Você não sabia que - Teresa Ann Southwick


Você Não sabia que...
Teresa Soutwick


Uma pequena cidade repleta de segredos surpreendentes, de sonhos... e amores perdidos !


Dez anos atrás, a boa menina Maggie Benson provou o lado selvagem da vida ao namorar o playboy Jack Riley. Juntos, geravam química suficiente para incendiar a cidade de Destiny, no Texas. Mas o selvagem recruta Jack desapareceu após uma noite de intensa paixão, deixando Maggie com mais do que memórias...
Agora Jack está de volta à cidade. E, para sua surpresa, descobriu que Maggie ainda o faz pensar em paixão e beijos ao anoitecer... E descobriu também que uma noite de amor que tivera no passado com Maggie o tornara pai!
Como o destemido Jack encararia a mais difícil missão de sua vida: recuperar sua família?



CAPÍTULO I

Maggie Benson perdeu a fala, incrédula. Observava o homem que estava alguns passos a sua frente e teve ímpetos de beliscar-se para se certificar de que não era um sonho ou alucinação.
A sensação era de que, a qualquer momento, o despertador tocaria, trazendo-a de volta à realidade. Parecia incrível, mas o rapaz parado diante de seu quiosque de roupas de rodeio era idêntico a Jack Riley. Mas não podia ser! Jack era o tipo do aproveitador mentiroso que ela esperava nunca ter de reencontrar.
— Olá.
Além de tudo, estava ouvindo coisas. Apenas uma palavra e Maggie reconheceu aquela voz grave e sensual.
— Jack?
— Sim, Maggie.
Era ele. Que Deus a ajudasse! Jack Riley voltara, e ela nem sequer sabia se o abraçava ou esbofeteava.
Um tremor intenso tomou conta de todo seu corpo. Seu coração batia tão forte que chegava a doer. E o que era pior: a palma das mãos estava molhada de suor, o que tornava impossível um cumprimento amigável.
Jack parara tão próximo que bastaria estender os dedos para tocá-lo. Ele tinha sido o primeiro homem de sua vida. Aquele inesquecível para uma mulher. Mas não podia dizer o mesmo dele, já que havia partido, abandonando-a sem nem ao menos olhar para trás.
Continuava o mesmo irreverente irresistível que sempre conseguia tirar-lhe o ar. Seus olhos, azuis e profundos como o oceano, adornados por cílios negros e espessos, observavam-na de cima abaixo. Os cabelos castanho-escuros continuavam bem cortados à moda militar.
Maggie não o via desde que partira de Destiny, ainda quase um garoto. Já haviam transcorrido dez anos desde então. E agora lá estava ele, mais forte, encorpado e másculo.
Jack Riley se transformara em um homem.
— Que bom tornar a vê-la. — Ouviu-o dizer, enquanto ainda o observava.
Como pudera sumir por dez anos e reaparecer sem nenhum aviso no meio do campeonato de rodeio da Escola Norte do Texas? O que deveria dizer?
— O gato comeu sua língua, Maggie? – Desconcertada, Maggie deu de ombros e ergueu as mãos, num gesto desesperado, e tudo que pôde articular foi um desajeitado "Uau".
— Já é um começo. - Dizendo isso, Jack a encarou como se pudesse enxergar sua alma.
Se houvesse alguma justiça no mundo, ele não descobriria o seu segredo. Não ainda, não agora.
— Como tem passado, Jack?
— Bem, e você?
— Ótima.
Poderia haver algo mais embaraçoso?, perguntou-se Maggie.              
— Você parece ter visto um fantasma.
— Talvez porque seja assim que estou me sentindo. — Esfregou as mãos no jeans e respirou fundo. — Hoje cedo pensei tê-lo visto. Cheguei a comentar com Taylor Stevens, mas achei que tinha me equivocado. Desde então, fiquei com uma estranha impressão de déjà vu.
— Era eu mesmo.
— Sendo assim, por que não veio falar conosco?
Em vez de responder, Jack pegou um dos cartões comerciais sobre a bancada do quiosque e leu:
— This 'N That. Maggie Benson, proprietária?
— É minha loja. Inaugurei-a no centro de Destiny há cinco anos.
— O que vende lá?  
— Artes, antiguidades, objetos raros, souvenirs. Neste momento, estou encarregada de vender a camiseta oficial do campeonato de rodeio da Escola Norte do Texas.
Pegou uma peça e desdobrou-a, mostrando o que vinha escrito na parte de trás. Por que suas mãos tremiam tanto?
— Veja, aqui consta o nome de todas as crianças que estão participando. Além disso, também bordo e pinto jaquetas e camisetas. — Apontou para as que estavam dispostas no mostruário.
Ia continuar falando, porém conteve-se, mordiscando o lábio. Tinha de parar de tagarelar. Não cabia a ela contornar o embaraço da situação. Jack a abandonara. Portanto, deixaria que falasse.
— Impressionante. — Ele olhava para as peças penduradas nas paredes de madeira.
— Obrigada. — Encarou-o, determinada a falar apenas por monossílabos.                                            
— Surpresa em me ver?
Um misto de estado de choque, confusão, perplexidade e um pouco de desconforto resumia o estado de espírito de Maggie.
Surpresa? Tinha a impressão de que Jack havia perdido a noção do tempo. Dez anos sem nenhum sinal de vida ou notícia era algo tão simples? Apesar de tudo, não deixaria que Jack percebesse o turbilhão em que se encontrava sua mente.
Com um gesto casual, recostou-se na bancada a poucos centímetros de distância dele.
— Por que deveria estar? Você seguiu sua carreira militar. Trocamos alguma correspondência. E desapareceu sem deixar vestígios. — Deu de ombros, simulando indiferença, sem saber se o convenceria. — Isso acontece o tempo todo.
— Não sou muito bom em escrever cartas.
— É mesmo? Na última que me mandou foi bem incisivo. Descartou-me, e ponto final.
Nunca esquecera os detalhes daquele rompimento. Rasgara aquele papel em mil pedaços e os lançara no lixo, mas certas frases ficaram para sempre em sua memória:  “Nossa relação esta ficando muito séria." "Não é justo com você." "É melhor nos separamos."
Mas Maggie não mencionou nenhuma delas.
— Se bem me recordo, você disse que sua vida era muito instável para manter um relacionamento.
— Sim. — Jack desviou o olhar, fixando-o em algum ponto acima do ombro direito de Maggie. Os músculos faciais contraíram-se, e seus lábios se estreitaram numa linha fina.
— Enviei-lhe outra mensagem depois dessa, mas retornou com a frase "devolver ao remetente" com sua caligrafia. Depois disso, não tive mais notícias suas. Agora, aqui está você.
Maggie ficara bastante preocupada, na ocasião. Aquela correspondência devolvida sem ao menos ter sido aberta causara-lhe um grande susto, seguido de pânico e uma dor imensa.
Era uma adolescente romântica e assustada, com um pequeno problema que se tornaria grande em alguns meses. Pensou que nunca deixaria de amá-lo, mas afinal era apenas uma menina. As circunstâncias fizeram-na crescer rápido, sufocando seu romantismo com as experiências do passado.
Maggie aprendera que devia deixar de amá-lo.
— Alistei-me para servir num navio, logo após o acampamento militar.
— Não precisa se desculpar, Jack.
— Só estou explicando.
— Tudo bem. Mas não estou zangada.
— Sério?
Maggie sacudiu a cabeça num gesto casual, fazendo seus cachos vermelhos balançarem.
— Não seja bobo. Devo admitir que fiquei aborrecida por um tempo, mas depois superei. Tenho uma vida agradável. Afinal, eu cresci.
— Estou vendo.
A boca de Jack se curvou num meio sorriso, tornando as covinhas do rosto duas linhas verticais. O brilho daquelas íris azuis causou nela um arrepio que percorreu sua espinha, igual àqueles que não sentia fazia pelo menos uma década.
Cinco minutos ao lado daquele homem bastavam para torná-la um cachorrinho ansiando pelo afago do dono.
Lutando para manter a compostura, Maggie cruzou os braços, para o caso de sua camiseta branca não esconder o estado em que ficaram seus mamilos.
— Então, o que tem feito durante todos esses anos, Jack?
— Uma coisa e outra...
Bem, ele não era o que se poderia chamar de um poço de informações.
— Quando chegou à cidade?
— Hoje.
— E o que o trouxe de volta?
— Negócios particulares.
— É mesmo?
— E uma história que li no jornal.
Maggie não se lembrava de ter tido de arrancar palavras dele como se fosse um dente com raiz grande. Mesmo porque, quando passavam algum tempo juntos, conversar não era prioridade para eles.
As recordações afloraram, provocando-lhe ondas de calor. A pressão de seus braços vigorosos abraçando-a com força. Os beijos provocantes que faziam-na incendiar de paixão. Era eletrizante, excitante.
Maggie empinou o queixo, decidida, para estudá-lo melhor. Não o conhecia direito na época de sua partida, e, óbvio, não seria diferente agora. Se fossem necessárias mil questões para chegar aonde queria, ela as faria, mesmo porque havia mais de mil perguntas sem resposta.
— Que história foi essa, Jack?
— Um artigo num jornal de comércio anunciando as datas dos campeonatos de rodeio dos colégios, junto com informações sobre o novo rancho que Taylor Stevens está inaugurando. Vi também uma foto de Mitch Rafferty e Dev Hart com ele.
— Estou impressionada.
— O quê?
— Você conseguiu formar duas frases compostas.
Jack guardou o cartão dela no bolso da camisa.
— Treinamento militar.
— Como assim?
— Tira toda a graça da... — Parou, de repente, como se já tivesse revelado muita coisa. Em seguida, tudo o que disse foi: — ...comunicação.
— Acho que eu não me sairia bem como militar.
— Maggie...
A pronúncia de seu nome não era o suficiente para fazê-la saber se Jack estava pensativo, ansioso ou apenas triste. Seu olhar era vazio.
O que estaria pensando? Ou sentindo? O Jack que conhecera seria fácil de decifrar. Uma vez descobrira, atrás de sua fachada de menino rebelde, o carinhoso e gentil rapaz que adormecia dentro dele. Demonstrara sem pejo seus sentimentos, até onde um adolescente podia fazê-lo. Maggie fora capaz de compreendê-lo com facilidade. Mas eles não tiveram contato até duas semanas antes do final do último ano do colégio, depois do qual Jack se alistara para o serviço militar.
E se Jack não tivesse ingressado nas forças armadas? Estariam juntos agora? Ou teria alguma oportunista roubado seu coração?
— Conte-me o que tem feito, Jack.
— Viajado bastante. Nunca permaneço no mesmo lugar por longos períodos.
— Por quê?
Pela segunda vez, ele ignorou a indagação direta. Mas dessa vez esboçou seu primeiro sorriso genuíno. Foi o bastante para encantá-la e fazê-la esquecer de que não respondera ao que lhe perguntara. Que Deus a ajudasse, Jack Riley tinha o poder de levá-la à loucura.
— O que foi?
— A mesma Maggie tagarela... "Engano seu, querido."
— Então, você não fica muito tempo num lugar. Por causa do serviço militar?
Jack fez um gesto afirmativo.
— Sente saudade de seu pai?
— Não muito, agora.
O pai de Jack morrera de enfarte cinco anos atrás. Maggie soube que ele voltara à cidade para ajudar a avó com o enterro, mas naquela época estava na Flórida de férias com seus parentes. Isso a fez se sentir ao mesmo tempo aliviada e melancólica. Creditara o fato ao destino.
Foi aí que se lembrou da expressão "negócios particulares" que ele usara para justificar seu retorno a Destiny. Durante anos, uma parte dela esperou que Jack voltasse, mas acabou desistindo. Por isso fora tão chocante reencontrá-lo.
— Lamento por sua avó, Jack. Sentimos sua falta no funeral. Metade de Destiny estava presente. Foi uma pena você não ter podido vir. Por que não veio?
— Estava... trabalhando,
— Dottie disse que não tinha notícias suas e que mensagens pessoais não chegavam a seu conhecimento quando estava envolvido em um projeto.                        
— É verdade.
— Mas ela morreu há seis meses. O que o impediu de vir até agora?
Jack deu de ombros.
— Eu perdi o enterro. Depois disso, não vi urgência em voltar.
— Dottie costumava afirmar que seu trabalho o sugava como um buraco negro.
— Vovó era boa com as metáforas.
— E o amava. Sentia-se orgulhosa por você servir a seu país. Eu tinha grande afeição por ela.
Quando Maggie abriu sua loja, resolvera morar sozinha em um apartamento. Três anos e meio depois, comprou uma casa vizinha à de Dottie. A amizade entre elas logo se aprofundou. A senhora esforçava-se para mantê-la sempre informada de que seu neto não estava envolvido em outro relacionamento. Parecia ter um certo prazer nisso. Maggie a adorava, e Faith também.
Faith, sua filha com Jack. Se ele não tivesse desaparecido daquela forma, teria lhe contado sobre ela. Chegara mesmo a tentar, mas depois desistira e acabara achando melhor nada revelar.
Embora pudesse contar-lhe agora, isso não era algo que se despejasse assim, de uma hora para outra. Além disso, Jack na certa não se estabeleceria em Destiny. Cuidaria do espólio da avó e partiria em seguida, dessa vez para sempre, visto que não tinha mais família naquele lugar. Pelo menos uma que conhecesse.
Maggie percorreu o olhar pela multidão à procura dos cachinhos pretos da filha. Vira  a menina perto dali fazia poucos instantes em companhia do xerife 0'Connor, suas filhas gêmeas e Sarah  Slevens. Porém, agora só conseguia avistar o xerife.
— Para onde  elas foram?
— Quem? — Jack girou nos calcanhares para olhar naquela direção.
— As três garotinhas que eu estava vigiando. Andavam entre os quiosques agora mesmo.
— Como são?
— Duas são gêmeas. São filhas do xerife. A outra está de blusa rosa e jeans.
Jack esquadrinhou toda a área circunvizinha, muito atento, como um caçador treinado. Havia uma força, vibrante nele da qual Maggie não se lembrava. O que ele teria passado durante os anos em que não se viram?
— Nenhum sinal, Maggie.
— Também não as estou vendo. Droga, agora há pouco um estranho aproximou-se delas...
— Rodeios são assim mesmo, cheios de gente desconhecida.
— Eu sei. Mas esse homem causou-me má impressão. Ache graça, se quiser.
Jack meneou a cabeça.
— Aprendi a não subestimar o sexto sentido de ninguém. Quando Taylor Stevens passou em seu quiosque, Maggie sentiu um arrepio.
Desde que Mitch Rafferty retornara a Destiny, era como se o passado estivesse rondando a todos. Tivera a sensação de que ele era um ser de outro planeta. Logo depois, o xerife se aproximou das meninas e o estranho desapareceu. Agora, com o sumiço das crianças, a impressão ruim voltou mais intensa.
Naquele momento, Maggie avistou a irmã de Taylor e a chamou:
— Sarah!
A garota franzina de olhos verdes sorriu para ela.
— Olá, Maggie. — E aproximou-se. — Você me parece familiar...
— Sou Jack Riley.
— Ah, eu me lembro! — Sarah lançou um olhar malicioso para Maggie, como se parabenizando-a por seu bom gosto por homens. Percebendo a expressão preocupada em seu semblante, quis saber: — O que há?
— Eu a vi com as meninas agora há pouco, Sarah. Sabe que direção elas tomaram?
— Sim. Creio que Kasey e Stacey foram para a barraca de refrigerantes. Faith estava indo em direção da arena.
— Oh, meu Deus! Aquela menina está sempre aprontando alguma travessura!
Ao notar a intensidade do olhar de Jack, Maggie tentou se acalmar. A última coisa que queria era vê-lo procurando saber aquilo que não devia, pelo menos por enquanto.
— Tenho certeza de que Faith está bem, Maggie.
— Faça-me um favor, Sarah. Tome conta do quiosque, enquanto verifico o que está acontecendo. — Abriu a porta de madeira.
— Tudo bem. - Sarah trocou de lugar com ela. — Farei o possível para manter as vendas.
— Não se preocupe. De manhã isto aqui esteve uma loucura, mas agora está calmo. Voltarei em alguns instantes. Obrigada, Sarah. Até logo, Jack. — E se foi, apressada, em direção à arena.
— Irei com você. — Jack a alcançou
— Não é necessário. — Maggie apressou o passo. Pensou até em sair correndo, mas logo desistiu da idéia tola.
Afinal, como competir com aquelas pernas longas e musculosas? Não tinha a menor chance de vencê-lo. Além disso, Jack poderia estranhar sua atitude e começar a questioná-la.
Quando alcançaram a arena, o cheiro de feno e lama se acentuou. Porém, Maggie não teve dificuldade em avistar sua filha, perigosamente debruçada sobre a cerca, observando a movimentação.
Faith olhava para a frente e seus pés quase tocavam uma tábua solta da baia onde se encontravam os animais. O mau pressentimento de Maggie cresceu.
— Faith! Desça já daí.
A garotinha a viu e deu um impulso, para acenar em sua direção.                                                    
— Olá!
— Oh, meu Deus! - O coração de Maggie quase saltou pela boca com a cena que se seguiu.
Faith perdeu o equilíbrio e tombou para o interior da baia. A atenção do todos se mantinha voltada para Mitch Rafferty, que falava ao microfone. Ninguém próximo à criança notara sua queda.
Jack não hesitou. Sem emitir um som, avançou e pulou para dentro da baia. Bateu com violência na traseira dos bezerros agitados, para afastá-los, e, no momento seguinte, segurou Faith nos braços, virando-se de costas para colocar seu corpo entre ela e os animais que ameaçavam atacá-los. Pulou a cerca de volta em questão de segundos, agarrado à criança.
Enlaçando-lhe o pescoço largo, Faith sorria.
— Obrigada, senhor.
— Você está bem?
— Sim. — Olhou em direção à mãe. — Talvez não... Mas pode me colocar no chão assim mesmo. Agora terei de arcar com as terríveis conseqüências.
— Você se machucou? — Maggie examinou seus braços e apalpou o rosto apenas sujo, à procura de cortes e arranhões. Por sorte, não encontrou nenhum.
— Ela está bem. Foi só o susto. — Jack esquadrinhou a multidão. — Mas temo que não será fácil achar seus pais.
Os olhos azuis que Faith herdara do pai encararam-no, surpresos. Aproximando-se dele, disse:
— Não é necessário procurar meus pais.
— Como assim? — perguntou, confuso.
— Só tenho mãe, e está bem aqui.
Maggie prendeu a respiração, depois encarou-o. O rosto de Jack não revelava suas emoções, mas parecia um pouco tenso, como se cada célula estivesse atenta. Experimentou uma leve satisfação por, enfim, perceber alguma reação nele. Todavia, a esperança de que não perguntasse nada esvaiu-se de imediato.
— Mãe? — Jack arqueou as sobrancelhas.


