dormia nos braços de Tamar, todas as noites, e despertava com carícias que inflamavam os desejos mútuos.
   Ele era um amante capaz de ternura infinita e, ao mesmo tempo, de um primitivismo quase selvagem. Nas primeiras noites, os atos de amor se sucediam até o raiar do dia, pois nenhum dos dois sentia diminuir o desejo que os transformava em apaixonados eternos.
   Logo as costureiras fizeram os vestidos mais belos e luxuosos que Catherine já possuíra. Não satisfeito, Tamar a cobriu de jóias. Um colar de rubis antigos, outro de brilhantes, que pareciam brilhar mais do que o sol, e uma pulseira de ouro.
   — É um bracelete de escrava — murmurou ele, enquanto o prendia no tornozelo de Catherine. — Enquanto o usar, você será minha.
   Mas a maior de todas as delícias era Tamar. Uma tarde, ele a levou ao alto de uma das torres do palácio e mostrou-lhe o deserto que se estendia até se perder de vista no horizonte.
   — É o lugar que eu mais amo no mundo, Catherine. Veja como é belo!
   Sem voz, ela admirava as cores inusitadas das dunas, pensando em como estava distante de tudo que conhecia e lhe era familiar. Tinha telefonado para seu escritório, avisando que ainda não marcara uma data para retornar a Chicago.
   E como fazer planos se ela mesma não sabia quando voltaria? O destino lhe oferecera a chance de viver um sonho, e iria usufruir cada momento até tudo terminar. Então, retornaria ao lar, e a vida se dividiria em antes e depois de Tamar.
   Ele a trouxera a El Agadir como uma prisioneira, mas agora a deixaria ir, se pedisse. Entretanto, tornara-se prisioneira de seu próprio desejo e não suportava a ideia de partir. Talvez na outra semana ou no fim do mês...
   E, a noite, depois que ele adormecia, Catherine ia até o jardim e chorava. Chorava porque aquele lugar de sonho jamais poderia ser seu lar... e porque em breve teria de deixar o amor de sua vida.
   Em uma tarde de lazer, entre um momento e outro de paixão, Catherine tentou explicar seu passado a Tamar.
   — Após a morte de meus pais, tio Ross me recebeu de braços abertos. Deu-me tudo que eu precisava e muito mais. Foi um verdadeiro pai para mim, Tamar.
   Depois, criando coragem, tocou no ponto crucial do problema.
   —  Sei que você não gosta dele, mas...
   — Não se trata de gostar ou não — interrompeu-a Tamar. — Seu tio sabotou a conferência. Esse encontro das delegações deveria aliviar as tensões que existem entre nós, há muito tempo, e proporcionar um melhor entendimento entre as nações. Entretanto, porque ele conspirou com representantes de Mali Bukhara, nossas esperanças de paz e harmonia foram destruídas. Mas o pior, o que eu jamais perdoarei, é o fato de ter usado você como isca para os homens.
   — Não posso acreditar nessa hipótese! Nunca a aceitarei.
   — Não lhe parece estranho que seu tio tenha nos convidado para jantar juntos, tão logo soube que havíamos nos conhecido por acaso? Ou o fato de aceitar sua permanência em El Agadir?
   — Não! Você também não veria nada de estranho se soubesse quanto é decente e bondoso.
   Tamar e Catherine já haviam se reconciliado e esquecido o momento de tensão antes do jantar daquela noite. Entretanto, nenhum dos dois voltou a mencionar Ross Courlaine.
   Na manhã seguinte, quatro membros da delegação, que estiveram em Marrocos, chegaram a El Agadir. Apenas um deles, o sheik Rahma Al-Shaibi trouxe a esposa, uma mulher esguia, aproximadamente da idade de Catherine.
   Pelo menos, era o que ela achava porque Zenobia Al-Shaibi usava um lenço marrom ocultando-lhe os cabelos e um vestido longo e de tecido grosso que a cobria do pescoço aos pés.
   — Você e a esposa do sheik Al-Shaibi jantarão conosco esta noite — informou Tamar, ao ficar a sós com Catherine. — Logicamente, ela estará com o rosto coberto.
   Catherine o fitou, com uma expressão interrogativa, mas prestes a se tornar desafiadora.
   — E, portanto, você também deverá estar.
   — Está me dizendo que tenho de usar um véu? Mas eu sou americana!
   — Só um cego não veria isso, querida. — Ele deu um sorriso breve. — Entretanto, está hospedada em minha casa, e os homens suspeitarão que você é minha mulher. Portanto, a atitude adequada será apresentar-se de rosto coberto.
   Você é minha mulher. As demais palavras perderam a importância diante daquela declaração, que a enchia de felicidade. Ele a considerava sua mulher! Todavia, muitas perguntas continuavam sem respostas, e ela sabia que jamais as formularia. Sou mesmo, Tamar? É o que você deseja que eu seja?
   Naquela noite, Fátima trouxe-lhe uma seleção de véus. Um deles era do mesmo tom de azul do vestido que escolhera para usar. Colocou-o diante de seu rosto, pouco abaixo dos olhos, e sentiu-se uma outra mulher. Não sem atrativos, apenas estranha.
   Ela maquiou os olhos mais do que de costume, delineando-os com o intenso pó usado pelas mulheres árabes, o khol. Depois, cobriu o rosto com o véu.
   Então, seguiu Fátima até o opulento salão de jantar formal, onde nunca estivera antes. Tamar a avistou parada à porta e, percebendo sua timidez, convidou-a a entrar. Os homens e Zenobia já estavam a sua espera.
   Ele a viu cruzar o aposento, vestida num tom de azul que combinava com seus olhos magníficos, e os cabelos dourados soltos sobre os ombros. O efeito era estonteante. Ouviu o homem a seu lado sufocar uma exclamação de surpresa e murmurar baixinho:
   — Alá seja louvado! Nunca vi uma mulher tão linda!
   Catherine aproximou-se, e Tamar admirou os olhos ainda maiores por causa da pintura típica das mulheres árabes e que refletiam um mistério insondável e o eterno fascínio feminino. Seria difícil suportar todo o jantar sem poder tocá-la.
   A refeição foi extremamente formal, e os homens a ignoraram, assim como a Zenobia, deixando-as de fora da conversa. Após a enorme quantidade de iguarias, que sempre eram oferecidas nessas ocasiões, um dos sheiks demonstrou quanto a presença das mulheres o incomodava.
