Viagem sem Volta - Sara Craven


Júlia coração - 565
Viagem sem volta - Sara Craven
Copyright: Sara Craven
Título original: King of Swords
Publicado originalmente em 1988 pela Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra
Tradução: S. Marques
Copyright para língua portuguesa: 1990
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA



Contracapa:
      Júlia se sentiu renascer nos braços de Alexandros.
“Vou comprar a Mansão Ambermere, e você terá de ser minha”, disse Alexandros, inclinando-se e beijando-a nos lábios. Júlia queria dizer não, tentou resistir, manter os lábios cerrados, mas era uma luta que não podia ganhar. Alexandros, com sua sensualidade, a estava subjugando!
Para obter o que desejava, ele não hesitou em raptá-la e levá-la para uma distante ilha do Pacifico. Prisioneira do amor, Júlia descobriu tarde demais que não conseguiria se livrar daquele grego bela, tirano, mas sedutor!



Digitalização e Revisão: Sandra Araújo



CAPÍTULO I

Na luminosa tarde de junho, Ambermere jamais parecera tão bonita. Para Júlia era a propriedade mais formosa de toda a Inglaterra.
      Parou o carro a beira da estrada e desceu. A brisa suave acariciava seus longos cabelos cor de cobre. Apoiou-se no muro e ficou observando a vegetação exuberante defronte a casa.
      Tudo parecia estranhamente calmo, até deserto, mas ela sabia que a tranqüilidade aparente era só uma fachada. No interior da casa, deveria haver um tumulto de atividades enquanto sua mãe e os empregados terminavam a decoração para a Festa de Verão que aconteceria naquela noite.
      “E eu deveria estar ai, ajudando", pensou Júlia, sentindo-se meio culpada, meio divertida. A festa de Ambermere era um dos eventos mais esperados do ano; uma tradição deliciosa estabelecida há várias gerações.
      Sentiu uma grande satisfação invadi-la. Casas como Ambermere representavam exatamente isso: continuidade e tradição.
      E era o que Júlia pretendia seguir, embora fosse única filha, em vez do tão esperado filho homem.
      Um mês inteiro longe de casa era tempo demais, pensou ela, embora tivesse se divertido muito. Tia Miriam era uma perfeita esposa de diplomata e em sua casa havia festas e jantares quase todas as noites. Alem disso, participara de partidas de tênis, natação e campeonatos de pólo, assim como visitas a concertos e teatros em companhia de jovens educados e atraentes.
      - Mas ninguém que fosse digno de Ambermere – contaria a seu pai dentro em pouco, caçoando.
      Era uma brincadeira que vinha de longa data, desde quando Júlia não era mais que uma criança ao saber que perderia o nome quando se casasse, ficara mortificada.
      - Neste caso, não me casarei jamais - declarara a seus pais, que riram muito na ocasião. - A não ser que encontre alguém com o mesmo sobrenome.
      - Mas você poderia se apaixonar por alguém que se chamasse Smith - sugeria Lydia Kendrick, acariciando o rosto da filha.
      - Neste caso, ele teria de mudar o nome para Kendrick - retrucara Júlia. - Se não o fizesse, não seria digno de Ambermere.
      Durante muito tempo, os três divertiram-se com o episódio, mas Júlia percebera que não estava muito longe da verdade. Ela pretendia viver para sempre em Ambermere, ver os filhos crescerem ali, carregando orgulhosamente seu próprio nome de família. Mas o homem que deveria se submeter docilmente a seus planos continuava a ser a figura abstrata. Os rapazes que a convidavam para sair com tanta freqüência, e que tentavam, em vão, levá-la para cama, estavam longe de ser candidatos que ela considerasse dignos.
      "Talvez eu jamais me case", pensava Júlia. "Talvez eu só administre a propriedade e fique sendo conhecida como uma solteirona excêntrica."
      Quando se preparava para entrar no carro, foi que o viu, um homem, um perfeito desconhecido, cruzando o pátio, onde não tinha o direito de estar.
      Júlia franziu o cenho. Ele era alto, com cabelos negros reluzentes e a pele morena e ela não precisava se esforçar muito para saber de onde ele vinha. Seu pai, muito desprendido, sempre permitira que ciganos acampassem do outro lado do bosque com a condição de que mantivessem o lugar limpo e que não circulassem pela propriedade.
      E, nesse momento, ali estava um deles, passeando como se fosse o proprietário. Bem, ele logo aprenderia sua lição!
      Subiu no muro, colocou dois dedos na boca e assobiou.
      O estranho voltou-se, mas não fez menção de se aproximar. Geralmente, o mesmo grupo de ciganos ia e vinha a cada ano, mas Júlia jamais havia visto este. Era ainda mais moreno do que Loy Pascoe, o chefe do clã que havia entrado em negociações com seu pai. Tinha olhos negros, nariz reto e uma boca bem desenhada. Não era exatamente atraente, mas tinha certo ar senhorial, irritantemente arrogante. Talvez fosse algum parente afastado de Loy que estivesse só de passagem, mas isto não lhe dava o direito de desobedecer ao que havia sido estipulado.
      - O senhor sabe que esta invadindo uma propriedade privada? - perguntou-lhe friamente.
      Ele permaneceu observando-a em silêncio, as mãos na cintura a, mas não se deu ao trabalho de responder. Vestia calça de algodão bege muito bem cortada e camisa de linha, muito elegante. Era óbvio que suas roupas haviam custado caro.
      "O comércio de ferro-velho deve estar em alta", pensou Júlia, cínica. "Esse, com certeza, não era nenhum parente pobre dos Pascoe."
      Imagino que fale inglês, não?
      Houve uma pausa, depois o estranho assentiu com um leve movimento de cabeça, o rosto impassível, sem demonstrar nenhum tipo de emoção.
      - Bem já é algo. Então o senhor sabe o que quero dizer com invasão de propriedade privada, não? Meu pai deu permissão ao seu povo para que acampasse nessas terras sob certas condições. Sugiro que retorne de onde veio e descubra quais são essas condições. E não quero mais vê-lo andando por aqui, entendeu?
      Desceu do muro e entrou no carro, percebendo, furiosa, que ele nem sequer se movera do lugar. Que audácia a dele! Pelo espelhinho, arriscou uma mirada e viu que ele estava rindo dela.
      “Vou até o acampamento e Loy vai ter de escutar algumas verdades”, pensou, furiosa. "Dá-se a mão a esses ciganos e eles querem o braços.”
      Tentou acalmar-se quando percebeu que estava acelerando demais o carro. Afinal, era só um incidente sem importância,  e era ridículo sentir que poderia estragar sua volta a casa. Pois nada faria com que isso acontecesse. Nem agora, nem nunca.
      Ambermere seria dela um dia, e ela cuidaria da propriedade com o carinho que seu pai, uma pessoa encantadora, mas desprovida de responsabilidade, jamais o fizera. Ele insistia em chamá-la de Albatroz e ria da fúria de Júlia. O mês que passara com tia Miriam havia sido um breve intervalo de descanso antes que começasse a trabalhar nos escritórios de Ambermere para aprender a administrar a propriedade. Era isso o que sempre almejara, embora Philip Kendrick acreditasse que ela mudaria de idéia quando tivesse idade para assumir tal responsabilidade.
      - Veremos como você se sentirá a respeito quando completar vinte e um anos - dissera-lhe.
      Mas, para surpresa dele, aos vinte e três, ela continuava firme em seus propósitos.
      E começaria desde já, tratando desse problema dos ciganos, direta e pessoalmente. Se Loy imaginava que seria fácil tratar com ela pelo fato de ser uma mulher, ia ter uma grande surpresa!
      Estacionou o carro e atravessou o bosque a pé. Os trailers estavam estacionados um ao lado do outro, mas parecia não haver ninguém no acampamento, exceto um cão que ladrava insistentemente para Júlia.
      - Quieto, Ben. Sou eu - acalmou-o, batendo a porta do trailer principal.
      A porta se abriu imediatamente, revelando uma senhora de pequena estatura, os cabelos totalmente brancos, vestida com um avental de cores vistosas. Os olhos escuros e grandes  estavam fixos em Júlia.
      - Bem, srta. Júlia, eu estava a sua espera.
      A Vó Pascoe era conhecida por ter poderes extraordinários e fazia um bom dinheiro lendo a sorte nas festas e feiras da região, mas Júlia jamais acreditara nisso; para ela os dotes daquela senhora consistiam em um bom faro para as novidades e uma memória fenomenal. Além disso, todos sabiam que, onde quer que Júlia estivesse, estaria de volta para a Festa de Verão.
      - Como vai, Vó Pascoe. O Loy está ai?
      - Não, ele saiu para tratar de algum negócio. Entre srta, Júlia. A chaleira está no fogo e eu tenho as cartas na mesa para a senhorita.
      Júlia hesitou. Gostaria de uma xícara de chá, mas a última coisa que desejava era que a Vó Pascoe colocasse as cartas do tarô para ela.
      - Realmente, penso que não... - começou, mas logo foi interrompida.
      - A senhorita pode não acreditar, mas há uma mensagem endereçada a você. Eu estava esperando que chegasse, para transmiti-la.
      “E, sem dúvida, receber algum dinheiro por isso", pensou Júlia cética. Entre aborrecida e divertida, seguiu a velha senhora para dentro do trailer e sentou-se defronte a ela. O chá estava demasiado quente e quase negro; ela sorvia goles com cuidado enquanto Vó Pascoe abria as cartas.
      - Há muitas mudanças em sua vida e uma viagem para fora do país.
      - Acabo de voltar dessa viagem - comentou Júlia, com certa impaciência.
      - Esta é outra viagem.
      - Não creio. Dessa vez eu vim para ficar.
      - Vê o que está sobre você? - disse, abrindo uma carta.  O Rei de Espadas! Ele veio para afastá-la de tudo e de todos. Ele é terrivelmente poderoso, o Rei de Espadas. Você não pode lutar contra ele, embora possa tentar.
      - Pode estar certa de que o farei - disse Júlia, seca. – A senhora pode me dizer como ele e para que eu possa evitá-lo?
      - Ele está tão perto que quase pode tocá-lo – sussurrou a velhinha.- E você não pode fugir do seu destino.
      Sem querer, Júlia sentiu um frio percorrer-lhe a espinha, enquanto Vó Pascoe virava a última carta.
      - Veja! A Torre atingida por um raio! Seu mundo virado de cabeça para baixo, sem dúvida.
      Júlia não despregava os olhos das cartas. Desejava nesse momenta deixar o problema do intruso para que seu pai resolvesse. Mas foi só por um momento. Ela jamais se deixara levar pelas bobagens da Vó Pascoe e não seria agora que iria começar.
      Bebeu o restante do chá de um só gole e levantou-se.
      - Bem, a previsão do tempo nada disse sobre tempestades. Vou me arriscar - comentou com certa rispidez.
      Começou a abrir a bolsa, mas a velhinha a impediu.
      - Entre nós não há necessidade de dinheiro, srta. Júlia. Já lhe transmiti o aviso; não há mais nada que eu possa fazer. Você e uma moça orgulhosa, e sem dúvida muito decida. Mas seu orgulho será derrotado. Esta tudo nas cartas. Agora, fuja para casa e dance em sua festa, enquanto ainda puder.
      Júlia quase tropeçou nos degraus do trailer e parou, o coração em disparada. Deveria haver alguma lei contra as previsões sombrias de Vó Pascoe. Havia sido muito diferente das previsões que ela costumava fazer sobre maridos atraentes e números premiados da loteria.
     
      Sentou-se no carro, esperando que seu pulso se normalizasse e censurando-se por ter sido tão tola. Ela nem ao menos deixara um recado para Loy sobre o intruso. Bem, isso teria de esperar, pois de modo algum pretendia voltar.
      O pátio atrás da casa, onde se situavam os antigos estábulos e as garagens, estava lotado de carros, dentre eles peruas da floricultura e do bufe. A casa estava com aquela atmosfera de tumulto e de quase pânico comum a todos os anos no dia da festa. Mas, invariavelmente, tudo corria perfeitamente bem. Neste ano, ate o tempo parecia estar colaborando.
      Encontrou a mãe na espaçosa sala de estar, rodeada de papeis. Lady Kendrick levantou a cabeça quando percebeu que Júlia caminhava em sua direção, o rosto abrindo-se em  um sorriso.
      - Querida, finalmente! - saudou-a, abraçando-a carinhosamente. - Mas você se atrasou tanto! Eu estava começando a ficar preocupada.
      - Tive de dar uma parada antes de chegar - comentou casualmente.
      Por algum tempo, ficou observando a mãe. Será que essas rugas de preocupação em volta da boca e dos olhos estavam ali antes da partida de Júlia? Se assim fosse, talvez essas poucas semanas tivessem sido positivas no sentido de ensiná-la a observar melhor sua própria mãe. Lydia Kendrick sempre fora um mulher sensível e nervosa e os problemas surgidos da vida em comum com seu adorável, mas irresponsável pai, não a favoreciam em nada.
      - Esta tudo bem? - quis saber Júlia, ansiosa.
      - Vai tudo bem, e melhor ainda agora que você esta de volta, querida. Mal posso esperar para ouvir todas as novidades sobre Miriam e a sua viagem. Mas ainda há tanto o que fazer!
      - Vou subir e desfazer as malas e, em poucos minutos, já estarei volta para ajudá-la, esta bem? Onde está papai?
      - Está bastante ocupado. O Sr. Poulton chegou bem cedo, esta manhã. Ficaram trancados no escritório o dia todo.
      - Não é  muito gentil da parte de Polly - comentou Júlia, preocupada, usando o apelido que sir Philip dera ao advogado da família. - Normalmente, ele não viria incomodar o papai com problemas ou reuniões de negócios no dia da festa de Verão. Tem certeza de que não há nada errado?
      - É claro que não - assegurou-lhe Lydia, desviando os olho. - É só rotina. Provavelmente, Polly pensou que tomaria muito menos tempo.
“Há algo errado”, pensou Júlia, enquanto desfazia as mala. Não era só o tumulto dos preparativos para a festa. Era alguma corrente sombria que minava a superfície tranqüila e familiar de Ambermere. Desde o momento em que ela vira aquele homem, o intruso caminhando pelo gramado, o dia dela parecera-lhe estragado, sua volta estranhamente sombria.
      “Ju, você está ficando maluca", censurou-se, enquanto desembrulhava o vestido que pretendia usar na festa. Tia Miriam ajudara-a a escolhê-lo; era simples sofisticado e bem cortado. Júlia jamais usara esse tom de azul tão escuro, mas tinha de admitir que tia Miriam estava certa quando dissera que ele deixava seus olhos da cor de safira. No passado, ela sempre escolhera roupas juvenis, leves e rodadas, em tom pastel. Esse modelo, elegante e sofisticado, serviria para provar que Júlia Kendrick não era mais uma criança, mas sim uma mulher pronta para seguir o rumo de vida que ela própria traçara par si.
      Sentou-se em frente ao espelho, levantando os cabelos, estudando o rosto. A leve batida à porta assustou-a, fazendo com que se sentisse culpada diante de sua mãe.
      - Você estava esperando por mim? - desculpou-se Júlia. - Mais alguns minutos e estarei pronta para ajudá-la.
      - Não, não e isso, meu bem. Tudo esta correndo perfeitamente bem; aliás, como não poderia deixar de ser, após todos estes anos - assegurou-lhe, Lydia, a voz trêmula. -
Ju, querida, eu não deveria estar aqui falando com você. Seu pai disse-me para contar depois da festa, para não estragar as coisas no dia de sua chegada, mas eu simplesmente não posso ...
      Júlia envolveu a mãe com um braço e levou-a até uma poltrona perto da janela.
      - O que foi, mamãe? É o papai que tem desperdiçado dinheiro apoiando projetos lunáticos outra vez? E por isso que Polly está aqui, para lhe passar outro sabão?
      Lydia não conseguiu reprimir um soluço que lhe apertava a garganta.
      - É pior que isso, filha. Muito pior. Não sei como lhe dizer... Ju, seu pai esta sendo obrigado a vender a casa.
      Júlia sentiu como se lhe faltasse o ar. Apesar disso, manteve o sangue-frio.
      - Isso é alguma horrível brincadeira? Porque se for, não estou achando a menor graça...
      - Você acha que eu brincaria com algo tão serio? Vou lhe contar tudo, meu bem. Ambermere deve ser vendida. E por isso que o sr. Poulton esta aqui. Ele tem vindo todos os dias durante as duas ultimas semanas. Seu pai sofreu uma serie de reveses financeiros. A aquisição da Companhia Mullion; houve boatos sobre a divulgação de informações confidenciais; ele teve de pedir demissão da diretoria, embora jure que não teve nada com isso. E não é tudo. Há algum tempo atrás, seu pai alterou uma série de investimentos, pois acreditava que os rendimentos estavam muitos baixos. Alguns dos novos investimentos eram de alto risco, mas ele pensou que valia a pena arriscar. Perdemos muito, demasiado. Foi um verdadeiro desastre. Somos obrigados a vender Ambermere, Ju, porque não temos mais condições de sustentar a casa. A festa desta noite será a última que daremos.
      I,ydia começou a chorar, a garganta apertada  pelos soluços. Júlia continuou abraçando-a sentindo-se gelada por dentro.
      “Vale a pena arriscar", pensou. Durante toda a vida, seu pai havia sido um jogador, preferindo viver a vida por um fio. Anos atrás, houve épocas em que as apostas e perdas no bacará tinham sido astronômicas. Júlia ainda se lembrava de cenas de choro e arrependimento que, na época, não podia entender.
      Mais tarde, haviam-lhe explicado que os rendimentos deles eram adequados, desde que vivessem sem luxo. Mas não era o estilo de vida de Philip Kendrick. A vida no campo entediava-o e estava sempre em busca de uma fórmula mágica que lhe trouxesse de volta as grandes fortunas da família da época anterior a guerra. Era como uma criança em  aventura, mas, dessa vez, a brincadeira iria custar caro.
      - Por que Polly permitiu que ele se envolvesse em tal aventura? - perguntou Júlia.
      - Ele não contou nada a ninguém até que fosse tarde demais. Seu pais estava seguindo os conselhos de um certo americano que conhecera em Monte Carlo; um gênio das finanças. Parece que esse indivíduo acaba de ser acusado de fraude em Nova York.
      - Papai não esta envolvido nisso, está? desesperou-se Júlia.
      - Oh, não, não. Querida, sei como você deve estar se sentindo, mas seu pai fez isso com a melhor das intenções. Os custos de manutenção de uma casa como essa, uma propriedade como Ambermere, são altos. Ele queria que você tivesse uma herança decente sem ter de contar os centavos durante toda a vida.
      - Por que você não me falou antes? - quis saber Júlia, sentindo-se esgotada. - Por que não me mandou chamar na casa de tia Miriam?
      - Queríamos que você se divertisse. E não havia mais nada que pudesse ser feito.
      - Deve haver algo. Não vou permitir que Ambermere se perca tão facilmente. Talvez ninguém queira comprar a Albatroz. - Júlia tentou sorrir. - As pessoas que conhecemos não tem tanto dinheiro assim.
      - Nos dias de hoje, querida, propriedades como esta são vendidas mais para estrangeiros. E o Sr. Poulton encontrou um possível comprador.
      - Um estrangeiro? – horrorizou-se Júlia. - Que não seja algum príncipe árabe. Não posso acreditar...
      - Não é exatamente um príncipe árabe. Na verdade, eu quase preferiria que fosse... - confessou Lydia, enrubescendo. - Esse homem é grego. É o que chamam de magnata. O nome dele é Alexandros Constantis.
      - Constantis? - surpreendeu-se Júlia. - Já ouvi esse nome. Ele é parente de Paul Constantis?
      - Não saberia dizer - disse Lydia, desgostosa. - O que eu soube de seus antecedentes já é suficientemente ruim. Não tenho a menor vontade de pesquisar sobre sua família. Se bem que eles não tem muito haver com ele.
      - Então deve ser ele mesmo - disse Júlia, recordando-se. - Jantei algumas vezes com Paul Constantis. Ele é bastante simpático. Tem algum cargo na Embaixada da Grécia e costumava gracejar dizendo que a natureza queria que ele fosse milionário, mas o destino, na figura de seu primo Alex, impediu que isso acontecesse.
      - Pobre rapaz! Imagino que seja tudo verdade. Você era ainda uma criança para se lembrar do escândalo, é claro. George Constantis era um homem extremamente rico, cuja enorme fortuna era bancos e propriedades estava espalhada por todo o Mediterrâneo. Era viúvo e sem filhos e suas propriedades deveriam ir para sua única irmã e os sobrinhos. Então, de repente, em seu leito de morte, resolveu que tinha um filho ilegítimo e que havia deixado todo seu império para ele. E claro que a família não objetaria se ele deixa-se algo para o rapaz, mas ter-se esse estranho, de quem ninguém jamais ouvira falar, subitamente colocado à frente de toda a família era mais do que poderiam suportar. Ele não era um garoto; na época, já era um adulto. Dizia-se que havia crescido em um tipo de favela, na mais completa pobreza, e que mal sabia ler e escrever. Parece que havia certo mistério em relação à mãe dele: alguma pobre camponesa que o velho George havia seduzido.
      - É óbvio que tentaram lutar - seguiu Lydia. – Tentaram provar que o rapaz não era filho de George; insistiram em fazer exames de sangue, mas os resultados foram inconclusivos; tentaram então provar que o rapaz havia ludibriado o velho enquanto este estava em seu leito de morte. Foi uma cause célebre. Mas perderam e ele ficou com tudo.
      E agora estava tentando roubar Ambermere de Júlia. Mas ele não iria conseguir; não alguém como ele.
      - “Um bárbaro grosseiro”, era assim que Paul Constantis o definira. Pois muito bem, ele não iria por suas mãos de pôr suas mãos de vândalo na casa dela, se Júlia pudesse impedir!
      Pôs-se de pé tentando manter a calma.
      - Vou descer e falar com papai. Deve haver algo que possamos fazer. Será que não existem outros interessados, além desse Constantis?
      - Parece que ele fez uma excelente oferta - retorquiu Lydia. – Ele tem muitos negócios aqui e esta querendo comprar uma casa para que possa receber e retribuir os convites.
      - Noites de bouzouki e quebras de pratos, sem dúvida - disse Júlia, com desprezo. - Isso é o que veremos!
      Júlia atravessou rapidamente o corredor, descendo pelas escadarias, a mão no corrimão, como sempre fizera e como sempre faria. Ambermere deveria ser salva a qualquer preço, custasse o que custasse.
      Quando chegou no último degrau da escada, a porta do escritório se abriu e ela confrontou-se com seu pai e Polly. Sir Philip tinha um ar cansado e desalinhado e, apesar da amargura, Júlia sentiu-se invadida por uma onda de ternura.
      Ele a viu e tentou sorrir.
      - Ju, meu bem, ninguém me disse que você já havia chegado. Que maravilha!
      - Papai, por favor! Diga-me que não é verdade. Jure-me que não vendeu Ambermere para esse horrível camponês grego!
      Ela escutou Gordon Poulton engasgar-se e viu o rosto de seu pai transformar-se, revelando profunda irritação. Atrás deles, da parte escura do escritório, surgiu uma terceira figura que se aproximou lentamente do grupo.
      Júlia sentiu como se um punho estivesse apertando sua garganta. Reconheceu-o de imediato, e claro. Era o intruso que havia visto no pátio e que pensara ser um cigano.
      Não é para menos que ele rira dela! Só que desta vez ele não estava rindo, longe disso. Quando o olhar dele percorreu-a dos  pés a cabeça, Júlia sentiu como se fosse incendiada até os ossos por uma horrível e apavorante labareda.
      Quase levantou os braços para se proteger.
      A Torre atingida por um raio, lembrou-se de algum recôndido de sua mente, e o Rei de Espadas aproximando-se para destruir seu orgulho e separá-la de tudo o que amava.
     