CAPÍTULO II

Maggie tinha uma filha? Uma garotinha? Jack não sabia por que isso o surpreendia tanto. Pensara nela durante todos aqueles anos. Seus cachos ruivos e os olhos verdes estiveram tatuados em sua mente mesmo nos momentos mais difíceis. Sem mencionar os lábios doces e inebriantes que lhe fizeram coisas que ele jamais esqueceria.
Mas Jack não era tolo. Quando partira de Destiny, Maggie era pouco mais que uma criança. Sabia que amadureceria, tornando-se uma linda mulher, e construiria seu lar. Mas jamais a imaginara com uma filha.
— Esta é minha filha, Faith — balbuciou Maggie.
Seu desconforto poderia passar despercebido a qualquer pessoa. Porém, Jack não era qualquer um. Era um militar muito bem treinado, cuja distração poderia custar-lhe a vida ou a de seus homens, em suas missões. Por isso, pôde perceber com clareza que Maggie estava nervosa e tentando esconder aquele fato.
— Princesa — Maggie disse à garota —, este é Jack Riley, o neto de GG Dot. E um velho amigo meu.
— Ele não parece tão velho. — Faith lançou-lhe um olhar tímido.
Maggie sorriu, desconcertada.
— Eu quis dizer que o conheço há muitos anos.
— Então, por que nunca o vi antes?
— Estive fora por muito tempo.
Em vários sentidos, pensou ele. GG Dot? Deveria ser algum apelido que elas haviam colocado em sua avó.
— Olá, Faith. Prazer em conhecê-la. — Jack estendeu-lhe a mão.
— Prazer em conhecê-lo, também. Por que você saiu daqui?
— Princesa, não é educado interrogar as pessoas.
— Desde quando?
Havia poucos minutos, ela mesma o metralhara com indagações sem lhe dar espaço para ao menos respirar.
Jack as observou por instantes. Os cabelos e os olhos da criança eram diferentes dos de Maggie. Mas tinha sua obstinação, autoconfiança e curiosidade. Tal mãe, tal filha.
— Como vou poder conhecê-lo se não fizer perguntas, mamãe?
— Sua filha tem razão, Maggie...
Embora pensasse que ela não iria gostar do que viesse a descobrir sobre ele. Bobagem. Afinal, não ficaria ali o suficiente para que isso acontecesse. Além do mais, que mal havia em deixá-la pensar que era um herói?
— Alistei-me no Exército, Faith. Mas agora estou em uma espécie de férias.
— Terá de voltar?
— Sim.
Por alguma razão que desconhecia, Jack sentia vontade de responder a suas perguntas. Seriam aqueles imensos olhos azuis a fitá-lo como se fosse um gigante? Ou tinha algo a ver com o fato de estar de volta a Destiny?
Algo trazia-lhe lembranças que tentava esquecer. Como Maggie e seus lábios macios contra os dele.
— Então ainda está no serviço militar? — Maggie quis saber.
Jack fez que sim.
— Vim vender a casa de minha avó.
— Nesse caso, não deve demorar.
— Isso mesmo.
Teria percebido alívio no olhar dela? Por que Maggie se importaria com o fato de ele ficar ou partir? Uma vez se importara, mas isso fora no passado.
Jack não planejara procurá-la durante sua estada. Foi assim que pensara pela manhã, quando andara escondido no meio da multidão. Conversar com Maggie era a última coisa que pretendia fazer, mas algo nela o dominava. Ela era como um caleidoscópio em seu mundo em preto-e-branco.
Teriam seus cabelos a tonalidade de sua obstinação? Seus olhos enormes misturavam a cor verde e castanha com pontos dourados. Talvez fosse aquele corpo curvilíneo mal escondido pela camiseta do rodeio, que qualquer homem com algum sangue nas veias ansiaria por abraçar.
O que o teria compelido a aproximar-se do quiosque e cumprimentá-la? Seu jeito de mordiscar o lábio quando ficava nervosa, como fazia naquele momento? Mas nenhuma dessas explicações justificava o fato de um sujeito treinado para suportar e burlar interrogatórios se sentir impelido a responder as indagações de uma garotinha.
— Para onde você vai? — perguntou Faith.
— Como? — Jack voltou a olhar para a menina, tentando varrer para longe aquelas conjecturas.
— Disse que ia partir. Para onde irá?
— Qualquer lugar. — Enfiou as mãos nos bolsos. Maggie dirigiu-se a filha:
— Faith, o rodeio está quase no fim. Preciso que me ajude a empacotar as roupas. Depois, vamos para casa, e você irá direto para a cama.
— Mas, mãe, eu ainda não estou pronta!
— Não me lembro de ter perguntado se estava. É hora de irmos embora.
— Estou de férias.
— Mas eu tenho de trabalhar amanhã, e você irá para o acampamento.
Jack teve vontade de dizer a Faith que obedecesse a ordem de Maggie. No Exército, um subordinado nunca questionava um superior. Mas aquilo não era o serviço militar. A vida civil fazia-o sentir-se como um peixe fora d'água.
Faith bateu o pé e encarou a mãe, desafiadora.
— Ainda não acabei de agradecer a Jack. Ele salvou minha vida.
Naquele momento, Jack se lembrou de que quando a pegara no colo, a criança dissera-lhe algo que não compreendera.
— O que significa "terríveis consequências", Maggie?
— O quê? — Encarou-o como se fosse um extraterrestre. — Presumo que você deva saber o que essas palavras significam.
— Lógico. Mas estou me referindo ao que sua filha disse ao avistá-la, quando estava em meus braços.
Maggie soltou uma sonora e melodiosa gargalhada. Soava como uma onda quente contra sua alma gelada. Jack poderia jurar que ouvia música, uma sensação de frescor como havia muito não experimentava. Devia estar ficando maluco, decidiu.
Divertida, Maggie meneou a cabeça.
— A última coisa que tinha dito para Faith foi que não podia se afastar das imediações do quiosque sob pena de sofrer terríveis consequências — explicou, sorrindo.
— Então, o que isso quer dizer?
— Ainda não decidi.
Maggie estava nervosa com alguma coisa, pensou Jack.
— Mas obrigada por me lembrar.
— Eu não teria tocado no assunto se Faith não tivesse mencionado isso, Maggie.
Que castigo ela impingiria à filha? Que tipo de disciplinadora seria? Já ouvira falar que crianças desobedientes quando se tornam pais tendem a ser ditadoras e rígidas.
Recordou a adolescente Maggie fugindo para encontrá-lo. Era uma boa menina, mas ele tinha sido o causador de sua rebeldia. Isso significou muito para Jack. Fora a única pessoa que conseguira romper suas defesas e penetrar em seu mundo.
Freqüentavam a mesma escola. Os pais dela a haviam proibido de namorá-lo por causa de sua má reputação. Eles estavam certos, mas Maggie, obstinada e cabeça-dura, não obedecera. Na realidade, sentia-se muito satisfeito por isso. Teria a filha puxado isso dela? Ou de seu pai?
De repente, Jack se deu conta de que não havia pensado nisso. Quem seria o pai de Faith? Essa dúvida mexeu com antigas emoções que julgava adormecidas.
Maggie levou a mão à boca.
— Faith Elizabeth, fique com Sarah Stevens até eu chegar para pegá-la. Se você não...
— Já sei, mamãe. Conseqüências terríveis...
— Isso mesmo. Não me faça mostrar o que elas significam.
Meneando a cabeça e com as mãos nos bolsos, a criança se afastou em direção ao quiosque. De repente, estacou e voltou-se com o mais lindo dos sorrisos nos lábios. Idêntico ao de sua mãe.
— Obrigada, Jack.
— Sr. Riley — corrigiu-a Maggie.
— Capitão Riley — esclareceu ele. — Mas pode me chamar de Jack.
Faith lançou um olhar desafiador à mãe.
— Foi um prazer conhecê-lo, Jack. Obrigada por me salvar. Espero encontrá-lo de novo. Até mais!
— Até, Faith. Que idade ela tem, Maggie? — Tensa, ela respirou fundo, antes de responder:
— Nove anos.
Jack fez os cálculos e por um momento sentiu um aperto no peito. Não, não podia ser. Maggie teria-lhe contado.
Lembrou-se de ela dizer que o havia esquecido. Pelo visto, não demorara muito. Até então, todas as cartas que lhe enviava descreviam o quanto o amava e sentia saudade.
Decerto conhecera alguém antes mesmo de receber de volta a mensagem que ele lhe devolvera. Desejara que Maggie o esquecesse e seguisse seu caminho. Assim, não tinha o direito de se entristecer por Maggie ter feito isso.
Sendo assim, por que insistia em lembrar-se de que logo antes de sua partida haviam se amado com tanto ardor e intensidade?
Maggie fizera questão de entregar-se a ele, apesar de ter tentado fazê-la ver que ainda era muito jovem. Em seu íntimo, sabia que não era correto possuí-la naquele momento. Mas a obstinação daquela garota não aceitaria um "não" como resposta. Teria sido necessária muita força de vontade para resistir à tentação de torná-la sua. Ainda era, aliás.
Jack experimentou um estranho alívio ao perceber que certas coisas não haviam mudado. Maggie continuava sendo a perfeita combinação de força, sensualidade e insolência.
Escrevera dizendo que sempre o amaria. Jack, no entanto, acabara de descobrir que suas declarações de amor duraram pouco. Mas, mesmo que ele quisesse, não poderia ter sido diferente. Não podia se permitir sentir remorsos. Escolhera seu caminho e agora tinha de encarar os fatos.
Uma mulher como Maggie e uma criança como Faith não poderiam pertencer a um homem frio e sem alma como ele.
Contudo, não conseguia se furtar a imaginar quem seria o pai da menina. Desde que reencontrara Maggie, ficara curioso de saber se havia alguém especial em sua vida, mas não se atrevera a indagar.
— Nove anos de idade... — Jack observava o rosto de Maggie, que mostrava a mesma atitude de autodefesa que Faith adotara fazia pouco, ao discutir com a mãe. — Ela me lembra você.
— É mesmo? Como?
— É geniosa, obstinada e linda.
Jack não quisera dizer aquilo. Não se lembrava da última vez em que falara algo sem ponderar muito bem. Maggie encarou-o, enrubescida.
— Você me acha bonita?
— Muito. — Deu de ombros. — Não sabia que estava casada.
— Você não perguntou.
Jack apontou para seu dedo anular.
— Não está usando aliança.
— Ah! Concluiu certo. Não sou casada.
— Divorciada?
— Não.
— Das duas, uma, Maggie. — Arqueou uma sobrancelha.
— Nenhuma delas, se eu nunca tiver me casado. — Maggie o encarava, firme. O mesmo gesto de rebeldia que Jack observara em sua filha minutos atrás.
Então ela tivera uma criança fora do casamento. Devia ter sido um choque para seus pais, sempre tão conservadores. E o resto dos cidadãos? Teriam sido preconceituosos?
Não pôde evitar certa satisfação ao saber que Maggie nunca se casara. Porém, isso significava que engravidara sem planejar e arcara com o resultado sozinha. O que o fez concluir que algum homem usara Maggie e depois a deixara.
— Eu conheço o pai de Faith?
Não era de sua conta, mas não pôde deixar de questioná-la.
Maggie empalideceu.
— Ninguém sabe quem é o pai dela.
— Como assim? Você deve saber.
— Serei mais explícita: nunca contei a ninguém sobre isso. — Suas mãos tremiam.
— Sério? Nem para seus pais?
— Nem para minha sombra.
Jack notou novo rubor no rosto de Maggie, e a admirou pelo fato de mais uma vez não desviar o olhar.
Teve vontade de indagar por que guardara segredo sobre algo tão importante. Desejava obrigá-la a revelar o nome do pai da criança para que ele pudesse fazer aquele cafajeste se arrepender amargamente por tê-la abandonado. Mas não costumava interrogar as pessoas. Se alguém compreendia a necessidade de guardar um segredo, esse alguém era Jack Riley.
— Creio que tenha tido suas razões. — Foi tudo o que conseguiu dizer.
Enquanto conversavam, os espectadores estiveram transitando por perto. Jack atentara para os anúncios no alto-falante. Naquele momento, uma voz feminina dizia:
— Eu te amo, Mitch.
— Parece ser Taylor — disse Maggie.
Jack observou as arquibancadas e notou que as pessoas olhavam em direção a Mitch Rafferty e Taylor Stevens, que se encontravam na arena. Reconheceu-os da foto que vira no jornal. Escutou um burburinho na multidão que aos poucos se transformou em gritos, repetindo:
— Beija! Beija!
Naquele momento, um vaqueiro que passava, carregando uma cela, esbarrou em Maggie, fazendo-a cair para a frente. Com um gesto automático, seus braços envolveram-na, para evitar sua queda.
O pedido de desculpas murmurado pelo caubói não foi registrado pelos ouvidos de Jack, que se ocupava em descobrir qual seria o sabor daquela Maggie madura, mulher.
Maggie engoliu em seco e umedeceu os lábios com a língua. Tal movimento teve o efeito de querosene sobre as faíscas do desejo de Jack. As chamas cortavam-no, impiedosas.
Disciplina tinha sido seu sobrenome durante os últimos dez anos, mas algumas horas ao lado dela fizeram com que virasse pó.
Antes que pudesse raciocinar, Jack se inclinou e cobriu-lhe a boca com a sua.
A doçura dela fez com que sufocasse um gemido. Enlaçou-lhe a cintura com mais força, pressionando-se contra o dela. Traçou um caminho de fogo com a língua sobre os lábios de Maggie, o que a fez entreabri-los num gesto permissivo.
Aprofundou o beijo, saboreando a deliciosa umidade daquela boca. Podia sentir-lhe a respiração ofegante. Um deleite incrível invadiu-lhe o coração.
Era como se estivesse vivendo um replay do passado, porém, ainda melhor. Estava consciente de que conseguia incendiá-la apenas com um toque. Ergueu a cabeça, abrindo os olhos, e percebeu que Faith não seguira as ordens de sua mãe.
— Esse é seu jeito de agradecer-a Jack por ter me salvado?
— Faith... — Maggie, arfante, empurrou-o, para que a soltasse.
Jack a deixou afastar-se, mas permaneceu a seu lado.
— Eu... pensei ter dito para você esperar no quiosque, Faith.
— Mãe, você disse para eu ficar com Sarah.
— E ela está no quiosque.
— Não, não está.
— E quem está tomando conta dele?
— A mãe de Ronnie Slyder.
— Onde está Sarah? — Faith suspirou, impaciente.
— Nas barracas.
Maggie passou a mão pelos lábios.
— Por que você não ficou com ela, como mandei?
— Eu fiquei. Mas agora Sarah está conversando sobre prudência com o xerife O'Connor.
— Quer dizer "jurisprudência"?
— Isso mesmo, mamãe. Mas o xerife parece estar furioso com alguma coisa.
— Com o quê? — Maggie se interessou.
A menina deu de ombros.       .
— Não sei. Falou algo sobre ser servido, mas não estava com nenhuma comida.
— Era algo sobre os jornais?
— Sim. Acho que mencionou alguns jornais.
— Como é que sabe? — perguntou Jack. Maggie o fitou.
— Às vezes é necessário ler nas entrelinhas. Sarah tornou-se uma advogada. Acho que está tirando férias de seu escritório em Dálias para ficar na fazenda da irmã.
— Que boa notícia! Precisarei da ajuda de um advogado para cuidar do espólio de minha avó. Acho que não será um caso trabalhoso e não tomará muito de seu tempo.
— Garanto que ela se sentirá muito feliz em ajudá-lo.
— Quero ir para a casa, mãe.
— Está bem.
— Acho que agora é adeus.
De novo, pensou Jack. E talvez para sempre, depois daquele beijo. Maggie sempre teve o dom de fazê-lo esquecer-se de si mesmo sem ao menos se dar conta. Fora por isso que devolveu sua última carta sem lê-la. Pela primeira vez em sua vida estava tendo a oportunidade de provar que era bom em alguma coisa, e tinha de cortar todos os laços que pudessem afastá-lo de seu objetivo. Sabia que não resistiria se Maggie lhe pedisse para que voltasse.
Um estranho sentimento de solidão apossou-se de Jack. A última vez que se despedira dela tinha muitos projetos em mente. Agora, assolava-o o estranho sentimento de que jamais deveria ter permitido que aquela mulher se afastasse dele.
— Onde você vai ficar? — Maggie colocou as mãos sobre os ombros da filha, e as articulações de seus dedos tornaram-se brancas.
— Na casa que foi de minha avó.
— Então não é adeus, Jack.
— Como assim?
— Faith e eu moramos logo ao lado. Esta mais para "Olá, vizinho".


CAPÍTULO III

Maggie esfregou os olhos insones e vermelhos e olhou para o relógio do computador. Se pudesse congelar sua mente como aquela tela, teria dormido como um bebê, em vez de passar a noite em claro, pensando em Jack Riley.
Decidiu focar-se naquela questão técnica tentando varrer de seus pensamentos o fato de que aquele homem selvagem e irreverente estava de volta.
"Este controle serve para todos os tipos de problema", pensou acionando as teclas. Notando que não houve mudança na tela, meneou a cabeça com impaciência.
— Por que dessa vez tem de ser diferente? Estou com tanta sorte que até meu computador enguiçou!
Mas seus pensamentos voltavam sem cessar àquele beijo. Por que Jack fizera aquilo?
De repente, ouviu uma leve batida na porta da frente e achou que estava imaginando coisas. Era muito cedo para alguém aparecer em sua casa. Até Faith, que costumava madrugar, ainda dormia.
Caminhou até lá, erguendo-se na ponta dos pés. Olhou pelo olho mágico e avistou Jack.
Por instinto, abaixou-se, como se ele pudesse vê-la, e encostou-se na porta, tentando controlar as batidas descompassadas do coração.
O que Jack estaria fazendo ali? Por alguns instantes, ponderou sobre não atendê-lo. Ele não conhecia sua rotina, poderia pensar que já haviam saído.
"Droga! Meu carro está estacionado aí em frente!" Mas havia a possibilidade de ainda estarem dormindo. Suspirou. Covardia não era um de seus defeitos. Mais cedo ou mais tarde, teria de enfrentar a situação. Não seria melhor fazer isso de uma vez por todas?
Removendo a corrente da fechadura, girou a maçaneta.
— Bom dia, Jack. — Esboçou um sorriso.
— Maggie...
— Você acorda cedo. — Fez um gesto afirmativo.
— Não preciso de muitas horas de sono.
— Gostaria de dizer o mesmo. — Observando-o, apertou o cinto do roupão, ajustando-o.
Para um homem que dormia pouco, Jack tinha uma ótima aparência. Seus cabelos bem-aparados não revelavam se tinham sido penteados ou não. Vestia uma calça jeans desbotada e uma camiseta pólo que lhe ressaltava os músculos bem torneados dos bíceps e do tórax.
— Como sabia que eu estava acordada?
— Ouvi você abrir as persianas.
Sua audição era privilegiada. Deveria se lembrar disso.
— O que posso fazer por você?
"Conte a verdade, mulher. Ele tem o direito de saber", um anjo soprava em seu ouvido direito.
"Jack não leu sua carta porque não quis", argumentava um diabinho em seu ouvido esquerdo.
"É verdade", decidiu dar razão ao último. Mas ele estava ali, naquele momento, e tinha o direito de saber.
— Pode me emprestar um pouco de pó de café, Maggie?
Seria muito fácil entregar-lhe o que estava pedindo e deixar que seguisse seu caminho. Mas Maggie não podia fazer isso.
— Tenho uma proposta melhor. Não prefere uma xícara de café quentinho? Não faz nem cinco minutos que fiz um bule.
— Sim, obrigado.
— Entre e siga-me, a cozinha é por aqui.
Maggie abriu o armário para pegar as xícaras, e o movimento fez com que o roupão se erguesse, revelando um pouco mais de suas coxas.
Ainda de costas para Jack, ocupou-se colocando o café fumegante nas xícaras, na esperança de, ao finalizar a tarefa, poder encará-lo sem o rubor que lhe queimava as faces.
— Aqui está, Jack. Quer leite ou açúcar?
— Prefiro puro, obrigado.
— Não há por quê.
Jack observou o ambiente.
— Muito bonita sua casa. E aconchegante.
Maggie acompanhou o olhar dele. Os armários em madeira na parede e o balcão de cerâmica bege compunham uma decoração rústica e de bom gosto. Ao final da cozinha, perto da sala de estar, havia uma mesa embutida combinando com o balcão, atrás da qual encontrava-se a persiana, que cobria a janela que dava para o jardim.
— Gosto dela. E o mais importante é que consegui tudo sozinha.
Poderia ter soado mais defensiva? Fitou Jack para saber se ele notara. A expressão com que a fitava era indecifrável. A única reação emocional que pôde observar desde de que o encontrara fora quando lhe apresentou sua filha. Quanto a ela, sabia muito bem quais eram suas emoções.
Percebeu que Jack não se barbeara. Parecia-lhe tão íntimo estar ali, tomando café com um homem que ainda não tinha feito a barba... Era como se tivessem...
"Pare com essas bobagens, Maggie!"
Tivera alguns namorados, mas estaria mentindo se dissesse que já vira um rapaz tão sexy em sua cozinha. Na noite anterior, ao vê-lo no rodeio, tivera a impressão de estar sendo atraída por uma visão. Mas agora já era dia, o sol nascera e, apesar dos cabelos desgrenhados e da barba malfeita, Jack Riley continuava sendo o homem mais lindo da face da terra.
E ela era a mulher que tinha um segredo que também lhe pertencia.
Maggie recostou-se no balcão, e Jack permaneceu em pé, próximo à parede que separava a cozinha da sala de estar.
Abateu-se um silêncio constrangedor sobre eles. No passado, os silêncios eram preenchidos com beijos úmidos e mãos insaciáveis. Será que ele se lembrava disso?
Jack a encarou e colocou a ponta dos dedos nos bolsos do jeans.                                              
— Maggie, eu...
— Sim?                                                            
— Quero explicar-lhe o que aconteceu.
— O quê? Quando?
— Dez anos atrás. Porque eu não voltei.
— Não precisa.
— Preciso, sim.
Maggie fez um gesto afirmativo, depois tomou um gole do café.
— Está bem. O que aconteceu?
— Deve recordar a carta que lhe escrevi.
O ar abandonou os seus pulmões no instante em que ocorreram as palavras exatas: "Siga seu caminho", "Não é justo com você", "Não posso pedir que me espere".
— Refresque minha memória, Jack.
— Eu tinha certas qualificações e habilidades que meus superiores reconheceram. Fui recomendado para as Forças Especiais. Uma missão.
— Que bom para você.
Jack sorvia sua bebida, sem demonstrar nenhuma reação ao sarcasmo dela.
— Eles selecionavam os candidatos a dedo, baseados em suas qualificações e na falta de vínculos pessoais.
"Apenas um, para o qual você virou as costas porque desconhecia, Jack."
— Continue — estimulou-o.
— Encorajavam-nos a cortar qualquer laço afetivo, devido ao perigo da missão. Não sabíamos se conseguiríamos voltar vivos.
— Mas você conseguiu.
— Sim. — Dizendo isso, olhou para sua xícara de café como se fosse a única coisa que pudesse ver. Os músculos de sua face contraíram-se e, de alguma forma, ela soube que suas lembranças eram dolorosas.
— Mesmo assim não me procurou.
 Jack a encarou, sombrio.
— Sabia que não iria ser apenas uma missão, Maggie. Relacionamentos pessoais eram quase proibidos.
— Entendo.
— Minha carreira decolou.
— Parabéns.
— Descobri algo no qual eu era bom.
— E o que era isso? — Seus lábios se contraíram.
— Poderia lhe contar, mas depois teria de matá-la. — Maggie sabia que Jack estava brincando, mas nem tanto assim. Em seu jeito conciso tentava lhe dizer que era o tipo de homem que ia aonde os outros temiam ir. Mas existia alguém que ele deixara para trás, e tinha o direito de saber.
Mas como lhe contar? Ele nem tinha revelado com clareza o que fazia para viver. Jack escondera os detalhes. Seriam tão perigosos assim?
Jack era o pai de sua filha. E não podia negar que ainda se sentia atraída por ele. Mas, o que sabia sobre Jack Riley? Só que não ficaria ali. Talvez nem quisesse saber a verdade.
— Não seria justo fazê-la esperar, Maggie.
— Obrigada por tomar a decisão por mim. — Pretendera que sua frase soasse leve e casual, mas, ao contrário, foi irônica e um tanto rancorosa. Estava dez anos atrasada para protestar por Jack não ter entrado em contato. Contudo, as fortes emoções que se agitavam dentro dela deixavam evidente que aquela situação ainda se encontrava longe de ser resolvida.
— Quer que eu requente seu café? — Jack assentiu.
Maggie pegou o bule e caminhou em sua direção. Para pegar sua xícara, teve de tocá-lo, cobrindo a mão dele com a sua. Ao encontrar seu olhar intenso e obscuro imaginou para que missões tão perigosas Jack era talhado.
Sua prioridade era proteger Faith. Antes de revelar-lhe quem era seu pai, tinha de saber mais sobre ele. Além disso, Jack estava em Destiny de passagem. Seria certo revelar tudo à menina sabendo que seu coração se partiria ao ver o pai ir embora? Se havia alguém que entendia bem esse sentimento era Maggie.
Afastou-se devagar até alcançar o outro lado do cômodo.
— Pode me dizer quais foram as qualificações que chamaram a atenção de seus oficiais ou terá mesmo de me matar depois?
— Essa informação não é secreta. Acho que foram basicamente estas: um bom físico...
— O que não me surpreende. Naquela época se encontrava em ótima forma, devido aos rodeios.
Um sorriso muito sexy curvou os lábios dele.
— ...paciência, boa observação e persistência.
Maggie fora o foco de sua persistência no passado. Jack fora muito sedutor. Por essa razão foi que se sentira aliviada quando Jack revelou que não ficaria por muito tempo. Não queria essa sua qualidade pairando sobre ela, ameaçando subjugá-la. No passado, não se saíra bem com isso.
— Que outra habilidade o destacou?
— Lidava bem com computadores.
— Então sabe lidar bem com essas máquinas teimosas? Talvez seja o homem de que estou precisando.
Jack ergueu o sobrolho num gesto malicioso.
— Oh!
— Não se empolgue, mocinho. Meu computador é um mal-humorado, preguiçoso, cabeça-dura e imprestável monte de peças.
— Não me diga que se recusa a funcionar.
— Isso mesmo. Pane total.
— Quer que eu dê uma olhada?
— Mais do que possa imaginar.
Jack caminhou até a mesa e debruçou-se sobre a máquina, observando a tela. Desligou o aparelho e esperou um pouco para tornar a ligá-lo.
Antes que Maggie pudesse se aproximar para ver o que estava fazendo, mexeu em algumas teclas, endireitou-se e olhou em sua direção.
— Acho que funcionará, agora. Se você souber tratá-lo com jeitinho.
— O que fez? — Em seguida, abanou a mão, com descaso. — Esqueça. Se me disser, talvez tenha de me matar depois, e não estou tão interessada assim.
Ele deu uma gargalhada.
— É fácil.
— Para você. Não tenho vergonha de dizer que sou péssima com a tecnologia. Tenho grande admiração por pessoas que a entendem.
— Certo. Bem, agradeço pelo café, Maggie. — Jack caminhou até a pia, onde colocou sua xícara. — Não vou mais atrapalhá-la. Você tem de trabalhar, e Faith, de ir ao acampamento.
— Como sabe?
— Mencionou isso ontem à noite, quando afirmou que estava na hora de ir para casa.
"E tem boa memória, além de tudo."
— Ainda posso preparar-lhe um desjejum.
— Mais uma vez, obrigado, mas não. Tenho um compromisso inadiável.
Dizendo isso, Jack saiu.
— Faith, é hora de acordar.
Maggie colocou o sanduíche que preparara dentro da lancheira da menina. Quando foi depositar a faca suja de pasta de amendoim na pia, viu a caneca que fora usada por Jack. Passou o dedo em volta da alça. Estava fria. Mas sua boca era quente. Lembrou-se da noite anterior. Nunca esqueceria.
— Faith Elizabeth, vamos nos atrasar! — O som da porta a fez virar-se.
— O que fazia lá fora?
— Sarah está ali do lado, conversando com Jack.
A menina vestia short jeans e a blusa azul-clara tinha manchas de sujeira.
— Como sabe?
— Escutei os dois conversando...
— Andou subindo na árvore e espionando?
— Não precisei fazer isso, eles estavam falando bem alto. Algo sobre um maldito testamento. O que quer dizer isso?
— Primeiro: essa palavra não é para ser repetida.
— Testamento?
— Sabe muito bem que não me refiro a essa. Segundo: Jack se referia ao testamento de sua avó, ou seja, como GG Dot gostaria que as coisas fossem feitas após sua morte.
Os enormes olhos azuis da menina toldaram-se, do mesmo modo como acontecia com seu pai.
— Tenho saudade dela, mamãe.
— Eu também, princesa.
— Acha que Jack também está triste?
— Pode apostar. Era muito apegado a ela quando garoto.
— Não entendo por que ele não voltou.
"Porque descobrir algo para o qual era muito bom foi mais importante do que sua avó. Ou eu."
— Não sei explicar, amorzinho.
— Mamãe, escutei-os falar algo sobre vender a residência.
— Faz sentido. O trabalho dele é no Exército. Não tem necessidade de manter essa propriedade.
— Não quero que ele venda.
— Nem para alguém que tenha uma garotinha de sua idade?
— Já tenho amigas de minha idade. Stacey e Kasey são minhas melhores amigas para sempre.
— Acho pouco provável Jack conservar a casa. Como você mesma disse, não voltou mais à cidade. Por que não a venderia?
A menina deu de ombros.
— Não sei. Mas espero que-Jack fique morando aqui, mãe. — Só faltava essa, pensou Maggie. Faith não tinha a menor noção de sua ligação com o vizinho desconhecido e já se apegava a ele.
Não havia dúvida de que o fato de Jack tê-la salvado na arena o fez parecer um daqueles heróis das histórias em quadrinhos. Maggie não sabia o que dizer para não ferir os frágeis sentimentos da criança.
— Venha, princesinha. Temos de nos apressar. Não há tempo para trocar essa roupa que você sujou na árvore. Vou repetir o que já lhe falei mil vezes: ainda irá se machucar com isso.
— Ah, mãe! Subir em árvores é tão fácil quanto comer um doce.
— Aqui está sua lancheira. — Antes que Faith saísse, Maggie segurou-a pelo ombro. — Não quero argumentação. Apenas faça o que eu digo: nada de subir em árvores.
— Está bem...
Transpuseram apressadas a porta da frente. Após trancá-la, desceram as escadas em direção ao carro. Ao alcançar o veículo, Maggie avistou Sarah caminhando para seu BMW, parado em frente à casa vizinha.
— Olá, Sarah — chamou-a. — Tudo bem?
— Ei, Maggie! — cumprimentou, colocando seus óculos de sol. — Estou bem. Sabe da novidade? Taylor e Micth ficaram noivos ontem à noite.
— Dê meus parabéns a eles.
— Darei. Mas neste momento Jack está precisando de uma palavra amiga.
— O que há de errado?
Sarah colocou uma mecha de cabelos para trás da orelha.
— Não posso revelar. Terá de perguntar a ele. Segredo entre advogada e cliente. — Deu de ombros. — Está indo trabalhar?
— Sim. E você?
— Vou a Destiny pesquisar algumas possíveis locações para abrigar uma filial de minha firma.
— Sério? Não sabia que estavam expandindo.
— Esta área está apresentando um rápido desenvolvimento, e meus sócios acharam que tem grande potencial.
— Você trabalhará nesse novo escritório?
— Ainda não sei. Estamos só na fase de planejamento. — O tom contido de sua amiga dava-lhe a impressão de que o assunto era reservado.
Seria uma surpresa se Sarah decidisse ficar na cidade e trabalhar na nova filial. Ela costumava associar Destiny a algumas lembranças desagradáveis. O marido, que morrera dois anos após seu casamento, também era cidadão local. Pelo menos ela tinha sido feliz durante um ano ao lado do amor de sua vida, pensava Maggie. Era mais do que ela tivera com Jack. Não que ele fosse o amor de sua vida...
— Não quero atrasá-las. Faith, como vai?
A menina respondeu e abriu um largo sorriso. Observaram Sarah entrar no automóvel e partir.
— Mãe, lá está Jack.
Maggie virou-se e avistou-o na varanda. Pareceu-lhe... zangado? Aborrecido? Triste? Como um vulcão prestes a explodir?
Ela e Faith demoraram para se acostumar com a realidade do falecimento de Dottie. Maggie suspeitava de que Jack só agora estava se dando conta do fato. Precisaria de alguém para conversar?
A menina contornou o carro e correu em direção às escadas próximas à entrada.
— Olá, Jack.
— Faith! Não tem de ir para o acampamento?
— Sim. Queria saber se você está triste por causa de GG Dot? — a menina perguntou.
— Já a chamou assim antes. Por quê? — Maggie pousou a mão sobre o ombro da filha.
— Sua avó não gostava de ser chamada de Dottie ou sra. Riley. E muito menos de madame. Dizia que tinha idade suficiente para ser a tataravó de Faith e pediu que abreviássemos isso para GG Dot. — Rezou para que seu tom tivesse soado o mais casual possível. O que dissera era verdade. Só não contara tudo. — Você está bem? Faith disse-me que escutou vozes alteradas em sua casa.
— Isso mesmo — acrescentou a criança. — Ouvi dizer algo coisa sobre um maldito testamento...
— Chega! Lembra-se do que lhe falei sobre esse termo?
— Sim, mamãe. — Faith baixou a cabeça.
— Vá se sentar no carro e esperar por mim.
— Está certo. — Começou a descer as escadas. — Até logo, Jack.
— Até. — Virou-se para Maggie. — Ela escutou minha conversa?
— Desculpe. Faith gosta de subir na árvore que separa nossas casas. Vivo dizendo que não faça isso. Fico preocupada que ela um dia se machuque. Mas...
— ...é teimosa como a mãe.
Maggie olhou em direção à filha, que já se encontrava sentada no carro.
— Quem sai aos seus não degenera. Mas seja franco, Jack, você está bem?
— Não. Acabei de descobrir algo que me aborreceu. — Maggie prendeu a respiração. Ele saberia sobre Faith?
Teria GG Dot colocado algo sobre isso em seu testamento? Sua pulsação acelerou.
— Gostaria de falar a respeito?
— Pode apostar que sim! — respondeu, furioso.