   — O jantar foi excelente, príncipe Tamar. E agora é chegada a hora de discutirmos o assunto que nos trouxe a sua casa. Tenho certeza de que as mulheres nos desculparão se as dispensarmos.
   Zenobia levantou-se imediatamente, como uma escrava obediente. Catherine fez questão de não se apressar e, antes de sair da sala, aproximou-se de Tamar e pediu-lhe licença para se retirar, num tom de voz de falsa submissão.
   Ele disfarçou um sorriso, dizendo que a encontraria dentro de poucos minutos, em voz bastante alta para que todos o ouvissem. Catherine dirigiu-se para a porta da sala, sentindo-se vitoriosa.
   Sua mão ainda estava pousada na maçaneta, do lado de fora da sala, quando ouviu a voz de um dos homens.
   — E então, cavalheiros? Que providências vamos tomar a respeito de Courlaine?
   Embora abominasse pessoas que ouviam conversas alheias corn o ouvido colado à porta, Catherine não conseguiu se afastar. Zenobia já fora para o quarto, Fátima não viera buscá-la para conduzi-la a seus aposentos e não havia nenhum criado à vista. Além disso, o corredor estava mergulhado na penumbra, e ninguém a veria entre as sombras das arcadas.
   — Está se pensando em interromper a conferência e recomeçá-la em outra ocasião.
   — Não adiantará nada se aquele bastardo comparecer novamente a nosso encontro. Maldito Courlaine!
   — Ou se estiverem presentes os homens de Mali Bukhara com quem ele trama.
   — Podemos nos assegurar de que Courlaine não compareça.
   — Está sugerindo um assassinato? — perguntou uma voz, nitidamente chocada.
   — Não. — A voz que respondia revelava uma frieza absoluta.
   — Eu me refiro a uma execução.
   — Matar nunca foi uma solução válida — disse Tamar.
   — É a solução e a resposta para o problema — acrescentou um outro homem. — Se tirarmos Courlaine de nosso caminho, as possibilidades de neutralizar Mali Bukhara aumentariam muito.
   — Não nos resta outra escolha — falou uma voz diferente.
   — Temos de nos livrar dele.
   — Eu conheço um homem... — um dos homens informou, num tom de voz bem mais baixo. — Um assassino de aluguel, um profissional...
   Catherine aproximou-se mais da porta, tentando ouvir ao menos parte da conversa, mas agora os homens apenas sussurravam. Apavorada, encostou-se à parede, a fim de não cair.
   Eles estavam tramando a morte de tio Ross! Por Deus! Precisava avisá-lo do perigo, mas não lhe era permitido nem sequer pôr as mãos no telefone, a não ser na presença de Tamar. De algum modo, tinha de convencer Fátima a lhe dar licença para telefonar!
   Ela correu para seus aposentos e ligou para Fátima imediatamente por um interfone. Seus apelos não foram atendidos.
   De um momento para o outro, o amplo quarto lhe parecia pequeno demais, enquanto ela andava de um extremo ao outro. Precisava encontrar uma maneira de avisar o tio. Mas como?
   Deveria apelar a Tamar? Contar-lhe que ouvira a conversa sobre o plano de assassinarem seu tio? Ele dizia amá-la e, certamente, não iria matar o homem que substituíra seu pai por tantos anos!
   Entretanto, hesitava em se arriscar. Se lhe pedisse para poupar a vida de Ross e Tamar se recusasse a satisfazê-la, teria perdido todas as chances de avisá-lo do perigo.
   Tinha de existir uma outra saída! Havia um aeroporto em El Agadir. Se conseguisse fugir do palácio e chegar até lá... Só que estava sem seu passaporte e sem documento algum que a identificasse!
   O tempo corria, e Catherine sabia que logo Tamar viria a seu encontro. E estaria ansioso por mais uma noite de paixão.
   Despindo-se rapidamente, ela se deitou e cobriu-se com o lençol, mas passaram-se duas horas antes de ouvir a porta se abrir.
   — Catherine?
   De olhos fechados, ela percebeu a presença de Tamar bem junto da cama, mas não respondeu. Sentiu o toque suave dos dedos dele em seu rosto.
   — Durma bem, minha laeela. Tenha um bom sono, meu amor. Então, seus passos se afastaram da cama, e ela ouviu a porta sendo fechada cuidadosamente.
   Só então Catherine deu-se ao luxo de chorar. As lágrimas eram um lamento pelo que existira entre eles e pelo que jamais viria a existir.
   Na manhã seguinte, Catherine tomou café sozinha em seu quarto. Ainda não terminara, quando foi avisada de que Tamar providenciara uma limusine a fim de levá-la, junto com Zenobia Al-Shaíbi, para passear pela cidade, às dez horas.
   Em uma nota breve, Tamar declarava quanto sentira falta dela na noite anterior e que esperava que pudessem recuperar as horas perdidas.
   Ela beijou o bilhete, sentindo uma angústia profunda. Amava o tio e devia-lhe toda a lealdade possível e, ao mesmo tempo, estava perdidamente apaixonada por Tamar. Agora teria de escolher entre os dois homens!
   E por acaso existia uma possibilidade de escolha?
   Tentando aparentar calma, Catherine foi ao encontro de Zenobia, sem cobrir o rosto ou os cabelos, ao contrário da outra mulher. Apesar das enormes diferenças entre elas, uma intensa simpatia se estabeleceu entre as duas desde o primeiro momento a sós, longe dos homens.
   Ao cruzarem a cidade, Zenobia revelou quanto estava chocada com a liberdade permitida às mulheres de El Agadir. Quando o motorista parou diante de um restaurante francês, bastante sofisticado, e avisou-as de que o príncipe Tamar lhes reservara uma mesa, ela mal conteve o espanto e um certo temor.
   — Meu marido não vai gostar nada disso!
   — E ele precisa saber? — perguntou Catherine, rindo. Zenobia arregalou os olhos, chocada mas logo caiu na gargalhada.
   — Talvez não precise mesmo! Está preocupado demais com assuntos muito sérios para que eu o perturbe com um acontecimento tão trivial.
   Deixando de lado a timidez, Zenobia começou a tagarelar descontraidamente.
   — Vou visitar meus pais em Marrocos. Não os vejo há quase um ano, e meu marido deu-me permissão para ir ao encontro deles amanhã.