CAPÍTULO II
     
      Júlia observava-se criticamente ao espelho. O vestido cor de safira caia-lhe maravilhosamente bem.
      Ela parecia elegante, sofisticada e aristocrática, como aliás deveria ser a filha dos senhores daquela casa, pensou com amargura. No entanto, só participaria da festa sob protestos e após a discussão mais violenta que já tivera com seu pai. Só de lembrar-se, fazia com que estremecesse.
      - Como se atreve, Júlia! - repreendera-a sir Philip duramente, quando se encontraram a sós. - Pensei que sua estadia com Miriam tivesse curado você dessa sua tendência a ser impulsiva e inoportuna. Não percebe que, como nada ainda foi assinado, você poderia ter prejudicado todas as negociações pela sua insolência?
      - Se assim for, ficarei muita satisfeita – desafiara-o. – Papai, você não pode vender Ambermere para um homem daquele tipo! Deve haver alguma outra saída.
      - Se houvesse, Júlia, eu certamente já teria encontrado – retorquira ele, seco. - Você é uma criança, uma criança mimada. Eu errei muito pensando que estaria contribuindo para sua formação, tentando protegê-la de certas realidades da vida.
      - Você quer dizer que me protegeu dos Alex Constantis que existem por ai? Pois fico muito feliz por você haver feito isso. Ele não poderá ter Ambermere, de modo algum!
      - Não só ele pode, como espero ardentemente que o faça. E quanto a senhorita, não fará nem dirá nada que possa colocar em risco a venda.
      - Bem, quanto a isso, não precisa se preocupar. Vou fazer de tudo para que nossos caminhos jamais voltem a se cruzar!
      - Na verdade, você o verá outra vez nesta noite - assegurara-lhe sir Philip, seco. - Ele jantara conosco e ficara para a festa.
      - Você não pode tê-lo convidado! - desesperara-se Júlia. - Não alguém como ele! Nossos amigos pensarão que gostamos desse tipo de gente, que estamos promovendo-o de alguma forma.
      - E por que não estaríamos? - reagira sir Philip, com um murro na mesa. - Meu Deus, Júlia. Onde foi que você aprendeu a ser uma esnobe tão desagradável? Pode ser que Alex Constantis tenha herdado dinheiro, no começo de sua vida, mas ele fez uma fortuna por sua própria conta desde que assumiu o império do pai. E, no mundo de hoje, é o dinheiro que conta, minha querida, como você logo descobrira. Até agora, ele tem sido razoável nas negociações. Só espero que você não tenha estragado tudo com suas tolices.  Ele tem a reputação de ser um negociador muito difícil.
      - Por ser um bastardo! - atirara-lhe Júlia. - É exatamente o que ele é.
      - E por que nós deveríamos ser tão moralistas e superiores sobre tal fato? - perguntara sir Philip. - Se a primeira Júlia Kendrick não tivesse atraído a atenção do príncipe regente, então nós jamais teríamos Ambermere. Talvez seja muito bom que você não se esqueça desse pequeno detalhe. E quero que se lembre também, Ju, que esta noite exijo que se porte educadamente com Alex Constantis, começando com um pedido de desculpas.
      - Você quer também que eu me ajoelhe aos pés dele? E assim continuara a discussão, cada vez mais dura, com recriminações de ambas as partes, até que, finalmente, chegaram a uma espécie de trégua armada. Júlia não teria de se desculpar explicitamente, mas também não poderia fingir estar com dor de cabeça e não participar da festa. E deveria ser gentil com Alex Constantis.
      - Eu sei que é uma situação extremamente difícil para você, meu bem – falara com doçura seu pai, antes que subisse para se troar. – Mas ainda somos uma família e é isso o que realmente importa. Tijolos e paredes, por mais históricos que sejam, não podem ser tão importantes assim.
      O problema era, pensou Júlia, desanimada, que seu pai tinha certa razão. Ela havia se portado de maneira absurdamente rude em relação a Alex Constantis. Mas como poderia ela adivinhar que ele estava escondido atrás da porta, pronto para surgir no momento errado! E se ela soubesse, será que teria agido de modo diferente? Disso ela tinha sérias dúvidas.
      E em relação à rudeza, os dois estavam empatados. Ele a havia ignorado completamente depois que seu pai, muito sem jeito, tentara apresentá-los; dirigira-se a sir Philip lembrando-o do compromisso que tinham para visitar o centro agropecuário e saiu sem ao menos dirigir-lhe um único olhar.
      Não havia nenhuma dúvida de que a noite seria um martírio para ela. Seu pai havia deixado muito claro que pretendia apresentar Alex Constantis aos amigos e vizinhos como o futuro proprietário de Ambermere, e Júlia não estava segura de poder suportar isso.
      Ela quase desistira de pôr o vestido novo, pois de que valia estar bonita? A festa  deixara de ter qualquer sentido para ela.
      Mas o orgulho foi forte. Não permitiria que ninguém, mas ninguém mesmo, percebesse o desprezo e ressentimento que sentia por Alex Constantis. Sabia que haveria muitos pares de olhos fixos nela, buscando sinais de tristeza. Seu amigos entenderiam e estariam prontos a ajudar, mas outros na vizinhança, que estavam havia anos fazendo profecias de desastre e falência da família, estariam bem satisfeitos.
      E agora o desastre caía sobre eles na forma desse camponês grego novo-rico.
      - Paul Constantis comentara sobre a perda da fortuna como se não desse grande importância à súbita mudança em  sua vida, mas Júlia sentira que havia grande amargura escondida. Só agora ela entendia. Alex Constantis ia usurpar sua própria casa, como havia feito com a fortuna dos Constantis.
      - “Tijolos e paredes não são importantes", dissera sir Philip. Talvez para ele não!
      Júlia sabia que nas redondezas todos comentavam o grande amor que ela nutria por Ambermere. Podia imaginar como todos ficariam chocados em saber que essa seria a última Festa de Verão. No entanto, ela não iria permitir que ninguém se apiedasse ou risse dela. Colocou um pouco de perfume e, com a cabeça erguida, desceu.
      Como ainda era bastante cedo, os convidados para o jantar ainda não deveriam ter chegado; Júlia esperava ter a sala de estar só para si por alguns momentos.
      No entanto, para seu horror, Alex Constantis já estava lá, de pé olhando o enorme retrato da primeira Júlia Kendrick, sobre a lareira. Júlia jamais gostara da história de como família adquirira a propriedade. Sempre se sentira um tanto constrangida pelo lugar de honra dado a uma mulher que traíra em nenhuma vergonha o marido e se portara como uma prostituta. Odiava a tradição familiar de se levantar um brinde aquela mulher na Festa de Verão. Mas talvez, devido às circunstâncias, deixassem de lado tal ritual neste ano.
      Hesitou diante da porta, pensando se teria tempo de escapulir antes que a visse, mas, como se ele adivinhasse, disse sem se voltasse.
      - Entre, thespinis, e fala-me sobre sua antepassada. Júlia entrou, sentindo-se muito inconfortável.
      E não tente negar o parentesco. Os traços familiares estão presentes no retrato e também na cor dos cabelos.
      Voltou-se olho-a sem pudor dos pés à cabeça.
      - E também o fato de que as duas usam tão pouca roupa – acrescentou Alex, cínico
      Júlia enrubesceu violentamente. O modelo do vestido exigia que quase não usasse roupa íntima, mas o fato de que o estranho não só tivesse se dado conta mas ainda comentado deixava-a enfurecida.
      Por outro lado, ela deveria confessar que ele tinha uma voz bonita, grave e ressonante, sem nenhum sotaque.
      - Como o senhor é um estranho em nosso país, Sr. Constantis, devo previni-lo de que comentários machistas não são bem-vindos em nossa sociedade – replicou fria.
      - Machista? – repetiu ele, fingindo-se surpreso. – No entanto, nascemos homens ou mulheres, thespinis. Não existe neutralidade na raça humana, e se essa raça tem algum futuro em nosso planeta, é porque os homens ainda podem dizer a uma mulher que a acham atraente.
      Júlia enrubesceu mais ainda. Será que ele estava querendo dizer... Não, claro que não. Só estava tentando se vingar dela.
      - O senhor estava perguntando sobre o retrato, não? A foto é da mulher do primeiro baronete e chamava-se Júlia.
      - Como você, não?
      - Sim
      - Ela era muito bonita – comentou ele, voltando-se para o quadro. – Possuir tal beleza seria um raro privilégio.
      - Sinto, mas o retrato não está a venda, Sr. Constantis. O senhor está comprando uma casa e não a história da família.
      - Não tenho interesse no passado, thespinis – disse ele em voz baixa -, só no presente e no futuro. Além do mais, não está decidido ainda se vou comprar Ambermere.
      - Se o senhor está pensando em mudar de idéia por minhas palavras de hoje à tarde, então, sinto muito.
- Sente mesmo?- disse Alex no mesmo tom.
Júlia sentiu um tom velado de ameaça na voz dele.
“Estou sendo ridícula”, pensou, descartando a idéia.
- Acho que deveríamos estabelecer uma trégua. O senhor gostaria de tomar algo?
      - Gostaria sim, obrigado. Vocês tem bourbon?
      - Claro, é a bebida preferida de meu pai.
Júlia serviu a bebida da mesa lateral, furiosa consigo mesma ao ver como as mãos estavam trêmulas.
      "Vamos, Ju, controle-se", murmurou para si mesma. Tinha a sensação de que ele havia percebido seu nervosismo e estava se divertindo a sua custa.
      - Você não me acompanha? - perguntou-lhe, quando ela lhe entregou o copo.
      - A noite será longa - desculpou-se ela.
      - Neste caso, viassou - brindou ele. - Então, conte-me mais sobre sua antepassada. Ela foi amante do príncipe de Gales, não é mesmo?
      - O senhor parece estar muito bem informado.
      - Há uma pequena livraria perto do hotel onde estou hospedado na cidade. Comprei um pequeno guia local e foi nele que li sobre o assunto.
      - O que mais o senhor deseja saber?
      - O marido dela, o primeiro baronete. Que tipo de homem era ele?
      - Freqüentava o círculo do príncipe - contou Júlia, relutante. - Mas não era amigo muito intimo. Era um jogador.
      - Ah, então e daí que vem a tendência. Ele tinha tão pouca sorte quanto seu pai?
      Júlia indignou-se, aborrecida com o tom de crítica em sua voz.
      - Penso que não é um assumo que gostaria de discutir com o senhor.
      - E, no entanto, tem muita importância. Se seu pai tivesse mais sorte em suas especulações financeiras, então sua casa não estaria a venda e não estaríamos juntos nesta noite.
      - Não me recorde, por favor - cortou-o.
      - Nossa trégua não durou muito, thespinis. Mas não importa. Meus instintos me dizem que será muito mais interessante fazer a guerra com você do que a paz.
      - E, logicamente, seus instintos estão sempre corretos - ironizou Júlia.
      - No que se refere a mulheres, sempre! – comentou ele, sorrindo. - Outro comentário machista!
      - Poderíamos mudar de assunto, por favor?
      - Claro que sim. Vamos falar sobre o tempo.Ou então sobre como você se vê linda neste vestido e quanto eu daria para vê-la sem ele?
      Júlia sentiu raiva e vergonha; era como se ele a estivesse despindo com os olhos. Se ela tivesse um copo na mão, não hesitaria em atirar-lhe o conteúdo naquele rosto arrogante. Queria responder, agredi-lo. Era muito o que ele lhe estava cobrando por havê-lo chamado de camponês.
      - O senhor me daria Ambermere, sr. Constantis? – riu ela.
      A pergunta, sem dúvida, havia-o tomado de surpresa.
      - Não - respondeu, o cenho franzido.
      - Neste caso, não há acordo - disse ela, dando de ombros. – O senhor terá de se conformar.
      O sorriso dele espalhou-se por todo o rosto.
      - Não conte com isso, srta.Kendrick.
      Por longo tempo, os olhos dele se fixaram nos dela. Júlia sentiu-se  subitamente aterrorizada, consciente de que não podia se mover e nem falar e que sua pulsação disparara.
      Queria disser "não" para assegurar sua rejeição, o horror que ele  lhe causava, mas sua garganta não lhe obedecia.
Foram vozes e ruídos de passos que finalmente quebraram o feitiço. Júlia sentia-se gelada.
      Enquanto Alex Constantis se voltava para cumprimentar seus pais, ela atravessou a sala, olhando fixamente para a lareira, tentando se acalmar.
      Lydia Kendrick foi afável com seu convidado indesejado, mas muito diferente da habitual gentileza com que tratava os amigos. Júlia percebeu que ela também estava sob as ordens do pai.
Sir Philip parecia o mesmo, exuberante e conversador, tratando Alex como se fosse um velho e querido amigo, mas Júlia podia perceber as linhas de tensão em seu rosto.
Parecia um pesadelo.
      Pensou que o ambiente se desanuviaria quando chegassem os outros convidados, mas entre os primeiros chegaram os Bosworth, e Vivy Bosworth logo arrastou Júlia para a saleta.
      - Ju, tenho ouvido os mais disparatados comentários por ai. As pessoas estão dizendo que seu pai vendeu a propriedade para algum grego milionário. Não pode ser verdade, não?
      - Nós certamente esperamos que o negócio se faça - disse Júlia, corajosa.
      - Ah, não tente me enganar, Júlia Kendrick. Nós nos conhecemos bem demais para isso. Eu sei que você preferiria perder o braço direito a essa casa.
      O sorriso de Júlia desapareceu por completo.
      - Oh, Vivy, a casa será vendida de qualquer modo, mas sinceramente não sei se Alex Constantis ira ou não comprá-la. - Engoliu em seco. - O que sei é que preferiria ver a casa incendiada e destruída a estar nas mãos daquele homem. É o tipo mais odioso que encontrei durante toda minha vida!
      - Ju, querida, nenhum homem com todo esse dinheiro pode ser odioso. - Vivy passou-lhe o braço pelos ombros. - Não há nada que eu possa dizer para fazer com que você se sinta melhor, mas quero previni-la. Minha madrasta está com o diabo no corpo, hoje. Durante todo o caminho para cá ela sorria e isso é sempre um mal sinal.
      Júlia recebeu a notícia com uma careta de desanimo. A primeira mulher de Gerald Bosworth fora uma pessoa encantadora e doce, muito popular, e sua morte, depois de longa enfermidade, causara grande consternação. Todos pensavam que Gerald, depois de haver cuidado dela durante tanto tempo com tanta devoção, deveria se casar outra vez; no entanto ninguém, muito menos Vivy e seu irmão Alastair, esperavam que ele se casasse tão depressa e com uma ex-atriz. No principio, Tricia encantara a todos com sua beleza, mas logo deram conta de sua perversidade e malevolência. Apesar disso, por ser a mulher de Gerald, não podiam deixar de convidá-la para todos os acontecimentos sociais da comunidade.
      Tricia sempre elogiara a beleza de Ambermere e sua história, mas não derramaria uma só lágrima pelo infortúnio dos Kendrick. A idéia de agüentar seus comentários venenosos durante o jantar era insuportável.
      O que mais poderia sair errado? Como era possível que em poucas horas a vida de uma pessoa fosse tão radicalmente alterada?
      - Anime-se - confortou-a Vivy. - Talvez ela engasgue com uma espinha de peixe e morra antes de começar a destilar seu veneno.
      - Não poderíamos conseguir duas espinhas? - tentou gracejar Júlia.
      - Jamais assassine um milionário, a menos que você esteja no seu testamento -aconselhou Vivy, solene. – Como é ele? Velho, gordo, repulsivo?
      Não. É atraente, para quem gosta desse tipo de homem.
      - Tenho certeza de que eu aprenderia a gostar – brincou Vivy. - Vamos, leve-me ate ele.
      Assim que Júlia levou-a até a sala de estar, Vivy deu um assobio.
      - Atraente? Meu Deus, Ju, ele é maravilhoso!
      Júlia foi obrigada a admitir que Vivy tinha certa razão. Com as esportes que ele usava a tarde, quando ela o havia visto pela primeira vez, estava bastante atraente. Agora, vestido com um smoking perfeitamente bem cortado, Alex Constantis possuía uma presença carismática que estava chamando a atenção de todas as mulheres na sala.
      Para sua tristeza, Júlia ocupava um lugar a mesa, bem defronte a ele, e, por mais que estivesse todo o tempo conversando com seus vizinhos, sentia que ele a observava por entre o arranjo de flores e as velas.
      Tricia Bosworth inclinou-se levemente para frente.
      - Então o senhor será o novo proprietário de Ambermere – comentou, malévola. - Diga-nos sr. Constantis, Júlia já o convenceu a mudar seu nome para Kendrick?
      Júlia baixou os talheres, sentindo a boca seca.
      - Sinto, não creio que tenha entendido – respondeu Alex.
      - Ah, é uma brincadeira antiga por aqui - riu Tricia. - Júlia sempre jurou que o nome da família continuaria na propriedade para sempre, ou encontrando outro Kendrick para casar-se com ela, ou forçando algum simplório a mudar de nome. Gostaria de saber se ela já iniciou sua campanha com o senhor. Ela sempre se vangloriou de estar
preparada a qualquer sacrifício para que Ambermere fosse dela.
      - Já percebi isso - comentou com leve ironia.
      - Estou certa de que sim, sr. Constantis. O senhor é casado?
      - Não - respondeu ele, seco.
      Seguiu-se um silêncio tão embaraçoso, que Júlia gostaria que o chão se abrisse e a tragasse para sempre. Ouviu Gerald Bosworth murmurar:
      - Pelo amor de Deus, Tricia!
      No meio do silencio, foi a vez de sir Philip desanuviar o ambiente, comentando casualmente:
      - Como a senhora disse, sra Bosworth, uma brincadeira antiga. Mas não creio que Júlia, como mulher, deva ser julgada e condenada por uma tolice dos tempos de criança. Agora, posso servi-la de um pouco mais de pato?
      As conversas ao redor da mesa recomeçaram, denotando um certo alivio do qual Júlia não conseguia partilhar. Se Tricia tivesse só comentado sobre a venda de Ambermere, ela estaria preparada; mas a mulher decidira humilhá-la diante de Alex e a tomara de surpresa. Eram demasiados golpes para um único dia. E ele era o único dentre os convidados que não estava a par do veneno daquela mulher.
      Júlia foi obrigada a continuar a sorrir, como se nada tivesse acontecido. Deu uma olhadinha no relógio para ver quanto tempo mais deveria ficar, sem que os convidado sentissem ofendidos.
      Nesta noite, suas obrigações como anfitriã eram bem-vindas, pois ficaria ocupada circulando entre os diversos grupos.
      Estava apreensiva em pensar que Alex poderia procurá-la para saber mais sobre os comentários de Tricia. Mas ele não o fez.
      Sir Philip estava quase o tempo todo ao lado dele, apresentando-o a todos como o futuro proprietário de Ambermere.
      À meia-noite, Júlia percebeu que o brinde à sua antepassada não seria esquecido.
      "Oh, meu Deus, não vou conseguir enfrentar isso, murmurou a si mesma, escapando para o terraço.
      Não havia nenhuma brisa, mas o ar noturno fez com que se sentisse bem. Um aroma de flores impregnava o ar, fazendo-a lembrar-se de que esta era a última Festa de Verão que passaria em Ambermere.
      Apoiou-se na balaustrada, olhando os jardins, pensando com tristeza quais seriam as modificações que Alex Constantis faria. Provavelmente, ele acabaria com os gramados e construiria uma horrível piscina e um heliporto, pensou com desprezo; ainda bem que ela não estaria por perto para assistir a essa execração.
      Podia escutar os risos e gritos de "para Júlia", que seguem o tradicional discurso engraçado que seu pai costumava fazer a essa hora. Júlia Kendrick, a esposa escandalosa, amante audaciosa, brindada por todos, finalmente chegara ao fim de seu reinado.
      Escudou o brinde novamente, mas dessa vez a pouco passos de distância. Voltou-se assustada.
      - O senhor!
      - Sim.
      Nas sombras da noite, Alex parecia mais alto, mais poderoso do que nunca, o rosto escuro como uma máscara.
      - Vim para desejar-lhe boa-noite, thespinis.
      - O senhor já esta indo embora?
      - Não era isso o que você estava esperando? – comentou sorrindo. - Sinto desapontá-la, mas estarei de volta mais tarde, durante o dia.
- O senhor vai comprar a casa?
- Creio que sim. Você fez com que meu interesse por ela se reavivasse.
- Eu... eu fiz isso?
- Certamente. Ambermere deve ser algo muito especial para que seja tão apaixonada por ela. Fico pensando se, em outras circunstâncias, você conseguiria achar um marido tão fraco que negaria seu próprio nome, seu direito de nascença para satisfazer um capricho seu.
- Não era um capricho – negou, veemente. – Como o senhor poderia compreender?
- Pensa, por acaso, que não tenho o direito ao meu próprio nome? – perguntou, ameaçador. – Bem, você não é a primeira pessoa que pensa assim, embora poucos tiveram a ousadia de dizer-me de frente.
- Por que os outros têm medo do senhor? – exaltou-se Júlia. – Quando tiver comprado Ambermere, não terá mais nenhum poder sobre mim.
- Você acredita nisso? – riu ele, caminhando até ela e fechando-lhe a saída. – Mas está redondamente enganada, Júlia Kendrick, pois se eu tiver Ambermere, também vou ter você.
Alex colocou as mãos em seus ombros.
Júlia queria dizer que não, mas ele se inclinava e a beijara nos lábios. Tentou resistir, manter os lábios cerrados, mas era uma batalha que não podia ganhar. Alex, com sua sensualidade, estava determinado a vencer.
Os lábios dele exigiam uma resposta que jamais lhe fora exigida antes; uma resposta que ela não estava certa de poder dar. Júlia não podia respirar, sentia que lhe faltavam as forças quando as mãos dele abaixaram as alças do vestido e ele a abraçou, fazendo com que seus seios nus se colassem ao peito forte dele.
De alguma parte muito escondida, Júlia sentiu uma onda de calor e de insuportável desejo que a invadiu.
      As mãos de Júlia envolveram-no. Alex então começou a beijá-la no pescoço e ela não conseguiu mais reagir. Mas quando os dedos dele tocaram-lhe o seio nu, gritou, tentando se cobrir.
      Alex deixou-a e, depois de algum tempo, murmurou para si mesmo:
      - É virgem. Esse fato obviamente muda tudo.
      Então, antes que ela pudesse se mover ou falar, ele voltou-se e partiu, desaparecendo na escuridão.
     