CAPÍTULO IV

Por alguns instantes, Jack indagou-se por que Maggie o estaria fitando como se fosse uma assombração. Não podia culpá-la, porém.
A maneira de expressar sua indignação fora exacerbada, contudo. Apesar dos dez anos de treinamento militar, com o qual adquirira o hábito de não demonstrar seus sentimentos, os termos do testamento tinham mexido bastante com ele. Sobretudo as exigências de sua avó... GG Dot.
Isso era típico da boa velhinha: tratar Faith como um membro da família. Dottie Riley nunca fizera segredo de seu desejo de que Jack casasse e construísse uma família. Como isso não foi possível, pelo jeito adotara Maggie e sua menina quando vieram morar ali.
— Jack, o que há de errado? Diga alguma coisa. Você está me assustando.
Era isso o que acontecia quando se via no meio da sociedade. Um homem pode sair da vida militar, mas a vida militar não pode sair de dentro dele. Como poderia viver sob as regras que sua avó estabelecera?
— Jack! — Maggie sacudiu seu braço. — Conte para mim! Parecia estar esperando uma notícia que viraria tudo de cabeça para baixo. Na realidade, apenas o destino dele seria afetado, mesmo assim não para sempre.
— Está bem. De acordo com os termos do testamento, terei de viver nesta casa por um ano antes de vendê-la. — Observou-a, esperando por sua reação.
O medo que antes Maggie expressava transformou-se em perplexidade.
Jack estaria preso ali por um ano. Não era justo. Ele não pertencia àquele lugar. Em menos de vinte e quatro horas, Faith já o tinha espionado. Sem contar o fato de que Maggie era uma tentação de fazer qualquer monge esquecer seus votos de castidade.
— Não entendo. — Ela piscou várias vezes. — Não faz o menor sentido. Como GG Dot pode forçá-lo a ficar? O que diz o documento?
— Se eu não conseguir viver aqui durante trezentos e sessenta e cinco dias consecutivos, o imóvel será posto à venda, e o dinheiro, doado ao Museu da Pedra de Destiny.
— Tem certeza? — Colocou os óculos escuros.
Jack recostou-se no parapeito da varanda e continuou a observá-la. Entre os cabelos e os olhos, Maggie possuía todas as cores do arco-íris. Antes de reencontrá-la, não notara o quanto seu mundo se tornara desprovido de cores. Todavia, as circunstâncias o fizeram como era. Preto, branco e cinza era mais seguro para ele e para todos. O que estaria pensando sua avó ao fazer aquela exigência?
— Lógico que tenho.
— A cidade possui um museu da pedra?
— Deve haver um, Maggie. Como posso saber? Sarah disse que o testamento é bastante claro. Nem precisaria de um advogado para interpretá-lo. Se eu não viver aqui por um ano, algumas estúpidas pedras herdarão minha herança. — Jack observou os lábios dela se curvarem num sorriso. — Está rindo de mim?!
— De modo algum! Imagine! — Mas sua expressão era de quem estava prestes a gargalhar. — Então, o que fará?
— Não tenho escolha. Não posso conceber a idéia de esta casa ser doada para uma instituição tão fútil. Acho que vovó sabia que eu iria me sentir assim. Terei de me mudar para cá durante o período estipulado.
— E seu trabalho no Exército? Não tem obrigações?
— Dediquei dez anos à vida militar e nunca pedi nenhum favor especial. Minha avó tinha uma carta escondida na manga. Por alguma razão queria que eu permanecesse aqui. Gostaria de saber o porquê.
— Eu sei.
— Mesmo? — Endireitou a coluna e a encarou. — Vovó lhe contou, algo? Então, me esclareça, por favor.
Maggie deu um passo para trás. Jack poderia jurar que ela parecia estar prestes a sair correndo, arrependida do que acabara de dizer.
— GG não me confidenciou nada. Não foi isso o que eu quis dizer. — Fitou-o de soslaio. — Estou apenas imaginando. Creio que ela gostaria que ficasse algum tempo em Destiny.
— Mas por quê?
— Para que se relembrasse da família.
— Não há mais nenhum parente meu aqui. Dottie era a última remanescente dos Riley.
— Não se trata só de parentes. Talvez quisesse lembrá-lo de que tem raízes nesta cidade.
Maggie desejara que aquele seu movimento de dar de ombros parecesse casual, mas a crescente tensão que demonstrava não a ajudou. Em especial quando Jack dissera não ter mais parentes ali.
— Não há mais nada para mim em Destiny, Maggie.
— Pode argumentar o quanto quiser, porém, a decisão de sua avó já foi tomada, e nada poderá modificá-la.
— Obrigado pela objetividade.
— Se não quer entregar o imóvel para as pedras, terá de tomar algumas decisões. Enfim, o que vai fazer a respeito do Exército? Não irão puni-lo se não retornar como é esperado?
— É hora de solicitar os tais favores a que me referi. Terei de estender minha licença.
— Sim, mas uma licença de trezentos e sessenta e cinco dias não será um problema?
— Pedirei uma especial, por motivos pessoais. Uma vez ameacei pedir baixa, e eles me ofereceram algo do tipo. Portanto, acho que vão concordar. Mas não quero tomar mais seu tempo. Não tem de ir trabalhar?
— Sim. Mas agora terei de perguntar por quê.
— Por que o quê?
— Ameaçou pedir baixa.
— Por mim. Antes que fosse tarde demais.
— Como assim? Não entendi.
— Você não gostaria de saber. Tenho feito coisas que, se lhe contasse, a deixariam de cabelos em pé.
  — Como o quê? — Deslizou os óculos para cima da cabeça e o encarou sem pestanejar.
Jack passou a mão na nuca. Era a última coisa que pretendia lhe contar. Um soldado não questiona ordens superiores, só as cumpre. Além disso, seu cotidiano militar não interessava a Maggie. Ou talvez fosse porque ele não queria confessar o que fizera aqueles anos e ver sua inocência ultrajada.
— Acredite-me: é melhor que não saiba. — O olhar de Maggie continuou fixo nele.
— Acho que está sendo muito duro consigo mesmo.
— Por quê?
— Porque sempre foi.
— Era difícil não ser. Eu tinha uma péssima reputação. Por Deus! Seus pais proibiram-na de me ver!
Os lábios de Maggie se estreitaram.
— Sim. Ao contrário de você, eu não seria um bom soldado. — Tudo voltou num repente. Jack aguardando nos fundos da residência de Maggie, enquanto ela se esgueirava pelo jardim para encontrá-lo. A expectativa. A alegria de apertá-la em seus braços.
— Dez anos de vida militar mudam uma pessoa.
— Dez anos mudam qualquer um. Não sou mais a mesma que deixou quando partiu, Jack. Também não tenho a menor ideia de quem você é agora. Mas, se concordar com os termos do testamento, teremos de conviver por um tempo. Gostaria de conhecê-lo como é. Já está na hora.
— Por que diz isso? — perguntou, curioso.
— É porque parece que Dottie queria as coisas dessa forma.
Baseado no conteúdo do testamento, Jack não podia contradizer sua lógica. Mas Maggie merecia compreender quem era o homem estaria morando a seu lado e de sua filha.
— Para começar, meu linguajar não é bem compreendido na sociedade civil.
— Não disse nada até agora que eu não tenha entendido muito bem.
— E o que me diz de Faith? Acabei causando-lhe problemas por ela ter repetido algo que eu falei.
Maggie deu-lhe um sorriso afetuoso que só a vira oferecer à filha.
— Fique sabendo uma coisa sobre minha menina: Faith não precisa de ajuda para se meter em encrenca. Sejam quais forem seus pecados, Jack, já são suficientes. Não arranje mais um. Faith sabe muito bem que não pode repetir aquela palavra. Além disso, não deve se responsabilizar por sua indiscrição. Ela estava me testando.
— Como?
— Tentando me chocar para ver o que eu faria.
— E?
— Não baixei a guarda. Fui bastante enérgica. Ela reagiu, tentando argumentar, mas  passei-lhe um bom  sermão. Crianças precisam de limites. Em geral transgridem, na esperança de que os pais amoleçam como demonstração de afeto.
— É mesmo? Parece um pouco complicado.
— Nem tanto. O segredo é não afrouxar.
— Se me conhecesse de verdade, não diria isso. — Maggie observou-o entreabrir os lábios na intenção de dizer algo e depois fechá-los.
— Não quero mesmo atrasá-la. É óbvio que tem coisas a fazer. Faith está esperando.
Como que confirmando seu argumento, a buzina soou alta. Maggie acenou para a filha.
— Espere um pouco! Já estou indo! — Voltou-se para Jack.— Tem razão. Tenho de ir. Vejo-o mais tarde.
— Até mais.                                                                
— Olá, Maggie.
Sobressaltada ao ouvir Jack, Maggie esbarrou na xícara de café, fazendo-a tombar. Por sorte, o líquido derramou para o lado contrário do teclado.
— Pelo amor de Deus, Jack! — Saltou da cadeira para pegar os lenços de papel que estavam na gaveta.
Enquanto limpava os papéis que se molharam, tentou recobrar-se do susto.
— Se é assim que costuma se anunciar, seria melhor que usasse um sininho no pescoço.
Jack contornou a mesa e passou a ajudá-la a limpar o resto do líquido derramado.
— Talvez precise de um sininho na porta, para saber que alguém entrou.
— Ora...
Maggie teve a impressão, ao deixá-lo, duas horas atrás, que Jack iria enfurnar-se na casa e não sair mais. Portanto, era a última pessoa que esperava ver naquele momento, por isso se assustara tanto.
Colocou as mãos na cintura e falou, brincalhona:
— O que está fazendo aqui, garoto? Não pode ficar longe de mim?
— Não.
— Pensei que vocês das Forças Especiais fossem daqueles que hibernam por longos períodos e só saíssem para tomar ar uma vez por ano.
Um traço de humor se estampou no rosto dele antes de esvaecer-se.
— Um agente bem treinado faz o reconhecimento antes.
— Pode traduzir, para que os não treinados consigam entender?
— Costumamos espreitar as áreas vizinhas para saber de onde pode surgir um ataque inimigo.
Maggie olhou em volta de sua loja.
— Escolheu o lugar certo para procurar seu inimigo oculto. Há um agente secreto espreitando por trás de cada jaqueta e souvenir deste estabelecimento.
— Está debochando de mim? — Cruzou os braços.
— Pode apostar que sim.
— Ninguém debocha de mim.
— Então, isto é um segredo: acabei de fazê-lo. — Empinou o queixo. — Alguém tem de fazê-lo. Você é muito sisudo.
— Chegou a esse diagnóstico depois de quantos anos de estudo?
Poderia mentir, mas esse não era seu estilo.
— Abandonei os estudos no colégio, Jack. Depois, fiz um supletivo e completei-o fazendo um curso técnico em administração.
— Então não tem formação em psiquiatria?
— Não possuo o diploma, mas sou muito intuitiva. — Jack foi tomado de surpresa. Por que motivo uma estudante tão aplicada como Maggie parara de estudar?
— Já é alguma credencial.
— Está caçoando de mim? — Maggie atirou uma toalha de papel molhada no cesto de lixo.
— Pode apostar que sim.
— Muito bem. Você aprende rápido.
— Era o que meus comandantes me diziam. — Olhou para sua mesa de trabalho. — O que está fazendo?
— Hoje é um dia calmo. Os campeonatos acabaram ontem. A maioria dos turistas foi embora. Assim, resolvi fazer um levantamento das vendas no computador.
— Poderia ajudá-la.
— Jura! Apreciaria qualquer tipo de ajuda que pudesse me dar.
Jack aproximou-se do computador e acionou algumas teclas.
— Poderá incrementar seu sistema, se quiser.
— O que há de errado com esse?
— Está muito ultrapassado. Não é compatível com os programas mais modernos.
— Não está exagerando, Jack?
— Eu nunca exagero.
— Espantoso. Diga, terei de gastar muito dinheiro com isso?                                
— Quer gastar?
— Não, se puder evitar. Não previ isso em meu orçamento.
— Então, não. — Sentou-se na cadeira e começou a explorar a máquina.
— Vai programá-lo de forma que eu não possa usá-lo? Ou entrará em surto e explodirá a cidade inteira?
— Anda vendo muitos filmes de ficção científica, Maggie.
— Estou falando sério. Quando terminar, precisarei consultar um especialista em informática para me dizer quantas bolsas de palha constam em meu inventário?
— Vou orientá-la sobre cada mudança que fizer.
— Muito justo.
À medida que os dedos de Jack trabalhavam, ágeis, no teclado, Maggie se deu conta de que observar sua beleza não era a coisa mais sensata a fazer. Por isso, ocupou-se em terminar seu inventário e colocar a mercadoria que trouxera do quiosque nas devidas prateleiras. Pensou em puxar assunto, mas Jack estava muito concentrado em sua tarefa, e temeu incomodá-lo.
Era uma boa oportunidade para mudar o visual de sua vitrine. Em breve chegaria o feriado de Quatro de Julho. Maggie pegou várias peças com motivos patrióticos, trocou a roupa da manequim exposta e dispôs as restantes pelo mostruário.
Quando se virou para sair da vitrine, deparou com Jack parado, em pé, a observá-la. Estendeu-lhe a mão para auxiliá-la a descer.
— Meu computador já está pronto?
— Está carregando. Esse processo é muito lento.
— Eu também sou.
Em silêncio, Jack a estudou com aquele olhar sério que já estava se tornando familiar.
— Pode dizer.
— O quê?
— Está querendo me perguntar algo, Jack. Vá em frente.
— Por que não tem um marido, noivo, namorado... amante? — Tomada de surpresa pela inesperada questão, Maggie respondeu com uma evasiva:
— O que o faz crer que não tenho?
— Apenas sei.
— Está aqui há menos de vinte e quatro horas. Tomamos uma xícara de café, esta manhã. Depois, conversamos em sua varanda. Como pode saber algo sobre mim?
— Sua casa é essencialmente feminina. Não há objetos de homem em nenhum lugar. Meu instinto diz não existe ninguém, e isso não faz sentido.
— Por quê?                                                             .
— Porque é linda, inteligente e tem grande senso de humor. Deve espantar seus pretendentes com um chicote.
Maggie ficou atónita demais para responder. O homem que disfarçava tão bem seus sentimentos que poderia ser confundido com um robô tinha lhe feito um elogio. O que deveria dizer?
— Sou muito seletiva...
— Todas as evidências mostram o contrário.
— Como assim?
— Faith. Eu fiz as contas. Ela foi concebida logo depois que parti. Nas cartas dizia que me amaria para sempre.
— Eu era apenas uma criança, Jack. Além disso, você me dispensou. Lembra-se?
Teria ele descoberto seu segredo? O coração de Maggie disparou. Sentiu-se queimar por dentro. Como era possível? Jack parecia triste por ela não ter mantido a promessa de amá-lo. Não sabia o que pensar. Teria ele se arrependido do que fez? Pediria uma segunda chance?
— Eu me lembro do que lhe disse. — Suspirou e olhou para o centro da cidade através do vidro da vitrine. — E era definitivo. Aprendi a não contar com o amanhã.
— Jack...
Levantou a mão, para interrompê-la.
— Esqueça, Maggie. Se lhe pareceu uma censura, acredite-me, não foi. E não estou invadindo sua privacidade. Teria me contado se ela fosse minha filha. Seria um milagre se um homem como eu fosse responsável por algo tão maravilhoso e milagres são outra coisa com que aprendi a não contar.
"Conte-lhe a verdade, Maggie!"
Jack acabara de lhe dar a oportunidade perfeita. Mas não podia dizer-lhe, não ainda. Precisava saber mais sobre Jack.
Por que pensava que não merecia Faith? Dez anos atrás, não o conhecia o suficiente. Que tipo de homem seria agora? Depois de saber que Faith era sua filha, não poderia voltar atrás.
— Por que é tão cético, Jack?
— Por que você é tão crédula?
— Porque acredito que as pessoas são boas até que me provem o contrário.
— Pode se machucar, sabia?
— Melhor do que não viver. Ele meneou a cabeça.
— Desse jeito, vai precisar de um guarda-costas.
— Está se candidatando à vaga?
— Já que preciso fazer algo para preencher meu tempo até findar o prazo de um ano, esse seria um bom emprego. Está com fome?
Maggie poderia jurar que ele fitava seus lábios ao dizer isso. Sentiu um arrepio.
— Sim.
— Almoça comigo?
— Claro, Jack.
Maggie sabia que não deveria ficar feliz daquele modo pelo fato de Jack convidá-la para desfrutar de sua companhia. Deus a ajudasse! Sentia-se como uma adolescente de novo!