   — Você vai para Marrocos... amanhã? — perguntou Catherine, contendo o nervosismo.
   — Sim.
   — Posso ir também. Pode me levar com você?
   — Levá-la comigo? Não estou entendendo-a.
   — Tenho de ir para Marrocos!
   — Então, é claro que a levarei... se o príncipe Tamar der permissão.
   Arriscando-se a confiar em Zenobia, Catherine contou-lhe toda a verdade, começando com seu rapto e terminando com a trama para o assassinato de seu tio.
   — O príncipe Tamar a trouxe para cá como... prisioneira? — perguntou Zenobia, chocada.
   — Sim.
   —  Isso é terrível! Eu a ajudaria se soubesse como fazer. Mas não vejo uma maneira de tirá-la daqui, se Tamar se recusa a deixá-la partir. — Zenobia partia o pão lentamente, com uma expressão pensativa. — Se você conseguisse sair do palácio, sem que ninguém a visse... não, não adiantaria! Com cabelos dourados e olhos azuis, seria notada ao entrar no avião.
   — E se eu cobrisse meus cabelos?
   — E usasse um véu! — Zenobia sorriu, levada pelo espírito de aventura. — Você poderia passar por uma de minhas criadas! Pretendo levar duas, e uma delas é aproximadamente de sua altura. Se mantivesse a cabeça baixa...
   — Talvez desse certo — murmurou Catherine, com o coração quase saltando1 do peito. — Mas seu marido poderia descobrir e ficar furioso com você. Não quero causar-lhe problemas.
   — Posso dar conta de problemas desse tipo — falou Zenobia, com inesperada firmeza. — Estou casada há dez anos e aprendi muito nesse período. Só contarei a verdade a meu marido depois de tudo ter acontecido. Minha preocupação é com você, Catherine. Não irá dificultar seu relacionamento com Tamar?
   Catherine abaixou a cabeça, a fim de esconder a emoção. Sim, na verdade, ela estaria destruindo o que existira entre os dois. Tamar se consideraria traído e jamais a perdoaria. Entretanto, não podia ficar à parte e nada fazer para salvar o tio.
   Ela tentou não pensar em como Tamar ficaria furioso quando descobrisse sua ausência. E como se sentiria magoado!
   Então, decidiu tentar ainda mais uma vez e pedir-lhe que a deixasse partir.
   Já era bem tarde quando Tamar foi para o quarto de Catherine. Ela o esperava no jardim, sentada sobre as almofadas macias, que Fátima sempre colocava sob as arcadas, ao lado da piscina.
   — Senti muito sua falta ontem — murmurou ele, entre um beijo e outro.
   —  Eu também. — Catherine escondeu o rosto no ombro dele, aspirando o perfume másculo que a enlouquecia de desejo.
   — Tinha esperanças de vê-la no jantar, mas não foi possível.
   — Precisaram discutir negócios?
   Tamar tentou disfarçar o embaraço, sem muito sucesso.
   — Seus convidados são os mesmos homens que compareceram à conferência, não?
   — Sim. — Ele mudou rapidamente de assunto. — Como foi seu dia com Zenobia Al-Shaibi?
   — Otimo. Ela é encantadora. — Catherine brincava com a borla da almofada, sem olhar para Tamar. — Zenobia vai para Marrocos amanhã.
   — Verdade? Eu não sabia.
   — Irá visitar sua família, que está na cidade, e... eu gostaria de ir com ela.
   — Para Marrocos? Não! Bem... quero dizer que ainda não é hora. Talvez possamos ir juntos dentro de duas semanas.
   Sabendo que de nada adiantaria discutir, Catherine não insistiu mais. Iria para Marrocos, com ou sem a aprovação de Tamar. Entretanto, não ignorava que tudo terminaria entre os dois, pois sua partida significava uma traição a tudo que existira entre eles.
   Ao ouvi-la suspirar, Tamar afastou-se a fim de ver o rosto de Catherine.
   — Qual é o problema? Sente-se tão infeliz assim a meu lado?
   —  Claro que não, Tamar. Estes dias foram os mais felizes de minha vida. Jamais os esquecerei...
   Ela se calou, incapaz de continuar falando, tal a intensidade de sua emoção. Como dizer tudo que havia em seu coração?
   Eu te amo muito. Acho que me apaixonei quando me beijou pela primeira vez e, embora tenha tentado fugir quando estávamos no deserto, já não duvidava de que havia encontrado o homem de meus sonhos. Mesmo partindo para sempre, continuarei amando você até o último dia de minha vida.
   Catherine jamais poderia dizer essas palavras em voz alta e tentou transmiti-las a ele, por meio do amor físico que os transformava em um único ser.
   Naquela noite, ela o amou com uma paixão que não tinha limites. Entregou-se por inteiro, colocando o coração e a alma em cada carícia, em cada movimento de seu corpo ávido de prazer. Transformou-se na mulher do mosaico, sem inibições, voltada apenas para a satisfação da volúpia do amante.
   Para surpresa de Tamar, Catherine tomou todas as iniciativas, amando-o com as mãos, com os lábios e depois lhe oferecendo o corpo que ele tanto desejava.
   Quando tudo terminou, numa explosão de prazer jamais experimentada antes, Catherine permaneceu nos braços dele.
   — Abrace-me bem forte, Tamar.
   —  Qual é o problema, Catherine? — perguntou ele, pressentindo algo diferente naquele ato de amor que os levara além da paixão. — O que a deixa tão infeliz?
   — Não estou infeliz! — Controlando-se, ela lhe estendeu a mão. — Vamos nadar?
   De mãos dadas, os dois cruzaram o jardim. O céu estava coberto de estrelas, que pareciam próximas demais, quase ao alcance das mãos.
   — Nunca imaginei que pudesse existir um sentimento tão grandioso entre nós dois, Catherine. Sei que somos muito diferentes, viemos de culturas diversas e levamos vidas que nada têm em comum. Mas o destino nos aproximou e determinou que fiquemos juntos para sempre. Quero que você...
   Catherine pousou os dedos sobre os lábios de Tamar impedindo-o de prosseguir.
   — Não diga nada. É muito cedo ainda, Tamar. Vamos esperar mais algum tempo.
   — Muito pouco tempo, querida. E quando eu voltar a falar, deixe-me terminar, sim?
   — Sim, na próxima vez, eu deixarei que termine. Depois de nadar, os dois retornaram ao quarto e Tamar adormeceu imediatamente. Mas Catherine permaneceu acordada, pensando no que lhe traria o dia seguinte.