CAPÍTULO III

      Júlia ficou no quarto até tarde da manhã seguinte. Podia escutar o ruído dos aspiradores de pó no piso inferior e o murmúrio de vozes e de movimento enquanto o batalhão de limpeza vindo da cidade restaurava a ordem na casa depois a festa. Normalmente ela os estaria ajudando.
      Mas, desta vez, não tinha animo para nada, exceto ficar na cama olhando fixamente para o teto e repassando os últimos acontecimentos, especialmente da noite anterior.
      Era ainda impossível para ela acreditar que tivesse se portado daquele modo, correspondendo daquela maneira, sobretudo  para um homem por quem só sentia desprezo e  ressentimento. Será que tudo não fora apenas um horrível pesadelo?
      Afinal, era a Noite de Verão. Mas os beijos de Alex Constantis haviam sido demasiado reais para se pensar em sonhos. Ela nem ao menos podia culpar a bebida, pois mal tocará em um copo durante toda a noite.
      "Maldição, pensou, enterrando o rosto no travesseiro.
      “Que vá para o inferno!"
      O comportamento de Júlia não se coadunava com sua maneira de ser. Ela jamais havia sido do tipo de se atirar nos braços de qualquer homem. Havia planejado uma vida segura e harmônica em Ambermere e ninguém iria interferir em seus planos. Não apreciava o modo de vida de muitos de seus amigos, onde diversões sexuais eram parte importante  de suas vidas.
      Nesse momento, ela punha em dúvida sua seriedade de propósitos; talvez fosse só conseqüência da falta de uma grande tentação.
      Não, não podia ser. No dia anterior havia sido atingida por tantos golpes que acabaram por enfraquecê-la momentaneamente, mas nesse momento já se sentia forte outra vez. Forte o suficiente para planejar seu novo futuro, que havia sido drasticamente alterado. Havia estudado contabilidade e processamento de textos, que pretendia usar na administração da propriedade, trabalhando com o pai. Era bastante óbvio que, com todos os conhecimentos que adquirira, encontraria, facilmente, trabalho em algum escritório. Alguns de seus amigos de escola viviam em Londres e sempre estavam a procura de alguém que dividisse o aluguel do apartamento.
      "Eu vou sobreviver", pensou, determinada. "Tenho de sobreviver ."
      Levantou-se, tomou um banho rápido, vestiu jeans e uma blusa leve de algodão e desceu.
      A governanta, sra. Parsons, dirigia-se ao escritório de sir Philip com uma bandeja de café. Júlia seguiu-a.
      - Born dia, Ju - cumprimentou-a sir Philip, querendo mostrar-se jovial. - Você escapou bem cedo da festa não foi?
      - Eu não estava com espírito para comemorações.
      - Eu sei, meu bem. É terrível - comentou, tristemente. - Ju, se houvesse qualquer outra solução, você sabe que eu jamais... .
      - É claro, papai, eu compreendo - suspirou ela. servindo-lhe uma xícara de café. - Mas nada esta resolvido ainda, não é?
      - Na verdade, tudo esta decidido. Alex Constantis telefonou esta manhã para confirmar sua oferta. Esta tarde, vou com Polly me encontrar com seus advogados para finalizar os últimos detalhes. Penso que as negociações serão muito rápidas.
      - Estou certa de que sim - concordou Júlia, seca.
      Alex Constantis dava a impressão de ser um homem dinâmico, dotado de enorme energia. Quando ele se decidia a possuir algo, não perdia tempo, pensou Júlia, um arrepio percorrendo-lhe a espinha.
      - Ele virá aqui mais tarde – continuou Philip.- Passamos bastante tempo no centro agropecuário ontem e ele gostaria de visitar o restante da propriedade. Disse-lhe que você teria prazer em mostrá-la.
      - Você disse o quê? – horrorizou-se Júlia.- Oh, papai, você não devia ter feito isso! Eu nunca mais quero ver esse homem em toda minha vida!
      - Sinto, filha. O que eu lhe disse ontem vale para hoje também. Quero  que você seja amável e que mantenha qualquer antipatia pessoal sob controle. Os papeis ainda não foram assinados. Além disso você é a melhor guia que alguém poderia desejar. Constantis me perguntou, na noite passada, sobre os comentários que aquela maldita mulher, com quem o podre Gerald se envolveu, fez durante o jantar. Expliquei-lhe o quanto Ambermere significa para você e ele entendeu perfeitamente.
      - Com toda a certeza - disse Júlia, amargurada. – Está bem, papai. Vou fazer o que você quer sob a condição de que eu nunca mais tenha de me confrontar com o Sr. Constantis. Amanhã vou para Londres para procurar trabalho.
      - Mas não há necessidade disso, meu bem. Depois da venda da propriedade, não estaremos na penúria. Pensei em mudarmos para a Riviera, ou para qualquer outro lugar ensolarado. Esses invernos úmidos na Inglaterra não fazem bem a sua mãe, você sabe, e...
      - Não, papai - recusou-se Júlia, calmamente. – Vocês dois sigam os planos que têm em mente. Eu devo começar a organizar minha própria vida. Não sou mais uma criança.
      - Não, creio que não - comentou Philip, nostálgico.
     