CAPÍTULO V

Jack sentou-se diante de Maggie, no Road Kill Café, o único restaurante no centro de Destiny. Dividiram uma mesa posta com uma toalha xadrez vermelha e branca, num canto reservado.
O interior do estabelecimento lembrava um saloon dos filmes de faroeste. Chão de tábua corrida, balcão comprido com bancos altos ao redor. Mesas redondas com cadeiras feitas de madeira de barril.
— Então este é o famoso, ou deveria dizer, o mal-afamado, Road Kill Café? — Jack comentou, observando o ambiente.
— Já não existia há dez anos?
— Não tenho certeza.
Não era só disso que não estava certo. Não sabia por que sugerira almoçarem juntos. Quando, por fim, a encarou, descobriu o motivo. A resposta era clara e brilhante como seu rosto. Era a chance de desfrutar de seu calor, mesmo que por pouco tempo. Maggie conseguia tirá-lo de seu mundo frio e triste e encher sua vida de cores vibrantes.
Se seus sentimentos por ela já estavam tão fortes em menos de vinte e quatro horas, o que aconteceria em um ano? Mas trezentos e sessenta e cinco dias era tudo o que teriam. Durante toda sua infância mudara-se sem parar para acompanhar a carreira militar de seu pai. Quando o sr. Riley se aposentou, moraram alguns anos em Destiny. Por insistência dele, Jack se alistara ao final do colégio. "Permanência" era uma palavra que não constava de seu dicionário. Seria tolice começar algo que não poderia terminar.
Depois daquele dia, teria de evitar Maggie. Fora treinado para ser o maior dissimulador do planeta. Iludir uma ruivinha de olhos verdes seria como um passeio no parque. Então, por que tinha a sensação de estar fugindo da felicidade?
— Desça à terra, Jack.
— Hum? Disse alguma coisa? — Fitou-a, tentando focar um ponto neutro.
Os cabelos sedosos faziam-no desejar deslizar os dedos por entre eles. Os olhos verdes com pontos dourados ameaçavam hipnotizá-lo. Mas sua boca era, sem dúvida, o mais perigoso território. Aqueles lábios carnudos e suculentos levavam-no a imaginar beijos longos e demorados em uma noite quente de verão.
Maggie sorriu.
— Falei que, apesar do nome, a comida daqui é muito boa.
— Comparando com o quê?
— Com aquilo a que você deve estar acostumado a comer: rações desidratadas. — Maggie balançou a cabeça, e seus cachos vermelhos espalharam-se pelos ombros. — Não é assim que chamam a comida dos militares?
— Não posso reclamar... Na minha divisão as refeições são bem sofisticadas.
— Pensei que só na Inteligência Militar houvesse uma culinária elaborada.
Jack ergueu o dedo em riste.
— Agora está querendo saber demais.
— Ah! Então faz parte da Inteligência Militar! — Fez uma cruz com os dois dedos indicadores. — Terá de me matar agora?
Só se fosse de tanto beijá-la. "Basta!" Jack não podia continuar pensando assim. A próxima vez que tivesse a ideia insana de ir à cidade e convidá-la para almoçar, marcaria uma consulta com um psiquiatra para avaliar seu estado mental.
Mas não podia deixar de sorrir para Maggie. E aquilo era maravilhoso!
— Relaxe, garota. Não confirmei sua suspeita. Portanto, não haverá nenhuma exterminação.
— Que alívio!
Jack se deu conta de que havia esquecido o que significava divertimento. Não se lembrava da última vez em que havia provocado, brincado e sorrido com uma mulher. Maggie conseguira resgatar isso nele, sendo apenas ela mesma.
Uma garçonete vestindo calça jeans aproximou-se.
— Olá, Maggie. Não vai me apresentar seu amigo?
— Olá, Bonnie. Este é um velho conhecido, dos tempos do colégio. Jack Riley, apresento-lhe Bonnie Potts, proprietária, garçonete e relações-públicas do Road Kill Café.
— Como vai? — cumprimentou-a, com polidez.
— Prazer em conhecê-lo, Jack. O que vão beber?
— Gostaria de chá gelado.
— Um chá gelado para a senhora e o mesmo para mim, por favor. — Fazia séculos que eu não ia a um lugar onde se possa tomar algo que se assemelhe a um chá gelado.
— Trarei num minuto. — Bonnie pegou dois cardápios plastificados e entregou-lhes. — Dêem uma olhada nisto, enquanto trago as bebidas, e anotarei os seus pedidos.
Jack abriu o menu, evitando encarar Maggie. Por que era tão perigosa? Como podia uma moça frágil e graciosa representar alguma ameaça? Era uma pergunta para qual ainda não encontrara resposta.
Era um homem de ação. Costumava elaborar uma estratégia e pô-la em prática. O único planejamento que conseguia fazer no momento era terminar de almoçar, checar o computador da loja, depois ir para casa, antes que fizesse algo do qual viesse a se arrepender.
Como o que, por exemplo? Se soubesse, poderia evitar o campo minado que Maggie representava.
— O que sugere? — Jack indagou, sem tirar os olhos do cardápio.
— Algo me diz que você não gostaria de comer um quiche. — Jack baixou o menu o suficiente para fitá-la com estranheza.
— O que quer dizer com isso?
O brilho de surpresa de seus olhos esverdeados causou-lhe vontade de rir.
— Meu Deus! Pensei que isso fosse óbvio!
— Creio que terei de adivinhar. Está querendo dizer que um homem de verdade não come quiche?
— Pensei que estava sendo sutil. Terei de me policiar.
— Você está estereotipando.
— Portanto, aceita o quiche!
— De jeito nenhum. Vou pedir um hambúrguer suíno. Maggie soltou uma gargalhada cheia de alegria, que o fez sentir um aperto no peito. Não se lembrava da última vez em que alguém mexera com ele daquele jeito. A vivacidade dela derrubava todas as suas defesas e penetrava-o como uma bala.
Maggie fez sua escolha e fechou o cardápio.
— Hoje não ingeri nenhuma proteína. Vou querer um hambúrguer também.
— Certo!
De repente, Jack notou que era a primeira vez que ele e Maggie saíam em público. O breve e inesquecível relacionamento que tiveram fora secreto, o que o tornava ainda mais excitante.
Depois de algumas brigas com o xerife, a reputação de Jack piorou, e Maggie preferiu continuar a encontrá-lo às escondidas. Quem poderia imaginar que se tornaria tão bom em clandestinidade a ponto de fazer disso uma carreira? E perder-se no processo.
Uma sineta soou quando a porta se abriu. O xerife Grady O'Connor entrou vestido com seu uniforme caqui. Olhando em volta, acenou para Jack e caminhou em sua direção.
— E não é mesmo o selvagem Jack Riley?
— Grady! — Estendeu a mão, que o oficial de imediato apertou. — Há quanto tempo!
— Sim. — Desviou o olhar dele para Maggie e tornou a encarar Jack. — Não sabia que conhecia nossa Maggie.
Nossa Maggie? Estaria o xerife sugerindo que ele representava um perigo para ela? Preferia cortar seu braço direito a causar-lhe algum dano.
Fitou-a e pôde jurar ter visto um traço de apreensão entre os raios dourados de seus olhos verdes. A lei estava do lado dela. Se ele fizesse algo errado, na certa Maggie o venceria. Então por que parecia temerosa?
— Maggie e eu somos amigos desde a adolescência. — O xerife assentiu.
— Vi os dois conversando ontem no rodeio.          
— Relembrando os velhos tempos.
— Posso sentar-me com vocês?
— Claro, xerife. — Maggie afastou sua cadeira para lhe dar espaço.
Jack sentiu uma pontada no peito. Estava acostumado a não ter sentimentos, e demorou um pouco para reconhecer que sentia ciúme.
Estava sendo tolo. Todos ali se conheciam fazia anos. Além disso, não existia nenhum romance entre ele e Maggie.
Mas a forte reação que experimentara forçou-o a admitir que não estava gostando nada de ver a pele do xerife roçar contra o braço dela. Procurou uma aliança na mão esquerda de Grady e praguejou em silêncio por não encontrá-la.
— O que tem feito durante todos esse anos? Ainda no Exército? Operações Especiais?
— Isso mesmo. Algo sobre missões secretas.
— As missões podem ser secretas — Maggie interrompeu —, mas vou revelar-lhe uma coisa, xerife. Esse homem é um expert em computadores.
— Eu não diria isso.
Maggie ofereceu-lhe um sorriso insolente.
— Lógico que não. Você não diz quase nada. — Voltou-se para o xerife. — No entanto, Grady, se não tivesse visto com meus próprios olhos, não acreditaria. Jack desemperrou minha tela com apenas um toque nas teclas.
Jack sentiu novo aperto no peito quando Maggie, num gesto inocente e amigável, tocou o braço de Grady.
— Como estava dizendo, ele está incrementando o sistema do computador da loja. É um gênio da computação.
— É verdade, Jack?
— Não me sinto à vontade com o título de gênio, mas tive formação em informática.
— Talvez possa me auxiliar com um problema. Posso procurá-lo mais tarde?
— Sem dúvida.
Bonnie Potts se aproximou cornos pedidos na bandeja.
Quarenta minutos mais tarde, Maggie sorveu seu último gole de chá e desculpou-se, alegando que tinha de voltar ao trabalho.
Grady levantou-se..
— Importa-se se eu falar alguns minutos com o seu gênio da computação, Maggie?
— Você é o xerife. — Olhou para Jack. — Mas não vá me abandonar.
Abandono. Que escolha de palavras interessante.
— Vejo-a em instantes.
Maggie partiu, levando consigo a alegria de Jack. Ele tentou ignorar esse fato.
— Tenho um favor a pedir-lhe, Jack.
— É só falar.
— Esteve fora por dez anos. Não sei quanto de minha história sabe, mas tenho filhas gêmeas.
— Sim, eu as vi no rodeio, brincando com Faith.
— São inseparáveis. — Deu um profundo suspiro e continuou: — Billy Bob Adams está me acionando na Justiça pela custódia das meninas.
Jack franziu o cenho. As lembranças afloraram-lhe à memória. Teria algo a ver com o que o irmão de Billy Bob fizera a Lacey naquela noite no lago?
Grady assentiu.
— Billy Bob é irmão de Zach Adams. É a única explicação. Mas eu não tenho provas de que seja por isso. Billy Bob esteve fora por nove anos. O que espera ganhar depois de todo esse tempo? Óbvio que não é por amor às crianças que as quer. Se depender de mim, nunca colocará as mãos nelas. Não enquanto eu viver.
Jack comoveu-se com a dor profunda do amigo e seu instinto de proteção para com as filhas.
— Como posso ajudá-lo, xerife?
— Levantei toda a vida pregressa dele no computador da delegacia...
— Encontrou algo?
O xerife fez que não com um gesto de cabeça.
— Se você é tão bom quanto Maggie falou, e acho que ela não sabe da metade, é a pessoa que estou procurando. Pode fazer uma busca confidencial?
— Sim. Tenho acesso a lugares que nem imagina que existem. Verei o que posso fazer.
— Gostaria que esse assunto ficasse apenas entre nós.
— Esteja certo disso.
Quando Maggie chegou em casa, antes das nove e trinta da noite, viu a luz da varanda acesa. Ficara até mais tarde na loja para terminar o inventário, e chamara Zoé, uma adolescente que costumava tomar conta de Faith, para ficar com a menina até que chegasse.
Era nessas horas que mais sentia a falta de Dottie Riley. Toda vez que precisava, a avó de Jack ficava com a menina. Era um alívio saber que estava com alguém da família, mesmo que Dottie não soubesse disso.
Já passava da hora de Faith estar dormindo. Maggie entrou sem fazer ruído e caminhou na ponta dos pés até a sala de estar.
— Zoé? — chamou num sussurro.
A tevê estava ligada com o som baixo. Maggie estacou, surpresa, ao ver Jack Riley cochilando no sofá.
Imaginou o que estaria fazendo ali, mas não teve coragem de acordá-lo. Com cuidado, atravessou o corredor e entrou no quarto de Faith. Deu graças a Deus ao encontrar a filha dormindo como um anjo.
As explicações sobre o que havia acontecido podiam esperar, agora que sabia que Faith estava bem. Puxou o fino lençol rosa e cobriu-a. Não que estivesse frio, mas esse era um gesto materno que tinha por costume fazer. Dava-lhe a sensação de a estar protegendo de alguma coisa, real ou imaginária..
Tornou à sala de estar e pôs-se a observar Jack dormindo. Não conseguira tirá-lo da cabeça o dia todo. Seus cabelos quase pretos, os olhos azuis e o sorriso enigmático faziam-na ansiar por coisas que sublimara por uma década.
Lembrando-se do que ele dissera sobre não poder ser responsável por algo tão maravilhoso como Faith, experimentou uma enorme ternura. Jack precisava saber a verdade. Não tinha o direito de esconder-lhe, e decidira contar assim que o encontrasse.
Só não esperava encontrá-lo tão rápido.
Num ímpeto, estendeu a mão em direção a seu braço para fazê-lo despertar. Antes que seus dedos o tocassem, Jack puxou-a, quase fazendo-a voar para o sofá, e comprimiu-a contra as almofadas, usando o peso de seu corpo para mantê-la cativa. Com o antebraço dele apertando-lhe a traquéia, Maggie mal podia respirar. A intensidade de seu olhar, como um predador ao caçar sua presa, assustou-a.
— Jack! — tentou gritar, com apenas um fio de voz escapou.
— Diga, Maggie. — Soltou-a.
— Estava esperando Átila, o rei dos hunos?!
— Todo o cuidado é pouco. — Respirou fundo, para aliviar a tensão. Um dos cantos de sua boca se curvou. — Como foi seu dia?
Pelo visto, não ia fazer referência alguma sobre tê-la derrubado como se fosse um inimigo.
— Foi ótimo, e o seu?
— Não posso me queixar. Na verdade, acaba de melhorar cem por cento.
Rolou para o lado, tirando o seu peso de cima dela. Passando o braço por baixo de Maggie, aconchegou-a em seu peito. Maggie sentiu a virilidade dele contra sua perna.
Jack Riley a desejava. Deus! Deveria sentir-se ultrajada?
Mas antes sua respiração precisava voltar ao normal, a pulsação desacelerar e controlar o tremor que se espalhava por cada célula. Depois, sim, poderia se sentir ultrajada.
Ele deslizou a mão até cobrir-lhe o seio.
— Seu coração está disparado, Maggie.
— Há uma boa razão para isso.
— Eu?
— Sim, você. Mas não é o que está pensando. Quase me matou de susto!
— Sei disso. Perdoe-me, Maggie.
— Então? Não vai me soltar?
— Ainda não. — Olhou-a como se quisesse devorá-la inteira. Ela não conseguia recobrar o bom senso. Pareceu-lhe se passar uma eternidade até que ele baixasse a cabeça e cobrisse seus lábios com os dele.
O contato era eletrizante. As pálpebras de Maggie cerraram-se, e luzes brilhantes como fogos de artifício atravessaram a escuridão. Sua respiração, já ofegante, acelerou-se até quase lhe faltar o oxigênio.
Enquanto os ágeis dedos de Jack acariciavam-lhe os mamilos, sentia labaredas espalharem-se por todos os terminais nervosos. Arqueou as costas, amoldando mais o seio contra a palma de sua mão.
Era como se tivesse voltado ao paraíso e o encontrasse mudado... para melhor. Afagou-lhe o peito másculo e deu um sorriso maroto.
— Seu coração também está disparado. Por acaso o assustei também?
— E como!
— Tentarei não fazer isso de novo.
— Só por cima de meu cadáver. — E tornou a beijá-la. Maggie concentrou-se no toque de seus lábios. Ele não era mais um adolescente excitado, mas um homem experiente, e sentia-se fascinada com isso.
Seus ombros largos, curvados sobre ela, cercavam-na e protegiam-na. Ao mesmo tempo predador e protetor. Por que nunca se sentira tão segura como naquele momento?
Jack passou a língua por seu lábio inferior. Sem hesitar, Maggie entreabriu a boca para recebê-lo. Ele apossou-se de sua boca, explorando o interior com avidez.
Maggie sentiu-o afastar-se um pouco. Não demonstrava pressa alguma, ao contrário do passado. Ganhara experiência na arte de despertar, excitar e aguçar o desejo de uma mulher. Maggie mergulhou os dedos nos cabelos bem aparados de sua nuca, oferecendo-se para ele. Quase perdeu o controle quando Jack lambeu um ponto esquecido próximo ao lóbulo de sua orelha, para logo traçar um caminho de fogo pelo pescoço em direção ao colo.
Era óbvio que ele não havia esquecido aquela zona erógena de sua anatomia. Suas carícias a faziam querer...
— Mãe! — A voz de Faith ecoou pelo corredor.
Jack soltou-a e em um segundo estava de pé. Antes que Maggie pudesse entender o que estava acontecendo, estendeu-lhe a mão para ajudá-la a se levantar.
— Mãe, Jack! — A menina parou à soleira, sonolenta, esfregando as pálpebras. — O que estão fazendo?
— Nada, princesa. Teve um pesadelo?
— Não. Só queria dizer boa-noite para você.
— Muito bem. Vou levá-la de volta para a cama. — Não se sentindo capaz de encará-lo, Maggie foi em direção à filha, encaminhando-a até o quarto.
Faith pulou para a cama.
— Mãe, não tem problema Jack ter ficado aqui, tem? — "Sim, tem!", teve vontade de responder.
— Por que ele ficou, filha?
— Zoé Slyder estava tomando conta de mim, mas teve de sair. Seu irmão, aquele que foi ferido pelo touro no rodeio, recebeu alta do hospital. Sua mãe pediu para que estivesse lá quando ele chegasse em casa. Zoé não iria sair, mas Jack falou que não se importava de ficar comigo até você chegar.
— E de quem foi a ideia de chamá-lo? — Faith a encarou.
— Minha. Achei que não seria ruim, desde que eu não ficasse sozinha. Lembrei-me de que, quando GG Dot ainda era viva, sempre ficava comigo quando você precisava trabalhar. Por isso, pensei em Jack. Ele se saiu uma ótima babá, e está morando bem aqui do lado. Ficou zangada pelo que fiz?
Maggie também se lembrara de Dottie. Como poderia culpar a filha por pensar da mesma forma? Embora pai e filha não soubessem, a menina estava com alguém da família. Sorriu, com ternura.
— Está tudo bem, Faith.
Onde tinha aprendido a mentir daquele jeito? Nada estava bem. Na realidade, não poderia estar pior.
— Eu gosto dele, mamãe.
— Fico contente com isso. — Cobriu-a com o lençol. — O que fizeram, antes de eu chegar?
A menina deu de ombros.
— Assistimos a alguns filmes da Disney no vídeo. Jack fez cachorro-quente para o jantar, e jogamos basquete no quintal até escurecer.
— Então, se divertiram.
— Sim, ele é nota dez.
— Muito bem. Agora, volte a dormir, Faith. — Inclinando-se, deu um beijo na face da menina. — Boa noite.
— Boa noite, mamãe.
Maggie observou-a virar-se para o lado e fechar os olhos. Ficou ali parada por alguns minutos, consciente de que tentava adiar o inevitável. Cedo ou tarde, teria de ir para a sala, encarar Jack e admitir que mais uma vez esteve próxima de fazer papel de idiota. Precisava dizer a ele que isso não devia acontecer de novo.
O fato de não conhecê-lo o suficiente não era o que mais importava. O que a perturbava acima de tudo era saber que ele não ficaria em Destiny. Pior: não fizera segredo de que não queria morar ali. Só permanecera na cidade porque Dottie não lhe dera outra opção. Mesmo assim, seria só por um ano. Depois retornaria para aquilo em que era bom. Aonde isso a levaria?
Sem dúvida a um coração partido.
Seguiu para a sala de estar preparada para falar com Jack, mas ele já havia saído. Seu outro lado detestou que ele tivesse feito isso. Dera-lhe as costas de novo.
Passara por isso uma vez, não pretendia que acontecesse a segunda. Não importava quão maravilhoso fosse o beijo dele.
— Oh, Jack... Gostaria que você se importasse comigo o bastante para ficar.


CAPÍTULO VI

No quintal dos fundos de sua casa, debaixo da sombra da amendoeira, Jack firmou os pés no chão para obter equilíbrio. Esticou o braço com o punho cerrado e desferiu um soco no ar. Muito fraco, pensou, irritado.
Os movimentos de autodefesa estavam piores do que os de um principiante, adjetivo que de modo algum se aplicava a ele. Treinara durante toda a manhã, mas sua performance e concentração pareciam ter sido atiradas numa cesta de lixo.
Seria o calor e a umidade do Texas? O fato de quase ter feito amor com Maggie na véspera? Faith espiando-o em cima da árvore? Ou todos esses motivos juntos?
Ouviu barulho de folhas se mexendo na árvore próxima à cerca. Faith começava a ficar ousada. Observara-o em silêncio até aquele momento, mas sua curiosidade era algo quase palpável. Jack pressentiu que a menina falaria alguma coisa.
— O que está fazendo, Jack? Parece uma luta.
— Acertou.
Ele se virou em sua direção e apanhou a toalha que deixara sobre a cadeira de ferro. Limpando o suor do rosto, pendurou-a no pescoço e caminhou até Faith.
— Sua mãe está trabalhando?
— Está. Como sabe?
— Porque ela não quer que suba na árvore. — Estendeu os braços para ela. — Venha, eu a ajudo a descer.
— Está lutando caratê? — A menina nem se mexeu do lugar.
Jack sorriu e colocou as mãos na cintura.
— Desça daí. Zoé Slyder está tomando conta de você?
— Não. — Afastou os cachinhos negros do rosto. Com um gesto rápido, tomou impulso para a frente e passou a perna por cima de um galho, para ir do lado da cerca onde ele estava.
— Tem alguém em sua casa?
— Além de mim?
Aquela criança era muito esperta. Jack ergueu a sobrancelha, num gesto que no Exército usava-se para intimidar os subordinados.
— Sim, Faith. Além de você.
— Não.
Faith não ficara nem um pouco impressionada com seu gesto repreensivo. Teria de aprimorá-lo.
— Maggie sabe que está sozinha?
— Não.                                                                                          
— Onde deveria estar?
— No acampamento.
— O que houve?
— Logan Peterson ficou caçoando de mim. Então, decidi voltar para a casa.
Jack teve a impressão de que ela devia ter se aborrecido bastante. Mas isso não era problema seu. Tinha de tirá-la daquela árvore antes que se machucasse.
Faith deslocou seu peso para o lado e oscilou. O coração de Jack quase saltou pela boca, quando ela se pendurou no galho acima da sua cabeça.
— Tem filhos, Jack?
— Não. Quer chamar sua mãe? Pode usar meu telefone.
— Mas quer ter filhos?
A garota era mesmo esperta!
— Ainda não pensei sobre isso.
Não muito, acrescentou em silêncio. "Nunca deixe uma brecha para inimigo tentar uma manobra."
— Crianças são uma coisa boa.
— Não duvido. — Limpou o suor que brotava na testa.
— E sobre falar com Maggie? Meu telefone está na sala. Não quer usá-lo?
— Não.
— Pode entrar em sua casa?
— Sim. Mamãe deixa uma chave escondida embaixo do tapete da varanda. Ia pegá-la quando vi você lutando com o vento. Pode me mostrar como se faz?
— Acho que sua mãe não iria gostar.
— Eu acho que sim.
Da mesma forma como gostara de ouvi-la repetir o "maldito testamento", decidiu Jack. Maggie mantinha rédeas curtas com a filha.
Jack nutria uma grande raiva contra o homem que a abandonara. O canalha a deixara sozinha com uma criança para criar. Maggie tivera de trabalhar para sustentá-la, deixando a menina aos cuidados de terceiros, que, pelo jeito, não estavam desempenhando bem seu papel. Jack imaginou se os responsáveis pelo acampamento já haviam se dado conta de que Faith saíra de lá.
— Sabe alguma coisa sobre seu pai, Faith? — A menina franziu a testa por um momento.
— Não muito.
— O que Maggie lhe conta sobre ele?
— Que ele não me abandonou.
— Como assim?
Faith deu de ombros. Esse movimento a fez perder o equilíbrio e escorregar um pouco.
— Essa foi por pouco! — E endireitou-se.
Jack estendera os braços para segurá-la, mas teria sido tarde. Com a pulsação acelerada, imaginou até quando teria paciência para não arrancá-la de lá.
— Não deve ficar aí em cima. Sua mãe não quer que suba nas árvores.
— Como sabe? — Deu novo impulso e continuou se balançando no galho. — Ela se preocupa demais. Eu estou bem.
Poderia alguém culpar uma mãe por excesso de zelo? Em especial com uma filha que parecia estar treinando para ser acrobata? Nunca saberia. Sua mãe morrera assim que nasceu. Não tivera contato com ela.
— Então, como sabe que seu pai não a abandonou?
— Porque ele não sabia de minha existência.
— Como isso é possível?
— Mamãe não contou a ele. Disse que foi embora da cidade antes que ela pudesse contar.
— Maggie não manteve contato com ele?
Jack estava tendo um pressentimento que lhe arrepiava os cabelos da nuca. Estivera em várias situações de perigo, nas quais aprendera a valorizar todos os cinco sentidos e jamais subestimar o sexto. Este último causava-lhe formigamentos na pele, mas salvara-lhe sua vida diversas vezes. E sua pele formigava agora. Mau sinal.
Faith jogou-se para cima, sentando-se no galho.
— Está com fome, Jack? Eu estou.
Ele estava faminto, mas de informações. A criança havia aguçado sobremaneira sua curiosidade.
— Eu lhe fiz uma pergunta, Faith. Maggie não manteve contato com seu pai?
— Acho que não.
— Nem tentou?
— Não quero mais falar sobre isso. Estou com fome. — Faith começou a descer, passando por baixo do galho onde estivera sentada. Porém, pisou em falso e escorregou. Só o que Jack pode ouvir foi o barulho de folhas e um gemido abafado de dor.
— Faith, você está bem? — Silêncio.
Ele pulou a cerca e abaixou-se ao lado da menina caída.
— Faith!
Nunca desejara tanto que sua avó estivesse viva. Dottie saberia o que fazer com uma criança naquele estado.
Lembrando-se de seu treinamento em primeiros socorros, passou as mãos pelos braços e pernas de Faith à procura de alguma fratura. Não encontrou nenhuma, mas ela não se movia, nem falava, o que era alarmante. Seus olhos estavam abertos, porém, e isso era um bom sinal.
— Faith, está me ouvindo?
— Não consigo respirar.
— Perdeu o fôlego, foi só isso. Mas você está bem. Relaxe e voltará a respirar direito.
Com a respiração dificultada, Faith estendeu a mãozinha à procura da dele.
— Não me deixe só...
— Não vou deixá-la. Sei que é difícil para você, mas tente não falar.
A menina assentiu. Estava pálida. Tinha de chamar Maggie, mas não podia deixá-la sozinha. Examinando-a com mais atenção, encontrou alguns arranhões em seus joelhos e um calombo na testa.
— Pode mover os braços e as pernas?
Faith movimentou-os e Jack suspirou de alívio. Poderia chamar uma ambulância e avisar Maggie, mas, para socorrê-la depressa, optou por levá-la direto para o consultório do médico no centro de Destiny, que ficava ao lado da loja de Maggie.
Tomou-a em seus braços.
— Muito bem, docinho, vamos lá.
Ao terceiro toque, Maggie atendeu o telefone. Era Christy, a inspetora do acampamento.
— Olá, Christy. Aconteceu alguma coisa?
— Faith fugiu.
— O quê? Tem certeza de que essa menina não está só brincando de se esconder?
— Ela e Logan Peterson tiveram uma discussão. Colocamos os dois de castigo. Quando reunimos as crianças para o lanche, Faith havia desaparecido. Contatamos o xerife 0'Connor, que disse que iria procurar nas redondezas. Não se preocupe.
— Obrigada, Christy. Fecharei a loja e irei procurá-la.
— Não tem um vizinho que possa contatar para se certificar de que Faith não está em casa?
"Jack..."
— Sim, falarei com ele.
— Dê-nos noticias e faremos o mesmo se a acharmos.
— Combinado. — Maggie desligou e de imediato discou o número de GG Dot.
Ao olhar pela janela, avistou Jack saindo do consultório do dr. Holloway. Largou o fone e num segundo abriu a porta da loja.
— Jack, a supervisora do acampamento ligou. Faith sumiu. Sabe de alguma...
— Sim, Maggie, estava vindo para avisá-la que eu a trouxe para o consultório.
Maggie sentiu o sangue descer para seus pés.
— Oh, Deus! O que...
Jack estava a seu lado, e segurou-a firme com suas mãos fortes, abraçando-a. Se não fosse por isso, teria caído.
— Acho que não é nada sério. Mas decidi que a melhor maneira de socorrê-la e chamar você seria trazendo-a para a cidade.
— O que houve?
— Faith caiu da árvore.
— Céus!
Começou a tremer. Fechou os olhos e respirou fundo, tentando controlar-se, pois de outra forma não conseguiria cuidar da filha.
Quando ergueu as pálpebras, deparou-se com o olhar preocupado de Jack.
Ficou feliz por ele estar ali. Pegou sua bolsa e as chaves e, após colocar a placa de "Fechado" na porta, correu em direção à clinica do dr. Holloway, encaminhando-se direto à recepção.
— Addie, onde está Faith?
Addie Ledbetter, a enfermeira, ergueu o rosto e a encarou.
— No consultório. Venha, a dra. Morgan está com ela agora.
Hannah Morgan tinha vindo visitar a mãe em Destiny. Auxiliou o dr. Holloway no rodeio e agora tomava conta de seu consultório, pois ele tinha ido resolver uma emergência de família. Maggie sentiu-se insegura por não ser o médico que sempre tratara de sua filha quem estava ali.
Ansiosa por constatar com seus próprios olhos que Faith estava bem, seguiu a enfermeira pelo corredor. Addie abriu a porta da sala. A menina se encontrava deitada na maca, parecendo temerosa e confusa.
— Princesa! Você está bem?
— Olá, mãe. Estou ótima. Jack falou que o médico deveria me ver só por caução.
— Precaução. E Jack está certíssimo. — Maggie olhou por sobre o ombro, constatando que ele a seguira.
— Ele me colocou nesta maca e disse que eu sofreria terríveis consequências se me movesse antes de você chegar e o médico dizer se eu estava bem.
— Obrigada.
— Pelo quê, Maggie? — Cruzou os braços.
— Por trazê-la para cá. Bem pensado.
— Não há por quê. Tentei tirá-la da árvore, pois sei que você não gosta que ela suba lá. Se tivesse sido mais...
Jack parecia consternado pela culpa. Como um parente... um pai. Um incrível remorso invadiu-a, e não tinha nada a ver com o acidente da filha. Iria lhe revelar a verdade tão logo pudesse. Mas aquele não era o momento.
Maggie pôs a mão no ombro dele num gesto de cumplicidade.
— Pelo menos umas cem vezes por dia eu penso: "se eu tivesse sido mais..."
Naquele momento, a porta se abriu. Uma mulher loira, usando um jaleco branco e um estetoscópio pendurado no pescoço, entrou e estendeu a mão para Maggie.
— Sou a dra. Hannah Morgan.
— Como vai? Eu me lembro de você.
— Addie me entregou a ficha médica de Faith. — Hannah virou algumas páginas. — Teve uma consulta de rotina com o dr. Holloway há alguns meses.
— Isso mesmo — confirmou Maggie.
— Muito bem. Deixe-me examinar nossa sapequinha. Ei, Faith, sou Hannah.
— Olá — disse a menina.
— O que aconteceu?
— Caí de uma árvore.
A médica examinou seus olhos e observou o calombo em sua testa.
— Ela chegou a perder a consciência? — perguntou, dirigindo-se a Maggie.
Foi Jack quem respondeu:
— Não. Pulei a cerca em segundos, e os olhos dela estavam abertos.
Hannah assentiu.
— Isso é um bom sinal. — Passou a examiná-la com minúcia. — Ao que tudo indica, está tudo em ordem. Mas como esse calombo na testa está muito grande, pedirei uma radiografia da cabeça, só para nos precavermos. Faith poderá fazê-la aqui mesmo.
Maggie assentiu.
— O que achar melhor, doutora.                          
— Vai doer?
— Não, Faith. Só iremos tirar um retrato de sua cabecinha.
— Está certo.
— Posso acompanhá-la?
— Claro, Maggie. Quando os filmes estiverem prontos, virei conversar com vocês.
— Obrigada.
Leith Denton, a técnica de raio X, veio buscar Faith em uma cadeira de rodas. Conduziu-a pelo corredor seguida por Maggie e Jack.
Leith introduziu-os numa sala de espera, explicando-lhes como seria feito o exame.
— Fiquem à vontade e não se preocupem — finalizou.
— Impossível. Mas, de qualquer forma, obrigada pela atenção que está dispensando a Faith. — Incapaz de relaxar, Maggie andava de um canto para o outro da sala de espera.
— Ela tem uma cabeça bem dura.
— Como sabe disso, Jack?
— É sua filha.
"E sua", teve vontade de dizer. Mas não queria dar-lhe a notícia de supetão como quem detona uma bomba. Teria de amenizar o choque, ser gentil com Jack.
— Quem sai aos seus...
— ...não degenera — completou Maggie.
Jack se aproximou dela, envolvendo-a em seus braços. Era tão bom não estar sozinha!
Quando Faith era bebé, os pais de Maggie sempre lhe davam suporte. Mas não era a mesma coisa que dividir esse momento com a única pessoa que era tão responsável por aquela criança quanto ela.
Em instantes, a porta se abriu, e Leith trouxe a menina para a sala de espera.
— Já terminamos. Levarei os filmes para a médica ver. Enquanto isso, podem aguardar no consultório, que é mais confortável.
Depois de algum tempo, Hannah adentrou o consultório com a radiografia na mão.
— Está tudo certo. A enfermeira tratará dos ferimentos da perna, enquanto converso com vocês na outra sala.
Maggie sentiu um frio no estômago. Mas, se a médica tinha alguma má notícia para lhe dar, que fosse longe de Faith.
Jack pegou sua mão, apertando-a com força.
Hannah sentou-se à mesa repleta de papéis.
— Sentem-se.
— Estou muito nervosa, doutora. Diga-me, há algo errado?
— Está tudo bem mesmo. Não quis preocupá-los. É que às vezes as crianças se assustam com a terminologia médica.
Colocou os filmes no negatoscópio.
— As radiografias estão normais. Nenhuma concussão ou coágulo. Faith está liberada. Podem ir para casa.
— Graças a Deus! — Maggie pressionando a mão no peito.
— Obrigado, doutora.
— Não há por quê. — Hannah voltou-se para Jack. — Engraçado...
— O quê?
— Faith se parece muito com você.
O coração de Maggie disparou. Virou-se na direção dele, entreabriu os lábios na intenção de dizer algo, mas as palavras ficaram presas na garganta.
Sem perceber seu embaraço, a médica continuou:
— Herdou a cor de seus olhos e cabelos, embora eles sejam cacheados como os da mãe. Se não me engano, você é um oficial do Exército, não é?
— Sim.
— Isso explica o fato de Faith não derramar uma lágrima. Sua filha é corajosa como um soldado.
— Minha filha?
Maggie ficou sem ação. Observou o espanto no olhar de Jack e achou que ele fosse objetar com a médica. Mas, em vez disso, sorriu para Hannah.
— Minha filha — disse ele.