   Quando Fátima veio acordá-la, às nove horas, Catherine não saiu da cama.
   — Não estou me sentindo bem e vou passar o dia repousando. Por favor, dê ordens para que ninguém me perturbe.
   — Avisarei o príncipe. Ele lhe enviará seu médico particular.
   — Não é necessário. — Catherine fingiu estar embaraçada. — São apenas os costumeiros problemas femininos.
   Fátima continuava em dúvida, mas não insistiu mais e retirou-se do quarto.
   Mal ela saiu, Catherine saltou da cama. Não tinha nenhuma bagagem. Ganhara muitas jóias de Tamar, mas não as levaria consigo. Guardaria consigo apenas o bracelete que ele prendera em torno de seu tornozelo. Enquanto o usar, você será minha.
   As dez em ponto, uma mulher bateu à porta, e Catherine a atendeu.
   — Depressa, mademoisellel Minha senhora partirá em poucos minutos — disse ela, entregando-lhe um albornoz escuro.
   Catherine vestiu o longo manto com capuz, usado tanto pelos homens quanto pelas mulheres árabes. Enquanto se arrumava, a criada colocou uma das roupas de Catherine.
   Depois de ajudá-la a cobrir o rosto com o véu, a criada entregou-lhe um par de óculos escuros.
   —  Eu costumo usá-los sempre, e ninguém irá estranhar. Meu nome é Zohra e agora a levarei para a entrada de serviço, onde Seferina a estará esperando.
   —  Muito obrigada, Zohra. Nunca poderei lhe agradecer o suficiente...
   — Depressa!
   Por um instante, Catherine lançou um derradeiro olhar para o quarto onde fora tão feliz, porém por tão pouco tempo. Como Tamar reagiria quando descobrisse que ela fugira? Angustiada, tentou não pensar mais em sua traição, mas ainda lhe restava algo a fazer.
   — Espere um momento — pediu a Zohra.
   Correndo para a escrivaninha, escreveu rapidamente um bilhete e deixou-o sobre a cama, onde haviam partilhado uma paixão tão intensa na noite anterior. "Perdoe-me." Não havia mais nada a dizer.
   As duas saíram do quarto, sem perder mais um minuto. Em silêncio, percorreram corredores escuros e tortuosos, uma parte do palácio em que Catherine jamais estivera antes. Ao avistarem a porta, uma mulher surgiu das sombras e assumiu o comando.
   — Venha! Sou Seferina. Volte para o quarto dela, Zohra. Acompanhada pela outra criada, Catherine cruzou um pátio iluminado pelo sol e, mesmo mantendo a cabeça abaixada, avistou a limusine onde Zenobia a aguardava. 0 sheik Al-Shaibi permanecia parado à porta do carro. Ela foi envolvida por uma onda de pânico.
   — Corra! — esbravejou ele. — Minha esposa tem pressa de partir!
   Catherine mal controlava o terror. E se ele lhe dirigisse a palavra? Se a reconhecesse?
   — Não abra a boca — sussurrou Seferina.
   — Entre logo no carro! Tenho de ir a uma reunião com o príncipe. — Ele se voltou para a esposa. — Telefone-me hoje à noite, Zenobia. As sete em ponto!
   Mantendo a cabeça abaixada, Catherine entrou no carro, e, segundos depois, Zenobia ria, a caminho do aeroporto.
   —  Jamais poderei lhe agradecer o que está fazendo por mim, Zenobia.
   — É uma aventura deliciosa, Catherine. Eu adoro me divertir... As mulheres chegaram ao aeroporto vinte minutos depois, e, antes de saírem do carro, Zenobia insistiu em que Catherine não abrisse a boca, mesmo se alguém lhe dirigisse a palavra. Seferina responderia por ela.
   Logo o avião começou a taxiar pela pista. Sentada na aeronave luxuosa, Catherine sentia o nervosismo crescer.
   — Em breve estaremos no ar e não teremos mais problemas — disse Zenobia.
   Emocionada demais para responder, Catherine olhava pela janela. O avião subiu, e ela avistou o palácio, dourado pelo sol da manhã. Conseguiu distinguir seu pequeno jardim particular e a piscina, onde nadara com Tamar, na noite anterior.
   As lágrimas vieram, e, como não lhe restava mais nada, cobriu o rosto com as mãos e chorou.
  
  
   CAPÍTULO X
  
   A reunião demorou a terminar, e Tamar só pôde ir à procura de Catherine no final da tarde. Ele entrou na saleta e, não a vendo, imaginou que estivesse no jardim.
   — Catherine?
   Não obtendo resposta, parou à porta do quarto.
   — Catherine? Posso entrar?
   Tamar começou a se preocupar com aquele silêncio quase sinistro. Fátima o avisara de que Catherine não se sentira bem pela manhã. Teria piorado e ido à procura de um médico, sem avisá-lo?
   Então, ele avistou o bilhete sobre a cama. Por longos minutos, olhou para as palavras, recusando-se a entender seu significado.
  
   "Perdoe-me."
  
   Catherine o abandonara.
   Atordoado, lembrou-se de que haviam feito amor, como se nada estivesse por acontecer, ainda na noite anterior. Não... naquela noite mágica, eles haviam transformado a essência do amor em realidade. Reviu Catherine, inclinada sobre seu corpo, cobrindo-o com os longos cabelos dourados. Gloriosamente bela... e apaixonada.
   Então por que o abandonara? E como? A única maneira de sair de El Agadir, com exceção dos lentos camelos, era de avião. Ela não tinha dinheiro nem passaporte, portanto... a fuga só poderia ser realizada por meio de um avião particular.
   Subitamente, Tamar não teve dúvidas. Catherine rugira no avião de Zenobia Al-Shaibi. E por quê? Por causa do tio evidentemente! De alguma forma, ela ouvira a conversa em que se discutira o plano de assassinar Ross Courlaine.
   Catherine tivera de escolher entre ele e o tio. Fizera a escolha, e o resultado era óbvio. Doía saber que fora preterido.
   A angústia era ainda mais intensa quando admitia que Catherine o considerava cúmplice de um assassinato.
   Tamar não concordara com os homens que tramavam o assassinato de Ross Courlaine. Implorara pela vida daquele homem, não por sentir compaixão dele, mas por ser tio de Catherine.