      Uma hora mais tarde, Júlia estava só em casa, pois sua mãe decidira-se a acompanhar sir Philip a Londres para, assim, não ter de se defrontar com a presença de Alex. Como Júlia gostaria de poder fazer o mesmo!
      O telefone tocou e ela teve um sobressalto. Era Vivy.
      - Por que você desapareceu na noite passada? – reclamou Vivy.
      - Eu estava me sentindo como se fosse um bicho raro exposto e então decidi me retirar para o meu quarto - desculpou-se Júlia.
      - Não caída de amores pelo sexy senhor Constantis, espero - riu Vivy. - Mudando de assunto, Júlia, o papai e a madrasta tiveram uma terrível discussão ontem a noite sobre os comentários dela durante o jantar. Eu e Alastair podíamos ouvi-los gritando no quarto. Parece que, finalmente, papai abriu os olhos.
      - Sinto muito, Vivy.
      - Pois eu não. Ela e uma grande mau-caráter e todos podiam ver isso, menos ele. Mas ela terá de ser mais cuidadosa no futuro e isso já e alguma coisa. Na verdade, achei que Alex Constantis se portou muito bem. Ele e incrivelmente atraente e sexy, Ju. É uma pena que não esteja buscando uma esposa. _
      - Bem, ele estará aqui em pouco tempo para conhecer melhor Ambermere - retorquiu Júlia, friamente. - Vou falar de você.
      - De mim? _ riu Vivy.- Não seja idiota. Eu estava falando de você. Tricia tinha a pior das intenções, mas ela estava certa em um ponto. Se você se casasse com Alex Constantis, continuaria a ser a dona de Ambermere.
      - Muito obrigada -cortou Júlia. - Mas ha um limite nos sacrifícios que eu estaria disposta a fazer, ate por Ambermere.
- Que grande sacrifício! - Vivy continuava a rir. – Além de todo o dinheiro que ele tem, estou certa de que deve ser fantástico na cama. Por um momento assustador, Júlia sentiu-se outra vez nos braços de Alex. Lembrou-se do perfume da pele dele, o calor de seu corpo, como se ele estivesse ali, naquele momento. Sentiu um estremecimento percorrer-lhe o corpo. Deu uma risada nervosa.
      - Você é terrível, Vivy! O que a madre superiora diria se ouvisse as suas palavras?
      - Ela daria um suspiro de desanimo e se ofereceria para rezar outra vez pela minha alma - caçoou Vivy. - Pobrezinha, acho que não fez outra coisa senão rezar.
      Júlia tinha as mãos trêmulas quando recolocou o telefone no gancho. Ela sabia que a amiga estava só brincando, mas o que se passara entre ela e Alex não era nenhuma brincadeira.
      "Se eu tiver Ambermere, também vou ter você." As palavras ressoavam em sua mente.
      De todo, o incidente, a única coisa que fazia com que se sentisse mais protegida foi a mudança de atitude dele quando se deu conta de que ela era virgem, embora ela não tivesse idéia de como ele havia descoberto. Talvez sua falta de experiência fosse muito reveladora.
      Era um escudo de proteção. Escutou um carro se aproximando e sentiu-se muito mais segura à luz vestida com suas roupas de trabalho, depois da loucura da noite anterior, obviamente provocada pelo clima de festa.
      Não havia nada a temer, tentou se convencer. Nada.
      Dirigiu-se à porta da entrada, observando-o enquanto Alex saía do carro. Era um Aston Martin, ultimo modelo, pôde notar.
      Alex Constantis caminhou até a porta, sorrindo enquanto ela o observava.
      - Kalimera – cumprimentou-a, gentil. - Dormiu bem?
      “Não vou ficar vermelha”, decidiu-se Júlia. “Definitivamente, não vou!”
      - Otimamente bem - mentiu ela, com frieza,
      - Você tem muita sorte, Júlia mou. Cada vez que eu fechava os olhos, sonhava que você estava a meu lado e tentava tocá-la - sorriu Alex. - Foi muito frustrante pode acreditar!
      - O senhor pode considerar esses comentários muito divertidos, sr. Constantis - repreendeu-o friamente. - Para mim, são embaraçosos e degradantes.
      - Você sempre considera a verdade algo insultuoso? Ou seria eu o primeiro homem suficientemente corajoso para admitir que gostaria de ir para a cama com você?
      - Bem, mas acontece que eu não quero o senhor - ela o interrompeu. - Acho melhor que se vá.
      - Só depois de visitar o resto da propriedade. Seu pai assegurou-me de que você ficaria encantada em servir-me de guia.
      - Esse foi o primeiro erro dele, hoje. Espero que seja o último, desde que ele vai discutir a venda com seus advogados. Podemos dar uma volta rápida pela propriedade. Sinto não poder convidá-lo para almoçar...
      - Não espero que o faça - comentou com toda a suavidade. - Trouxe um piquenique para os dois. E a volta vai demorar todo o tempo que for necessário. Afinal, você é uma especialista. E também não estou interessado em estatísticas de produção por hectares, thespinis. O que desejo é ver essas terras, essa casa, através de seus olhos, está me entendendo?
      Abriu a porta para Júlia. No principio, ela ficou tensa, sentindo a proximidade dele no carro; mas pouco a pouco começou a relaxar, vendo que ele estava mais preocupado em dirigir.
      Ela imaginara que poderia explicar a funcionamento da propriedade em poucas palavras,  mas logo descobriu seu erro. As perguntas de Alex eram inteligentes e objetivas, demonstrando grande perspicácia. Júlia teve de reconhece que fazia grande esforço para acompanhar o raciocínio rápido dele.
      Com as perguntas de Alex, Julia, sem querer, começou a falar sobre Ambermere, como havia sido no passado, os planos que ela teria para o futuro, a voz suavizando-se quando identificava um ponto de referencia, os lugares que ela amava desde a infância. Cada cerca viva, cada bosque pareciam ter um significado profundo, percebeu, cada vez mais angustiada.
      - Creio que deveríamos comer algo - disse ele. - Onde pensa que seria um bom lugar?
      Júlia engoliu em seco, recompondo-se.
      - Se o senhor seguir a trilha da esquerda, chegará ao lago. Mas pode me deixar aqui. Na verdade, já devo voltar a casa...
      - Depois de almoçarmos - disse suavemente, mas sem admitir contestação.
      Banhadas de sol, as águas do lago brilhavam como ouro.
      - Tem algo a ver com a sedimentação - explicou Júlia. - São cristalinas e o lago tem grande quantidade de peixe. É dessa coloração que vem o nome da casa, e claro.
      - É claro - concordou ele, estendendo-lhe uma manta. – Coloque-a sobre a grama, por favor, enquanto eu trago a cesta do piquenique.
      Júlia obedeceu, insegura. Nesse momento, ela gostaria de haver organizado um almoço na casa. Um piquenique a beira do lago tinha todas as conotações que queria evitar. A sala de jantar seria um ambiente muito menos intimo do que esse tipo de lugar.
      O conteúdo da cesta foi uma revelação. Havia salmão defumado, fatias de torta de frango, saladas, pãezinhos frescos. Como sobremesa, havia nectarinas, uvas e morangos com kirsch.
      Júlia surpreendeu-se ao ver Alex abrir uma garrafa de champanha com toda a naturalidade.
      - Não é muito luxo para um dia simples no campo? - ironizou Julia.
      - Você quer dizer...  um tanto vulgar? Mas o que poderia esperar de um camponês? E, de qualquer modo, você se esqueceu de que tenho algo a celebrar.
      - O senhor se equivoca, Sr. Constantis - disse ela, a garganta apertada. - Não me esqueci absolutamente de nada.
      - Você e muito formal. Será que não conseguiria chamar- me de Alex?
      - Penso que é preferível a formalidade nas atuais circunstancias.
      - Como queira ..Vamos brindar ... por Ambermere e seu futuro. Asseguro-lhe, thespinis, que tem um futuro.
      Júlia sentiu-se enrubescer e levantou seu copo acompanhando o brinde. Em silencio, Alex entregou-lhe um prato, talheres e um guardanapo de linho e começaram a comer.
      Mesmo contra sua própria vontade, Júlia descobriu que estava desfrutando muito do lanche, consumindo toda sua parte. O ar livre sempre lhe abria o apetite, pensou, enquanto aceitava uma segunda porção de morangos.
      Inclinou-se, apoiando-se em um braço, esquentando-se ao sol, sentindo o cheiro da grama. Se estivesse com qualquer outra pessoa, estaria mais relaxada e adorando cada momento.
      Mas Alex Constantis, mesmo quando representava o papel de perfeito anfitrião, como ela não podia negar, era uma ameaça para a sua paz de espírito.
      Percebendo que ele a estava observando, retomou a conversação.
      - O senhor fala muito bem inglês. Onde foi que aprendeu?
      - Tive uma boa formação escolar, apesar do que provavelmente lhe contaram.
      - Contaram?
      - Mas claro. Seu pai comentou comigo sobre suas férias na casa do seu tio que é ligado a embaixada. Meu primo Paul tem um cargo na mesma capital. Estou certo de que deve tê-lo conhecido. Você e bonita demais para que ele não se fizesse apresentar. Além disso, ele não resistiria em lhe contar, como faz com todos os que encontra, como eu lhe roubei a suposta herança. Tanto a mãe quanto a irmã dele adoram alardear essa história.
      - Não se pode culpá-los - respondeu Júlia, de maneira abrupta. - Usurpadores não são nada populares.
      - Então é assim que você me considera - comentou, rindo. - Ouvi-la falar de Ambermere foi uma revelação, Júlia mou. É como se estivesse falando de um amante.
      - Ambermere é toda minha vida - disse ela, baixando os olhos. - Pensei que sempre seria.
      - E pode ser - seguiu, lacônico. - Se você se casar comigo.
      Júlia sentou-se com um movimento tão brusco que o champanha respingou em sua blusa.
      - Se isso é uma brincadeira, sr. Constantis, fique certo de que é de muito mau gosto.
      - Estou falando sério. Uma casa como Ambermere necessita de uma mulher, e minha mãe vêm me dizendo que já é hora de eu me casar. Talvez ela esteja certa.
      - Então você propõe casamento para alguém que mal conhece só porque sua mãe pensa ser uma boa idéia? - disse Júlia, dando uma risada. - E inacreditável!
      - Completamente, se suas premissas estivessem corretas- concordou ele. - Mas não somos exatamente estranhos, depois do que ocorreu ontem, Júlia mou. Na noite passada, você me perguntou se eu lhe daria Ambermere. Hoje eu lhe respondo que sim. Mas nos meus termos, não nos seus.
      - É um absurdo! O senhor realmente acreditou nas palavras daquela megera. Imaginou que eu me prestaria a um arranjo nojento, degradante, que eu me venderia. E, além de tudo, ao senhor!
- Por que diz isso? - quis saber ele, os olhos com um brilho ameaçador. - Será que meu sangue não e suficientemente bom para se misturar com o seu?
      - Não tem nada a ver com isso - retorquiu Júlia, respirando profundamente. - Para ser sincera, Sr. Constantis, não é meu tipo. Na verdade, o senhor me deixa completamente indiferente. Não é como gostaria, com certeza, que sua mulher se sentisse.
      Alex ficou meditativo, observando-a.
      - Seria um tanto problemático, realmente. Mas será que isso e verdade?
      Ele a estava provocando, Júlia percebeu. furiosa, alfinetando-a com a lembrança do que ocorrera na noite anterior.
      - Todos nós nos portamos de forma equivocada uma ou outra vez, sr. Constantis - tentou explicar-lhe casualmente.
      - Quanto a mim, isso pode ser explicado por um excesso de bebida e, além disso, pelo fato de que o senhor me tomou de surpresa.
      Por um momento, ficaram em silencio e, então Alex deu de ombros.
      - Bem, se e o único jeito, você não me deixa outra alternativa.
      Enquanto ele se movia, Júlia percebeu suas intenções e, tentando recuar, perdeu o equilíbrio e caiu de costas sobre a manta.
      Quando tentou se levantar, Alex já estava a sobre ela, imobilizando seus dois pulsos sobre a cabeça com uma das mãos, deixando-a sem defesas.
      Solte-me, maldito seja! - gritou-lhe.
      -Por que? - contestou sorrindo. - Que efeito pode ter isso em você?
      Inclinou a cabeça, tocando-lhe os lábios levemente.
      Ou mesmo isso?
      Com a mão livre, começou a desabotoar-lhe a blusa.
      - Oh, não! Meu Deus, não. - desesperava-se Julia, debatendo-se para se libertar.
      Ele levantou um pouco o corpo para colocar sua perna musculosa entre as coxas de Júlia.
      - Continue lutando, agapi mou - dizia, rindo. - Gosto disso.
      A pressão tão intima de seu corpo contra o dela não deixava duvida sobre a que ele se referia e a vergonha deixou-a ainda mais furiosa.
,linda mais furiosa.
      - Seu porco! Seu... seu...
      - Bastardo? - caçoou. - Por que você não diz?
      Os dedos dele moviam-se lentamente para baixo, puxando a blusa para fora da calça. Ela usava sutiã, mas a renda de1icada cobria muito pouco e Alex sorriu sensualmente enquanto soltava o fecho entre os seios.
      Júlia sentiu que lhe faltava a respiração. O so1cegava seus olhos semicerrados, provocando total escuridão enquanto ele se inclinava sobre ela.
      Seus dedos passaram a acariciar-lhe um dos seios, segurando-o para beijá-lo. Um gemido, metade rejeição e metade desejo, escapou da garganta de Júlia, quando, pela primeira vez, sentiu-lhe os lábios na carne nua. Uma onda de calor, de excitação e de vergonha percorreu-lhe o corpo quando a boca de Alex fechou-se sobre o bico róseo do seio ereto.
      A língua dele rodeava-lhe o bico langorosamente, brincando, tocando delicadamente a ponta morna até que a mescla de dor e prazer fez com que ela soltasse um grito surdo, o corpo contorcendo-se, mas dessa vez por uma tumultuosa sensação desconhecida de abandono.
      Ele voltou a cabeça e começou a beijar o outro seio, e o secreto centro de sua feminilidade contraiu-se de agudo prazer enquanto sentia-se corresponder.
      A mão dele começou a se mover lentamente para baixo, explorando-lhe o torso e o ventre reto, até a cintura, e parou.
      Como se não tivesse mais nenhum controle sobre o próprio corpo, Júlia sentiu que os próprios quadris se levantavam, arqueando-a, empurrando-a de encontro a perna
que a imobilizava.
      Alex levantou a cabeça e olhou-a diretamente nos olhos. Tinha a respiração ofegante e, de repente, moveu-se para o lado suavemente, deixando-a livre.
      Por um longo momento, Júlia permaneceu imóvel, o corpo tenso, enquanto a mente tentava compreender o que acabara de acontecer com ela.
      De muito longe, escutou a voz de Alex, zombeteira.
      - Se você só sente indiferença por mim, Júlia mou, então, o homem que for capaz de despertar alguma paixão em você deve ser realmente invejado.
      Com um soluço, Júlia virou-se para o lado oposto, tentando abotoar a blusa com os dedos trêmulos.
      Ela não podia acreditar no que acabara de acontecer. Como ela havia permitido que ele lhe fizesse aquilo e ainda se entregara completamente? Queria sumir dali, correr para algum lugar onde ele jamais a pudesse encontrar, onde nunca tivesse de encará-lo novamente.
      Deu uma rápida olhada cheia de humilhação para onde ele estava, e viu que guardava a cesta, com toda a naturalidade. Era obvio que o que acabara de ocorrer de modo algum o afetara como a ela, pensou, extremamente infeliz.
      Ela o provocara e Alex reagira e agora ela deveria viver sabendo que, se ele quisesse, tê-la-ia possuído, ela, a distante, a inatingível.
      “Oh, meu Deus! Não pode ser verdade! Não pode!”, pensava horrorizada.
      Quando olhou para cima, viu que Alex estava de pé perto dela, as mãos na cintura. Com a boca seca, o olhou-o, protegendo-se do sol com a mão.
      - Quer ir para casa? - perguntou-lhe Alex.
      - Prefiro ir sozinha - respondeu-lhe com uma voz rouca que parecia não lhe pertencer.
      Julia estava certa de que ele iria discutir, mas ele só de ombros, repôs a cesta no carro e partiu.
       Ela permaneceu onde estava por muito tempo, olhando fixamente as águas cor de âmbar do lago, sem vê-las. Então, finalmente, pôde se levantar e começou a caminhar em direção ao bosque, onde estavam acampados os ciganos. Ela tinha de falar com vó Pascoe mais uma vez. Queria perguntar-lhe algumas coisas que ela tinha necessidade de saber.
      Ambermere a Torre atingida pelo raio; e Alex Constantis o Rei de Espadas, vindo para humilhá-la. E claro que era tudo só uma grande coincidência, mas tão horrivelmente certeira que, ela tinha de saber.
      Mas quando chegou a clareira, não havia mais ninguém, só as manchas escuras no chão onde os ciganos costumavam acender o fogo. Eles haviam partido.
      Júlia gritou, as lagrimas rolando-lhe pelas faces.
      - Vocês não podem me abandonar assim, não podem! Quero que retirem a profecia. Quero um destino menos cruel.
      Mas os Pascoe já haviam ido embora. Só Deus sabia quando e se voltariam algum dia.
      Caminhou lentamente para a casa, a cabeça baixa.
      Em seu quarto, sentindo-se segura, dirigiu-se ao chuveiro. Deixou a água escorrer pelo seu corpo por muito tempo, como se ela pudesse apagar as lembranças das mãos e dos lábios de Alex. Queria pertencer-se outra vez, não permitindo que seu corpo voltasse a traí-la.
      Vestiu-se sobriamente, com uma saia verde rodada e blusa branca de mangas largas. Penteou os cabelos molhados para trás e prendeu-os com uma fita do mesmo tecido da saia.
      Mirou-se no espelho, venda a mesma figura discreta, mas só ela sabia que era tudo uma grande mentira.
      Se ele a tivesse desnudado, possuído, ela não faria nenhum movimento para impedi-lo. Ela sabia disso, e era o que mais a aterrorizava ate então; mais ainda do que a perda de Ambermere.
Ela havia sido dele e foi ele quem decidiu parar. Teria de conviver com isso para o resto da vida.
      Desceu as escadas, quase tropeçando na sra. Parsons.
      - Desculpe, Madge - sorriu-lhe. - Você estava a minha procura?
      - Há alguém a sua procura, srta. Júlia. Pensei que fosse uma visita para sir Philip, mas ele perguntou pela senhorita.
      Júlia manteve-se calma, mas seus instintos diziam-lhe para correr de volta ao quarto e trancar-se lá.
      Não perguntou quem era, ja sabia. Sabia também por que ele estava ali. Dirigiu-se a sala de estar. Alex Constant is estava de pé em frente a lareira. Ele também havia mudado de roupa; vestia um terno escuro, camisa de cambraia branca e gravata de seda.
      Por um momento que parecia não ter mais fim, encararam-se sem dizer nenhuma palavra.
      Então ele falou, bruscamente:
      - Quer se casar comigo?
      Palavras de repudio povoavam a mente de Júlia; mas foi uma voz que não lhe pertencia que acabou respondendo:
      -Quero.
      Alex assentiu com um movimento de cabeça.
      - Amanha virei falar com seu pai.
      Então, passou por ela sem se despedir e partiu.
      Julia arrastou-se até o sofá, deixou-se cair no meio das almofadas, tremendo violentamente.
      “O que foi que eu fiz, meu Deus? O que eu fiz?”, pensou, aterrorizada.
     
      Casaram-se três semanas mais tarde, numa cerimônia rápida no cartório, o que mostrava claramente o desagrado dos pais de Julia a qual jamais enfrentara tanta reprovação por seus atos como nas semanas que precederam ao casamento.
      - Você não pode fazer isso!- implorava-lhe Lydia Kendrick, sem parar. - Você não pode se casar com um homem só porque deseja continuar vivendo nesta casa!.... É... é obsceno!
      Júlia continuava tentando explicar, cada vez que falavam sobre o assunto.
      - Não e só a casa ...
      - Então, o que mais pode ser? - desesperava-se a mãe. - Não tente me convencer de que esta apaixonada por esse novo rico!
      Não, não era isso. Ela mesma não sabia explicar seus próprios sentimentos em relação a Alex Constantis. E impacto sensual devastador que ele lhe provocara não poderia ser discutido com sua mãe.
      Por mútuo acordo, o noivado não foi anunciado publicamente, embora Alex a tivesse presenteado com um magnífico anel de safira, em forma de estrela. Mas ele não o colocara em seu dedo e não mais perguntara por ele. Era com se estivesse só cumprindo com as formalidades.
      Se ela própria não sabia como se sentia em relação ao casamento, não tinha a mais vaga idéia do que Alex pensava. Superficialmente, ele representava o papel do noivo perfeito, tão bem que até sir Philip e lady Lydia não conseguiram criticá-lo. Era amável e enfrentava muito bem a hostilidade de Lydia. Não levantara nenhuma objeção quanto ao casamento ser uma cerimônia quase escondida.
      JuIia sentia-se um pouco desapontada; sempre sonhara com um casamento em uma pequena igreja, vestida com um vestido branco, longo, de rendas, rodeada de amigos e família desejando-lhe felicidades.
      Pensava que Alex também quisesse uma cerimônia completa para que todos ficassem sabendo que, embora seus antecedentes fossem duvidosos, estava se casando com alguém pertencente a uma família tradicional e respeitada.
      No entanto, ele não demonstrava nenhum interesse nos preparativos. E mais surpreendente ainda, ele não convidara ninguém da família para a cerimônia.
      - Ninguém? - surpreendeu-se Júlia. - Mas certamente...
      - Quem eu deveria convidar? - Deu de ombros. – Meu primo Paul, que no momento se considera meu herdeiro? A irmã dele, Zoe? Minha tia Sophia?
      - E sua mãe? - sorriu Júlia. - Eu ainda não a conheço e...
      - Teremos muito tempo para isso. Ela não está tão bem de saúde e creio que uma viagem para Londres não iria lhe fazer bem. Além de outras considerações... – acrescentou ele, irônico.
      Julia enrubesceu. Alex obviamente estaria preocupado com o tipo de recepção que sua mãe teria; ela não podia culpá-lo por isso. Uma camponesa grega, humilde, poderia ser destruída pela polidez gelada de Lydia.
      Mas essa não era a única surpresa. Júlia imaginara que assim que aceitasse a proposta de Alex, ele não perderia tempo em seduzi-la. Mas, na verdade, nada acontecera.
      Ele a visitava quase todos os dias, e claro, e quando teve de viajar, em duas ocasiões, mandou flores.
      Era um noivado bastante formal. Não buscou nenhuma oportunidade para estar a sós com ela. Seus beijos eram só um roçar de lábios na chegada ou na saída.
      Júlia estava começando a ficar intrigada com a falta de demonstração da parte dele; depois, ficou zangada e por fim voltou a ficar intrigada. Ela não queria que ele fizesse amor com ela, é claro, repetia a si mesma, Mas, por outro lado a habilidade dele em permanecer distante era irritante, fazendo-a recordar quão pouco ela conhecia o homem com quem ia se casar.
      Ainda mais estranha era a própria reação dela, cada vez que o via ou ouvia sua voz ao telefone. Ela não podia negar ou impedir a forte atração que sentia por ele, mas tentava esconde-la para se equiparar a frieza dele. Mas era impossível saber se conseguira enganá-lo. Sem duvida, ele deveria estar muito confiante, a tal ponto que pudesse superar todas as barreiras entre os dois na noite de núpcias, quando a levaria à paixão experimentada naquele dia a beira do lago.
Era a vida que Alex lhe oferecera e que ela aceitara. Senhora da casa durante o dia e sua amante a noite.
      Mas a idéia de como seria sujeitar-se completamente a este homem ocupava sua mente enquanto se aproximava a data do casamento.
      Na noite da véspera da cerimônia, teve pesadelos de que Ambermere se havia tornado uma mansão vazia e que ela corria de cômodo para cômodo em busca de algo que nem ela sabia o que era.
      No dia seguinte, quando Philip Kendrick, tenso, levava-a para o cartório, Júlia pensava se Alex realmente estaria lá. Seria por isso que ela não convidara ninguém, porque sabia que não haveria nenhum casamento?
      “Deixe de ser ridícula”, pensou Júlia. É claro que ele estaria lá. Alex se casava com ela para conseguir uma pessoa que cuidasse de Ambermere e também porque a desejava, lembrou-se. Não tinha nenhuma razão para humilhá-la publicamente.
      No entanto, foi quase um alivio vê-lo no cartório, esperando por ela. Estava acompanhado de um homem alto e loiro que apresentou como sendo Andrew Castairs, seu assistente pessoal na Inglaterra.
      O Sr.Castairs saudou Julia e seus pais gentilmente, mas estava bem claro que ele censurava o casamento precipitado tanto quanto os pais de Julia.
      Em pouco minutos, a cerimônia havia terminado e Júlia estava voltando a Ambermere com seu marido. A aliança de casamento pesava-lhe no dedo; Júlia voltou-se para observar Alex. Ele lhe dirigia a palavra apenas para comentar que seu vestido era bonito. O silencio dele estava começando a incomodá-la.
      - Alguns do vizinhos vão estar em casa para tomar um drinque e desejar-nos sorte- disse Julia. -Espero que você não se importe.
      - De modo algum. Contanto que seus votos de felicidades não durem a noite toda. Nos temos de pegar um avião ainda hoje.
      Eles iriam para Atenas e, em seguida, tomariam o iate de Alex, o Clio em Pireus. Era tudo o que Julia sabia. Alex havia dito que o destino deles seria uma surpresa.
      Julia não se empenhou em descobrir para o onde iam. Uma viagem de lua-de-mel nas ilhas do mar Egeu era uma maneira fantástica de se começar uma nova vida, ainda que o próprio casamento não fosse idílico.
      Quando estivessem de volta, sir Philip e lady Lydia teriam se mudado temporariamente para Dower House, ate que se completassem as negociações para a compra de uma Villa em Nice.
      “E Albermere será minha”, pensou Julia.
      Ficou aliviada com a pequena e simples recepção. Algumas das felicitações haviam sido um pouco exageradas, como se os próprios convidados estivessem tentando se convencer de sua própria sinceridade.
      Até mesmo Vivy parecia ligeiramente surpresa, pois o que fora uma simples brincadeira acabara por se  transformar em realidade. Julia era agora a sra. Alexandros Constantis.
      Quando Julia sentiu que já podia se desvencilhar dos convidados, subiu para colocar os últimos itens em sua maleta de mão.
      Era isso o que estava fazendo quando escutou alguém entrando em seu quarto. Era Tricia Bosworth.
      - Esta só? - perguntou, olhando a volta. - Pensei que você estivesse trancada com a mamãe, recebendo os últimos conselhos sobre como controlar os baixos instintos masculinos. Não que lhe fossem ajudar em algo. Você, sem duvida, deve estar pensando que foi muito esperta, mantendo Ambermere em família; mas Alex Constantis fará com que paguem bem caro pelo privilégio, meu bem, esta noite e todas as demais. Só espero que você não considere o preço alto demais. Ou será que nenhum sacrifício é grande demais para possuir Ambermere?
      - Nenhum – respondeu Julia, sem se voltar, controlando-se para não esbofetear Tricia Bosworth.  
      - Então você pretende civilizar seu grego selvagem, transformá-lo em um gentleman inglês? Ou somente dar-lhe uma mão de verniz?
      - Não me decidi ainda- retorquiu Julia.
      - É claro. Se você souber mover bem os pauzinhos, não terá necessidade de vê-lo muito. Ele pode percorrer o mundo ganhando dinheiro, enquanto você fica aqui, representando o papel de grande anfitriã e gastando seu dinheiro.
      - Parece ser um ótimo arranjo- disse Julia, mal se contendo.
      Era importante não deixar Tricia perceber a irritação que estava sentindo, para não lhe dar o gostinho da vitória.
      - Bem, parece que você tem tudo muito bem planejado.
      Para alívio de Julia, a sra. Boswoth se levantou, preparando-se para sair. Caminhou ate a porta e então voltou-se sorrindo.
      - Dizem que esses camponeses gregos sãos os mais fantásticos garanhões. Quando você voltar de sua lua-de-mel, precisamos nos encontrar para você me contar tudo.
      Deu uma piscadela maliciosa e intima e saiu. Júlia estava furiosa; sentou-se um pouco para que o ódio e o rubor das faces se amainassem.
      Bateram outra vez na porta; era a sra. Parsons.
      - O Sr. Constantis pergunta se a senhorita... a senhora está pronta.
      - Estou, sim.
      Mas na verdade. Só agora dava-se conta do compromisso que havia assumido; não havia retorno.
      Por que será que Alexandros mandara a sra. Parsons em vez de vir ele mesmo ao quarto? Os comentários de Tricia, apesar de venenosos, não tinham nenhum fundamento. Alex nem ao menos a havia beijado até aquele momento. Julia seguiu a sra. Parsons, refletindo sobre a falta de atenção de Alex.
      Ele estava de pé, à sua espera. Enquanto Julia descia as escadas, desejava que ele a olhasse, sorrisse, abrisse os braços e ela se atiraria neles.
      Quando ele olhou para cima, não havia nenhum enlevo em sua expressão.
      - Despeça-se logo de seus pais que já estamos atrasados para tomar o avião- disse seco, logo voltando-lhe as costas.
      Ela sentiu como se tivesse levado uma bofetada.
     