CAPÍTULO VII

Jack permaneceu na janela em vigília até que Faith desaparecesse pela estrada no carro da mãe de sua amiguinha. Ainda no consultório médico, Maggie implorou para que ele esperasse antes de iniciar as perguntas. Não queria ter aquela conversa na frente da filha. E Jack concordou que seria melhor para todos que a garota estivesse longe.
Tinha muitas perguntas a fazer. Mas, com a raiva que sentia, não sabia se iria manter o linguajar indicado para os ouvidos de uma criança. Melhor mesmo a discussão ficar só entre ele e Maggie.
"Hora de ir", decidiu Jack.
Com passos largos, alcançou a varanda de Maggie e, antes que pudesse bater, a porta se abriu.
— Olá, Jack.
— Maggie...                                                                
— Entre. — Deu um passo atrás.
Assim que passou por ela, Jack sentiu um aroma de flores no ar. De certa forma, parecia tão inocente... Mas isso era impossível. Tratava-se de Maggie Benson. A última coisa que se podia dizer dela é que era inocente e honesta. Ela mentira durante dez anos!
— Quer uma cerveja? Ou prefere algo mais forte?
— Cerveja está ótimo. — Jack preferiria uísque, mas sabia que o álcool não devia se misturar a algo tão sério.
Logo Maggie estava de volta, trazendo uma garrafa gelada.
— Obrigado.
Após sentarem-se no sofá, ela o encarou.
— Vamos deixar uma coisa bem clara logo: Faith é sua filha, caso ainda esteja em dúvida.
—Tenho certeza de que é.
De alguma forma, ele soube desde a primeira vez em que a viu. Mas racionalizou, justificou e concluiu que Maggie devia ter conhecido algum rapaz logo após sua partida.
Entretanto, uma parte dele dizia que aquela não era a verdade, Jack duvidava que fosse capaz de fazer uma coisa tão linda como Faith. E talvez por não suportar a idéia de pensar em Maggie com outro homem.
Faith era sua filha. Como não percebera antes? Mas, no momento em que a dra. Morgan comentou que a garota possuía os olhos azuis do pai e os cabelos da mãe, já não havia mais dúvidas.
— Você contou a ela? — Maggie meneou a cabeça.
— Achei que seria melhor conversarmos primeiro.
— Então, comecemos. Por que não me contou sobre Faith dez anos atrás? Por que guardou segredo?
Maggie alcançou seu copo de vinho e ele pôde perceber que ela tremia.
— Pensei em lhe contar no momento em que já não podia esconder a gravidez.
— Mas?
— Acreditava que era algo que devíamos tratar pessoalmente. Notícias como essa não devem ser contadas por telefone ou por carta.
— Como você é sensível! — ironizou. — Então por que não me contou face a face?
— Estava esperando você voltar de licença após o treinamento básico.
— E eu nunca voltei.
— Mais do que isso: você me dispensou!
— Mesmo assim, eu tinha o direito de saber.
— Concordo.
— Então por que não me falou?
— Lembra-se de uma carta que lhe enviei? Aquela em que você marcou "devolver ao remetente"?
— Havia outros meios de me encontrar, se quisesse.
— Eu era uma adolescente e estava grávida. Coloque-se em meu lugar.
— Justificativa interessante.
— Tente. Você tinha acabado de me dar as costas. Em seguida, recusou-se a ler o que eu tinha pra dizer. Desisti. Eu só tinha dezessete anos.
— Grande o bastante para saber o que fazia. — Jack não imaginou nada menos sarcástico do que isso para dizer, mesmo sabendo que cada coisa que falava o enterrava ainda mais.
Maggie cruzou e descruzou os braços e endireitou-se no sofá. Parecia um pavão, cheia de orgulho.
— A pior coisa que podia imaginar era forçá-lo a ficar comigo por causa de um bebê, Jack. Empurrando-lhe algo que não queria. E, como era menor de idade, meus pais me ameaçaram com medidas legais. Eu não queria lhe causar problemas.
Maggie quisera protegê-lo? Dottie fora a única pessoa que o protegeu durante toda a vida. Soldados eram obrigados a olhar seus companheiros, mas era trabalho. Aquilo, porém, era pessoal. Ele não queria isso, ou melhor: não merecia.
— Mas você nunca me deu a chance de decidir o que eu queria fazer, Maggie.
— Eu lhe mandei uma carta. Não é minha culpa se você sumiu no mundo.
Ela estava certa. Ele estava numa missão, ninguém o encontraria. Essa foi uma das razões por não ter comparecido ao funeral da avó.
— Por que eu deveria acreditar que me escreveu contando sobre Faith?
A raiva coloriu as faces de Maggie. Suas pupilas soltavam faíscas. Mas ela se controlou.
— Jack, me espere um minuto.
Quando Maggie retornou, trazia nas mãos um envelope. Entregou a ele e se afastou. Jack não podia deixar de notar como era bela, mesmo tão zangada.
Em seguida, olhou para o envelope amarelo contendo o endereço de sua base e na mesma hora reconheceu a caligrafia de Maggie. Assim como sua própria letra cruzando o envelope: "devolver ao remetente".
— Leia — ela ordenou.
Jack rasgou o envelope e tirou uma folha de papel. Conforme lia, Jack percebia o quanto a menina de dezessete anos estava assustada. Ela dizia que entendia que ele não queria um compromisso sério. Mas achava que tinha de saber que seria pai, e que ela ainda o amava. As últimas palavras afirmavam que Maggie não esperava nada dele.
E foi o que conseguiu: nada.
— Maggie, eu...
— Precisa entender, Jack, que eu era uma criança tendo outra criança. Fiz o melhor que pude. Até que percebi que, para você saber, outros teriam de saber também. E eu não queria prejudicá-lo. Decidi ter o bebê sozinha.
— Mas como?
— Depois de se recuperarem do choque, meus pais me apoiaram bastante, mesmo quando me recusei a dizer quem era o pai do bebê. Depois que Faith nasceu, terminei o segundo grau num supletivo e fiz alguns cursos técnicos na faculdade. Passado um tempo; com um pequeno empréstimo do Fundo Comunitário de Destiny, abri a This 'N That. Quando percebi que meus pais estavam tomando meu lugar de mãe e eu estava ficando muito dependente deles, comprei esta casa e me mudei.
Jack admirava as sombras que cruzavam o semblante de Maggie à medida que falava. Ela sofrera muito, isso era evidente. Soldados recebem medalhas e honrarias por atos de bravura. E também um coração púrpura quando eram feridos em batalhas. Maggie deveria receber um desses.
— Faz parecer que tudo foi fácil, Maggie.
— Que nada! Foi a coisa mais difícil que já fiz até hoje. A partir daí, tudo o que vier pela frente, poderei enfrentar. E tem mais: se eu pudesse voltar no tempo, faria tudo de novo.
— E seus pais, onde estão?
— Viajando. Não suportam o Texas no verão. — Maggie retornou ao assunto anterior: — Jack, pense bem. Quando recebi minha carta de volta, não esperava tornar a vê-lo. Por que eu pensaria que você voltaria para mim? Digo... para Destiny?
— Mas eu voltei. Teve a chance de me contar por duas ou três vezes. — A ira corria pelo seu sangue como um veneno. — Seria uma espécie de vingança?
— De jeito nenhum. — Encarou-o firme. — Mais uma vez, coloque-se em meu lugar.
— Está difícil, Maggie. Ela respirou fundo.
— De fato, nós nunca nos conhecemos direito. — Maggie estava certa. Pelo menos, metade das tardes que passaram juntos era dedicada a beijos e carícias, e muito pouca conversa.
— Continue.
— A única coisa concreta que sei sobre você é que seguiu a carreira militar. Se não pode me dizer onde anda e o que faz, por que eu confiaria em lhe contar que é o pai de Faith? Minha obrigação, hoje e sempre, é protegê-la.
Ele não podia culpá-la por isso.
— Tudo bem.
— É só isso o que tem a dizer?!
— Sim, até assimilar tudo o que ouvi.
— Olhe, Jack, você disse, assim que chegou aqui, que não se demoraria. Se Faith souber que é o pai dela, vai querer ficar a seu lado até você partir. E depois, como minha filha ficará?
— Mas você sabia que eu tinha resolvido ficar até vender a casa.
— Certo. Mas precisava saber que espécie de homem havia se tornado antes de lhe revelar os fatos. E isso foi na noite passada, quando o encontrei dormindo em meu sofá.
— Nada do que me falou muda o fato de Faith ser minha filha e de eu ter o direito de saber.
— Certo.
— Devia ter me contado assim que soube. Você me fez pensar que algum outro sujeito a teve.
— Mas eu tive outro! — afirmou, indignada.
Jack lembrou-se de Faith lhe contando sobre seu pai e que ele não a havia abandonado. Pelo menos Maggie não o jogara no lixo.
Estava certa sobre Jack. As coisas que andara fazendo não eram para se orgulhar. Mas mesmo assim, Faith era sua filha, Maggie pensou.
— Acho melhor compreendermos que nenhum dos dois fez algo errado de propósito. Foram as circunstâncias. Temos de nos ocupar do futuro.
Durante todos aqueles anos, o mundo de Jack girara entre o certo e o errado, o branco e o preto. E agora teria de lidar com algo localizado numa área cinza? Sua autoconfiança estava ruindo.
— Nunca faria algo que pudesse magoar nossa filha, Maggie.
— Tenho certeza de que não.
— Então, qual é o plano?
— É hora de contar a Faith quem é o pai dela.
— Tudo bem. Vamos treinar, primeiro. — Maggie achou graça.
— Não há nenhuma fórmula que ensine como ser pai, Jack.
— Está nervoso? — Maggie indagou, enquanto esperavam pela volta de Faith, que chegaria a qualquer momento.
— Pareço nervoso?
Jack estava em pé na cozinha com uma xícara de café na mão.
— Vai dizer que não está nem um pouco assustado?
— Maggie, já pulei de aeronaves com inimigos jogando bombas que passavam de raspão pelas minhas orelhas. Sobrevivi em acampamentos e bombardeios no outro lado do planeta.
— Que besteira a minha... É claro que não está assustado.
— Estou petrificado. — Jack exalou um longo suspiro. Então ele era um ser humano, afinal. O coração de Maggie bateu mais forte.
— Jack, tem algo que quero lhe pedir.
— Fale.
— Ainda está aborrecido comigo? Eu não dormi quase nada ontem. Fiquei tentando me colocar em seu lugar. Mas você não deu muitas pistas.
Jack apoiou o ombro no batente da porta.
— Eu não dormi nada, também, Maggie. Para ser franco, acho que estou meio entorpecido.
— Ainda sente raiva de mim?
— Por que está me perguntando isso agora?
— Porque, se está, é melhor deixar isso de lado agora e concentrar-se em Faith. Temos de fazer a coisa parecer fácil.
— Farei o melhor. No entanto, gostaria que entendesse que, usando a razão, eu entendo o que fez. Mas contra esse fato existe o outro lado. Tenho uma filha de nove anos e não sabia disso. Procure me entender. — Jack meneou a cabeça. — De repente, descobri que sou pai. Vou levar algum tempo para digerir.
Maggie escutou um carro se aproximar.
— Hora de agir. Faith chegou.
— Vamos lá!
Maggie reparou que Jack arfava. A porta da frente se abriu.
— Mamãe, cheguei!
— Estou na cozinha, querida! — Em seguida, Maggie baixou o tom: — Ela vai gostar. Apenas seja você mesmo.
— Olá, mãe. Jack. Estão tomando café? Estou faminta, o que tem para comer?
— Não comeu nada na casa de Becky, filha?
— Não. Não gostei do que tinha lá. — Faith estava muito curiosa. — O que faz aqui, Jack?
— Eu e Jack temos algo para lhe contar. — Faith encarou ambos.
— Vocês vão se casar? — perguntou, animada.
— Não — respondeu Maggie, olhando direto para Jack, esperando alguma reação. A expressão dele se alterou. — Lembra-se de quando costumava perguntar sobre seu pai?
— Sim, mãe. Você disse que ele saiu de Destiny antes que pudesse saber de mim. Mas que, se soubesse, estaria aqui.
— Isso mesmo. Tenho boas notícias. Seu pai voltou. — Faith olhou para Maggie, depois Jack. Maggie podia ver estrelas nos olhinhos da filha.
— É ele? Jack é meu pai, mamãe? — indagou, radiante.
— Sim, meu amor.
O silêncio perdurou por alguns momentos. Parecia que todos estavam tentando se recuperar da revelação.
Jack mudou de lugar de forma a ficar na frente de Faith.
— Sua mãe está certa. Se soubesse de você, teria voltado o mais rápido possível. Ela tentou me achar, mas não era fácil. Ausentei-me por muitos anos em missões.
— Seu pai é um herói militar, Faith.
— Você tem medalhas?
— Não sou um herói, querida. Mas quero que entenda que ninguém é culpado de nada. Circunstâncias nos separaram. No entanto, estou aqui agora. E gostaria de estar a seu lado, para nos conhecermos.
— Que ótimo! — Faith exultava de felicidade. — Meu pai!
— Sim, seu pai. O que acha disso?
— Eu acho... — Fitou a mãe. — Aposto que minha mãe está contente. Ela sempre reclama que sou muito para uma só pessoa segurar.
Faith demorou um pouco para continuar falando:
— Mas acho que gostei. Você poderá ir a meus jogos de futebol. Talvez possa até ser o treinador do time.
— Não é bem assim, filha — interrompeu-a Maggie. — Seu pai está aqui por enquanto. Só até a casa de Dottie ter sido vendida.
— Tudo bem, mamãe Mas, enquanto estiver, podemos, não?
— Eu adoraria — Jack afirmou. — Então, está tudo bem?
— Sim. Quer brincar de pique?
— Claro!
— Mas antes leve suas coisas para o quarto, mocinha.
— Tudo bem, mamãe.
Faith dirigia-se a seus aposentos, e Jack observava Maggie. Parecia que seu coração estava partido em dois.
Em segundos, a menina retornava.
— Jack? Digo, papai? Posso chamá-lo assim?
— É assim que quer me chamar? — Ela assentiu.
— Posso lhe dar um abraço? — Maggie se esforçava para não chorar.
— Acho que eu aguentaria um abraço. — Jack se abaixou e esperou que Faith se aproximasse. Dava a impressão de não saber o que fazer.
Faith ficou na ponta dos pés e colocou enlaçou-o pelo pescoço. Aos poucos, Jack foi se entregando ao abraço da filha.
Maggie não mais conseguiu conter as lágrimas. Quantos anos perdidos...
Por fim, eles se afastaram e Faith não perdeu tempo:
— Vamos brincar?
— Só se prometer que não cairá da árvore outra vez.
— Prometo!— disse, já do lado de fora.
Maggie deixou-a ir e aproveitou para falar com Jack:
— Se você tiver coisas para fazer, diga a ela.
— Não, tudo bem. Quero brincar com Faith.
— Jack, só queria lhe pedir uma coisa. Tenha cuidado.
— Como assim, Maggie?
— Ela se magoa com facilidade.
— Eu nunca a machucaria.
— Não por querer. Mas as circunstâncias...
— Quais?
— Você partirá assim que terminar o prazo de um ano. Como nossa filha ficará?
— Resolvi pedir baixa.
Maggie levou um susto. Não acreditava no que acabara do escutar. Dez anos atrás, ela preservara Faith. Agora era sua vez de se proteger de Jack.
Ele a fizera sofrer muito. Não deixaria isso acontecer de novo. Não sem resistência.