   — Poderíamos dar um jeito de deportá-lo — argumentara Tamar, ainda mais uma vez, naquela manhã, — Nós o impediremos de agir através de medidas oficiais, e não com um assassinato.
   — Repito que é uma execução — dissera Rahma Al-Shaibi —, não um assassinato!
   — Além disso — acrescentara Ornar Ben Ismail —, já está tudo arranjado.
   — Então cancele o arranjo! — explodira Tamar.
   — Bem... eu tentarei.
   E se Ornar Ben Ismail não conseguisse se comunicar com o matador profissional em tempo? Nesse momento, Catherine já se encontrava em Marrocos. E se ela estivesse com o tio quando o assassino fosse executá-lo?
   Tomado pelo pânico, Tamar correu para seu escritório e telefonou para o apartamento de Courlaine. Ninguém atendeu. Sem perda de tempo, deu ordens para que lhe preparassem um avião para partir dentro de trinta minutos. Então, ligou para Bouchaib.
   — Vamos para Marrocos. Imediatamente!
   Correndo para seu quarto, ele trocou de roupa e pegou os papéis que lhe garantiam imunidade diplomática e um revólver. Colocando a arma na cintura, rezou para que já não fosse tarde demais.
   Zenobia despediu-se de Catherine com um beijo carinhoso, ao deixá-la no hotel.
   — Que Alá a proteja, minha amiga.
   — Eu lhe serei eternamente grata, Zenobia — murmurou Catherine, comovida,
   — Não precisa me agradecer. Espero que voltemos a nos encontrar algum dia. — Zenobia deu um sorriso hesitante. — Talvez em El Agadír.
   —  El Agadir foi apenas um sonho. Adeus, amiga... Arrancando o véu, Catherine entrou no hotel, sem olhar para trás. Parou na recepção, a fim de perguntar onde estava Ross Courlaine. Como não sabiam, pediu um quarto.
   — Não tenho dinheiro nem meu passaporte — explicou ela, prevendo problemas.
   — Mas então... — O recepcionista a olhou com mais atenção e arregalou os olhos de espanto. — Srta. Courlaine! Céus! Eu não a reconheci. Foi raptada há mais de um mês e... está bem?
   — Estou, obrigada. Quanto ao quarto...
   —  Alá seja louvado! Onde esteve todo esse tempo? — O rapaz da recepção não tinha pressa. — Seu tio vai ficar fora de si de alegria! Vejo que não trouxe nenhuma bagagem. Suas malas devem estar no quarto do sr. Courlaine, mas se precisar de roupas, artigos de toalete ou algo mais, é só pedir e debitarei a despesa na conta dele.
   Após alguns minutos, Catherine entrava no quarto, que se localizava no mesmo andar que o de Ross. Sem perda de tempo, ligou para o tio. Ninguém atendia, e só três horas depois ouviu sua voz.
   — É Catherine — disse ela, sem perder tempo com rodeios.—  Estou no hotel e preciso vê-lo imediatamente.
   —  Claro, querida. Eu não a esperava. Como veio...
   —  Estarei em seu quarto em um minuto. E não abra a porta para ninguém mais.
   — Mas o que...
   Catherine já havia desligado o telefone. Correndo pelo corredor, bateu à porta do apartamento do tio.
   —  Catherine! — Ele a beijou no rosto. — É bom ver você novamente. Quando chegou? O príncipe Tamar também veio?
   —  Não. — Ela trancou a porta. — Você está em perigo. Precisamos chamar a polícia.
   —  Sobre o que está falando?
   —  Hã um plano para seu assassinato, tio Ross. Eu soube...
   —  Ela se calou por um instante, para recuperar o fôlego. — Alguns homens foram a El Agadir a fim de conversar com Tamar.
   Ouvi quando eles falavam sobre um modo de acabar com você. Contrataram um matador profissional para eliminá-lo.
   — Mas... — Ross empalideceu. — Por que alguém quereria me matar? Tem certeza absoluta?
   —  Não me resta dúvida alguma, tio Ross. O motivo está relacionado à conferência. Tem algo a ver com sua associação a Mali Bukhara.
   Uma expressão de alarme apoderou-se do rosto de Ross, até então controlado.
   — O acordo está prestes a ser concretizado. Estamos apenas resolvendo os últimos detalhes e, dentro de um ou dois dias, fecharemos o negócio.
   — Mas Mali Bukhara é uma nação guerreira. Por que vai se envolver justamente com eles, tio Ross? — Catherine o encarou, ansiosa por uma explicação coerente.
   — Você não compreende, querida. Há uma verdadeira fortuna envolvida nessa negociação. Mali Bukhara é uma das nações mais ricas em petróleo, e ganharei mais dinheiro do que qualquer um de nós dois jamais poderia imaginar!
   — Mas você tem dinheiro, tio Ross. Não precisa de mais...
   — Ah, eu preciso e muito! — Ele se aproximou da sobrinha, revelando uma violenta tensão no rosto contraído. — Nos últimos anos, tudo tem corrido muito mal para mim. Não quis contar-lhe nada, mas fiz alguns maus investimentos. Arrisquei muito no mercado de ações... agora reconheço que agi com pouca sensatez. Para recuperar o prejuízo, contei com a sorte, e ela me faltou. Tive de... pedir emprestado uma grande quantia do grupo para o qual trabalho, a fim de cobrir a dívida e...
   Catherine via o tio se transformar diante de seus olhos. O rosto de Ross estava lívido e coberto de suor.
   — Talvez empréstimo não seja a palavra correta, mas eu... eu pretendia devolver esse dinheiro. Como pode ver, minha situação era crítica, e não me restava nenhuma escolha. Minha única saída estava em negociar a favor de Mali Bukhara.
   — Mas podia usar o fundo que meus pais deixaram para mim! Se tivesse me contado que estava com problemas financeiros, eu lhe daria todo meu dinheiro.
   —  Não há mais nenhum centavo, Catherine. Ela o encarou, sem disfarçar a incredulidade.
   — O que... quer dizer com isso?
   — O dinheiro acabou. Sinto muito lhe dizer, querida, mas precisa compreender a extensão de meu desespero. Não queria que soubesse... pensei que o reporia rapidamente. E lhe prometo que o farei! Quando eu receber minha parte da delegação de Mali Bukhara, que chega a mais de dez milhões de dólares, devolverei até o último centavo. Pagarei o que peguei emprestado de você e da empresa.