      Julia inclinou-se na amurrada, olhando as luzes de Pireus, enquanto o Clio deslizava suavemente pelo golfo Sarônico. O calor de Atenas estava demasiado sufocante e ela sentiu-se aliviada com o ar-condicionado do carro que os levara até o movimentado porto de Pireus.
      Gostaria de conhecer melhor Atenas, passear por suas ruas e sentir um pouco o clima exótico da Grécia, mas Alex quis partir imediatamente para tomar o iate em Pireus.
      Clio havia sido uma surpresa. O quarto era quase do tamanho do que ela possuía em Ambermere. Foi levada até ele por um marinheiro impecável vestido de branco. O iate era luxuoso e extremamente confortável.
      Julia não tinha a menor idéia para onde se dirigiam. Durante o vôo, Alex desculpara-se e permanecera todo tempo ocupado com seus papéis. Nem mesmo no próprio dia do casamento ele podia deixar de lado a administração de seu império.
      No entanto havia cuidado de cada detalhe para o conforto de Julia. Quando chegou a cabine, ela se surpreendeu ao encontrar uma jovem morena aguardando-a num uniforme impecável. Chamava-se Androula e estava a seu serviço. Júlia jamais tivera uma camareira só para ela; no entanto, pareceu-lhe muito agradável ter alguém que desfizesse sua malas, preparasse seu banho e separasse as roupas que usaria para o jantar.
      A presença de Androula também tinha como conseqüência manter Alex afastado do quarto, Júlia percebera. Durante todo o tempo em que estivera se vestindo, arrumando os cabelos e se maquilando, ansiara pela chegada dele. Júlia percebeu que Alex deveria ter outro aposento, pois não havia nenhum objeto pessoal dele, nem no banheiro, nem no quarto. No entanto, ele deveria ter a intenção de dormir com ela esta noite, pois a cama estava arrumada com lençóis de cetim e dois travesseiros com fronhas delicadamente bordadas.
      Júlia permaneceu por um longo tempo no deck do iate, onde o marinheiro serviu-lhe um drinque. Não tinha a menor idéia de onde estava Alex. Será que ele pretendia ignorá-la até a hora de ir para a cama? Ele não poderia ser tão cruel! Ou poderia? Será que ela tinha idéia do que seria estar casada com ele?
      Ouviu passos, mas era o marinheiro avisando que o jantar estava servido.
      Quando chegou a sala, Alex a esperava e Júlia sentiu uma absurda sensação de alivio.
      - Eu estava no deck- explicou, meio tímida. - Esta uma tarde linda. Não lhe disseram que eu estava lá?
  - Disseram, mas eu estive ocupado, trabalhando.
      - E já terminou? - quis saber, sentando-se a mesa.
      - Quase. Por que pergunta? - disse Alex, servindo-lhe vinho.
      - Bem, você parece que tem estado tão ocupado. Eu quase não o tenho visto... - murmurou Júlia ..
      - Sinto-me lisonjeado, agapi mou- retorquiu ele, seco. Não tinha a menor idéia de que você quisesse tanto estar a sós comigo, ser o objeto de toda minha atenção.
      Fez uma pausa, correndo os olhos pela face dela, para os ombros, os seios, como uma caricia.
      - Mas acontecerá muito o breve, eu lhe prometo.
      Julia mordeu os lábios, sentindo-se enrubescer. O que estava acontecendo com ela? Era como se estivesse implorando para ele fazer amor com ela!? O que ela realmente estava querendo era alguma atenção, só isso.
Durante o jantar, Alex conversou sobre diversos assuntos, nenhum deles pessoa1, e Julia seguiu a mesma linha. Havia milhões de perguntas que queria fazer, mas era impossível, com o marinheiro circulando com os deliciosos pratos. O jantar estava excelente, mas Júlia pouco comeu. Depois de servir-lhe o café forte finalmente o marinheiro desapareceu.
- Seu iate e fantástico. Parece um palácio flutuante.
      - Foi construído para o meu pai. Desde que tomei posse de minha herança, tenho-o usado muito. Tem sido minha verdadeira casa. Tenho ficado em apartamentos, hotéis, mas não significam nada.
      - E agora você tem Ambermere.
      - Exatamente- assentiu, levantando-se da cadeira e puxando-a pelas mãos. - E também, meu anjo, tenho você.
  Por algum tempo, ficou olhando-a fixamente, permitindo que ela notasse sem sombra de duvida como a desejava. Então tocou seus próprios lábios e os dela, suavemente, descendo os dedos pelo pescoço, por entre os seios e sobre o vestido de seda, ate a junção das coxas.
Julia engasgou jogando a cabeça para trás quando ele a tocou, percebendo quanto o desejava e quanto poder ele tinha sobre ela.
      Pronunciou o nome de Alex com a voz. embargada. Ela desejava os lábios dele sobre os dela, ansiava por isso.
      Ouviu-o dar uma risada curta, vitoriosa.
      - Logo - disse ele. - Logo, matia mou; estaremos juntos, só nós dois, como você deseja.
      As mãos de Alex escorregavam pelo quadris de Júlia puxando-a para si. Por um breve momento torturante, seu corpos colaram-se um ao outro. Então, ele a soltou.
      - Vá, agora - sussurrou-Lhe. - Vá para a cabina e espere por mim. Vou para lá em seguida. E não se dispa, Júlia mia. Eu mesmo quero fazê-lo.
      A cabina havia sido cuidadosamente arrumada, Júlia percebeu. As cortinas estavam fechadas, e um abajur iluminava o quarto suavemente. A colcha estava dobrada e sua camisola branca de rendas estava aberta sobre a cama. Sobre a mesinha-de-cabeceira havia uma cesta com pêssegos ao lado de uma garrafa de champanha dentro de um balde de gelo. Havia também uma jarra alta com suco de frutas.
      Júlia estava emocionada, olhando a volta. O ambiente era perfeito para uma noite de amor. Só faltava seu amante.
      Serviu-se de suco de frutas e tomou-o enquanto andava de um lado para outro, impaciente, esperando que a porta se abrisse.
      O que será que o atrasara? Ele a queria; por que será que tardava tanto?
      Serviu-se de mais um copo, embora não estivesse certa de haver gostado muito. Não podia reconhecer o sabor e ficara um gostinho estranho em sua boca. Sentou-se em uma pequena poltrona perto da vigia, apoiando-se nas almofadas.
      Começou a repassar os acontecimentos do dia, lembrando-se magoada da expressão rígida de sua mãe e das palavras maldosas de Tricia Bosworth. Mas ela não deveria deixar que esses pensamentos ocupassem sua mente nesse momento. Provaria
a seus pais que poderia fazer desse estranho casamento um sucesso.
      Percebeu que suas pálpebras estavam se fechando e sentou-se com um movimento brusco. Olhou o relógio de relance e deu-se conta de que já estava esperando ha mais de meia hora. Levantou-se, sentindo-se um pouco tonta. Aos tropeços conseguiu chegar ate a cama; a viagem deveria tê-la cansado mais do que imaginara. O colchão era tão macio, que deixou-se cair sobre ele.
      Queria estar acordada para Alex, mas estava tão sonolenta. Não conseguiu manter os olhos abertos; seria só por um minuto, c quando Alex chegasse a acordaria com seus beijos.
      Estava sorrindo quando mergulhou em sono profundo.
     
CAPÍTULO V

      Júlia acordou com a luz forte que a cegava. Abriu os olhos lentamente, sentindo a cabeça latejar. Ficou imóvel por algum tempo, tentando recordar onde estava.
      Surpresa, notou que não se encontrava mais na cabina do Clio. A luz forte era o sol penetrando por uma janela aberta e refletindo nas paredes brancas do quarto minúsculo.
      Estava deitada em uma cadeira dura e estreita, coberta por um velho cobertor e, quando se movia, as molas rangiam protestando.
      Sentou-se, rapidamente, tentando descobrir o que acontecera. Chocada, percebeu que estava nua. Deu uma olhado no quarto. Além da cama, havia pouca mobília; uma pequena cadeira, uma cômoda com o tampa abaulado. Nada que reconhecesse ou que lhe pertencesse. Nenhuma de suas coisas e, com certeza, nenhum de suas roupas.
      Júlia colocou as mãos sobre os olhos, tentando entender o que havia ocorrido. Estava a espera de Alex, lembrou-se, quando mergulhara no sono. Mas era muito antes da meia-noite e, pela posição do sol, já era mais de meio-dia. Será que ela havia dormido doze horas ininterruptamente? E como ela havia chegado em tal casebre, quando na noite anterior estava na luxuosa cabine do Clio?
      De repente, começou a sentir-se terrivelmente assustada. Lembrou-se de um artigo que havia lido recentemente sobre a pirataria moderna. Será que o Clio fora atacado durante a noite por piratas que a haviam seqüestrado, enquanto dormia? Se isso fosse verdade, o que acontecera com o capitão e os outros? E Alex, onde poderia estar?
      Em um canto do quarto havia um alçapão que dava para uma escada rústica de madeira.
      Julia encheu-se de determinação e enrolou o lençol no corpo, antes de colocar os pés no chão de concreto. Levantou-se em seguida, sentindo a tontura voltar.
      Enquanto esperava que o mal-estar passasse, escutou passos subindo a escada.
      Buscou freneticamente algo com que pudesse se defender, porém, não havia nada, exceto a cadeira, mas não haveria tempo para alcançá-la. Encostou-se na parede, o terror dominando-a, quando viu despontar na porta um rosto escuro.
      Assim que o reconheceu, Júlia emitiu um grito de alivio.
      - Alex! Ah, graças a Deus! Eu estava apavorada. O que aconteceu? O que estamos fazendo aqui? Que lugar e esse?
      - Você estava dormindo - disse ele. - E eu estava esperando que acordasse.
      Alex puxou a única cadeira do quarto, virou-se ao contrario e sentou-se, os braços apoiados no encosto.
      Julia olhou-o, sentindo remorsos. Havia estragado a noite de núpcias deles.
      - Oh, Alex. Sinto muito.
      - Mas não deveria. Era minha intenção que você dormisse tanto.
      - Sua intenção?
      Julia sentou-se melhor e encarou-o. Outra vez, lembrou-se daquela horrível tortura que a deixara tão fraca.
      - O suco de frutas... havia algo nele? - perguntou – Mas por que, Alex? Por que?
      - Porque pensei que meus planos para a nossa lua-de-mel talvez não fossem de seu agrado - respondeu, lacônico. - E eu quis evitar qualquer tipo de cena.
      - Não estou compreendendo nada. Onde esta o Clio? E que lugar horrível e esse?
      - O Clio já partiu. E esse “lugar horrível” é a casa onde eu nasci.
      - Oh, sinto muito - tentou se desculpar. - Eu não sabia. Foi o choque de acordar em lugar estranho.
- Era exatamente o que eu havia planejado.
- Planejado? Alex, pelo amor de Deus! - implorou ela. - O que significa tudo isso? Por que estamos aqui?
- É bastante simples. Você se casou com um camponês, Kyria. Agora vai descobrir como é a vida de uma mulher de camponês. Vai ser muito... instrutivo não é mesmo?
Permaneceram em silencio por algum tempo. Julia cobriu os olhos com as mãos.
- É alguma brincadeira?
- Não.
- Você espera que eu passe a lua-de-mel aqui, nesta casa.
- Espero muito mais do que isso - retrucou ele, autoritário. - Você vai cozinhar para mim, lavar minhas roupas, limpar a casa e cuidar do Jardim. Vai alimentar as galinhas e tirar leite da cabra.
- Não farei nada disso! Você ficou louco? Sou sua mulher, não algum tipo de escrava domestica e...
- Não, você não é minha mulher. Ainda não. É só a mulher com quem me casei. Mas você não tem seu lugar nem na minha cama, nem em meu coração.
      Julia mal podia falar.
      - Eu era uma pessoa tão fácil de impressionar, né? Ou ao menos era o que você imaginara.Um camponês grego vulgar, o usurpador de fortuna da família. Todos os nomes que você me chamou, mostrando desprezo por mim. Mas quando descobriu que eu compraria sua casa, tudo mudou. Você se decidiu a se sacrificar, a inglesa aristocrata e o grego grosseiro. Não é a historia da Bela e a Fera? Era como você me via, não, Julia mou? Como uma fera que você pudesse domesticar? Sente desprezo por mim, mas pensou que poderia me manipular e usufruir do meu dinheiro para viver  como bem lhe aprouvesse.
      - Não! - exclamou Júlia, chocada. - Não, não é verdade ...
      - Você se casou comigo em troca de uma casa – continuou Alex, cruel. - Pois muito bem, matia mou, eu vou lhe presentear com esta casa. Não e tão... luxuosa como Ambermere, mas servira, até que você aprenda seu lugar. E como não a quero como esposa, você será, para usar sua própria expressão, uma escrava doméstica.
      - Alex... você não pode estar falando sério! – horrorizou-se ela. - É a nossa lua-de-mel. Eu sei que não deveria ter dito todas aquelas coisas e sinto tê-lo feito, mas foi há tanto tempo e no calor do momento. Estava aborrecida por perder Ambermere, você não compreende? Mas agora tudo mudou, estamos casados. E... eu preciso de você, não percebe?
      - Precisa de mim? - riu ele, ameaçador. - Neste caso, como você mesma me disse em certa ocasião, terá de se conformar.
      Alex levantou-se e apontou para a cômoda.
      - Você encontrará roupas nas gavetas. Vista-se e desça; vou explicar suas obrigações.
      - Alex, por favor, não pode ser verdade! Será que você não sente nada por mim?
      - Claro que sim - respondeu, frio. - Acho você até bastante desejável. Mas não existe respeito entre nós, Júlia, e sem respeito não pode haver união. Você é mimada e orgulhosa e não há nenhuma beleza nisso. Se sente vergonha do que sou, ou do que fui, então, isso é problema seu. Durante sua estadia aqui, você terá de aprender a resolve-lo.
      - E se eu não o fizer? - perguntou Júlia, mal acreditando em seus ouvidos.
      - Então, o casamento devera ser anulado. Não ficarei com uma mulher que me despreza ou que pensa poder usar-me para atingir seus próprios objetivos egoístas. Então, vista-se ou não se vista, como queira. Para mim, não faz diferença.
      Desceu as escadas e desapareceu pelo alçapão.
      Júlia desmoronou na cama outra vez, enrolando-se no cobertor velho. Apesar do calor, sentia-se gelada.
      Não podia estar acontecendo. Deveria ser algum desses horríveis pesadelos e logo despertaria a bordo do Clio, os braços de Alex envolvendo-a. Mas a aspereza dos lençóis em sua pele e a lembrança da voz de Alex eram demasiadamente reais para serem um sonho.
Júlia repassou mentalmente as palavras duras que dirigir a Alex. Ele tinha toda a razão para se sentir ofendido; ainda mais com o comportamento dos pais dela em relação a ele nas ultimas semanas.
      Mas isso não queria dizer que ela se submeteria de bom grado a tratamento tão humilhante.
      “Vou falar com ele”, pensou Júlia. “Vou convencê-lo de que eu errei, mas que ele esta equivocado sobre mim. Que eu o quero e que sinto orgulho de ser sua esposa.”
      Levantou-se, determinada, e foi abrir as gavetas em busca de suas roupas. Queria vestir calça jeans e uma camiseta.
      Quando abriu a cômoda ficou completamente imóvel por um momento; não havia nada de seu ali; na verdade, somente dois vestidos velhos, um verde desbotado e outro cor de vinho, ambos limpos; um lenço para cobrir a cabeça e um par de sandálias plásticas, baratas. Nada mais.
      Júlia retirou tudo da gaveta, buscando suas roupas finas de seda e de linho; nada. Nem mesmo um par de sapatos, nem seus sutiãs e calcinhas rendadas.
      - Ainda não esta pronta? - rugiu ele.
      Júlia não havia escutado passos e voltou-se assustada.
      - Não estou e nunca vou estar- reclamou ela, furiosa, apontando para a cômoda. - Estas não são minhas roupas.
      - Considere-as como um empréstimo.
      - Não usaria isso nem para limpar o chão. Gostaria de ter minhas roupas de volta, por favor.
      - Ainda tão arrogante - comentou ele, calmo. – Mas vai aprender.
      - Duvido. Onde estão minhas roupas?
      - A bordo do Clio, que, nesse momento, deve estar a muitas milhas de distância daqui.
      - Você esta querendo dizer que o iate foi embora deixando-nos aqui? Não acredito.
      - Veja por você mesma. .
      -Eu sem roupas? Como eu poderia?
- Estas são as suas roupas agora. Devo admitir que não são do tipo com as quais você está acostumada, Julia mou, ou do tipo que você esperava que eu comprasse para minha adorada esposa, mas são perfeitamente adequadas para este lugar e para o tipo de vida que teremos aqui.
- Se não fosse por um insignificante detalhe. Você se esqueceu de incluir a roupa íntima.
- O tempo está quente e o vestido a cobrirá suficientemente- disse ele, dando de ombros.
Julia encarou-o.
- Você realmente crê que vou andar na frente das pessoas usando só um vestido e um par de sandálias? Pois está completamente louco!
- Calma- disse Alex, sem levantar a voz, mas com uma nota de ameaça.- Não há ninguém aqui, exceto nós.
- Ninguém? E por quê? Que tipo de lugar é esse?
- É uma ilha chamada Argolo. Ninguém mais vive aqui. Estamos completamente, totalmente a sós, agapi mou. Exatamente como você ansiava.
- Eu disse isso? Deveria estar louca. E ainda não acredito em nada disso.
Julia foi até a janela, tropeçando no lençol; observou as redondezas.
- Vejo uma rua, diversas casas e mais adiante uma igreja...
- Todas desertas. Os habitantes dessa ilha mudaram-se para o continente, há cinco anos. Um dia, espero poder fazer algo para retornarem, mas, por enquanto, a ausência deles serve perfeitamente aos meus propósitos.
Do outro lado, Julia podia ver o mar de um azul intenso, mas sabia que o Clio não estaria ancorado lá. Parecia que ela estava condenada a permanecer ali sofrendo todos os caprichos daquele homem, como vingança por tudo o que dissera.
- Vista-se e desça- disse Alex , seco.- Você vai preparar a refeição.
- Eu não sei cozinhar- protestou ela.
      Não era exatamente verdade. Sabia preparar omelete e outros pratos leves, mas viver em uma casa onde a governanta era a sra. Parsons reinando como uma rainha na cozinha de Ambermere não incentivava ninguém a desenvolver habilidades culinárias.
      - Então vai aprender, a não ser que queira morrer de fome.
      - E como vou descer essa escada? Se eu cair e quebrar o pescoço, existe algum hospital por aqui?
      - Se você cair e quebrar o pescoço Julia mou, duvido que algum hospital pudesse fazer algo para salva-la. Aconselho-a a tomar bastante cuidado.
      Julia vestiu-se sentindo vontade de chorar quando se viu dentro do vestido. Desceu as escadas  e deparou-se com uma sala tão simples quanto o quarto. Em canto estava um antigo fogão a lenha, escurecido pelas cinzas, aparentemente ali deixadas havia muitos anos. No meio, uma mesa quadrada recoberta por restos de fórmica e duas cadeiras de plástico. No outro canto, uma cama  de armar, onde, provavelmente, Alex passara a noite. Havia também uma pia velha e encardida, que tinha um cano de drenagem atravessando a parede. Era a única concessão ao conforto em todo o casebre.
      Júlia engoliu seco.
      - Não ha torneiras. - conseguiu dizer.
      - Para que torneiras, se não ha água corrente? – comentou Alex.
      - Mas então, como se...
      - Existe um balde - explicou Alex- com o qual, yineka mou, você pode trazer água do poço da rua. Atrás da casa existe uma nascente; é de lá que você deve trazer a água para ser bebida.
      - E isso é tudo? - perguntou Julia, sem poder acreditar em seus olhos.
      - Exato.
      - Mas e impossível. Uma piada! - comentou Júlia, sentando-se em uma das cadeiras.
      - Espero que você continue rindo no fim do dia. Sugiro que comece suas obrigações acendendo o fogão.
      - Essa coisa? Ainda funciona?
      - Espero que sim. Os japoneses gostam de peixe cru. Não creio que você apreciaria muito.
      - Nem você - retorquiu Júlia. - Então, se o fogão não for acesso, nós deveremos declarar uma trégua e retornar à civilização.
      - Oh, não, matia mou - sorriu ele. - Porque o fogão acenderá perfeitamente bem, com boa vontade. Então, não tente qualquer tipo de truque, ou você se arrependerá amargamente.
      Julia não conseguiu sustentar o olhar dele e, envergonhada, baixou a cabeça.
      Alex estava louco, com toda a certeza, mas a loucura não perduraria por muito tempo. Ele tinha crescido na pobreza e falta de conforto, mas isso não significava que gostasse dessa vida. Júlia havia observado como Alex Constantis apreciava certos luxos que o dinheiro podia comprar; então, os dias que passariam em Argoli seriam, para ele também um suplício.
      “Fazer-me sofrer É uma coisa”, pensava, “passar por sofrimento igual é outra”. Ele não agüentaria mais do que dois dias. Enquanto isso, ela se esforçaria para não enfrentá-lo. Júlia levantou-se e saiu para dar uma olhada da vila abandonada. À esquerda, a rua estreita e tortuosa, com poucas casas, baixava até um descampado que continha algumas oliveiras abandonadas, suas folhas prateadas brilhando ao sol. Mais além, parecia não haver nada, exceto rochas sem nenhuma vegetação.
      Desolação total, como a desolação que Júlia sentia por dentro. Estremeceu, mas, fazendo um esforço, caminhou até o pátio, atrás da casa. Há tempos, teria sido um jardim, mas agora estava abandonado e coberto de mato. Ali estavam as galinhas que Alex mencionara, ciscando no solo, Mais longe, uma cabra pastava, a sombra de uma oliveira.
      Júlia mordeu os lábios, enquanto se voltava observando o pátio. Não havia nada de encantador ali: algumas tambores de óleo enferrujados amontoados sobre carretas velhas alguns sacos de cimento e material de construção. Em um  canto um pequeno quartinho de madeira. Júlia olhou e recuou horrorizada; era o banheiro, ou melhor, um buraco no piso, rodeado de cimento.
      Quando se decidiu a voltar, percebeu que Alex a estava observando.
      - E então, que tal sua nova propriedade, Júlia mou? - caçoou ele.
      - E bastante simples- respondeu Júlia, orgulhosa. - Ainda estou tentando encontrar o deposito de lenha.
      - Então vai ficar tentando por muito tempo. Em Argoli, quando você quer lenha, tem de recolher gravetos e galhos que encontrar pelo chão, perto das oliveiras. Acho bom você começar a procurar.
      - O que? - explodiu Júlia. - Você pensa que eu vou sair a procura de lenha debaixo desse sol?
      Alex franziu o cenho ameaçador.
      - Eu já lhe disse o que você vai fazer. Não me faça repetir.
      - Ah, mil desculpas. E enquanto eu trago água e busco lenha a moda primitiva, o que você estará fazendo exatamente? Afinal, aqui não existem os cafés para sentar, conversar e jogar com os outros homens. Não é assim que se divide o trabalho nesta região?
      - Se você pensa assim ... - Deu de ombros. - Mas não se preocupe, matia mou. Vou estar bastante ocupado. Em primeiro lugar, devo providenciar a nossa comida. Espero que você goste de peixe.
      - Imagino que não tenha escolha.
      - Agora sim você esta começando a entender.
      - Mas se somos as únicas pessoas na ilha como vieram parar aqui as galinhas e a estúpida cabra? Parecem estar muito bem cuidadas.
      - O nome da cabra é Penélope, e se você pretende tomar leite aqui, trate dela muito bem, Júlia. No entanto, você esta certa. Os animais chegaram ha pouco de Argoli; eu pedi que os trouxessem especialmente para a nossa lua-de-mel.
      - Devia estar planejando isso ha muito tempo. . .
      - Oh claro que sim. Desde o momento que decidi me casar com você, Júlia mou, em vez de fazê-la minha amante.
      - Você acredita realmente que eu faria algo assim? – revoltou-se Júlia. - Deveria ter tentado, kyrio. Eu o teria simplesmente esbofeteado e saído de sua vida; teríamos evitado toda essa farsa.
      - Como você gosta de se agarrar a ilusões, agapi mou. Desde o dia em que nos conhecemos, eu poderia tê-la tido no momento que desejasse, e se você tiver uma sombra de honestidade, vai reconhecê-lo. Durante todo o tempo do nosso noivado não entendia por que não a beijava, por que não a acariciava como você estava ansiando. Cada sorriso, cada palavra, cada olhar seu me diziam que não podia mais esperar para dormir comigo. Fiquei tentado, pode acreditar. Mas havia uma coisas mais importantes, naquele momento.
      - O seu desejo louco de me humilhar, não?
      - Quando concordou em ser minha mulher, tomou uma decisão de compartilhar da minha vida. Neste momento, minha vida é aqui e aprendera o que significa isso. Aprenda rápido, Júlia mou, e a lição logo terminara. E agora, vá cumprir com seus deveres. Aceite a primeira parte de sua lição: aprenda a me obedecer. Caso contrario, as conseqüências serão terríveis, eu prometo...
      - Quer dizer que vai bater em mim? - rebateu Júlia, com desprezo. - Não se esqueça de que ha leis contra tal tipo de comportamento.
      - Infelizmente para você, agapi mou, neste lugar, eu sou a lei - acrescentou suavemente. - Além disso, há punições muito mais terríveis do que a agressão física. Será que gostaria de experimentar?
      Júlia sentia a tensão aumentar entre eles e não pretendia perder a batalha. A guerra seria muito longa, era melhor recuar para depois ganhar mais terreno.
      - Não. Farei o que disse.
      - Decisão muito sabia. Volto em mais ou menos uma hora. Quero encontrar café quente no fogo, me esperando. Do lado da pia, ha um armário com tudo o que você possa necessitar - sorriu ele. – Ah, e não perca tempo pensando em maneiras de fugir, agapi mou. Estamos completamente sós nesta ilha deserta. Não é o idílico que você esperava compartilhar comigo?
      Alex deu-lhe as costas e desapareceu pelo lado direito da casa. Quando Julia tentou segui-lo, não havia nem sombra dele.
Ficou sozinha no meio da rua deserta, escutando o silêncio. Apesar de tudo, queria desesperadamente chamá-lo, trazê-lo de volta, ainda que fosse por um momento.
      - Oh, meu Deus!  Exclamou em voz alta.
      Não era possível que o quisesse, não alguém que podia tratá-la com tanto ódio, que realmente só lhe tinha rancor e nem ao menos sentia desejo por ela. Ainda que a deseja-se, qual o futuro que poderia ter tal relacionamento?
      Julia ergueu o rosto para o céu límpido e sentiu pela primeira vez, grossas lagrimas queimando-lhe as faces.
     