CAPÍTULO VIII

Passados sete dias desde que toda a verdade viera à tona, Jack continuava com sua rotina matinal. Pegava sua correspondência sempre no mesmo horário, o que possibilitava ter a visão de Maggie saindo em seu carro vermelho.
Não imaginou que retornar à vida civil fosse tão difícil. Ainda mais quando se tratava de Maggie e os imprevisíveis sentimentos que brotaram desde que soube que era pai.
Passou grande parte dos últimos dias ao lado de Faith. Maggie deixou que ela faltasse ao acampamento de verão para estar mais tempo com o pai, enquanto trabalhava em sua loja. Tinha dias em que a pequena jantava na residência de Jack e, no dia seguinte pela manhã, já estava lá de novo. Mas ele não se importava, pelo contrário, pois tinha muito o que recuperar.
A reação de Maggie impressionara Jack. Ela deixara a raiva de lado e não o impedira de estar com a filha quando quisesse. "Por que não consigo esquecer o passado assim como Maggie e seguir adiante?", refletiu Jack.
Agora, o mais importante era aprender a ser pai. Não tinha dúvidas de que essa seria a missão mais dura de sua existência.
De repente, avistou o automóvel de Maggie voltando. Ela estacionou e acenou para ele, que retribuiu o cumprimento.
Sem perceber, Jack andou até onde Maggie estava.
— O que faz aqui há esta hora?
— Às vezes, venho almoçar.
Jack estaria mentindo se dissesse que não havia gostado de vê-la.
— Acabei de pedir uma pizza. Quer me fazer companhia? — Ele rezava para ela aceitar. Queria estar a sós com Maggie.
Ela levantou os óculos escuros e o encarou.
— Você está bem?
— Por quê? — Jack se aproximou dela o suficiente para sentir seu perfume.
— Por nada. Pareceu-me estranho. Não me parece o tipo social.
— Talvez seja a hora de mudar. Aceita ou não?
— Lógico que sim! Não dispensaria de jeito nenhum sua pizza para comer um sanduíche de pasta de amendoim!
Jack sentia-se hipnotizado pela presença de Maggie. Uma louca vontade de tomá-la nos braços e levá-la para o quarto tomou conta dele. Tinha de se conter a qualquer custo.
— Por favor, siga-me. — Ele a conduziu pelo jardim até alcançar a porta.
A temperatura da casa estava agradável.
O despojado vestido de verão que ela usava acentuava cada curva de seu pequeno e lindo corpo. Jack pôde ver as sardas que cobriam sua pele branca. Lembrou-se de que Maggie as detestava e que ele sempre lhe dizia que eram lindas.
— Como está quente hoje...
— Nem fale! Quer um refrigerante, Maggie?
— Tem alguma coisa diet?
— Quer compensar as calorias da pizza?
— Uma mulher precisa economizar calorias sempre que possível.
— Serve chá?
— Ótimo! — Dirigiram-se à cozinha.
— Está igual a como sua avó deixou. — Jack sentiu tristeza em sua voz.
— Sente falta dela, não sente?
Maggie assentiu, apertando os olhos para não chorar.
— Dottie era como da família. — Sorriu. — Na verdade, era. Pelo menos da família de Faith. Gostaria que tivesse sabido que Faith é sua filha.
— Eu também.
Quando a campainha soou, ele foi atender. Enquanto Jack recebia e pagava a pizza, Maggie arrumou a mesa com pratos, guardanapos e talheres.
— O almoço está servido.
— O cheiro está excelente, Jack. Aposto que é de cogumelos e azeitonas pretas.
— Descobriu pelo aroma?
— Não precisava. Sei que é sua favorita.
Ele não acreditou. Como Maggie podia se lembrar disso? Jack sentiu saudade daquela época.
— Sente-se, Maggie, vou pegar as bebidas.
Ao retornar, notou que Maggie já servira as fatias nos pratos.
— Está deliciosa, Jack. Quase tão boa quanto você e os computadores.
— Andou espiando as páginas que consultei na internet?
— Sim, e achei os sites sobre paternidade bem interessantes.
— Que bom que gostou! Estou me esforçando.
Antes de comer mais um pedaço, Maggie resolveu perguntar algo. Tinha de saber.
— Jack, ainda está zangado comigo?
— Não mais.
— Como pude pensar que você era um sujeito perigoso?
— Porque sou. — Maggie riu.
— Tanto quanto um urso de pelúcia. E vou lhe provar.
— Boa sorte. Em uma sociedade normal, sou considerado elemento perigosíssimo.
— O único perigo que vejo é para meu coração — Maggie não conseguiu conter o comentário.
— O quê?
Ela respirou fundo.
— Não é fácil admitir... Digamos que não me estou muito orgulhosa dos meus sentimentos...
— Fale logo, Maggie!
— Você... O pai que Faith encontrou... A verdade é: estou com ciúme de seu relacionamento com ela.
Jack assustou-se com o fato de não saber direito onde estava pisando. Por que pensara, por um segundo que fosse, que Maggie iria dizer que ainda o amava? Em vez de pedir baixa, deveria solicitar licença por problemas mentais.
— Só pode estar brincando, Maggie.
— Gostaria que fosse assim. Durante a última semana, quase não a vi. Faith já acorda querendo ficar com você.
— A propósito, já lhe agradeci por me deixar ficar com ela?
— Sim. O problema é que, desde que Faith nasceu, minha vida resume-se a ela. E agora, surge você...
Jack não poderia ajudá-la dessa vez.
— Não sei se devo agradecer ou pedir desculpas.
— Nenhum dos dois, Jack. Essa questão é só minha. Eu é que tenho de aprender a lidar com a situação. De repente, estou competindo com um herói.
— Acho que já conversamos sobre isso. Não sou herói.
— Faith acredita que é. Você não tem culpa. Mas o fato é que ela está convencida que me pedirá em casamento.
— Casamento?! — Jack quase engasgou com o chá. Engoliu, tossiu, antes de falar: — É mesmo?
Maggie assentiu.
— Nem pense nisso!
— Por que não, Maggie?
— Porque você é um bom homem. Deve se convencer disso. Não é porque temos uma filha que somos obrigados a nos casar.
— Mas se duas pessoas se amam... — deixou escapar.
— É verdade. E essa é a única razão para haver um casamento: amor. Analisando com frieza, nós mal nos conhecemos direito. Há dez anos que estamos separados. Não daria certo.
Jack gostaria de argumentar que ela estava errada... Que se os dois quisessem isso a sério, é claro que daria certo.
De súbito, recordou-se de quem ele era e que não teria argumentos. Já devia estar satisfeito de passar algum tempo com a filha.
— Por que nunca se casou, Maggie? Foi por causa de Faith?
— Em parte, sim. Ninguém pode amá-la como eu. Ou melhor, como nos. — Resolveu comer mais uma fatia de pizza. — Acredita em almas gêmeas, Jack?
— Não sei...
Maggie soltou uma gargalhada.
— Você me parece um tanto tímido. Veja, estou sozinha porque ninguém conseguiu despertar em mim os sentimentos que você... — Parou a frase no meio.
— O quê? — Jack queria que ela terminasse. Queria ouvir que não encontrara ninguém como ele.
Ela suspirou, horrorizada com o que quase acabara de revelar. Quase disse que nunca encontrara alguém como Jack. Sim, Jack Riley fora o único homem a tocar sua alma. Também era fato que seria o único a conseguir de novo.
— Maggie, conte-me de novo por que não disse a ninguém que sou o pai de Faith.
— Soube que seu pai disse que você estava indo muito bem no Exército, que havia encontrado sua vocação. Não quis estragar tudo.
— Então, resolveu ficar calada e passou da adolescência à fase adulta criando Faith. E que trabalho bem-feito realizou!
— Tinha meus pais para me amparar.
— Os mesmos de quem escondeu a realidade. Para me proteger. Quem é o herói aqui, Maggie?
Jack expressava suas emoções com intensidade. Seus olhos estavam mais azuis do que nunca.
— Eu estava apavorada com tudo. Mas fiz o que tinha de ser feito.
— Mas não é isso o que faz um herói, mesmo a despeito do medo?
— Faith é minha filha. Eu a amo. Não foi tão difícil.
— Está enganada. É muito difícil. E eu...
— O quê? — perguntou, esperançosa.
— Eu a admiro muito.
Aquilo foi quase tão bom quanto um "Eu te amo". Mas Maggie não tinha o direito de querer mais do que admiração.
Não podia forçá-lo a se apaixonar. Tinha de arrumar uma maneira de se reconciliar com a realidade presente.
Maggie precisava encontrar uma forma de chegar a um meio-termo. Sem dúvida, criara razoes demais para não lhe revelar sobre Faith. No fundo sabia que desde a época do colégio Jack não lhe dera a atenção que queria. E talvez tivesse sido por isso que resolvera esconder que era pai de sua menina. Embora não precisasse anunciar sua culpa aos quatro ventos.
Era hora de partir.
— Obrigada pela pizza, Jack. Está ficando tarde e tenho de voltar à loja. Você poderia me entregar a luva de Faith?
— Tem certeza que não quer que eu vá até lá e entregue a ela?
— Não será necessário. É caminho.
Jack desapareceu e voltou alguns segundos depois com a luva na mão.
— Aqui está. — Maggie pegou-a.
— Muito obrigada. A propósito, sr. Internet, aquela loja de informática lá no centro está à venda.
— Jura? — Maggie assentiu.
— Já pensou no que vai ser quando crescer?
— Quer dizer que acha que ainda posso ser alguma coisa? — ele brincou.
— Talvez. — Maggie sorria. — De qualquer modo, achei que podia se interessar. Até mais tarde.
— Até, Maggie.
Mesmo após algumas semanas, o coração partido de Maggie ainda doía. Parecia descer ladeira abaixo com extrema rapidez, e ela não podia fazer nada para desacelerar.
Olhando para seu jardim, viu a razão de seu declínio brincando de pique com sua filha. Faith insistiu em chamá-lo para jantar. Fora os danos que Jack causava em seus sentimentos, ela não tinha outra desculpa para não atender ao pedido da filha. Foi o próprio Jack quem preparou o churrasco de hambúrguer ao ar livre.                                  
Após comer, Maggie ficou tentada a permanecer no jardim, mas resolveu limpar a cozinha. Era melhor ficar afastada, para seu próprio bem.
Jack gargalhava de alguma coisa que Faith dizia, e Maggie espiava pela vidraça. O sorriso nos lábios dele incitava-a a largar tudo para trás e correr para abraçá-lo. Os olhos azuis de Jack brilhavam como duas estrelas.
Maggie decidiu concentrar-se na limpeza, entretanto.
Quando acabou de limpar tudo o que podia, resolveu arrumar algo para fazer. Ela e Jack tinham uma filha, mas esse motivo não era suficiente para dividirem nada na vida. Por causa de Faith, era obrigada a vê-lo. Contudo, isso não significava ficar perto deles, a não ser que quisesse resgatar o passado adormecido no fundo da alma dolorida.
Serviu-se de uma xícara de chá gelado e buscou pelo jornal, espalhando-o sobre a mesa. Da cozinha, podia escutar a voz de Faith tagarelando. Pai e filha agora estavam sentados na rede da varanda, lado a lado, num lugar visível ao olhar de Maggie. No dia seguinte, ela mudaria aquela rede de lugar de forma a não vê-la. Só para garantir seu sossego, caso a conversa após o jantar se tornasse um hábito.
— Ele é um idiota, pai.
— Quem?
— Logan Peterson.
— Esse não é o menino que andou implicando com você naquele dia em que voltou sozinha do acampamento?
— O próprio.
— O que Logan fez dessa vez?
Maggie também estava curiosa de saber a resposta.
— Escondeu-se e, quando passei, puxou meus cabelos. Logan fica me xingando, puxa meu rabo-de-cavalo... essas coisas. Queria que você me ensinasse uns golpes de caratê.
— Já conversamos sobre isso, filha.
— Mas ele não me deixa em paz!
— Esse menino...
— É, Logan é muito bobo.
— Tenho uma idéia, Faith... Que tal se eu for ao acampamento amanhã? Posso ter uma conversinha com o garoto.
— Que ótimo, pai!
"Não acho nada bom", Maggie pensou. Resolveu interferir e abriu a janela.
— Faith, hora de tomar banho e dormir.
Jack a olhou com certo descontentamento. As últimas seis semanas de sua estada em Destiny o fizeram descobrir várias emoções havia muito ocultas. Orgulhava-se de sua habilidade de manter-se calmo e controlado. Mas Maggie e Faith o fizeram ver que o mundo era colorido.
— Ah, mãe, ainda está cedo...
— Não, não está. Lembra-se de que está me devendo meia hora daquela noite que ficou com seu pai vendo vídeo?
"Seu pai." Essas duas palavras ainda não soavam naturais a Jack. Ele era pai de alguém. Tinha uma menininha.
— Papai, já tenho nove anos. Diga a mamãe que é muito cedo para eu ir dormir.
— Filha, sua mãe é a chefe aqui. E você prometeu que dormiria mais cedo hoje. — Jack estava fazendo um enorme esforço para não contrariar Maggie, até porque ela estava certa.
— Não acredito que esteja do lado dela!
— Estou do seu lado, acredite. Só acho que recebeu uma ordem. E terá de obedecer.
Jack viu a menina entrar como um furacão e fuzilar a mãe com o olhar. Maggie ainda passou algumas orientações à filha antes de fechar a porta.
Em seguida, diante de Jack, Maggie relaxou os ombros.
— Precisamos conversar.
— Sobre o quê, Maggie?
— Escutei o que Faith falou sobre Logan Peterson. — Bastou escutar o nome do garoto para Jack mudar de expressão.
— Aquele moleque precisa de uma lição.
— Nada disso.
Ele a olhou, estupefato.
— O quê?!
— Algumas vezes, ser pai significa não fazer nada.
— Não quando um garoto prepotente puxa os cabelos de sua filha!
Maggie suspirou.
— Sei que é difícil. Mas não estaremos sempre por perto para interferir quando ela precisar. Faith tem de aprender a se defender sozinha.
— Maggie, admito que ser pai é uma novidade para mim. Isso não é uma crítica, é um fato. E eu sou novo nisso. — Passou a mão na nuca. — Quero que saiba que eu daria minha vida por ela.
— Sei muito bem como se sente. Entretanto, muitas vezes a melhor ajuda é ficar de espreita aguardando que as coisas tomem o melhor curso. Faith deve aprender a lidar com tudo o que a vida lhe trouxer, seja bom ou ruim. Seu treinamento começa agora. Caso resolvamos interferir, nossa menina não terá a chance de encontrar uma solução para seu problema com o garotinho endiabrado.
— Meu lado racional entende você. Mas o meu coração quer que eu crie para ela um mundo perfeito.
— Acredite-me, Jack, também gostaria de dar um passa-fora naquele sujeitinho desagradável. Pode apostar que Logan nunca esqueceria o que tenho a lhe dizer. Sem dúvida, haverá oportunidades em que nossa interferência será necessária. Esse não é o caso. Vejamos o que acontece. Talvez, tudo acabe bem entre eles.
— É, pode ser...
Porém, o instinto de Jack estava lhe avisando que era melhor tomar alguma atitude.
— Suspeito que Logan esteja querendo chamar a atenção dela. Não iria me surpreender se soubesse que gosta de Faith. — Maggie sorriu.
— Interessante esse modo de conquista. Devia ser assim na pré-história. Maggie, os pais devem proteger suas meninas.
— Sim, e Faith tem sorte de ter um pai como você. — Jack é que tinha sorte. Foi afortunado em dividir uma filha com uma mulher tão especial quanto Maggie.
Será que o que sentia por ela era mais do que um homem sente por uma mulher que lhe deu um filho? Seria amor?, questionou-se.
Estava muito confuso.
— Maggie, acho melhor subir e ver como Faith está. Tenho de ir, agora.
Entrelaçando os dedos, Maggie o observou de baixo para cima, até encontrar seu olhar.
— Não se aborreça. Não tive a intenção de reprimi-lo. Ocorre que estou lidando com situações semelhantes há mais tempo que você.
— Sei disso. Boa noite, Maggie.
Jack deu-lhe as costas e seguiu adiante até sua casa.
Será que tudo estava bem? Será que algum dia tudo ficaria em ordem?
Faith era sua filha, seu sangue, sua carne. Ele era seu pai. Embora Faith não tivesse acertado na loteria tendo Jack como pai, nada mudaria esse fato. Ele teria de lidar com a situação e fazer o melhor possível para cuidar da filha. Amava a menina. Nem ele próprio estava acreditando que podia ser capaz de sentir algo tão grandioso.
E Maggie? Onde entrava naquilo tudo?
Até bem pouco tempo atrás, toda sua vida era precisa. Jack suprimira os sentimentos para completar suas missões e nunca mais os deixara fluir. Era cínico e procurava sempre o pior nas pessoas.
Por essas e outras, Maggie merecia alguém muito melhor, incorruptível, um sujeito decente. Amar a filha era uma coisa. Jack não se sentia capaz de dar amor para uma mulher tão brilhante, inteligente e bela.
Dessa vez, os pais de Maggie não estariam ali para impedi-lo de aproximar-se dela. Portanto, para segurança de Maggie, ele iria se afastar.


CAPÍTULO IX

Era domingo. Dia de descanso. (Graças a Deus, Maggie rezou, sem se esquecer da ironia. A loja não abria aos domingos, sem exceções. Portanto, ela estava de folga.
Após encher uma xícara com café, abriu os vidros das janelas e escancarou as portas que davam para a varanda. Faith ainda dormia.
Embora não precisasse, Maggie adorava acordar cedo aos domingos. Aquele era seu momento. Ninguém precisaria dela a uma hora daquelas, nem a empurraria em dez diferentes direções.
Mais tarde, quando tivesse de ir à igreja, o Senhor não repararia em suas roupas, nem se estava ou não maquiada.
De pé na varanda, aproveitou a brisa que jogava seus cabelos sob suas costas em uma confusão de fios revoltos. Eram momentos como aqueles que Maggie apreciava. Podia parar e pensar.
Então, a primeira imagem que lhe veio à cabeça foi Jack e as sensações que lhe despertava. Uma outra visão lhe ocorreu: Jack com aquele jeans apertado e aquela camiseta preta delineando cada músculo de seu peito, acentuando cada forma máscula e sedutora. Maggie agradeceu por estar sozinha quando sentiu que sua respiração acelerou.
— Bom dia, Maggie.
Com o susto, ela acabou por derrubar a xícara que segurava, que estourou ao bater no piso. O líquido quente espirrou em suas pernas.
— Jack!
Em segundos, ele estava a seu lado, pegando-a no colo. Maggie ficara tão surpresa que não conseguiu emitir um único som.
As botas dele pisavam nos cacos de vidro enquanto ele a carregava para perto de uma torneira que ficava ao lado da varanda. Abrindo-a, lavou suas pernas. A água fria estava deliciosa.
— Você está bem? — Examinou as manchas vermelhas na pele dela.
— Estou, não foi nada sério. — Maggie passava a mão nas queimaduras. — Levei o maior susto, porque não vi você chegar.
— Desculpe-me. Pensei que tivesse ouvido o barulho do portão.
— Não ouvi.
Suas faces coraram no exato momento em que se lembrou do porquê de não ter escutado Jack aproximar-se: pensamentos libidinosos envolvendo o pai de sua filha. O timbre de sua voz forte causava-lhe calafrios de desejo.
Maggie ainda se recordava do corpo despido de Jack. Mas, mesmo assim, a imagem dele a sua frente, era ainda mais maravilhosa do que seus devaneios. O cheiro de sua loção após a barba, o vigor físico quando a erguia em seus braços fortes, o calor de seu corpo junto ao dela...
Suas fantasias não chegavam nem perto da realidade já provada por seus sentidos. Visão, som, cheiro e toque. Faltava ainda um sentido a ser estimulado: paladar.
Maggie podia resolver isso naquele minuto. Tudo o que tinha a fazer era ficar na ponta dos pés e erguer o queixo, para sua boca tocar a dele.
De repente, pareceu-lhe que os tempos de colégio tinham voltado. Lembrou-se de como se sentira quando descobriu que Jack Riley a desejava.
— Talvez fosse melhor eu passar um pouco de pomada em suas pernas, Maggie.
— Não — ela respondeu de imediato e com veemência, sentando-se numa cadeira.
— Você é quem sabe.
Por mais que quisesse arrumar uma desculpa para que ele a tocasse, Maggie não ousaria permitir. Recordar-se das intimidades de outrora era uma coisa, mudar o presente não seria inteligente.
— Esta foi a segunda vez que me assustou em plena luz do dia. Na realidade, a terceira, mas só deixei cair café em duas.
— Está contando? — Jack brincou.
— Estou, sim. Pelo menos desta vez não havia nenhum aparelho elétrico por perto. — Somente minhas emoções, pensou. — Daqui para a frente, você poderia anunciar sua chegada com um "olá". Que tal? — E se afastou.
— Acho que seria melhor eu avisar antes de vir.
— Acha, é?
Jack abriu um sorriso largo. Maggie reparou que ele vinha repetindo aquele sorriso com constância, o que a fez sentir-se radiante de felicidade.
— Tenho de pegar uma vassoura para varrer os cacos.
— Uma vez que eu fui o responsável pelo estrago, deixe comigo. Limpo tudo num minuto. Queria conversar com você. Preciso lhe perguntar algo.
A expressão de Jack estava tão séria e ao mesmo tempo tão linda que Maggie faria qualquer coisa por ele.
— Sou toda ouvidos.
— Ainda sobrou café?
— Sim. Eu o sirvo.
— Nada disso. Fique aí sentada, eu mesmo pego.
— Combinado. — Maggie se recostou no espaldar. Jack sumiu dentro da casa e Maggie sentiu-se solitária.
Que tolice, ele voltaria em segundos, refletiu.
Uma segunda reflexão lhe ocorreu. O que ele queria lhe falar? Seria alguma coisa sobre Faith? Que pergunta faria? Seria uma proposta de casamento?
Maggie não entendeu de onde saiu aquela ideia. Seria uma intuição? Embora ele não admitisse, Jack era um homem correto. Será que estava pensando em se casar com ela para o bem de Faith?
Ouviu o barulho da porta de vidro se abrindo. Jack retornou com duas xícaras de café e colocou-as sobre a mesa, ao lado de Maggie.
— Obrigada.
Jack se acomodou. Apenas uma mesinha os separava. A distância não era suficiente para afastar o delicioso aroma masculino que vinha dele.
— O que queria me perguntar?
— Estive pensando...
— Céus, isso é perigoso!
Jack soprou o café e tomou um gole, antes de continuar falando:
— ...sobre assuntos jurídicos.
— Defina "assuntos jurídicos" — Maggie pediu, com cautela.
— Sou o pai de Faith.
— Sim, e daí?
— Quero fazer parte da vida dela.
— Você já faz. Ela o adora.
— Legalmente, Maggie. Quero que meu nome conste de sua certidão de nascimento. Não quero que pairem dúvidas sobre quem é seu pai. Todos devem saber que sou eu.
— Está falando de reconhecimento de paternidade?
— Creio que sim.
Maggie sentiu-se como uma bola de gás esvaziando. Como pôde sonhar que ele a pediria em casamento? Presunçosa... Jack não sentia o mesmo que ela.
— Diga alguma coisa, Maggie. Mesmo que ache a ideia ridícula. Um sujeito como eu...
— Não, nunca acharia isso. — Tentou alcançar o braço de Jack. A pele estava quente. — Não sei mais o que fazer para convencê-lo de que não é o garoto malvado que acha que nada tem de bom para oferecer a Faith.
— Não é bem isso o que...
— Não estou lhe pedindo para me contar. É só um mero comentário. Tenho observado você desde que soube da verdade. Tem se saído muito bem quando Faith procura nos colocar um contra o outro, sem tirar minha razão. Ela não poderia ter um pai melhor.
— Ah, poderia sim...
— Não vou mais discutir esse assunto com você,
— Tudo bem. Então, o que acha da minha ideia?
A única vez na vida em que Maggie sentira tanto medo foi quando soube que estava grávida e que o pai da criança havia desaparecido. Era só o que lhe vinha à memória agora. Perdera a cabeça por causa de Jack, uma paixão incontrolável e também sem esperanças. Era de novo o que sentia. Mas Jack e Faith eram pai e filha. Qualquer idiota perceberia isso. Mesmo que quisesse, não poderia mais esconder o ato. E naquele segundo, encarava Jack, que entrava em suas vidas. Legalizar aquela situação fazia com que tudo fosse mais real ainda.
— Maggie?
Ela arqueou as sobrancelhas e forçou um sorriso.
— Em minha opinião, é importante para Faith sentir-se segura com o pai e a mãe.
— Então isso é um "sim"? — Jack perguntou.
— Vou procurar um advogado amanhã — Maggie afirmou.
— Sarah Stevens acabou de abrir um escritório ao lado da delegacia.
— Passarei lá e marcarei uma hora.... Antes de abrir a loja.
— Excelente.
Sim, excelente. Eles seriam uma família, pelo menos no papel. Maggie não esperava nada além disso de Jack. E como desejou estar errada...
Uma semana mais tarde, Maggie ainda costurava os pedaços de seu coração, que se partira desde o dia em que Jack retornara a Destiny.
Foram muitas noites sem dormir. Ou ela perdia o apetite ou acabava comendo só bobagens, enquanto decidia o que fazer. Até que ficar sem comer não era tão ruim assim, pois conseguiu emagrecer um pouco. Tudo graças ao selvagem Jack Riley...
Após verificar se Faith dormira, mais uma longa noite a aguardava. Antes de deitar-se, decidiu olhar pela varanda. Na porta ao lado, a luz do pátio permanecia acesa. Aquilo significava que Jack estava no jardim.
A tentação era muita para que pudesse resistir. Maggie avistou-o perto da cerca que dividia suas casas e sentiu-se como uma garotinha. Assim como Faith, quando espionava Jack treinando artes marciais.
Faith o observava todas as noites. Não mais circulava pelo jardim como antes. Pulava e acenava com os braços no ar. Maggie pensou em reprimi-la, mas voltou atrás. Mais cedo ou mais tarde, acabaria se acostumando.
"Essa não sou eu", pensou Maggie, ao espiar pela cerca e ver Jack instalando uma mangueira na grama. "Como estou sendo infantil!"
De um modo ou de outro, ela sabia que teria de enfrentar esse problema, mais cedo ou mais tarde. Deixar o amor florescer outra vez podia ser perigoso. E se Jack não retribuísse o sentimento?
Após aquela noite no sofá, Maggie teve certeza de que ele a queria também. Mas após aquele dia, a única coisa que conseguiu foi comer um pedaço de pizza, sem nada de proximidade. Um perfeito cavalheiro. Um robô sem emoções.
Como aquilo era frustrante!
Maggie precisava saber se Jack a queria ou não. Poderia controlar seu coração se soubesse que Jack lhe era indiferente, apesar de ser a mãe da filha dele.
Colocou um pé no tronco da árvore de seu jardim e começou a escalar. Com alguns movimentos, alcançou o topo, de onde podia espiar com mais clareza.
Após acomodar-se num galho resistente, pôde escorregar até o lado da cerca da residência de Jack, sem correr o risco de cair sobre ele.
A noite estava quente. Jack regava as plantas e Maggie pôde sentir o aroma perfumado das flores que Dottie plantara. Achou interessante um homem como ele estar tentando preservar com carinho o jardim.
Maggie suspirou quando se lembrou de seus dezessete anos e de sua paixão por Jack. Os cabelos escuros dele produziam uma discreta curva sobre a nuca, já não se via mais aquele severo corte militar. Naquele exato momento a coisa mais importante no mundo para ela era poder acariciar aquela cabeleira e sentir a diferença.
Maggie estava a ponto de anunciar sua presença quando ouviu os passos dele se aproximando.
— Lembra-se do que li na internet sobre educação infantil, mocinha? Pois é, tinha alguma coisa sobre subir em árvores. — Esboçou um largo sorriso que evidenciava seus dentes brancos e reluzentes. — Como pretende convencer Faith a fazer o que manda se não dá o exemplo?
— Ela só saberá se você contar.
— Faith está dormindo?
— Como uma pedra.
— Então, o que está fazendo em cima da árvore? — Maggie deu de ombros.
— Foi um impulso.
— Cuidado com impulsos. Eles podem causar muitos problemas — falou com a voz suave, calma e sexy.
A profunda e sedutora entonação de Jack penetrou no interior de Maggie a ponto de ela sentir as vibrações tilintando em todas as células.
— Estará tudo bem, a não ser que eu caia.
— Não vamos permitir que isso aconteça. — Chegando mais perto, Jack colocou-se abaixo do galho em que ela estava.
Seu semblante era intenso, impenetrável. Erguendo os braços, alcançou os quadris de Maggie. Ela, por sua vez, embora não conseguisse nem ao menos respirar, apoiou as mãos nos ombros de Jack.
Antes que pudesse se conter, Maggie se pôs na ponta dos pés e levou a boca ao encontro da de Jack.
Foi ele quem interrompeu o beijo.
— Maggie, acho que esta não é uma boa ideia. — Apesar disso, ele não a soltou. Mantinha o olhar repleto de intensa volúpia. Maggie estava certa daquilo.
Ela aproximou-se ainda mais. O mais perto possível que conseguia chegar sem tirar a roupa.
— Discordo de você — murmurou e mordiscou o lóbulo dele.
Tornando a se erguer, Maggie o beijou mais uma vez.
No início, Jack se manteve indiferente, mas bastaram alguns segundos para que tomasse o controle do beijo, fazendo-a delirar.
Jack estreitou Maggie junto a si, com firmeza, até seus seios encontrarem o tórax dele. Envolveu-a de um modo que fazia parecer querer protegê-la numa redoma impenetrável.
Embora estivesse mergulhando num abismo emocional, ela nunca se sentira tão segura em toda a vida.
Jack mordeu o canto superior do lábio de Maggie e traçou um contorno ao redor de sua boca até que ela se abrisse para ele. Sem hesitar, mergulhou fundo na carícia, testando e brincando com a boca macia.
A respiração dela era inconstante. Maggie ofegava em alguns momentos, depois parecia nem sequer respirar. Ele, o oposto, mantinha uma cadência invejável.
Ela se sentia incendiar pelos toques de Jack, que mantinha um braço firme envolvendo seus quadris e com o outro segurava-lhe a nuca, tornando o elo de suas bocas o mais perfeito possível.
Maggie rezava, pedindo a Deus que não a deixasse cair em tentação de novo. Enquanto isso, Jack ia traçando um caminho com seus lábios por seu pescoço, pelas faces e, enfim, a orelha, mordendo-a com delicadeza.
Naquele momento, Jack encontrara o ponto mais sensível de Maggie. De repente, os arrepios viraram espasmos de prazer. Ela sentiu um nó na garganta. Não poderia ter outra reação a não ser afastar-se, pondo fim àquela tortura deliciosa.
— Maggie... — ele sussurrou.
O arfar de Jack balançava os cabelos próximos da orelha, brincando e gerando mais arrepios que lhe percorriam o corpo inteiro.
Maggie exalou um longo suspiro.
— O que é, Jack?
— O que você está fazendo comigo? — E a apertou contra seu peito.                      
O rosto de Maggie estava pressionado ao tórax dele, e isso lhe permitia ouvir o coração dele bater como um tambor. Jack estava quente, e era tão seguro, que ela adoraria jamais ter de deixá-lo.
— Eu temia que você não me quisesse mais, Jack. Afinal, não me beijou mais desde aquela noite no sofá, quando quase perdi o controle.
As mãos de Jack acariciando suas costas eram excitantes, sedutoras, quase mortais.
— Maggie, eu... — Jack deu um passo atrás.
— O quê?
— Não devíamos ter feito isso.
— Quem disse? Foi um beijo excelente. Pelo menos, sob meu ponto de vista.
"Vamos, diga que também gostou, Jack!"
— Acabarei ferindo seus sentimentos. Acredite no que digo.
— Você deveria me deixar julgar isso, Jack. Sei o que estou fazendo, já sou crescidinha.
— Desculpe, Maggie. Acho que exagerei. Mas asseguro que isso não vai dar certo. — Respirou fundo e murmurou: — Boa noite. Vejo você amanhã no escritório de Sarah.
Jack deu-lhe as costas e caminhou em direção a sua casa.
Lágrimas desceram dos olhos de Maggie enquanto o fitava. Em seguida, ela se retraiu, abriu o portão e voltou para seu jardim. Seu santuário.
Jack Riley não a queria.
Aquela certeza a invadiu com clareza cristalina. Maggie hesitara em lhe revelar a verdade sobre sua filha por temer que toda aquela mágica aflorasse. No fundo, sabia que ele era um bom homem.
Jack a deixara uma vez, mas era explicável: os dois eram jovens, ele correu para sua carreira, ela não o encontrou, e assim por diante. Mas agora, tudo estava de volta, sem barreiras, sem desculpas. E Jack tornava a deixá-la.
Maggie tentou controlar seus hormônios, mas não foi capaz... e deu no que deu. A química não mais existia. Correção: Jack não reagia mais a ela.
Agora não era mais uma garota. Tinha uma filha e responsabilidades. Não havia mais tempo para aventuras.
— Preciso encarar os fatos — falou em voz alta para si mesma.
Maggie tinha sentimentos, e não amor, por um homem que não os retribuía. "Como sou estúpida!"
Bem, pelo menos já adquirira muita experiência em como esquecer Jack Riley. Tivera de fazer isso dez anos atrás, e o faria de novo.
Ou morreria tentando.