   Cathenne cerrou os lábios para não dizer o que realmente pensava. Você roubou. Pretende devolver o que roubou de mim e das pessoas a quem representa.
   Ela deixou o corpo cair sobre uma das poltronas do apartamento. Esse homem era o irmão de seu pai, em quem confiara acima de todas as outras pessoas. Aquela revelação a forçava a encarar uma outra suspeita que precisava ser esclarecida.
   — Por que quis que eu viesse para Marrocos com você? Precisava mesmo de minha ajuda ou... — Era penoso demais colocar em palavras sua suspeita. — Ou achava que poderia me usar a fim de obter a colaboração de alguém importante, como o príncipe Tamar? Conseguir que pessoas do nível dele ficassem de seu lado... para chegar até mim?
   — Não foi por isso que eu lhe pedi para vir comigo, Catherine. Minha intenção não era exatamente essa...
   — Não... exatarhente... — Ela foi envolvida por uma súbita exaustão e sentiu-se desorientada, como se tivesse perdido a direção de sua vida.
   Entretanto, viera de El Agadir para salvar a vida dele e não mudara de ideia.
   — Você tem de ir embora. Sua vida está em perigo.
   — Eles não teriam coragem de atentar contra minha vida, Catherine.
   — Mas não pode ficar de braços cruzados, esperando para ver se têm ou não coragem para matá-lo. Precisa sair imediatamente do país. Ainda hoje...
   — Não! — explodiu Ross, parando diante da sobrinha. — Eu não posso! Dentro de um ou dois dias, no máximo, eu serei um homem muito rico e não partirei antes disso. Talvez você não tenha compreendido bem, talvez seja um engano e...
   Uma batida à porta interrompeu a explosão emocional de Ross.
   — Serviço de quarto, sr. Courlaine.
   Ross deu um passo em direção à porta, mas Catherine, saltando da poltrona, agarrou-o pelo braço.
   — Não! Não abra a porta!
   —  Está tudo bem, querida. Eu pedi um sanduíche no bar pouco antes de sua chegada.
   — Por Deus, tio Ross: Não abra essa porta!
   Diante do pânico da sobrinha, Courlaine hesitou e, recuando, foi até o armário. Quando voltou, tinha um revólver na mão.
   —  Eu mudei de ideia — disse ele, parando alguns passos à direita da porta. — Não quero mais o sanduíche.
   — Mas já está pronto, senhor.
   — Não tenho mais fome e...
   Ouviu-se o som de um tiro sendo disparado, e, com um estrondo, a porta foi arrombada. Catherine começou a gritar, enquanto dois homens entravam no apartamento.
   Como se estivesse vendo uma cena filmada em câmara lenta, Catherine avistou Hamid, seguido bem de perto por outro homem.
   O olhar de Hamid encontrou o dela exatamente no instante em que o outro homem deu um tiro.
   Ross deu um passo para trás. Parecia perplexo e incapaz de acreditar no que estava acontecendo. O homem disparou novamente. Um ponto rubro surgiu em sua camisa e, lentamente, transformou-se em um círculo, que não parava de crescer.
   Catherine correu para ampará-lo. Ross tentou, em vão, segurar-se no braço de uma poltrona, mas caiu ao chão antes que ela chegasse.
   Então, Catherine viu o cano da arma apontado para sua cabeça.
   — Não! — gritou Hamid Nawab. — A mulher não deve morrer!
   — Mas ela nos viu! — berrou o matador, ainda mais alto. Naquele instante, ela teve certeza de que ia morrer. Nessa ínfima fração de segundo, pensou em Tamar. Não saberia dizer se murmurara o nome querido ou se colocara em palavras seus pensamentos. Meu querido... ah, meu amor, eu choro peto que não pudemos ter e que agora jamais teremos...
   Vendo o dedo do criminoso se mover no gatilho da arma, Catherine fechou os olhos e pediu a Deus que tudo fosse muito rápido.
   O estrondo do tiro abalou o quarto. Catherine teve a impressão de que o chão tremia, mas não sentiu nada. Então, abriu os olhos. O homem com o revólver na mão estava olhando para ela e depois caiu lentamente ao chão.
   — Catherine!
   Tamar já estava dentro do quarto, segurando um revólver e com Bouchaib a seu lado, como sua fiel sentinela. Catherine sentiu as pernas fraquejarem e foi amparada por ele, pouco antes de cair.
   — Você está bem? — perguntou Tamar, desesperado. — Foi ferida ou machucada de alguma forma?
   — Como você... — Ela sentiu uma tontura violenta e voltou a perder o equilíbrio, porém Tamar continuava a ampará-la. — Tio Ross! Ele está...
   —  Está morto, mademoiselle — informou Bouchaib, ajoelhado no chão e com os dedos no pulso de Ross. Então, ergueu-se e olhou para Hamid Nawab. — O que quer que eu faça com ele, príncipe Tamar?
   — Mantenha-o aqui e chame a polícia.
   —  Eu não queria que ele matasse a mulher — balbuciou Hamid, apavorado. — Disse para não atirar nela...
   Bouchaib empurrou Hamid, jogando-o sobre uma das poltronas.
   — Fique aqui e espere a polícia chegar, Bouchaib. — Tamar segurou Catherine pelo braço. — Onde é seu quarto?
   — No final do corredor — disse ela, num fio de voz. — A chave está em meu bolso.
   Tamar retirou-a do bolso de Catherine e voltou a dar novas instruções para Bouchaib.
   — Avise a polícia de que me encontrarão no quarto da srta. Courlaine.
   Amparando Catherine, ele passou por cima do corpo de Ross e abriu caminho entre o grupo compacto que se aglomerava diante da porta do quarto.
   —  A polícia já foi chamada — explicou ele ao grupo de curiosos. — O tio da srta. Courlaine foi baleado, e ela está em estado de choque. Vou levá-la para seu aposento.
   Ele se apressou a percorrer o corredor a fim de levar Catherine rapidamente para o quarto, longe dos olhares curiosos. Logo ao entrar, acomodou-a em uma das camas.
   — Eles não a machucaram?
   Tremendo convulsivamente, Catherine apenas balançou a cabeça, negando. Ainda estava muito nítida em sua mente a expressão de perplexidade do tio e sua sensação de que também iria morrer.