      CAPÍTULO VI
     
      A hora seguinte pareceu a Julia uma eternidade.
      A limpeza do fogão foi tarefa extremamente difícil e cansativa. As cinzas e a fuligem grudavam em seus cabelos, penetrando-lhe pela boca e nariz. O corpo estava coberto de transpiração e cinzas.
      Julia sabia que os gravetos e galhos secos que encontrara, e que com tanta dificuldade trouxera até a casa, mal dariam para o dia. O fogão parecia consumir voraz e impiedosamente todo seu esforço.
Não podia imaginar como era pesado puxar o balde cheio de água de dentro do poço; além disso,derrubara grande parte do precioso liquido, trazendo-o da rua ate a casa. Seus músculos, pouco treinados a carregar qualquer peso, doíam e latejavam. Mas conseguira colocar no fogão uma panela de água que já estava começando a ferver. Encontrou um vidro de café instantâneo e também duas canecas grandes.
      Alex sugerira que comeriam só peixe, mas Júlia encontrara uma vasta quantidade de enlatados no armário do lado da pia. Era obvio que ele pretendia passar muito tempo na i1ha.
      Do outro lado da casa, Júlia encontrara ferramentas de jardinagem e também um saco de batatas. Havia ainda uma boa quantidade de carvão que poderia ser usado para assar os peixes em um dos lados do fogão.
      Nesse momento, Júlia sentou-se, exausta, do lado do fogão, pensando como poderia sair daquela situação enlouquecedora. De maneira alguma suportaria mais um dia naquele lugar.
      Era inútil imaginar que Alex mudaria de posição. Ele estava determinado a destruí-la, assim como a Vó Pascoe havia previsto.
      E apesar disso, não podia negar a forte atração que sentia por ele. Acontecera desde o primeiro momento em que o vira. Ela, a inatingível, que jamais se deixara envolver com ninguém. Alex destruíra isso completamente na primeira vez que a tocara.
      Quando ele afirmara que a teria, só podia concordar, por mais que isso a envergonhasse.
      - Por que você está aí sentada? Por que ainda não limpou a casa? - Vociferou ele
      Júlia assustou-se ao ser surpreendida em seus pensamentos.
- Eu acendi o fogo e o café está pronto- explicou ela.
      - Não fez nada além da sua obrigação. Vejo também que conseguiu cobrir todo o piso e você mesma com toda essa sujeirada. Antes de pensar em se sentar para descansar, limpe toda essa porcaria.
      Alex saiu por um momento,  trazendo uma vassoura usada e grosseira.
      - Aqui esta - disse, estendendo-a.
      Julia mordeu os lábios enquanto viu encher a caneca de café cheiroso e sentar-se no terraço para saboreá-lo.
Sentia vontade de chorar, mas controlou-se e começou a varrer desajeitadamente. A boca ficou seca, com o gosto horrível das cinzas, e já nem mais pensava no café; só queria tomar um pouco de água. Agarrou a outra caneca e mergulhou-a no balde; quando já estava encostando-a nos lábios, morta de sede, sentiu um golpe que a arrancou das mãos, atirando todo o precioso líquido no chão.
-  Sua idiota! Você não pode beber água do poço se não for fervida. Eu já não lhe havia dito? Água potável, só da nascente.
- Eu me esqueci- enfrentou-o Julia. – E com certeza uma única vez não teria importância.
- Já lhe disse que não. E agora venha comigo.
Arrastou-a bruscamente pelo braço, caminhando até atrás da casa, onde no meio das pedras havia uma mina pro onde escorria um filete de água fresca.
- Mas eu não trouxe a caneca!- reclamou ela.
      - Use as mãos, assim- mostrou Alex, juntando as duas mãos.
Julia agarrou-lhe os pulsos, desesperada de sede, para beber um pouco de água. Por um breve momento ele não se moveu, mas repentinamente pronunciou algumas palavras duras em sua própria língua e soltou-a bruscamente. Pegou-a pelos cabelos forçando-a a encará-lo. Havia raiva em seus olhos e o rosto estava afogueado.
- Aprenda a tomar água sozinha, menina.
Voltou-se e se afastou bruscamente dela. Julia permaneceu onde estava. Percebeu que, por um momento, ele tinha sido afetado pela proximidade dela. Era um bom sinal, uma arma que poderia usar contra ele.
Bebeu água e depois mergulhou as mãos e lavou o rosto de toda a fuligem. Sentia-se bem melhor.
Quando voltou a casa, havia dois peixes sobre a mesa, ao lado de um facão. Alex estava acendendo a grelha.
- É o almoço?- perguntou ela.- Coitados.
- Você preferiria passar fome?- perguntou, seco.
- Não, mas há tanta comida enlatada...
- É para ser usada em caso de emergência, se eu não conseguir pescar. E agora, trate de limpá-los.
- Limpar, você disse? – engasgou.
      - Qual o problema?
      - Só um pequeno problema. Jamais toquei em um peixe que não estivesse servido em um atravessa.
      Alex levantou-se.
      - Suas habilidades domesticas são praticamente inexistentes, yineka mou- disse ele, rindo.- Imagino que eu deva estar agradecido pro você saber ferver água. Observe.
      Alex aproximou-se da mesa, tomou a faca e, com habilidade, começou a limpar um dos peixes. Julia percebeu horrorizada que ele lhe estendia a faca.
      - Agora é sua vez.
      - Minha vez? - disse, empalidecendo. - Não creio que possa fazê-lo.
      - E eu digo que você não tem escolha. Vai fazê-lo, a menos que pretenda passar o resto da vida sendo um enfeite inútil, pedhi mou.
      Júlia segurou a faca, as nãos tremulas, e começou a tarefa. Cinco minutos depois, mal podia crer em tal desordem; era muito pouco o que restou do peixe.
      - Esse vai ser o seu almoço - comentou ele, implacável.
      Sob a orientação de Alex, Júlia colocou o peixe cuidadosamente sobre a gre1ha e espalhou ervas e azeite de oliva por cima.
      Enquanto o peixe estava grelhando, Alex ensinou-a a preparar salada grega, com pepinos cortados e tomates enormes, azeitonas pretas e pedaços de queijo de cabra, temperado com grande quantidade de azeite de oliva verde e pouco refinado e limão, que ela havia colhido de um limoeiro no jardim.
      - Parece delicioso - confessou ela.
      O aroma do peixe e a aparência da salada abriu o apetite de Júlia. Embora a mesa não se parecesse em nada com o luxo da refeição no Clio, ela mal podia esperar para jantar.
      - Bom apetite e aproveite enquanto temos comida fresca- preveniu-a Alex.
      Júlia arregalou os olhos quando viu uma garrafa de vinho meio amarelado nas mãos de Alex.
      - E retsina - explicou ele. - Já experimentou?
      - Não, eu só conheço ouzo.
      Alex encheu um copo e estendeu-lhe.
      - Prove.
      - Meu Deus! O que e isso? - perguntou, depois de provar um gole, engasgando-se.
      - É a resina dos tonéis onde o vinho e guardado. É forte demais para você?
      - Pensei que fosse parte do castigo, que você estava tentando me envenenar.
      - Mas claro que não, agapi mou - disse, irônico. - Minha vingança não será completada tão rapidamente.
Para sobremesa, comeram uvas  que Alex havia trazido de um vinhedo do outro lado da vila. Eram grandes e deliciosamente doces.
- Foi uma refeição maravilhosa.
Julia estava exausta depois de tanto esforço físico.
-  Você não vai dormir ainda,  Julia mou. Só depois de lavar tudo e arrumar a sala.
      - Esta bem - contemporizou ela. – Vou colocar mais água no fogo.
      Quando terminou, o sol já se punha, mas a temperatura estava quente e não havia brisa. Julia afastou uma mecha dos cabelos que lhe caia sobre os olhos, sonhando com o banheiro de Ambermere. As mãos estavam vermelhas e cheias de bolhas.
      Quando Alex voltou para tomar o café que ela havia preparado, Julia perguntou-lhe:
      - Não há nenhum chuveiro?
      - Não, mas temos uma banheira. Você quer que eu a traga para a sala?
      Alex voltou com uma pequena banheira, que mal dava para uma pessoa sentar-se. Trouxe-lhe uma toalha áspera e uma barra de sabão grosseiro.
      - Quanto luxo! –comentou irônica.
      - Não demore muito – respondeu Alex, antes de sair e fechar a porta.
      Por sorte, ainda sobrar água suficiente para se lavar.
      Julia lavou todo o corpo e a cabeça, sentindo-se muito melhor. Quando terminou, arrastou a banheira até a porta para esvaziá-la; Alex não estava em parte alguma.
      Sentia-se relaxada e tão cansada que se dirigiu para o quarto. Colocou o vestido sobre a cadeira, as sandálias no piso e subiu na cama, que rangia sob seu peso dela.
      Estava quase dormindo quando escutou passos na escada. Sentou-se imediatamente.
      Alex surgiu no quarto e dirigiu-se a ela, quase gentil.
      - Então, você ainda esta acordada.
      Enquanto Julia o olhava, apreensiva, ele despiu a camisa e deixou-a cair no chão. Era a primeira vez que o via sem camisa. Como que hipnotizada, viu-o tirar o jeans, deixando-o cair junto à camisa; fez a mesma coisa com a cueca.
      Julia nunca havia visto um homem nu anteriormente, exceto em filmes ou estátuas. Alex pareceu-lhe um Deus grego.
Apontando para o monte de roupas no chão, Alex explicou:
- Para ser lavado, amanhã de manhã- disse, um sorriso irônico nos lábios.- Boa noite, minha bela esposa. Durma bem.