CAPÍTULO X

Ao sair de casa, Jack ouviu Maggie destrancando a porta do carro.
Ainda restavam trinta minutos até o encontro no escritório de Sarah Stevens para acertar os detalhes do processo de reconhecimento de paternidade de Faith. Jack não ficara surpreso ao ver Maggie, pois já sabia de seu compromisso.
Mas por outro lado, queria poder receber um dólar a cada vez que a vira entrar ou sair. Muitas vezes, observava-a lendo jornal na varanda, o que permitia a visão estonteante de sua beleza e suas curvas perfeitas. Ou mesmo fazendo algum trabalho no jardim que um homem deveria fazer.
Talvez devesse se oferecer para ajudar...
Meneou a cabeça, porém. Pensamentos como aqueles lhe trariam grandes problemas. Dali em diante, seria um pulo para uma família tradicional, filha, mãe, pai. E marido. Jack não podia fazer isso com Maggie. Que era o pai de Faith era fato, e planejava fazer o certo pela menina. Mas não poderia comprometer-se com Maggie. Admirava-a demais para fazer isso.
Se ao menos não tivesse que vê-la tantas vezes...
Jack se virou para trancar a porta. Havia uma grande possibilidade de existir uma conspiração contra ele, tendo como cabeça da operação sua avó, incluindo coração, cérebro e alma. O que mais levaria Dottie a fazer um testamento daquele? Será que ela sabia que Faith era sua filha? Estaria Maggie sendo sincera quando garantiu que nunca contara a ninguém?
"Droga! Estou fazendo de novo." Seu treinamento militar o ensinara a buscar o pior nas pessoas, e Jack aprendera muito bem a lição. Era óbvio que não podia aplicar seu olhar crítico nos sentimentos por Maggie. Ela merecia um homem que pudesse ver luz, e não escuridão.
Essa foi a razão pela qual a evitou na noite anterior. Evitá-la daquele jeito lhe causou muita dor, mas tinha de ser feito. Era o melhor para Maggie.
Ela se voltou em sua direção e Jack soube o exato momento em que o fitou. Ele avançou alguns passos até a cerca que separava as duas casas.
— Olá — saudou-a com cordialidade. Maggie parou perto do automóvel.
— Como vai, Jack?
Ele pôde perceber que havia mágoa por trás da fúria de seu semblante.
— Quer uma carona para o centro, Maggie?
— Não, obrigada. Irei direto para a loja, depois do encontro, e precisarei do carro mais tarde. — Baixou os óculos escuros, que prendiam seus cabelos.
— Tudo bem.
Sem mais uma palavra, Maggie entrou no veículo e bateu a porta. Jack a observou partindo.
A frieza com que ela o tratara fora mais do que merecida, após o que lhe fizera, na véspera. A memória do gosto de seu beijo lhe trouxe ondas de calor que aqueceram todo seu corpo.
Tudo nela era luz e cor, brilho e suavidade. Jack precisava de Maggie assim como de comida, água e do ar que respirava. Não mudaria nada em relação a ela. Tinha de resistir. Tudo o que fizesse afetaria aos três. E não seria de uma forma positiva.
Poucos minutos depois, Jack chegava a Destiny, no mesmo instante em que Maggie desaparecia dentro do escritório de Sarah, que ficava localizado na rua principal, entre o gabinete do xerife e a loja de tratores de Charlie, em frente ao consultório do dr. Holloway, da This N' That e da loja de computadores que Maggie dissera estar à venda. Jack permaneceu alguns segundos lendo a placa de "Vende-se", pensando se valeria a pena.
Por fim, entrou para seu encontro.
Sarah já estava lá fazia um bom tempo, qualquer um perceberia. Havia uma mesa no centro da sala com duas cadeiras de interlocutor. A julgar pelos fios espalhados no chão, a advogada tinha um telefone e um computador. Maggie já se acomodara.
— Olá, Jack — Sarah o recebeu. — Tudo bem?
— Tudo — mentiu.
Após aquela única palavra, o silêncio pesou no ambiente. Jack se deu conta de que teria de fazer uma pequena explanação. Para sua falta de sorte, seu treinamento militar não o ensinou como lidar com uma ex-namorada que deu à luz uma filha e com a advogada que tornaria aquilo legal.
Sarah sorriu.
— Obrigada por virem. Isso não levará muito tempo.
— Ainda bem. Tenho de abrir a loja — Maggie falava sem dirigir o olhar a Jack.
Sarah gesticulou para ele se sentar na outra cadeira.
— Desculpem-me, mas é só o que tenho para oferecer no momento.
— Não tem problema.
— Só estamos falando de papelada burocrática. — Sarah alternava o olhar entre os dois. — O primeiro passo é adicionar o nome de Jack na certidão de nascimento de Faith. Entrarei com os papéis no cartório e em seguida uma petição na corte, para legalizar o nome para Faith Elizabeth Riley.
— Soa bem, não acha? — Jack comentou, sem esconder o orgulho que sentia.
— Sim, soa — Sarah assentiu. — Esperaremos um período até o juiz marcar a audiência, à qual todos compareceremos, e tudo ficará lavrado e certo. Alguma dúvida?
— Gostaria de saber sobre custódia partilhada.
— Isso é Maggie quem decide, Jack.
Maggie o encarou com ódio. Jack sentia-se culpado e arrependido.
— Não tenho objeções. Faith quer passar mais tempo com o pai, e acho importante para ela.
— E pensão alimentícia?
— Não preciso de nada de você, Jack. — Sarah pigarreou antes de interromper:
— A corte irá requerer uma pensão, ou a custódia será negada. Devia reconsiderar, Maggie.
Ela meneou a cabeça em negativa.
— De jeito nenhum. Eu e Faith já temos tudo de que precisamos. Não precisamos de ajuda financeira.
Jack virou-se para ela.
— Mas, Maggie...
— Jack, já tenho minha posição. Pegue seu dinheiro e... — Sarah se levantou.
— Não precisamos falar nisso hoje. Caso seja necessário, poderemos pedir ao juiz para estipular o valor.
— Nenhuma corte irá me dizer que é meu dever sustentar minha filha, Sarah. Decida o que é justo e faremos isso agora. Inclua também plano de saúde e tudo o mais que Faith necessitar.
— Jack, ninguém o está acusando de ser um pai ausente.
— Sei que não é culpa minha, Sarah. Não mais.
— Tudo bem. Eu cuidarei disso. A não ser que tenham algo mais a acrescentar, estamos terminados.
— Foi rápido. — Jack deu de ombros.
— Eu lhe disse que seria. — Sarah sorriu. Maggie se ergueu.          
— Tenho de ir. Obrigada por tudo, Sarah.
— Foi um prazer.
Em segundos, Maggie partiu.
— Que mulher rápida!
— Maggie está apaixonada por você.
Jack levou um susto. Maggie apaixonada por ele? Nunca uma mulher como aquela se apaixonaria por sua pessoa. Não conseguia acreditar.
— Sarah, acho que anda trabalhando demais — brincou.
A advogada o encarou, penetrando em seus sentimentos.
— E posso jurar que você ama Maggie. — Jack gargalhou ao ouvir aquilo.
— Só pode estar maluca!
— De jeito nenhum.
— Isto é parte de seus serviços jurídicos?
— Não, Jack. Só sexto sentido. Aprendi a nunca discordar dele. Meu instinto está dizendo que você e Maggie começaram algo há dez anos que ainda está vivo hoje em dia. São loucos um pelo outro. Nem vou cobrar por esta consulta.
— Por mais que seja verdade... — Jack murmurou.
— Então é verdade?
— Não estou afirmando nada — ele desconversou.
— Por quê?
— Olhe, não quero Maggie comprometida com um sujeito como eu.
— Que tipo de sujeito é você? — Sarah indagou, curiosa.
— Estou longe de ser aquele que Maggie merece.
— Jack, vocês têm uma filha. O que, por sinal, é uma surpresa. Não creio que alguém imaginasse que vocês tiveram algo, no passado.
— Nós nos encontrávamos às escondidas. Os pais dela não aprovavam nosso namoro. E não acho que estavam errados.
— Isso foi há uma década. Vocês cresceram. Fizeram uma filha. Vão ter de interagir. Julgando pelos poucos minutos em que participei, não vai demorar muito e a situação entre vocês vai ficar insustentável.
— Está errada. Sou o pai de Faith. Estou aqui para protegê-la e dar-lhe meu nome. O que é meu será dela um dia.
— Ah, sim... E emocionalmente?
— Não lhe darei as costas. Estarei sempre por perto para apoiá-la. Faith nunca precisará me procurar. Não terá a chance de participar daqueles programas de televisão nos quais crianças procuram pelos pais que a abandonaram. Sarah, já fiz coisas terríveis, dessas que não se falam durante um piquenique ou numa discoteca no sábado à noite.
— Então é um desses veteranos que serviram ao país. Você faz parte dos mocinhos, não dos bandidos.
— Também aprendi a escutar meu instinto. E não é isso o que ele está me dizendo.
— Estou começando a ficar preocupada com você, Jack. Precisa encarar a existência, e não fugir dela.
— Você também está sozinha, Sarah. Observei-a com Grady no rodeio, quando voltei a cidade. Isso sim é que tem futuro.
— Vida amorosa para mim? Não podia estar mais distante da verdade, Jack. Isso está longe de acontecer!
— Zach morreu há muito tempo.
— Isso não tem nada a ver com Zach.
— Não? Então tem a ver com o quê? Tenho certeza de que já teve várias oportunidades.
— Tive minha chance de ser feliz. E no momento, estamos falando de você.
— Não quero falar sobre Maggie.
— Entendo. Mas ficará em Destiny, e precisa acertar alguns detalhes.
— Sim. Tenho pensado nisso. — Arqueou as sobrancelhas. — Reparei que existe uma loja de computadores do outro lado da rua que está à venda. Estive ponderando sobre as possibilidades.
— Soube que é um expert em computadores.
— É só um boato. Aprendi alguns programas no Exército. Quem sabe possa servir para o setor privado?
— Não vejo por que não. — Sarah olhou para os fios soltos no chão, que ligavam seu aparelho. — Tentei ligar tudo e fazer funcionar, mas isso está longe de ser o que preciso. Se você fizer esse trabalho para mim, serei grata até o fim de meus dias. Pode me cobrar pelo serviço.
— Fechado.
— Saiba que há muito trabalho aqui que precisa de sua experiência. Não sou a única que não entende de computadores em Destiny.
— Só preciso de uma base de operações. — Jack olhou por cima do ombro em direção ao estabelecimento, do outro lado da rua.
— Cuidarei das negociações para você, que cuidará de meu sistema de computação.
— Combinado. Obrigado, Sarah.
A advogada olhou pela janela atrás de Jack.
— Aí vem problema...
Jack virou a cadeira e avistou o xerife passar na calçada.
— Interessante definição, Sarah. Se eu não o conhecesse melhor, diria que...
— Pode parar por aí, rapaz. Você não leva o menor jeito para cupido. Eu e Grady não precisamos de um serviço assim.
— Tudo bem. — Jack levantou-se. — Tenho de ir.
— Por que a pressa?
— Preciso conversar com Grady.
— Pensei que tivesse entendido meu aviso para abandonar essa história de casamenteiro.
Jack a fitou, sorridente.
— Quem lhe disse que vou falar de você? Tenho de discutir algo com o xerife que nada tem a ver com amor.
— Certo. Então, está dispensado. — Piscou, marota.
— Obrigada pelos conselhos jurídicos. — Jack se dirigiu à saída,
— E os sentimentais?
— Por favor, não se ofenda, mas esses eu dispenso. Até mais, Sarah.
— Até, Jack.
Assim que deixou o escritório, chamou:
— Grady!
O xerife virou-se e acenou.
— Olá, Jack! — E retornou. — Era justo a pessoa que eu procurava. Vi você e Maggie no escritório de Sarah. Um de meus assistentes contou que a viu saindo, aí achei que você também já tinha partido.
— Fiquei conversando com Sarah.
— Ah...
Jack estudou a reação do amigo. Havia surpresa e descontentamento em seu semblante. Poderia apostar que Grady 0'Connor estava com ciúme dele.
— Estávamos falando sobre a vida amorosa de Sarah.
— Só isso?
— Só. — Jack lutava para esconder seu sorriso irônico. — Ela é quente o suficiente para derreter manteiga, xerife.
— O que quer dizer com isso? — Grady o fuzilou com o olhar.                                                                    
— Nada. Foi só um comentário.
— Espero que sim.
— Se eu não o conhecesse tanto, diria que está enciumado.
— Sarah é apenas uma boa amiga.
— Já que é assim...
— Olhe, Jack, estou com problemas, e Sarah seria uma distração de que não necessito agora. Quero falar com você. Tem um minuto?
— Sim, claro. Andei pesquisando sobre Billy Bob Adams.
— Leu minha mente, homem! Conseguiu algo?
— Temo que não. Tudo o que pesquisei indica que o camarada é um escoteiro. Mas, se não me engano, ele andou se metendo em encrencas quando criança.
— Os pais de Billy Bob sempre escondiam tudo o que o garoto fazia. Acredito que conseguiram arquivar tudo.
— É. Mas isso não inclui nada recente.
— Qual seu plano?
— Enviarei uma foto dele para alguns sites de procurados da internet. Podemos encontrar uma pista.
Grady assentiu.
— Isso chegou a me ocorrer. Pode mesmo fazer?
A preocupação podia ser vista nos vincos do rosto do xerife. O'Connor estava a ponto de perder a guarda de suas lindas gêmeas, a não ser que Jack pudesse ajudá-lo. Imaginar as duas garotinhas sendo arrancadas do pai fez o sangue de Jack gelar. Se alguém tentasse lhe tirar Faith, seria capaz de mover céus e terras para impedir.
— Lógico que posso, Grady.
— Ele é um marginal, Jack. Posso sentir em meus ossos. Assim como o irmão.
— Meus instintos me dizem a mesma coisa. Se estivermos no caminho certo, aposto que vamos encontrar algum rastro.
— Avise-me se achar algo.
— Será o primeiro a saber.
— Obrigado, Jack. Nós nos veremos depois. Preciso correr.
— Posso lhe pagar uma xícara de café?
— Alguém aqui tem de trabalhar! — brincou o xerife, e a tensão diminuiu um pouco. — Tenho uns assuntos a resolver.
— Alguém aqui está procurando trabalho — Jack retrucou.
— Meu tempo está curto. Senão, eu mesmo lhe pagaria um café. — Acenando, o xerife desapareceu dentro da delegacia.
Seria bastante conveniente trabalhar ao lado do escritório de Sarah, Jack pensou.. Talvez pudessem partilhar alguma coisa pessoal.
Olhou para a loja de Maggie, do outro lado da rua. Começava a ser consumido pela culpa, raiva e dor, e ao mesmo tempo julgava-se uma rocha desprovida de tudo.
Recordou Grady e suas filhas. Refletiu sobre o próprio relacionamento com Faith. Jack acabara de conhecê-la, mas seu amor era tão profundo que fazia seu peito se encher de luz. Enquanto respirasse, nada de mal aconteceria a sua menina.
Nem a Maggie.
Todos aqueles anos em que ela manteve Faith em segredo, protegendo-a do mundo, protegendo-a dele próprio... Jack foi tomado por uma compaixão tão intensa que quase o deixou sem ar.
Se apenas pudesse ser o homem que Maggie merecia, um do tipo "até que a morte nos separe"...
Mas não era. E iria causar muita dor a Maggie. Agora era sua vez de cuidar do bem-estar das duas. O melhor era fingir que não se importava com ela. Iria se esforçar ao máximo para seu coração entender a mensagem.


CAPÍTULO XI

Faith estava no treino de beisebol, e Maggie lavava alface para a salada do jantar.
Ao fechar a torneira, escutou um som estranho, parecendo uma melancia explodindo no chão. Várias vezes. Caminhou até a porta e percebeu que o barulho vinha do jardim.
"Jack."
A última vez que o vira foi quando o deixara no escritório de Sarah, aquela manhã. Ou melhor, após abrir a loja, ficou espiando o escritório da advogada e contou os minutos que Jack permaneceu lá.
Sentir ciúme era algo tão mesquinho que Maggie não podia admitir. Mas Maggie fora obrigada a encarar o fato de que morrera de inveja da conversa informal e alegre que pareceram estar tendo.
Jack permaneceu com Sarah até ver Grady 0'Connor se aproximar. Falaram-se durante uns quinze minutos. O tema era importante, a julgar pela linguagem corporal de ambos. Em seguida, Jack entrou em seu carro e deixou o centro da cidade.
O ruído estranho de novo.
Parecia que Jack batia em alguma coisa. Maggie não sabia ao certo se o que a movia era a curiosidade ou uma enorme necessidade de vê-lo.
Abriu a porta e espiou pela cerca. Ao ver o saco de areia, enfim compreendeu o que se passava. Jack vestia uma camiseta branca e uma bermuda cinza. Maggie acenou e se odiou por isso.
Mais uma vez, subiu na árvore e pulou para o jardim dele. Sua escalada foi barulhenta, e mal descera da árvore sentiu as mãos dele segurando seu quadris.
— Quero falar com você, Jack.
— Tudo bem.
Maggie reparou que os dedos dele estavam inchados e vermelhos.
— Brinquedo novo? — Apontou para o saco de areia,
— Uma válvula de escape para o estresse. — Jack a fitou de soslaio. — Todo homem deveria ter um.
— E as mulheres, não?
— Por que estou sentindo que essa é uma pergunta capciosa?
— Porque talvez seja.
— Se responder que sim você irá me acusar de algo que ainda não imaginei. Se disser que não, virá com um discurso feminista.
Maggie cruzou os braços sobre o peito, contendo o riso. A última coisa que queria fazer era sorrir. Um pouco antes, quase espumara de raiva. Agora lutava para manter-se fria. Se não conseguisse proteger-se usando a raiva, nada mais havia a esconder.
— Mulheres são mais capazes que os homens, Jack. Sabia que o Oeste só cresceu depois que as elas chegaram lá? Vocês podem até ser mais fortes e maiores, mas nós...
— Continue, Maggie — instigou-a, sem se incomodar em esconder a satisfação.
— O quê?
— "Mais fortes e maiores, mas nós..."?
— Ah, sim! Vocês têm mais força muscular, mas nós temos mais cérebro. — Alcançou o bíceps de Jack para apertá-lo. Engoliu em seco. — Os homens possuem mais vigor físico, e as mulheres, todo o resto.
— Não emitirei nenhum comentário sobre o que acabou de dizer.
Jack percorreu todas as curvas de Maggie com seu olhar penetrante, iniciando pela cabeça, passando pelo tronco e terminando nas pernas.
De alguma forma, Maggie percebeu que ele tentou evitá-la, mas não conseguiu. Então, não estava assim tão enganada. Jack se sentia atraído, sim. Por que fazia questão de esconder isso?
— Você escalou uma árvore só para me insultar ou tem algo mais específico em mente, Maggie?
— Na realidade, tenho sim.
— Vamos lá, então. — Jack enfiou as mãos nos bolsos e se recostou na cerca.
Maggie respirou fundo, organizando as idéias, tentando colocar uma ordem racional nelas.
— Pode demorar o tempo que quiser, Maggie — ele brincou. Ela o encarou e colocou as mãos nos quadris.
— Tudo bem. Estava pensando num jeito de dourar um pouco a pílula, mas irei direto ao ponto.
— Não esperaria nada diferente.
— Jack, pare de me aborrecer.
— Ora, eu...
— Por que você age de maneira tão contraditória? — Jack semicerrou os olhos.
— Traduza, Maggie.
— Creio que fui bem clara. Na noite passada...
— O quê?
— Você me beijou com vontade. Em seguida, sem maiores explicações, me largou e se foi. O que isso significa, Jack?
Na mesma hora, Jack estufou o peito e desencostou-se da cerca, parando ao lado do saco de areia.
Maggie o seguiu. Suas faces ardiam de tanta humilhação, mas havia começado tudo, e agora não voltaria atrás.
— Não me deixe falando sozinha Jack! Responda! Não sairei daqui enquanto não ouvir uma explicação. Sabe o quanto as pessoas ruivas são valentes. E também perseverantes.
Jack deu meia-volta e encarou-a com o semblante entristecido.
— Vou falar. Gostei de beijá-la, Maggie. Eu te quero. Muito mais do que imagina.
A alma de Maggie absorveu as palavras ditas por ele.
— Então qual é o problema?
— Não sirvo para você.
— Quem é que colocou em sua cabeça que tem o direito de tomar decisões unilaterais?!
— Nossa, como está calor! — Jack procurava desviar o assunto. — Não torne as coisas mais difíceis para mim.
— Por que não? Até conseguir entender, vou dificultar, sim. Só quero que saiba que...
Enquanto Maggie falava, ele tirou a camiseta, fazendo-a emudecer. Não foi o tórax musculoso coberto com uma fina penugem que a silenciou, mas as cicatrizes. Havia muitas.
Logo acima do abdome via-se uma bem grande, como se uma faca o tivesse talhado. Outra marca bem larga podia ser vista em seu ombro, o que parecia ter sido um ferimento à bala. Mas a que vinha logo abaixo do coração fez os pulmões de Maggie pararem de funcionar e suas mãos começarem a suar.
Era medo, por tudo aquilo que Jack havia passado. Medo pelo fato de ele ter chegado tão perto da morte.
Maggie se aproximou e percorreu a grande cicatriz com os dedos.
— Oh, Jack...
Ele alcançou o punho delicado e o segurou.
— Piedade, não, Maggie. Não de você.
— Não é...
— Você está errada. É isso, sim. — E se afastou.
— Por quê?
— Somos muito diferentes.
— Ontem à noite, adorei nossas diferenças. Você é um homem, eu, uma mulher. O resto é química.
— Nada disso tem a ver com química. — Ele apontava a cicatriz do peito.
— Acho que estou mais qualificada que você para esse julgamento.
— Ora, Maggie, sempre acreditou em fantasias e finais felizes, e ainda acredita.
— Por que não deveria? — Ao ver que ele não respondia, ela prosseguiu: — Não sou o que pensa que sou, Jack. Também tenho marcas e fraquezas. Você mesmo admitiu que meu jeito é legendário.
Jack meneou a cabeça.
— Você é luz do sol, um arco-íris. Eu, não. — Maggie soltou uma gargalhada alta, quase histérica.
— Se eu fosse maior, iria chacoalhá-lo até conseguir enfiar algum bom senso na sua cabeça!
— Eu matei pessoas.
Aquela afirmação a paralisou. Maggie nunca conhecera ninguém que tivesse tirado a vida de outrem.
— Mas foi autodefesa, não é? Para salvar outras vidas.
— Nem sempre, Maggie. Afirmar isso seria muito fácil, agora. Presenciei vilarejos sendo destruídos. Filhos sendo arrancados das mães. Cidades inteiras massacradas. Não se passa por tudo isso sem pagar um preço alto.
— Além de proteger-se, o que mais fez de tão ruim?
A dor brotava dos olhos dele. Aquilo aliado à contração de seu maxilar foram os únicos sinais de que Jack a ouvira.
— Não consegui proteger meus homens.
— O que você...
— Foi num exercício de treinamento. Minha tarefa era fazer com que nada desse errado. Planejei tudo, busquei informações, cuidei até dos mínimos detalhes. Não tinha como dar errado.
— Jack, eu não...
As pupilas de Jack faiscavam.
— Houve uma explosão, Maggie. Um homem morreu. Outros dois foram gravemente feridos.
— Há quanto tempo?
Ele passava a mão pela nuca.
— Um pouco antes de vovó morrer.
— Foi um acidente. Era guerra. Essas coisas acontecem com militares.
— Não, Maggie. Há missões em que casualidades podem acontecer, e aí você decide se o objetivo vale o risco. Mas não foi o caso. Era só um exercício. Ninguém deveria se ferir. Mas um homem morreu, e eu nada pude fazer para impedir.
— Não pode se culpar.
— Então, quem é o culpado? Eu estava no comando. Eu deveria ter feito algo para impedir que algo de ruim acontecesse. — Jack sorriu de nervoso. — Irônico, não? Logo eu, que era um adolescente tão rebelde que seus pais nem sequer permitiam que frequentasse sua casa. Nos campos de batalha, encontrei algo em que era muito bom. Servi meu país, e talvez até tivesse sido chamado de herói. Todos poderiam pensar que sirvo para você.
— Mas você é um herói.
— Não sou...
Maggie não deixou que ele continuasse a falar, interrompendo em protesto:
— Tenho minha opinião e gostaria que você não interferisse nela.
— Tudo bem.
Maggie notou que os cantos da boca dele se ergueram um pouco. Bem, talvez estivesse conseguindo algum progresso.
— Você salvou minha filha das garras da morte sem pensar na própria segurança, Jack. E isso foi antes de saber que Faith é também sua filha. É um bom homem, Jack. Um grande homem. Mas não é perfeito. Faz tudo da melhor forma possível, mas há ocasiões em que nem tudo sai como a gente quer.
Jack não respondeu. Apenas soltou um grande suspiro e desviou-se.
Maggie ficou na ponta dos pés, e com ambas as mãos, virou o rosto de Jack, forçando-o a encará-la.
— Tem de se concentrar naquilo que está sob seu controle. Como Faith. Vem tomando medidas para assumir a paternidade dela porque é o certo. Pediu licença para ficar ao lado de Faith.
Muito sério, ele a encarou.
— Minha avó sabia que Faith é minha filha?
— Não. Por quê?
— Porque você me disse que não havia contado a ninguém a esse respeito e estou convencido de que vovó sabia, e por isso deu um jeito de me prender aqui em Destiny. Não contou, mesmo?
— Não.
— E se eu não estiver acreditando nisso?
— Que droga! Posso até concordar com você que Dottie desconfiava sobre Faith. Mas era só um palpite. De mim, ela não ouviu uma só palavra. Sabe bem que sua avó era uma romântica inveterada. Ela nos jogou um para o outro, esperando que a natureza se encarregasse do resto.
Maggie respirou fundo, tentando aliviar a tristeza contida naquelas frases. Esforçando-se para manter o timbre sereno, prosseguiu:
— Nunca contei a ninguém. Deus é testemunha. Desde o momento em que descobri a gravidez, achei importante manter você a salvo de maledicências. Mamãe sempre me perguntava se Faith se parecia com o pai, e eu sempre dizia que sim. No final, disse a eles que o pai era um rapaz que partira para sempre, porque não me queria. Passados alguns anos, eles pararam com as perguntas. Isso é tudo, Jack. Acredite-me, pergunte a meus pais.
— Não é esse o ponto. Acabado de provar o quanto sou um cretino.
Jack também fora vítima do fiasco do exercício de treinamento. Tentava dar as costas para a felicidade só porque acreditava que não merecia ser feliz.
— Está dando murro em ponta de faca, Jack. Não existe nenhum casal que não tenha tido seus desentendimentos, vez ou outra. Temos de nos dar uma chance. É preciso ter um pouco de fé.
— Maggie, você não entende? É isso que estou tentando dizer. Não tenho mais fé.
— Sim, lógico que tem. Ela é nossa filha!
— Sim, mas...
A resposta de Jack foi interrompida pelo barulho do portão sendo aberto. Ambos olharam e viram Faith irrompendo em direção ao jardim. Sem perceber que os pais estavam ali, quase entrou na casa. De repente, estacou, ao vê-los observando-a.
— Por que não está no treino de beisebol? Acabou mais cedo? — Maggie sabia, por instinto, que algo estava errado.
— Não. Eu estava cansada. — Faith deu de ombros.
— Stacey e Kasey também estavam?
— Creio que não. Por quê?
— Porque não acredito que o xerife O'Connor tenha feito uma viagem especial só para trazê-la para casa.
— Como assim, mãe?
— Tínhamos combinado de dividir a carona. Eu levaria vocês três, e ele iria buscá-las.
— Oh!
— Sim, oh! — Maggie se aproximou da filha. — Como veio para casa?
— Andando. — Faith baixou a cabeça.
— Faith Elizabeth Benson... — Maggie olhou para Jack e percebeu que cometera um engano. — Digo, Riley. O que está pensando? Fiz de tudo para que não tivesse de vir a pé. Não a quero andando sozinha pela rua. E o xerife vai ficar muito nervoso se não a encontrar.
Maggie parou de falar, pois percebeu que a estava pressionando demais.
— Como sabia que eu estava aqui?
— Não sabia, mamãe.
— Nossa porta está trancada?
— Não.
— Não entendi então por que veio pra cá.
— Queria falar com meu pai. — Maggie sentiu um nó na garganta.
— Sei... Jack, quer continuar daqui?
Ele analisou Maggie e desejou que aquilo fosse apenas uma mera missão. Nunca se sentira tão desconcertado.
— O que está havendo, Faith?
— É tudo sua culpa, papai.
Os cabelos da nuca de Jack se arrepiaram. O olhar desiludido de sua filha indicava que sua maré de sorte chegara ao fim.
— O que é minha culpa, Faith?
— Tiraram-me do time de beisebol. Fui suspensa. Não jogarei o primeiro jogo, e quem sabe nem outros.
— Por quê?
— Sou a mais rápida do time, pai. A melhor batedora. Ninguém mais bate como eu. E se não conseguirmos? E se o time perder?!
— Faith, eu lhe fiz uma pergunta. Por que foi suspensa?
— Ele me provocou! O miserável Logan Peterson! — gritou, andando para o pátio e jogando-se numa das cadeiras. — Aquele cretino, palhaço! Está sempre implicando comigo.
Jack queria ter dado um jeito naquele delinquentezinho juvenil, mas Maggie o impedira, advertindo-o a deixar Faith cuidar de seus próprios problemas. Que solução ela havia arrumado que a fez ser expulsa do treino?
— Pediu ajuda a alguém mais velho que pudesse resolver a questão, Faith?
— Não.    
— Pode me dizer por quê?
— Não consegui me controlar.
— Faith, você tem de nos contar tudo o que houve. — Maggie exigiu.
A menina a encarou.
— Logan ficou me xingando, como sempre faz. Eu pedi para ele parar. Falei que meu pai não ia gostar daquilo.
— Nisso você está certa. — Jack franziu o cenho. — Creio que vou falar com ele.
— Jack, vamos saber o que houve antes de tomar alguma atitude.
— Tudo bem, Maggie. — Soltou um grande suspiro. — Então, prossiga, Faith.
— Ele disse uma coisa... — A menina olhou para a mãe, em seguida cruzou os braços no colo, enroscando os dedos.
— Sobre você?
— Não, pai.
— Sobre mim?
— Não.  
— Sobre sua mãe?
Faith o fitou, os olhos faiscando.
— Logan falou que meus pais não são casados. Ele chamou minha mãe de um nome muito feio. A mãe dele devia lavar a boca dele com sabão. Logan é um imbecil!
— O que você fez? Se não nos contar, não saberemos como ajudar.
— Já ajudou bastante, papai. Chutei Logan do jeito que vi você fazendo. Aí, acertei um soco em seu nariz, que começou a sangrar, e o cotovelo ficou todo arranhado. Em seguida, fui tirada de perto dele. — Faith tornou a baixar a cabeça, envergonhada. — Não posso voltar lá, não até minha mãe falar com eles.
Jack sentiu como se tivesse levado um soco no peito. Faith copiara seus movimentos? Ela nocauteara o garoto. Estava dividido entre o orgulho e o horror.
O horror ganhou, quando percebeu que ela estava certa. Tudo era sua culpa. Se Faith não o tivesse visto praticar artes marciais, não estaria naquela encrenca. Nunca deveria ter voltado a Destiny. Mais ainda: nunca deveria ter partido.
Deveria ficar, por duas razões. Primeiro: Faith era sua filha, e ele queria ficar lá, por ela. Segundo: estava apaixonado por Maggie.
Maggie caminhou até a cadeira onde Faith estava e se abaixou.
— Filha, já chega. Não deve falar com seu pai desse jeito.
— Por que não? É tudo culpa dele!
— Não foi Jack quem chutou e tirou sangue do nariz de Peterson.
Jack poderia jurar que escutou um pequeno indício de satisfação no tom de voz de Maggie.
— Vocês não entendem...
— Talvez não. Vá para casa e tome um banho para esfriar a cabeça. Em alguns minutos, estarei lá. Preciso conversar com seu pai para decidir o que faremos com você.
— Já vou, mamãe. — Faith levantou-se e olhou para o portão. — Tenho a impressão de que levarei um castigo.
— Veremos, Faith. Agora, vá. — Maggie apontou em direção a casa.
Depois que a menina saiu, Maggie se voltou para Jack.
— O que há de errado? Está planejando dar uma lição naquele pequeno galo de briga que colocou sua filha em apuros?
— Essa é a última coisa que pretendo, Maggie.
— Eu, não. Queria pegar aquele desclassificado pelo colarinho. Pensei em deixá-lo de fora. Afinal, o guerreiro da família é você.
— Uma família não precisa de tantos guerreiros, Maggie. Diga-me, não está zangada?
— Claro que estou! Porém... — Respirou fundo. — Bem, acho melhor ir falar com nossa srta. Dramalhão. Quer me acompanhar?
Jack fez que não.
— Confio em você. Tem feito um grande trabalho com ela. Sem mim.
Maggie tocou-lhe.
— Isso vai passar, Jack. Confie em mim. Se uma criança não o detestar pelo menos uma vez, não estará sendo um bom pai.
— A maioria dos pais não ensina seus filhos a bater em seus amigos.
— Você é dos bons. Será ótimo tê-lo comigo quando eu for falar com o diretor do acampamento.
Quando Jack não respondeu, ela insistiu:
— Jack?
—Faith está a sua espera. Vá logo. Não a force demais. — Maggie começou a se afastar, mas parou.
— Olhe, Jack...
— Vá, Maggie.
Ela assentiu e desapareceu pelo portão. Por isso não ouviu as últimas palavras de Jack:
— Vá logo, antes que eu a segure aqui.