   Então, olhou para Tamar e, acima da tristeza e do choque pela morte do tio, lembrou-se de que ele e os homens que o haviam visitado em El Agadir eram os responsáveis por aquele assassinato.
   Tamar viu a expressão dela se alterar e tentou segurar-lhe a mão. Catherine a puxou, fugindo de seu toque.
   — Você é o culpado — murmurou ela, com a voz tremula. — Você e aqueles outros homens. Você o matou!
   — Não é verdade! — exclamou Tamar, com veemência. — Não importa o que eu sentia por seu tio, jamais, magoaria você dessa forma.
   — Eu não acredito! Você o assassinou!
   Abalada, Catherine escondeu o rosto entre as mãos, horrorizada com tudo o que acontecera.
   — Eu não planejei a morte de Ross — afirmou ele após um longo silêncio. — Mas se você não acredita em mim, não me resta nada a dizer, certo?
   Ela não respondeu, incapaz de olhar para Tamar.
   —  Como veio para Marrocos? Viajou no avião de Zenobia Al-Shaibi?
   — Sim.
   — Quer que eu a chame para lhe fazer companhia?
   — Não. Eu não quero ver ninguém.
   — A polícia não demorará e precisará de seu testemunho. Ficarei com você até os policiais chegarem.
   Por um período de breve ilusão, Tamar acreditara que existia um futuro para ele e Catheríne. Embora fossem muito diferentes, amavam-se bastante, e ousara sonhar que poderiam construir uma vida juntos. Agora, com a morte de Ross Courlaine, já não havia mais esperanças.
   Quando a polícia a interrogasse, ela o implicaria no assassinato do tio, e, embora pudesse provar que não participara de plano nenhum para matar Courlaine, seria criada uma situação bastante desagradável... e acabaria de destruir o que existira entre os dois.
  
  
   CAPÍTULO  XI
  
   Finalmente, os policiais chegaram, e o capitão começou a interrogar Catherine, fazendo anotações em um pequeno bloco de couro preto.
   — Pode nos dizer o que aconteceu no quarto de seu tio?
   — Foi tudo tão rápido...
   — A senhorita esteve fora de Marrocos?
   —  Sim. Passei algum tempo como convidada do príncipe Tamar em El Agadir.
   — Ah! E voltou hoje?
   — Voltei.
   —  Não é estranho que sua volta tenha coincidido com a morte do sr. Courlaine?
   A expressão de Catherine não se alterou, mas Tamar percebeu que ela hesitava. É agora! Ela vai contar-lhe o que julga ser a verdade, e eu estarei implicado nesse crime.
   — Não há nada de estranho — respondeu ela, com os olhos fixos nas mãos. — O sheik Al-Shaibi e sua esposa também eram hóspedes do príncipe Tamar e quando ela me contou que viria hoje para Marrocos, a fim de visitar os pais, decidi acompanhá-la.
   — Reconheceu algum dos homens que invadiram o quarto de seu tio? 
   — Reconheci um deles, o sr. Nawab. Encontrei-o em uma das recepções ligadas à conferência, à qual compareci na companhia de meu tio, cerca de um mês atrás.
   — E o outro?
   — Nunca o vi antes.
   — Foi ele quem deu o tiro fatal?
   — Sim... e ia atirar em mim. Vi seu dedo apertando o gatilho, mas o príncipe Tamar entrou no quarto nesse momento.
   — A senhorita passou por momentos terríveis, e podemos continuar amanha — disse o capitão, demonstrando consideração por Catherine. — Por quanto tempo pretende permanecer em Marrocos?
   — Eu... eu gostaria de partir o mais depressa possível. Catherine cruzara os braços, tentando conter os tremores que percorriam seu corpo.
   — Ainda restam muitas perguntas a serem respondidas, e a senhorita terá de assinar uma declaração. O sr. Nawab irá a julgamento.
   — Mas isso pode demorar meses! — protestou ela. — Tenho um emprego, preciso voltar a meu país.
   — Verei o que posso fazer. — O capitão voltou-se para Tamar, — O homem que matou era um assassino de aluguel. Gostaria que me descrevesse a cena no momento de sua entrada no quarto do sr. Courlaine.
   — Sem dúvida. Só lhe peço que me deixe alguns minutos a sós com a srta. Courlaine.
   — Eu o esperarei no corredor.
   Quando ficaram sozinhos, Tamar aproximou-se dela.
   — Você não lhe contou nada sobre a conversa que ouviu em minha casa, sobre sua suspeita de minha participação no assassinato de seu tio. Se realmente acredita que eu seja...
   — Eu acredito que seja culpado. O capitão disse que o homem era um assassino de aluguel, e ouvi vocês falarem em contratar alguém...
   — Então, por que não contou à polícia?
   — Não quis macular o que existiu entre nós... ou melhor, o que pensei ter existido.
   —  Os momentos que partilhamos continuam sendo verdadeiros, Catherine. Nada mudou.
   — Não mesmo? — Ela o fitou por um instante e desviou os lhos. — Por favor, deixe-me descansar. Estou esgotada, Tarnar.
   — Mas precisamos conversar. Tenho de lhe dizer...
   — Não há mais nada a ser dito. Por favor... vá embora.
   Tamar queria, desesperadamente, tomá-la nos braços e implorar que acreditasse ern sua inocência. Mas não ousava nem sequer se aproximar daquela mulher, que agora o encarava com um olhar gelado e uma expressão desdenhosa.
   Catherine não conseguia conciliar o sono, cochilou por alguns segundos e acordou, sobressaltada. Reviu todos os detalhes do assassinato do tio, e seu coração quase parou quando ouviu alguém bater á porta.
   —  Quem... quem é?
   — Sou eu... Zenobia. Posso entrar?
   Embora acreditasse que não queria ver ninguém, Catherine quase chorou de alegria com a chegada de Zenobia. Precisava do conforto de uma amiga.
   A presença afetuosa permitiu que ela finalmente adormecesse. Ao acordar, assustada, Catherine se deu conta de que dormira a noite toda.
   —  Meu marido contou-me sobre o plano de assassinarem seu tio — disse Zenobia, enquanto as duas tomavam o café da manhã.
   — Então, sabe a verdade.
   — Eles agiram muito mal. Mas, graças a Alá e ao príncipe Tamar, desistiram em tempo.
   — Mas eles mataram tio Ross! Ele está morto!