No dia seguinte, Júlia despertou com ruído de machadadas. Pensou que fosse reflexo de alguma dor de cabeça de cansaço. Levantou-se, vestiu o outro vestido, jogando o usado junto as roupas de Alex, que ele tão cinicamente despira na noite anterior. Colocou as sandálias e desceu.
      Encontrou Alex no pátio, trabalhando nas molduras novas para a janela.
      - Kalimera - saudou-o Júlia.
      - Metade da manha já passou - respondeu seco. - Quero café e ovos para o café da manha. E hoje Penélope deve ser ordenhada.
      Parecia que o pesadelo não teria fim. Júlia recolheu lenha para o fogão e foi procurar as galinhas; teve certo trabalho em tirar os ovos e levou algumas bicadas enquanto corria para a casa.
Penélope estava pastando pacificamente. Parecia mansa, mas Júlia não tinha nenhuma experiência com cabras. Em Ambermere, ela havia visto as vacas serem ordenhadas, mas por processo mecanizado, ultra moderno. Pensou em não fazê-lo e mentir para Alex, mas sabia que Penélope sofreria se não fosse ordenhada. Aproximou-se cautelosamente; a cabra não demonstrou nenhum interesse e continuou pastando. Tentou colocar o pequeno balde embaixo dela. Recebeu um coice no joelho. Estava ficando mais complicado do que imaginara. Demorou uma hora, mas finalmente conseguiu um resultado razoável. Voltou mancando para a casa, carregando, vitoriosa, o pequeno balde com o leite.
Preparou uma omelete com cebolas, tomates, pimentão e batatas. Serviu em dois pratos, acompanhada de dois pedaços de pão amanhecido.
Alex lavou as mãos na pia e sentou-se. Comeu em silêncio, sem um elogio.
- Estava boa a omelete?- perguntou Julia.
- Eu estava com tanta fome que nem sequer reparei. Amanhã você deverá estar de pé à mesma hora que eu. Além de suas obrigações, vai ter de fazer pão.
- Ter de fazer o que?- indigno-se ela.- Você acha que vou agüentar até quando esse seu tipo de tratamento.
- Vai agüentar até quando eu quiser- disse ele, levantando-se.- Quando você tiver aprendido seu lugar, Julia mou, quando tiver aprendido a ser submissa, aí então eu talvez possa mudar de idéia.
- Eu odeio você- murmurou.
- Verdade, agapi mou?- caçoou Alex.- No entanto, algo me diz que só tenho de beijá-la, como naquele dia do lago, para que você se derreta toda. Gostaria de fazer um teste agora?
- Não- murmurou Julia.
Sentia-se extremamente vulnerável. Lavou a louça e demorou mais de um hora para lavar as roupas. As bolhas que tinha nas mãos se romperam, deixando-as em carne viva. Jamais havia pensado como eram maravilhosas as máquinas de lavar e de secar que tinham em Ambermere. Não que ela jamais as tivesse utilizado. Toda a roupa que ela usava, graças à sra. Parsons, voltava miraculadoramente limpa e passada para o armário.
      Recolheu a roupa em um balde plástico e levou-a para secar ao sol.
      Voltando para casa, parou para observar Alex trabalhando a madeira com toda habilidade.
      - Onde você aprendeu a fazer isso?- quis saber Julia.
      - Aqui e em alguns outros lugares.
      - Era nisso que trabalhava antes de...
      - Antes de me apoderar dos milh5es da família Constantis? - completou ele, seco. - Não, pedhi mou. Aprendi porque deveria ser feito, e eu era o homem da casa.
      - E por que está consertando as janelas?
      - Porque estão estragadas.
      - Mas se ninguém vive aqui e não ha possibilidade que voltem tão cedo, por que o faz?
      - Nós vivemos aqui, Júlia mou.
      - Mas só temporariamente.
      - E posso saber o que a faz pensar assim? - perguntou, sardônico.
      - É obvio. Você e o presidente de um sem-número de companhias em todo o mundo. Cedo ou tarde tem de voltar ao verdadeiro mundo.
      - Mas, para mim, em certa época esse era o verdadeiro mundo. Vamos dizer que eu me cansei de tantas viagens, das cidades grandes e decidi que prefiro esse estilo de vida. Ainda mais, que tenha decidido que desejo ver o meu filho nascer aqui. Isso a surpreende, não e mesmo? Você estava certa de ter um filho em Ambermere e que tivesse seu próprio nome, não? Mas não será assim, minha adorada esposa.
      - E esse seu sonho então, kyrios Alexandros? Manter me aqui de pés descalços e grávida?
      - E se for? - provocou-a. - o que você faria? Pediria clemência?
      - Não acredito em você. Agora que já provou do gosto do poder, dificilmente vai abdicar dele. Trazer-me aqui e obrigar-me a esse tipo de vida e um exemplo perfeito. Você voltou porque quis, mas jamais poderia voltar a ser o desconhecido Alex de antes, mesmo que assim o desejasse. E não creio que o quisesse.
      - Com que autoridade você fala! E, no entanto, mal me conhece. Devo relembrá-la, agapi mou, que você ainda não conquistou um lugar nem em meu coração, nem em minha cama.
      - Por enquanto - respondeu Júlia, tentando não se rebaixar. -Mas isso não continuara assim, se você realmente quiser um filho.
      - Eu quero um filho. O que ainda não decidi, Julia mou, é se você será a mãe dele.
      Julia sentiu uma dor profunda, como se ele a tivesse esbofeteado. Deu um grito abafado e correu em direção ao mar, as sandálias resvalando-se nas pedras.
     
      CAPÍTULO VII
     
      Júlia sentou-se a beira da água, as costas apoiadas no que restava de um antigo pontão de concreto, olhando em direção ao horizonte, onde o azul intenso do mar mesclava-se com o azul pálido do céu.
      Parecia impossível sentir tanta dor e não morrer dela.
      Ela poderia ter suportado qualquer coisa, menos saber que Alex não a considerava digna de ter um filho seu.
      “Eu deveria ter percebido”, Júlia repetia para si mesma, a garganta apertada.
      Perguntara-se como poderiam eles ter algum dia uma relação verdadeira, da maneira como o casamento havia principiado. Pois bem; agora sabia. Alex não tinha a intenção de tê-la como esposa.
      Cerrou as pálpebras, lutando contra as lagrimas que teimavam em escorrer-lhe pelas faces. Chorar não ia resolver nada. Ela tinha de reagir, tentar planejar algo para quando ele se cansasse do jogo cruel a que a estava submetendo, e a deixasse partir. Mas, no momento, não conseguia pensar em nada alem das palavras cruéis de Alex e de seu ódio tão profundo.
      Levantou-se e começou a caminhar pelo antigo porto. Quando finalmente levantou a cabeça, viu um pequeno veleiro bem em frente a praia, carregando um único velejador que se divertia deslizando sobre as águas mansas, aproveitando ao máximo a brisa da manhã.
      Por um momento, Júlia olhou-o sem reação. Não havia ninguém vivendo em Argoli, mas deveria haver outras ilhas  próximas onde talvez existisse algum aeroporto de onde pudesse partir para Pireus. O pequeno veleiro deslizava rapidamente para além das pedras ao final da praia.
      Julia então começou a correr o mais que podia na beira do mar, movendo os braços e gritando:
      - Aqui, aqui! Pare, por favor, volte.
       Por um segundo, ela teve a impressão de que o rosto se voltou e que o velejador solitário a teria visto. Foi tudo o que precisou. Tirou as sandálias e atirou-se na água, nadando em direção ao barco que se afastava cada vez mais, até desaparecer atrás das pedras. Julia continuou nadando, desesperadamente.
      Quando notou que se afastava demasiado da praia, aproximando-se perigosamente das pedras, percebeu que era inútil e deixou-se levar pela correnteza em direção às rochas, quase não movendo braços e pernas.
De repente, escutou barulho de alguém atirando-se na água e imediatamente Alex estava ao lado dela; as mãos  sustentando-a vigorosamente
      - Solte-me! - gritou Julia, debatendo-se, a boca cheia de água salgada.
      - Acalme-se. Pare de se debater, sua pequena tola.
      Ele virou-a de costas e com o braço livre começou a puxá-la em direção a uma laje lisa entre as rochas. Chegando, deitou-a sobre as pedras.
      Julia permaneceu algum tempo, tossindo a água que havia engolido. Alex sentou-se próximo a ela, tratando de recuperar o fôlego.
- Christos, Julia- conseguiu dizer, a voz trêmula.- Nunca mais faça isso; nunca mais pense nisso!
      Ele deveria ter visto o barco e imaginado que ela pediria socorro, horrorizou-se Julia.
      - Eu só queria nadar um pouco; não sabia que era proibido.
      - Nadar? Com seu vestido?
      - Por que não? Não tenho nenhum maio aqui.
- Não minta. Quando eu a vi da praia você não estava fazendo nenhum esforço para nadar e quando cheguei você já estava começando a afundar... - afirmou ele, estremecendo.
      Só então Júlia percebeu o que ele queria dizer.
      - Você pensou que eu estava me afogando? Pensou que eu o faria deliberadamente? Não se iluda, kyrios, nada do que você diga ou faça poderá me levar a tal desespero. Todo o seu esforço em me salvar foi em vão. Como eu disse, só queria nadar um pouco e foi isso que eu fiz.
      Júlia tratou de se levantar e caminhou pela plataforma até chegar onde estavam suas sandálias.
      Era até bom que ele pensasse que ela tentara se afogar; assim, não saberia sobre o veleiro. Se um havia passado por ali, era bem provável que outros passassem. A partir desse dia ela viria todos os dias, sob o pretexto de nadar.
      O vestido molhado sobre a pele dava-lhe uma sensação desagradável; ansiava por trocá-lo, caso o outro já estivesse seco.
      Alex esperava por ela. Caminharam juntos pelas ruas da vila.
      - Júlia, você deve entender que eu me preocupei quando você fugiu daquele jeito, quando não voltou...
      - Claro que você deve ter ficado preocupado. Provavelmente já tinha alguma outra tarefa para mim.
      - Não, não era isso - tentava explicar Alex. - O que eu lhe disse naquela hora ...
      - Não foi pior do que qualquer coisa que você tem falado ou feito durante o nosso pretenso casamento - cortou Júlia, agressiva. - Fiquei bastante tempo no porto, pois tinha necessidade de refletir um pouco; foi exatamente o que fiz. Tudo sobre o nosso relacionamento tem sido um grande equivoco. Você não me quer como sua mulher e eu não quero continuar com essa farsa por mais tempo. Ate que você se decida a me deixar partir, vou trabalhar para você, não como sua mulher, mas como sua empregada. O salário que eu exijo são minhas roupas de volta e uma passagem de ida para a Inglaterra; esses são meus termos e não são negociáveis.
      - E como, exatamente, você pretende exigir que eu aceite suas reivindicações?
      - Farei greve - informou-o, altiva. - Se não for atendida, farei ate greve de fome. Acho que você terá sérios problemas para explicar como permitiu que sua própria esposa morresse por inanição em sua companhia, kyrios Alexandros!
      Durante algum tempo, houve um silencio pesado.
      - Esta bem - concordou ele. - Será minha empregada e nos termos que você estabeleceu.
      Em vez do alivio que esperava, Júlia sentiu-se invadida par um grande desanimo.
      Voltaram a casa em silencio. Alex tirou uma calça de algodão e uma toalha da gaveta e, sem voltar-se, tirou o maio molhado.
      Júlia ficou observando o corpo moreno e bem feito enquanto ele se enxugava.
      - A empregada não deve estar no quarto quando o patrão está nu - observou ele, sem olhá-la. - Vá cuidar de suas obrigações.
      Cobrindo o rosto afogueado com as mãos, Júlia correu para o pátio ensolarado.
      Quando chegou, ainda abalada pela grosseria dele, deu um grito de horror. Penélope voltou-se, sem largar o vestido limpo, que roia placidamente.
      - Meu Deus! - gritou Júlia, tentando em vão recuperar o vestido, ou o que restava dele.
      - O que houve? - perguntou Alex, atrás dela.
      - Isso! - exclamou, mostrando-lhe os trapos.
      - Cabras comem qualquer coisa, você não sabia disso?
      - Não! - disse, desesperada. - Só que ela não comeu nenhuma de suas roupas. Você deve tê-la treinado especialmente para roer a única troca de roupa que tenho!
      - As minhas estão em local alto para que ela não possa alcançá-las. - explicou Alex, não podendo mais conter o riso.
      - Não ria de mim, seu bastardo! - descontrolou-se. - Não ouse rir de mim ...
      Atirou-se sobre ele com os punhos fechados. Mesmo desprevenido, Alex era demasiado rápido para ela. Agarrou-lhe os pulsos com uma das mãos e com a outra a envolveu, trazendo-a para si.
      - Já chega - tentou acalmá-la - Controle-se.
      - Solte-me, maldito!
      - Não tente me dar ordens, Júlia mou - ameaçou-a, deixando de rir. - Nem agora nem nunca!
      Alex inclinou a cabeça e sua boca cobriu a de Júlia, abrindo-lhe os lábios, invadindo-lhe a boca com selvageria controlada.
      Júlia gemeu e tentou se desvencilhar, mas ele a imobilizou, agarrando-lhe os cabelos ruivos molhados e mantendo a cabeça dela junto a sua, enquanto a boca e a língua, moviam-se sobre a dela, até que parou de lutar e permaneceu trêmula em seus braços.
Júlia sentia o cheiro da pele dele misturado com o cheiro do mar e, de repente, começou a corresponder a seus beijos.
      As mãos de Alex moviam-se por todo seu corpo, sobre o vestido molhado, buscando e moldando cada curva, passando pelos seios, as curvas dos quadris, as coxas. Ela abraçou-o com mais força enquanto suas caricias se tornavam cada vez mais intimas e embriagadoras.
      Um grito abafado saiu da garganta de Júlia, mas foi o suficiente para quebrar o frágil encantamento que os unira por alguns segundos.
      Alex afastou-se bruscamente, murmurando algo em sua própria língua, visivelmente contrariado. Júlia escorregou para o chão.
      - Não era minha intenção - murmurou Alex para si mesmo.
      Voltou-se e partiu sem uma palavra.

      Júlia retirou o balde de leite e colocou-o a salvo, longe das patas de Penélope.
      - Pronto, sua pestinha.
      Depois de perder o leite varias vezes com os coices de Penélope e ser atingida no joelho, finalmente Júlia chegara a um convívio razoável, tomando certas precauções. Era incrível como tarefas que lhe pareceram impossíveis agora podiam ser cumpridas sem muito esforço.
      Carregando o leite de volta a casa, podia sentir o cheirinho do pão no forno. O primeiro pão que fizera havia sido um desastre completo. Parecia mais um tijolo, tanto na forma como no sabor.
      Mas havia melhorado muito e o pão agora era quase gostoso. A prática é a amiga da perfeição, concluiu.
      Já se passara quase uma semana daquele incidente, mas não podia se esquecer dos momentos em que estivera nos braços de Alex, por mais que se esforçasse.
      Naquela ocasião, ele só retornara a casa muito mais tarde, o rosto angustiado. Nunca mais haviam tocado no assunto.
      No entanto, intimamente, Júlia ansiava por estar outra vez em seus braços. Para lutar contra isso, levantava-se quando o dia clareava e perfazia suas obrigações, que agora lhe pareciam quase agradáveis. Percebera que era muito mais fácil fazer todo o trabalho pesado durante a manha, antes que o sol esquentasse muito. Assim, tinha mais tempo para si mesma. Além disso, pela primeira vez na vida sentia o prazer de realizar alguma coisa pelo seu esforço pessoal.
      Cada dia explorava uma parte da ilha. O interior era árido e pedregoso, mas tinha seu próprio encanto. Do outro lado, havia praias lindíssimas, com areia dourada e água cristalina.
      Embora estivesse sempre atenta, nunca mais viu nenhuma embarcação perto de Argoli.
      Seus passeios também lhe davam uma ótima desculpa para se manter afastada de Alex. Como haviam combinado, ele a tratava como se fosse sua empregada, sem ironia e com fria formalidade. Os únicos momentos em que passavam juntos era durante as refeições e havia sempre uma tensão perigosa no ar que estava prestes a explodir.
      Durante o dia, ele estava tão ocupado quanta ela, trabalhando em consertos da casa, que já tinha um aspecto muito mais bem cuidado. Era a noite que as paredes pareciam se fechar sobre eles, revelando uma perigosa proximidade.
      Júlia habituara-se a escapulir para seu quarto assim que escurecia; não podia estar no mesmo ambiente que Alex. No entanto, por mais ilógico que parecesse, desejava-o cada vez mais.
      Quase todos os dias Alex ia pescar. Júlia então aproveitava para lavar o único vestido que restara, enrolando-se em uma toalha e levando-o para secar na praia, bem longe de Penélope. Enquanto isso, nadava e tomava sol nua.
      Ela não podia negar que estivesse com a aparência mais saudável do que nunca em sua vida, o corpo todo bronzeado e a musculatura forte.
      Outra vez, o vestido parecia necessitar de uma boa lavada; estava cada vez mais desbotado e gasto. Lavou-o e decidiu-se a ir secá-lo em sua praia favorita, a uns quinhentos metros da vila. Estendeu-o em uma rocha perto de uma oliveira e mergulhou nas águas límpidas.
      Nessas horas, sentia-se quase feliz, nadando nas águas mornas por muito tempo e boiando. Podia esquecer que seu casamento fora um fracasso, um desastre, desde o principio. Dando um suspiro, começou a sair da água, torcendo os cabelos e levantando o rosto em direção ao sol.
      No momento em que saia foi que o viu. Estava no alto, perto de onde estendera o vestido. Júlia estacou.
      - Ti orea pou ise! Como você é linda! - exclamou Alex.
      Júlia recomeçou a caminhar lentamente em direção a ele, como se estivesse hipnotizada. Alex despiu-se, atirando a roupas na areia, e abriu-lhe os braços. Júlia atirou-se neles e suas bocas se buscaram. Ele a beijava por todo o rosto e pescoço com sofreguidão. Mergulharam na areia.
      Júlia sonhara que Alex a beijaria assim, acariciando-a. Ansiara por sentir a suavidade das mãos dele em seus seios, acariciando os bicos rosados ate que estes se pusessem eretos. A realidade era um prazer puro muito próximo da dor.
      Os lábios de Alex percorriam sua pele suave dourada pelo sol, sussurrando-lhe palavras de prazer e de desejo. Um pouco amedrontada, Júlia começou a acariciar-lhe o corpo nu, as costas, ate os quadris.
      Ela hesitou e Alex, beijando-lhe os lábios, guiou-lhe as mãos para seu corpo, mostrando-lhe o que queria. Júlia sentia-se tímida a principio, mas pouco a pouco suas mãos moviam-se acompanhando os gemidos dele.
      Alex inclinou a cabeça, roçando os lábios lenta e sensualmente por todo seu corpo ate chegar ao sexo. Júlia sentia-se desfalecer, ansiando para ser tocada por ele, mas, de repente, sentiu-se tomada pelo pânico do desconhecido.
      - Não, por favor...
      Alex levantou o rosto, olhando-a intensamente.
      - Confie em mim - sussurrou. - Ha diversos caminhos para o prazer, minha inocente. Este e apenas um deles.
      Júlia voltou a se reclinar e, com um pequeno so1uço, entregou-se a ele. Sentia-se como uma flor que começava a desabrochar. Seu corpo estremecia, as mãos abriam-se e
fechavam-se, a voz murmurando algo como o nome dele.
      Sentia como se fosse explodir e se ,despedaçar em mil pedaços. Então, Alex moveu-se súbita e delicadamente, o corpo sobre o dela, as mãos levantando-a pelos quadris, trazendo-a em direção a ele.
      E então, com toda a delicadeza e suavidade, ele a penetrou. Por um momento, sentiu uma dor que logo cedeu, dando lugar a um prazer crescente, conforme os dois se moviam em perfeita harmonia.
      Por um segundo, permaneceram imóveis, a expressão torturada do rosto de Alex enquanto a olhava.
      - Eu desejei tanto esse momento... você não pode imaginar - murmurou ele, a voz entrecortada.
      - Não? - sussurrou ela, enquanto ele recomeçava a se mover. – Oh Alex, Alex...
      Júlia seguia o ritmo de Alex, maravilhada com a simplicidade do ato, com a gentileza. Beijaram-se, primeiro suavemente, as línguas se tocando sensualmente, e então com uma paixão desenfreada.
      A primeira convulsão assustou Júlia. A segunda fez com que gritasse de prazer e dor quando o prazer levou-a a outra dimensão de tempo e espaço, deixando-a suspensa em doce agonia que ameaçava despedaçá-la. Alex tremia convulsivamente em seus braços, murmurando algo em seu próprio idioma enquanto atingia o clímax.
      Pouco a pouco, ainda colados um ao outro, voltaram a realidade. Júlia sentia-se lânguida, totalmente relaxada. Quando Alex começou a se separar dela, segurou-o, entrelaçando as mãos em torno de seu pescoço.
      - Não me deixe - murmurou, os olhos cheios de promessas. - Ainda não ...
      Mas ele não sorria. Quase casualmente, soltou as mãos dela do pescoço, libertando-se do abraço. Rolou para o outro lado, e ai permaneceu, tentando controlar a respiração, o braço cobrindo os olhos.
      - Alex, ha algo errado? - quis saber, tocando-lhe a face, timidamente.
      - O que poderia haver de errado? - respondeu brusco, levantando-se e colocando o jeans. - Você e tão ardente quanto qualquer homem poderia desejar. Espero que você
tenha ficado satisfeita também.
      Júlia enrubesceu, sem saber o que pensar.
      - Foi... maravilhoso. Então, por que não...
      - Repetimos? - ajudou-a seco, subindo o zíper.
      - Sim.
      Alex riu zombeteiro, os olhos percorrendo o corpo nu dela com insolência.
      - Tão depressa, agapi mou? - perguntou - Sente um desejo tão intenso por mim? Ou você só quer se vangloriar sobre seu garanhão grego para aquela mulher na Inglaterra?
      Sorriu friamente quando percebeu a expressão de terror que tomava conta do rosto dela.
      - Vejo que finalmente você começa a me entender. Neste caso, você deve saber por que devo desapontá-la. Desfrute de suas lembranças, minha bela esposa - continuou ele. – Pois, como você mesma disse certa vez, terá de se conformar com isso.
      Alex voltou-lhe as costas e partiu.
     