CAPÍTULO XII

Jack largou sua mochila ao lado da porta e passou um longo momento dando a última olhada na sala de estar da casa de sua falecida avó. Depois de despedir-se de Maggie, cairia fora dali.
Virando-se para alcançar a maçaneta, escutou a campainha. Acendeu a luz da entrada e atendeu.
— Maggie? — perguntou, surpreso.
— Olá. Como vi as luzes acesas... Posso entrar ou está muito tarde?
— Estava indo falar com você. Entre.
Jack pôde sentir o aroma de flores de seu perfume quando Maggie cruzou a soleira. Achou melhor manter os dedos entrelaçados, evitando tocá-la. Se o fizesse, jamais conseguiria partir.
Uma triste expressão tomou conta do semblante de Maggie ao olhar ao redor. O grande sofá verde e azul, as almofadas florais combinando com as cores do estampado, adornando cada braço. Uma cadeira e uma mesinha completavam a mobília dando um toque aconchegante ao ambiente.
— Dottie me pediu para ajudá-la com a decoração, pouco antes de falecer.
— Há muitas memórias aqui. Boas e ruins.
— É mesmo. Bem, por que estava indo me procurar?
— Como está Faith?
— Dormindo.
— Ainda não é cedo para ela?
— Pediu-me para dormir mais cedo.
As palavras doíam no coração de Jack, mas controlou-se e continuou:
— Acha que ela estará bem sozinha?
Maggie assentiu, e seus cachos caíram sobre seu rosto. Ela estava linda, o que tornava quase impossível a missão de não tocá-la.
— Deixei um bilhete, para o caso de ela acordar, dizendo que estou aqui. — Maggie olhou pela janela em direção a sua residência. — O quarto dela é aquele.
— Só quero que saiba que sinto muito.
— Foi por isso que vim. Telefonei para o diretor do acampamento, e temos um encontro com ele amanhã, às dez horas, para tentar fazer com que nossa filha volte aos treinos.
Maggie deu uns passos atrás até encostar-se no batente. Fitou o chão e depois direto para Jack. O modo como o encarou pareceu um fuzilamento de raiva e teimosia.
— O que significa isto?!
— É minha mochila.
— Não diga! Por que está aqui... — Tocou-a com o pé. — ...cheia de coisas?
— Estou indo embora, Maggie. Estava indo me despedir de você e de Faith.
Ela cruzou os braços.
— Como sou boba! Achei que quando resolveu reconhecer Faith e comprar uma loja de computadores na cidade...
— Como soube disso?
— Esqueceu-se de que está em Destiny? Ninguém guarda segredos por aqui.
— Você guardou.
— Não estou falando de mim. Achei que estivesse planejando fazer parte da vida de sua filha.
— Você não entende...
— Tente me explicar.
— Não posso ficar para vê-la sofrer. — Passou a mão nos cabelos. — Faith é minha filha, minha menininha. Pais protegem suas menininhas.
— Nossa! Será muito eficiente esse seu modo de vigiá-la a distância!
Jack deveria saber que Maggie não tornaria nada fácil para ele. Talvez se ao menos ela soubesse como se sentia...
— Maggie, apenas a sombra do rostinho dela já acende meus instintos. Agora sou responsável por Faith.
— Parte do papel de um pai é ensinar ao filho sobre ter responsabilidades sobre seus atos. Você está levando a coisa para outro lado, Jack.
— A violência faz parte de mim, e está contaminando Faith. Ela estava me imitando! Como posso ficar e feri-la mais e mais?
— Lições de dor fazem parte da existência humana. Acontecerá a ela, não importa como.
— Não posso permanecer aqui e contribuir para isso.
— Acho ótimo esse jeito de você entrar e sair do caminho dela, Jack. Eu não tive essa sorte. Carreguei-a por nove meses e, quando nasceu, eu era a única pessoa que Faith tinha para lhe dar cuidados. Graças a Deus, meus pais estavam aqui para me apoiar. Não sei o que teria feito sem eles. Fico contente por não ter tido de descobrir. No entanto, uma coisa sempre passou por minha cabeça: preservá-la.
— Lamento...
— Não quero suas desculpas.
Maggie fitou o teto e mordiscou o lábio inferior. Em seguida, olhou direto para Jack. Ele queria se enfiar num buraco, se fosse possível.
— Está achando que é a primeira vez que Faith se mete em encrencas?
— Ela estava bem, até eu aparecer.
Maggie riu, mas não havia nada de humor no seu riso.
— Não é bem assim, Jack. Saiba que, embora tenha aqueles cabelos negros cacheados e aquele jeito de anjinho, puxou meu gênio ruim de ruiva e a rebeldia do pai. Até agora, você só a viu como a menininha do papai. Acabou de concluir sua primeira lição, querido. Boba fui eu, achando que teria apoio pela primeira vez.
— Estou fazendo isso por você, e também por Faith. Foi minha culpa. Ela se feriu. Deveria ter percebido isso e não o fiz. Dá para entender, Maggie? Um tipo de padrão está se formando. Não quero arriscar a vida dela.
— Isto não é o Exército, e você não está no comando. Estamos nisso juntos.
Jack meneou a cabeça.
— Eu tentei. Não funcionou.
— Está fugindo mais uma vez. Não posso dizer que é a segunda, porque você não sabia sobre ela quando partiu, dez anos atrás. Mas fugiu, sim, fugiu para o Exército!
Maggie tinha toda a razão. E agora Jack sabia o porquê. Quando se trata de se relacionar com pessoas, a dor é inevitável. Jack nunca tivera intenção de ferir tanto. Agora era tarde demais. Ele as amava: Maggie e Faith.
Maggie esperou que Jack dissesse alguma coisa. Como ele se calou, engoliu em seco e continuou:
— Faith cometeu um erro. Não você, Jack. Ela imitou o que o viu fazer. Não há nada de errado em aprender autodefesa. Faith precisa de você por perto para ensiná-la a ter disciplina, a controlar seu conhecimento para cuidar de si própria, para ensinar-lhe a viver.
— Um cego guiando outro.
— Acha que não sei o quanto isso é assustador? Você, acima de todos, devia saber quanto medo sentem os heróis. Mas eles encaram o medo a despeito de tudo, e seguem em frente.
— É melhor para ela que eu vá. Creia mim, Maggie.
— Não, mesmo. De jeito nenhum! Eu estava começando a confiar em você. Mas agora entendi tudo. Ao primeiro sinal de complicação, levanta a bandeira branca e foge para as montanhas. É um covarde, Jack Riley, e não merece nenhuma de nós duas! Confiar em você? Nem pensar. Nunca mais!
— Um dia ainda irá me agradecer. Não sou um bom pai, de modo algum.
Maggie endireitou os ombros e descruzou os braços, os punhos cerrados.
— Acha que os pais já nascem sabendo? Paternidade é tentativa e erro. Imagina que nunca cometi enganos? Caso pense que sim, está redondamente enganado.
— Sinto muito que seja assim que enxerga a questão. — Ela arqueou uma sobrancelha.
— Quem iria adivinhar? Você teria dado a vida por seu país. Vi as cicatrizes que provam isso, e seu país o trata como herói.
Jack retraiu-se com aquelas duras palavras.
— Você é que é a verdadeira heroína.
— Não concordo. Apenas desperto todos os dias e faço o melhor que posso. Porque amo Faith mais do que qualquer outra coisa no mundo. Além de você. — Suspirou. — Isso não é só sobre Faith, não é? Acho que seu problema é comigo.
— Do que está falando?
— Sei que não sou mais aquela menina de dez anos atrás. Aquela que arriscou tudo só para ficar a seu lado. A garota que quebrou todas as regras para tê-lo consigo.
— Não foi sua culpa. Eu também tenho minha parcela.
— Se não se importa comigo, seja decente o suficiente para me dizer. Eu me arranjo. Mas não fuja por minha causa.
Maggie o estudou, demonstrando imensa coragem. Uma vez ela o chamara de guerreiro da família. Pois Maggie deveria se olhar no espelho.
Jack jamais a amara tanto como naquele momento.
— Se eu não me importasse com as duas como me importo, não estaria fazendo isso.
Maggie não conseguia mais conter suas emoções.
— Se isso fosse verdade, se acreditasse mesmo no que está dizendo, eu lhe diria que não tem a menor idéia do que é se importar com alguém!
— Desde o início, eu a alertei sobre mim.
— Sou obrigada a concordar que estava certo. Deveria tê-lo escutado. E uma pena se me apaixonei por você há dez anos, e mais ainda por amá-lo agora. Como fui estúpida em deixar que entrasse em nossas vidas!
— Maggie.... — Jack se aproximou dela.
Ela recuou, em seguida o empurrou e alcançou a saída.
— Maggie, espere!
— Nunca mais, Jack. — Girou a maçaneta com fúria e o encarou. — Tem duas opções: ficar ou sumir. Farei o possível para não dar a mínima para sua decisão, seja qual for. Contudo, espero que tome a iniciativa certa, pois não terá outra chance para nos magoar de novo. Já o tirei do caminho uma vez, embora tenha sido muito difícil. E o farei outra vez, se necessário for.
Na manhã seguinte, bem cedo, Maggie arrastou Faith para dentro do carro. "Não olhe para o lado. Não olhe. Não se atreva a olhar", dizia a si mesma.
— O carro de meu pai não está lá.
As palavras da menina tiveram o efeito de um soco. Contrariando sua consciência, Maggie olhou por cima de Faith e procurou algum sinal na residência ao lado.
O automóvel não estava lá, de fato. Como fora tola! No fundo, achou que tinha colocado alguma coisa dentro da cabeça do pai de sua filha. Desde que Jack Riley voltara, encheu-se de esperanças e tentara lhe mostrar que tudo podia ser diferente. Mas isso agora iria mudar.
Jack não acreditava que merecia ser feliz. Agora que se fora, levara junto toda a confiança de que podia mudá-lo, convencê-lo de que era um ser humano normal e que era capaz de perdoar. Jack era um bom homem.
A despeito do que queria sentir, a tristeza a invadiu, dificultando sua respiração.
— Entre logo, Faith. Vamos nos atrasar.
— Não ligo.
— Eu, sim.
Maggie escondeu os olhos inchados de tanto chorar sob as lentes dos óculos escuros e dirigiu até o acampamento.
Maggie tomou a filha pela mão e caminhou pelo campo até chegar à sala do diretor.
Christy, a bela e loira adolescente em seu emprego de verão, ocupava a mesa da secretária.
— Olá, Maggie.
— Olá, Christy. Gostaria de ver o sr. Scott.
Rick Scott também era professor na escola primária onde Faith estudava. Durante o verão, supervisionava o acampamento a fim de aumentar um pouco sua renda pessoal.
— Ele está reunido com uma pessoa, neste momento. — Indicou duas cadeiras na sala de espera. — Sentem-se, por favor.
— Mas eu marquei um encontro. Tenho hora para ir trabalhar.
— Lamento. Um pai apareceu sem avisar. O sr. Scott irá atendê-la em alguns minutos.
Maggie olhou para Faith, e as duas se sentaram.
— Acho que vamos ter de aguardar, Faith.
— Que ótimo...
Antes que Maggie pudesse juntar-se a ela, a porta do escritório se abriu, e o diretor, de pé à soleira, falava com alguém. Maggie não conseguiu ver quem era.
Scott se virou em sua direção, e ela cumprimentou-o com um aceno. Em vez de encontrar um semblante carrancudo, ele estava sorridente.
— Olá, Maggie... Faith. Desculpem-me por fazê-las esperar.
— Tudo bem. Gostaria de lhe pedir para aceitar Faith de volta, para assim eu poder trabalhar.
— Tudo já está esclarecido.
— Como assim, Rick?
— Tudo o que Faith tem a fazer é dizer que sente muito e se desculpar com Logan, e tudo estará perdoado.
Faith se levantou da cadeira e postou-se ao lado da mãe.
— Mas eu não sinto muito. Quer que eu minta?
Com delicadeza, Rick Scott aproximou-se de Faith e a encarou.
— Você e Logan vão se sentar e desculpar um ao outro. E conversarão. Eu serei o mediador. Eu e seu pai decidimos que é a melhor coisa a ser feita.
"Pai?" Maggie virou-se para a sala do diretor e viu Jack.
— Filha, Rick está certo.
Rick? Jack mal conhecera o homem e já o tratava pelo nome? Maggie fumegava por dentro.
O intenso olhar de Jack penetrou Maggie e, em seguida, voltou-se para a filha.
— Concluímos que vocês dois têm pendências a resolver e está na hora de uma solução diplomática.
— Não estou entendendo o que querem com isso — disse Faith com seu jeito teimoso. — Mas, se tiver que beijar Logan Peterson, podem esquecer.
Jack chegou mais perto da filha e abaixou-se, ajoelhando-se.
— Algumas vezes temos de fazer coisas que não queremos. Mas a vida é assim. É melhor ir se acostumando — falou num tom firme que não deixava dúvidas sobre sua autoridade paterna.
— Mas foi Logan quem começou tudo — Faith argumentou, indicando sinais de fraqueza.
Jack assentiu.
— Sei disso. Mas vocês dois terão de acertar as contas por si mesmos. E agora, só usando palavras,
Maggie permaneceu em silêncio total, observando Jack conduzir a situação como um comandante lidando com seu pelotão.
Jack não desistira. O coração de Maggie aliviou-se.
Scott observava a conversa, e resolveu interrompê-los:
— Vamos lá, Faith. Encontraremos Logan e juntos resolveremos tudo, de uma vez por todas.
— Pai? — ela o chamou, implorando por sua ajuda.
— Ande, Faith, resolva logo isso.
— Já vou...
O diretor desapareceu com a menina, e Jack postou-se na frente de Maggie.
— Olá.
— Como vai? — Ela engoliu em seco. — Confesso que estou surpresa. Não esperava vê-lo aqui.
— Ontem à noite, depois de nossa conversa... — Jack soltou um suspiro. — Na realidade, depois de seu monólogo...
— Jack, eu...
Ele ergueu a mão.
— Fiz algumas reflexões, Maggie. Você está certa. Não mereço vocês duas. Cresci num ambiente militar e criei uma armadura para me proteger. Sempre tinha de deixar meus amigos quando meu pai era transferido. Aprendi a manter as pessoas longe de mim, pois sabia que não ficaria muito tempo por perto.
— Deve ter se sentido muito só.
— Pode apostar. Até eu mudar para Destiny. Fiz algumas amizades, como Mitch Rafferty, Dev Hart e o xerife Grady. Isso sem mencionar a ruiva espevitada que estava pronta para me seguir pelo mundo.
— Isso foi há dez anos.
— Mas sempre esteve em meu coração, Maggie. — Jack passava a mão pela nuca.— E vovó sabia disso. Portanto, deu um jeito para eu não fugir, dessa vez.
— Poderia ter ido. Os amantes das pedras de Destiny iriam ficar bem contentes.
— E você?
Depois de tudo o que falara na véspera, ela não mais como negar.
— Eu ficaria bem infeliz.
— Quando voltei para resolver o testamento, não sabia mais quem eu era. Estava em busca do meu próprio eu, de minha alma. Aí, encontrei você e Faith. Vovó sabia que eu estava perdido e que vocês eram meu destino. E deu um jeito para que eu as encontrasse na porta ao lado.
— Gostaria de poder agradecer a GG Dot.
— Digo o mesmo. Mas devo agradecer a você também. Porque eu queria tornar a fugir. E você me fez reencontrar o passado. Mostrou-me que era possível eu me perdoar por meus erros, que ainda era capaz de amar. Estava certa sobre mim. Sou um covarde.
— Oh, Jack, não era essa minha intenção! Eu estava tão zangada!
— Não, está certíssima, Maggie. Porém, o pavor que tenho de passar o resto de meus dias sem vocês foi maior do que o de fracassar.
— Bem, até que você se saiu bem com Rick. — Jack a olhou de soslaio.
— Ontem, quase fui atrás de você para pedir uma nova oportunidade. Em seguida, percebi que as palavras não iriam adiantar. De alguma forma, tinha de lhe provar que estava tentando fazer alguma coisa boa. Aí, decidi procurar Rick. Planejo ficar em Destiny por um longo período.
Maggie achava que ele estava referindo-se apenas à filha.
— Faith ficará muito feliz ao saber disso.
—E você?
— Fico feliz por ela.
— Não é isso o que quero saber. Como está se sentindo sobre nós dois?
— Revelei o que sinto na noite passada, Jack. Agora é sua vez. Caso queira.
— Claro que quero. Eu te amo, Maggie. Sei que estou atrasado dez anos, mas isso quer dizer também que amo dez vezes mais. E preciso de você. De alguma forma, sinto que sabe disso. — A expressão em seus olhos azuis era tão sincera que tocou o coração dela. — Caso não tenha mudado de idéia de ontem para hoje, gostaria de pedir sua mão em casamento.
— Está bem.
— Certo, posso pedir? Ou ok, você aceita?
— Pode pedir, e eu aceito. Você é maravilhoso, Jack, e pretendo passar o resto da vida me esforçando para convencê-lo disso.
— Quer dizer que ainda me ama?
Maggie chegou até Jack e passou os braços por sua cintura, encostando o rosto no peito dele.
— Sim, ainda te amo, Jack. Sempre o amei. Se é que ainda não percebeu...
A ternura do beijo provou o quanto sua afirmação era verdadeira. Jack Riley era passado, presente e futuro. Era seu destino. Maggie o amaria até o fim dos tempos. Fazia uma década que o amava. E agora, enfim, ele aprendera a acreditar.

Fim