   —  Não foram eles que o mataram, Catherine. Realmente queriam a morte dele, e Tamar lutou contra essa possibilidade desde o primeiro momento. Finalmente, o príncipe convenceu-os de que seria melhor deixar o governo deportá-lo e também de que iria liderar um protesto contra os homens que o sr. Courlaine representava. Tudo se tornaria uma ação diplomática junto de seu país.
   — Mas eu pensei que Tamar... Ele não foi mesmo responsável pela morte de meu tio?
   — Não, Catherine. Juro pela vida de meus filhos.
   Aflita por desfazer o mal-entendido, ela se levantou da mesa e correu para a porta do quarto.
   — Preciso falar com ele... confessar meu erro...
   — Não acha melhor vestir uma roupa decente? — perguntou Zenobia, rindo. — Você está de camisola. Ligue para ele e avise-o de que irá a seu encontro dentro de alguns minutos.
   A alegria de Catherine foi breve. O recepcionista a informou de que o príncipe Tamar deixara o hotel naquela manhã.
   — Ele se foi — murmurou Catherine, olhando para Zenobia. — Não está mais aqui...
   — O que pretende fazer agora, querida?
   — Não sei. Eu realmente não tenho a menor ideia.
  
  
   CAPÍTULO  XII
  
   Tamar foi obrigado a resolver inúmeros assuntos referentes a seu reino logo após ter retornado de Marrocos. Embora trabalhasse por muitas horas, não conseguia dormir e, frequentemente, ia para os aposentos que Catherine ocupara.
   A presença dela parecia continuar viva em todo o palácio, e Tamar não se cansava de olhar para o mosaico dos dois amantes que tanto a fascinara.
   Nunca sentira uma solidão tão intensa, nem ansiara com tanto desespero pela presença de uma mulher... a única que poderia aliviar o sofrimento de estar só no inundo.
   Ela representava tudo que sempre desejara em uma mulher, e a perdera. Nos momentos de maior angústia, decidia ir a Marrocos e forçá-la a voltar para El Agadir, como já fizera antes. Mas logo afastava da mente essa ideia insensata. Amava Catherine ao ponto de enlouquecer e nunca mais a forçaria a fazer nada contra a vontade dela.
   Finalmente, concluiu que não se livraria das lembranças enquanto permanecesse no palácio. Talvez o deserto aliviasse sua dor e o ajudasse a esquecer.
   Catherine tomou as providências necessárias para enviar o corpo do tio de volta a Chicago, para onde também retornaria tão logo a polícia a dispensasse.
   Assinou inúmeros papéis e quase enlouqueceu com a lenta burocracia que a prendeu por quase dez dias na cidade. Quando recebeu permissão para partir, telefonou a fim de despedir-se de Zenobia.
   — Vai mesmo voltar para casa? — perguntou a amiga.
   — Todos os problemas foram resolvidos, e estou livre para partir. Tem notícias do príncipe Tamar?
   — Você não entrou em contato com ele, Catherine?
   Ela passara noites acordada, criando coragem para procurá-lo e pedir desculpas por ter desconfiado de sua participação na morte de Ross. Chegava a pegar o telefone e então desistia.
   Sabia que, se ouvisse a voz de Tamar, estaria perdida. Embora se amassem muito, reconhecia que não havia nenhuma chance de criarem uma vida em comum. As diferenças individuais e culturais eram um abismo intransponível. Além disso, acusara-o de ser o assassino de Ross, e ele jamais a perdoaria por essa ofensa grave.
   Ainda assim, sentia falta dele com uma intensidade que lhe causava uma dor quase física. Acordava, chamando o nome querido, e chorava pelo que jamais poderiam ter.
   Na noite anterior a sua volta para Chicago, ela acordou às cinco horas da manhã, com a voz do imã, que conclamava os fiéis para as preces. Como se também estivesse sendo chamada, foi até o terraço e olhou para as montanhas distantes.
   Vivera um sonho, mas tinha uma vida em Chicago, amigos de infância e um trabalho que estimulava sua inteligência. Como poderia renegar o que realmente era e se transformar em outra pessoa?
   O deserto não ajudou Tamar a esquecer sua dor. A noite, relembrava a viagem que haviam feito juntos e sentia uma tristeza infinita.
   Ah, Catherine! Se você soubesse quanto preciso de você! Ao entardecer do quarto dia de seu exílio no deserto, quando o céu se tingia de vermelho e as dunas pareciam douradas, Tamar avistou dois cavaleiros se aproximando.
   Um dos dois devia ser Bouchaib, que tinha vindo a fim de se certificar de que ele estava bem. E o outro?
   Eles se aproximaram mais e se detiveram. Ainda estavam longe demais para que Tamar pudesse reconhecê-los, mas viu o mais alto erguer o braço, num gesto de despedida, e voltar na direção de onde viera. O outro continuou.
   Tamar o esperava, com as mãos na cintura, certo de que se tratava de algum de seus homens. O sol o impedia de ver com clareza quem desceu do camelo e com um gesto rápido, tirou o capuz do albornoz.
   — Catherine!
   Ainda duvidando de seus olhos, ele correu para recebê-la e só acreditou que não era uma miragem quando a tomou nos braços.
   — Você veio! Alá seja louvado! Você voltou para mim...
   Ele não a deixou dizer nada, calando-a com beijos apaixonados e prendendo-a entre seus braços fortes, como se jamais fosse deixá-la romper aquele abraço.
   Naquela noite, a lua cheia prateava o oásis, e os dois pareciam as figuras do mosaico que tanto os atraía. Com os corpos entrelaçados, trocavam todas as promessas de amor eterno, que até então tinham evitado pronunciar em voz alta.
   — Iremos nos casar tão logo retornarmos a El Agadir. O palácio será seu lar, mas viajaremos muito. Sempre que sentir saudade de seu país, quando quiser saborear seus hambúrgueres com batatas fritas, eu a levarei para uma longa visita. Mas não importa para onde formos, iremos sempre juntos, amor.
   —  E eu terei de usar um véu para cobrir o rosto e um albornoz que esconda meu corpo? — brincou Catheríne.
   —  Só ocasionalmente. — Ele a beijou, com ternura. — E só porque eu ficarei ainda mais excitado quando a despir.
   Quando Tamar começou a amá-la mais uma vez, Catherine teve a impressão de estar ouvindo os suspiros de amor e os gemidos de paixão de todos os amantes daquela região misteriosa e sedutora, que a brisa do deserto trazia até eles.