      CAPÍTULO VIII
     
      Júlia levantou-se e começou a caminhar, trôpega, como se uma nuvem de dor estivesse embaçando-lhe os olhos.
      Podia lembrar-se de cada palavra, de cada insinuação que Tricia Bosworth havia lhe feito em seu quarto, no dia do casamento.
      Mas deixara o incidente para trás. Não havia mencionado para ninguém o que aquela horrível mulher lhe dissera. Como era possível, então, que Alex soubesse? Será que a sra. Bosworth teria tido a baixeza de procurá-lo para contar-lhe tudo? Não, não era possive1, nem mesmo Tricia seria capaz de fazer algo semelhante.
      Quando Júlia vestiu-se e colocou as sandálias para correr atrás de Alex a fim de explicar-lhe tudo, ele já havia desaparecido. Embora tivesse corrido pela praia gritando o nome dele, não obtivera qualquer resposta.
      Ainda que o tivesse alcançado, teria Alex acreditado que ela se revoltara com os comentários grosseiros de Tricia, mas decidira não contestá-la para não lhe dar o gostinho da vitoria? Era bem pouco provável.
      Talvez ela tivesse alguma chance de convencê-lo se não o tivesse chamado de camponês e de tantas outras grosserias.
      Estava tão atordoada, que se equivocara e perdera o caminho que levava a vila, dando a volta no porto e saindo pelas pedras, esfolando pernas e braços.
      O pequeno veleiro estava sobre a areia, próximo ao porto.
      Júlia permaneceu estática, olhando-o fixamente, o coração ao aos pulos.
      Não havia nenhuma pessoa nas proximidades. Tudo o que tinha a fazer era subir no barco e partir. Ela já havia pilotado esse tipo de veleiro muitas vezes. Não seria roubo, apenas um empréstimo; quando chegasse a ilha mais próxima, explicaria tudo as autoridades, que, com certeza, enviariam outro barco para recolher o legitimo dono.
      Ela tinha de fugir de Argoli, de Alex, que a odiava, que só desejava puni-la, que só havia feito amor com ela para alcançar alguma vingança perversa, para humilhá-la mais ainda.
      Pois bem, ela já não agüentava mais. Não suportaria mais tanta crueldade.
      Olhando ao seu redor Júlia aproximou-se cautelosamente do veleiro, que estava muito bem equipado e era fácil de manejar. O que ela estava esperando? Tudo o que tinha a fazer era subir e partir. Havia uma leve brisa sobre a água que a conduziria a liberdade.
      Sentiu um arrepio súbito. Que liberdade seria essa sem Alex? Separar-se dele significava uma prisão, condenação à solidão para todo o sempre.
      Assustada, percebeu que os meios para fugir haviam chegada demasiado tarde. Parada ali, sentia-se mais só do que nunca e percebera súbita e totalmente que amava Alex, que provavelmente havia se apaixonado por ele no momento em que o vira. Era por isso que concordara com esse casamento tão louco. Não por causa de Ambermere, mas porque queria estar com ele para sempre. Ela tentara se enganar com argumentos tolos, mas essa era toda a verdade.
      Alex a trouxera para Argoli a fim de ensinar-lhe uma lição e ela havia aprendido a conhecer a si própria, mas agora era tarde demais.
      Não, não podia ser tarde demais! Ele a desejava e Júlia faria tudo para que Alex se apaixonasse por ela.
      Virou-se lentamente, tomando o caminho que a levaria a casa.
      Viu ao longe um homem caminhando na direção dela, vestido com short imaculadamente branco e camiseta azul marinho. Era o ve1ejador solitário, que deveria estar explorando a ilha.
      Júlia estancou de súbito quando percebeu quem era ele. Pensou em correr, mas era demasiado tarde.
      - Júlia?- perguntou o rapaz, com incredulidade. - Julia Kendrick? Mas não é possível!
      - Olá, Paul, como vai? - saudou-o com um sorriso o mais natural possível!.
      - Acho que estou tendo alguma visão! - exc1amou ele, ainda incrédulo. - Argoli esta deserta ha muitos anos. Ninguém vem ate aqui .
      - No entanto, aqui estou eu - contestou ela, tentando ganhar tempo.
      - Então foi você que eu vi outro dia - disse Paul, lentamente. - Pensei que fosse uma alucinação. Uma garota de cabelos ruivos acenando dessa terra desolada. Mas o que você esta fazendo aqui? O que aconteceu? Você foi vitima de algum naufrágio, de algum desastre?
      Era obvio que ele estava comparando as roupas dela com as que usara naquela noite sofisticada quando haviam jantado juntos, ha algum tempo atrás.
      - Não exatamente... - tentou explicar. - E difícil dizer...
      - Não - interrompeu Alex. - E muito simples.
      Alex se aproximara sem que ninguém se desse conta. Júlia sobressaltou-se e Paul Constantis deu um passo para trás.
      - Alexandros - gaguejou Paul. - Você aqui?
      - E por que não? Júlia mou, conte ao meu primo Paul como você veio parar aqui e por que. Ele esta ansioso para saber e estou certo de que achara a historia fascinante.
      Paul olhava um e outro, intrigado. Tentou dar risada.
      - Há algum mistério? Eu... eu nem sabia que vocês se conheciam. Devo estar sendo inconveniente...
      - Na verdade, você esta sim, Paul - afirmou Júlia, o rosto altivo. - Sabe, Alex e eu estamos passando aqui nossa lua-de-mel.
      Houve um longo silencio pesado e em seguida Paul começou a rir ruidosamente.
      - É uma brincadeira? Faz apenas algumas semanas que nos encontramos, Júlia, e você quer dizer que neste meio tempo ficou conhecendo meu primo e se casou com ele? É muito difícil de acreditar!
      - Mas é verdade - assegurou Júlia, colocando-se ao lado de Alex. - Alex e eu nos casamos há dez dias, não e, querido?
      - É verdade - confirmou Alex, sem demonstrar nenhuma emoção.
      - Mas não pode ter acontecido! Deveria ter saído alguma nota nos jornais. Não deixariam escapar um acontecimento como esse - insistia Paul, nervoso. - Por que a família não foi comunicada? .
      - Minha mãe foi - respondeu Alex, gelado. – Pensei que ela lhes daria a noticia. Como você esta aqui, presumo que estão hospedados na casa dela, não é?
      - Sim, todos nós. - confirmou Paul, contrariado. - Ela nos convidou; disse que seria uma reconciliação e que tinha uma surpresa para nos. Pensamos que... quer dizer ... não podíamos imaginar ...
      - Entendo - disse- Alex, irônico. - E agora você sabe.
      - E, agora eu sei - murmurou Paul, mordendo os lábios. - Mas por que vocês vieram para cá? Isso não é lugar para lua-de-mel, po po po. Nenhum homem faria isso com sua noiva. Nenhuma mulher aceitaria isso ...
      - Você nunca ouviu falar de lua-de-mel de trabalho?  - interrompeu Júlia, serena. - Todos os lugares nos pareceram tão comuns que quando Alex comentou que pretendia
restaurar essa casa em uma ilha deserta, eu me entusiasmei com a idéia; pareceu algo extraordinariamente romântico. E tem sido maravilhoso. A casa esta ficando linda e será um lugar perfeito para um dia trazermos nossos filhos.
      Houve uma pausa, como se Paul estivesse tentando compreender o que se passava.
      - Você é muito corajosa, Júlia mou, e muito leal para agüentar tal situação. No entanto, quando passei com o veleiro por aqui há alguns dias, tive a nítida impressão de que uma mulher estava pedindo socorro, embora me parecera uma alucinação. Não é estranho?
      - Totalmente absurdo - contestou Júlia, passando o braço pelo braço de Alex.
      - Em vez disso, você é a mulher de Alex, e bem real. E quando pretendem deixar essa reclusão idílica?
      - Agora que nosso segredo foi descoberto, não há razão para continuarmos - respondeu Alex, brusco. - Quando você chegar em Lymnos, por favor peça a minha mãe para mandar Yannis nos buscar imediatamente.
      - Com o maior prazer - assentiu Paul, já sorridente. - Ela sabe que vocês estão aqui?
      - Não. Ela tem consciência de que a lua-de-mel é algo privado.
      - É claro - concordou Paul. - E sua mãe é especialista em guardar segredos, não é mesmo? Será uma surpresa formidável, não só para ela como para toda minha família.
Todos vão adorar sua mulher.
      Com isso, Paul se despediu, subindo no veleiro sem olhar para trás. Assim que ele sumiu, Alex se afastou bruscamente de Júlia.
      - Nós vamos partir mesmo?- Júlia quis saber.
      - Você ouviu o que eu disse.
      - E vou ter de conhecer sua mãe e o resto da família vestida nestes trapos?
      - É claro que não, o que você acha que eu sou? Suas roupas estão aqui, desde o principio.
      - Então, eu gostaria de tê-las de volta agora, por favor.
      Quando já se dirigia a casa, Alex segurou-a pelo braço.
      - Por que você fez aquilo? Por que fingiu? Poderia ter lhe contado toda a verdade, fazendo-me pagar muito caro por todo o sofrimento que lhe causei. Ele adoraria saber como eu a mantive prisioneira aqui, humilhando-a de todas as maneiras possíveis. Meu primo Paul poderia ter salvado você, fazendo-a contar a historia para a imprensa internacional. Eles iriam adorar o furo. Por que então você não lhe contou a verdade?
      “Porque o amo”, quis te dizer. “Porque meus instintos me levam a protegê-lo, apesar de tudo.”
      - Talvez eu creia que o que se passou aqui seja assunto nosso - disse, libertando o braço. - E talvez minha sede de vingança não seja tão avassaladora quanta a sua. - Caminhou com a cabeça ereta ate a casa, deixando-o só.
     
      O pão que havia feito naquela mesma manha ainda estava sobre a mesa da cozinha. Bem, essa era uma tarefa que não teria mais de fazer, concluiu, sentindo uma certa nostalgia.
      Júlia ouvira dizer que prisioneiros muitas vezes passavam a amar suas prisões e podia agora acreditar nisso, embora sua estada não tivesse sido muito prolongada. Parecia que havia perdido a noção do tempo, mas o que mais importava era esse dia em que pertencera a Alex, finalmente.
      Sentiu uma profunda em emoção ao recordar-se dos momentos que tiveram juntos. Interrompendo seus pensamentos, Alex entrou carregando uma das maletas que supostamente havia ficado no Clio.
      - É melhor que você se vista- disse ele, brusco. – Assim que Paul transmitir minhas ordens, o barco será mandado imediatamente para cá.
      - Será que sua mãe não vai achar tudo isso muito estranho?
      - Talvez sim. Mas não fará nenhum comentário a respeito. Ela mesma não teve uma vida muito convencional.
      - Imagino que não - disse Júlia, mordendo os lábios. - Ela... ela fala inglês?
      - Você está com medo de se confrontar com outra camponesa ignorante, Júlia mou? - perguntou, cínico.
      - Não, Alex, pelo amor de Deus! Será que não poderíamos esquecer todas essas bobagens? Já paguei caro demais por todas as tolices que falei ou que pensei. Por favor, não me culpe pelo que Tricia Bosworth falou. Não tenho a menor idéia por que ela fez aqueles comentários. Eu me senti enojada...
      - Eu também - interrompeu ele. - No dia do nosso casamento, eu estava preparado para esquecer o passado. Você tinha um ar tão adorável, tão inocente, quando andava em minha direção, que qualquer idéia de punição, de salvaguardar meu orgulho a sua custa, pareceu-me revoltante, ate grotesca. Então, decidi abandonar meus planos de trazê-la para cá. Em vez disso, cheguei a acreditar que, pouco a pouco, você poderia se apaixonar por mim.
      - Mas Alex ...
      - Não, escute-me. Durante todo o tempo depois da cerimônia, eu ansiava por estar a sós com você. Quando subiu para o quarto, decidi ir atrás. A porta estava aberta e eu escutei toda a sua conversa com Tricia Bosworth. Senti um ódio tão intenso, que resolvi retomar os planos iniciais.
      - Mas você não pode acreditar que eu tenha concordado com todas aquelas maledicências dela, não pode!
      - Eu acredito no que ouço. Você, em nenhum momento, contestou o que ela dizia. Na verdade, concordou o tempo todo!
      - Era o que parecia! - Júlia desesperou-se. - Mas não foi o que realmente aconteceu. Oh, Alex, você tem de acreditar em mim! Não discuti com ela porque era exatamente o que ela queria: uma pequena cena e a satisfação de saber que havia me atingido. Eu só queria que ela se fosse. É uma mulher mesquinha, maligna. Você pode perguntar a qualquer um que a conheça.
      - Apesar disso, quando eu vi a sra. Bosworth pela primeira vez, só falou a verdade sobre a sua idéia de casar-se com a única intenção de conservar Ambermere.
      - Não! Alex, por favor, você esta completamente errado...
      - É verdade. Errado desde o começo. Errado sobre tudo. Mas, afinal, o que importa? Nos dias de hoje, um erro, por mais grave que seja, não deve ser transformado em uma tragédia para toda a vida. Não precisamos mais nos punir. Você terá Ambermere com nosso divórcio, Júlia mou!
      - Você vai se divorciar de mim? - conseguiu dizer Júlia, atordoada. .
      - Será um acordo pacifico e, espero, civilizado. Quem sabe, pelo menos nosso casamento terminara dignamente.
      - Mas mal começou... Você não sente nada por mim? Você me pareceu tão ...
      - Perdi o autocontrole, quando a vi emergindo das águas como Afrodite, agapi mou. Mas foi só por um momento.
      - Então você vai contar tudo a sua família, e a sua mãe?
      - Não. Em publico, você será minha esposa. Só nós dois saberemos que será apenas minha convidada. E faremos com que nossa estada seja a mais breve possível!
- Está bem - a voz de Júlia soava cansada. - Acho que será melhor assim. Obrigada por trazer a maleta.
       - Quer que eu a leve para cima para você?
      - Não, obrigada. Posso fazer isso sozinha.
      Sozinha ... Era algo com que ela deveria aprender a se acostumar, pensava, enquanto subia orgulhosamente a escada, o coração partido. Só, e em Ambermere.
  Durante toda a vida, fora essa a grande ambição de Júlia. Mas deixara de ser a mesma criança mimada e orgulhosa. Nesse momento, era uma mulher vulnerável e com o coração destroçado. A única coisa que desejava na vida a partir de então escapara-lhe definitivamente. Suas chances de ser feliz com o homem que amava haviam-lhe sido cruel e bruscamente arrancadas para sempre.

CAPÍTULO IX

      Assim que o barco chegou, Alex foi cumprimentar Yannis. Era um homem baixo, moreno, de ombros largos e olhos doces. Abraçou Alex e despejou-lhe um turbilhão de palavras em grego.
      Sorriu para Júlia, carinhosamente, tomou-lhe as duas mãos, saudando-a efusivamente. Ajudou-a a subir no barco com todo o cuidado.
      Júlia estava com os nervos a flor da pele, mas sabia que não poderia perder o controle diante de Alex. Talvez ele não mais a desejasse, mas jamais permitiria que sentisse pena dela.
      Ao abrir a maleta em seu quarto, a primeira coisa que viu foi o vestido do casamento; sentiu um aperto na garganta, difícil de controlar. Mas ela devia ao menos salvar seu orgulho próprio. . .
      A viagem de barco demorou meia hora. Alex estava ao leme e Júlia sentou-se atrás, meditando sobre seu destino, sentindo a brisa do mar e tentando deixar para trás sua breve vida em comum com Alex.
      Quando se aproximavam da costa de Lymnos, Júlia pode ver um aglomerado de casas brancas dominadas por uma pequena igreja, rodeando o porto.
      Alex passou pela vila, seguindo a costa.
      A paisagem era muito diferente da de Argoli. A ilha era bem maior, muito mais verde. Era também muito mais montanhosa. Júlia imaginava se teria a chance de conhecer melhor as redondezas, mas logo descartou a idéia.
      O primeiro problema seria enfrentar a mãe de Alex. Ela tentava imaginar como seria fisicamente, mas não conseguia. Alex quase não falara nela.
      O  sol estava começando a se pôr, espalhando reflexos avermelhados sobre o mar. Alex diminuiu a velocidade, dirigindo se a uma praia particular cujo pontão começava a se delinear.
      Havia alguém esperando por ele; era uma mulher vestida elegantemente com calça de linho branco e blusa bege. Tinha cabelos castanhos cortados reto na altura dos ombros, um rosto muito atraente sem ser bonito e tinha os braços abertos.
      “Seria a prima Zoe?”, pensou Júlia. No entanto, quando se aproximaram mais, deu-se conta de que era uma mulher mais madura, com uma expressão estranhamente familiar.
      - Alexandros mou! – disse a mulher, atirando-se nos braços de Alex. - Seu bandido! Enganando-me, fazendo-me pensar que você estava a bordo do Clio, enquanto estava aqui tão perto! Mas não posso culpá-lo. Um iate seria um lugar demasiado publico para uma lua-de-mel.
      Abraçou-o mais uma vez e voltou-se para Júlia.
      - Então você é minha nova filha - disse, carinhosa. Bem-vinda a Lymnos, meu bem.
      Júlia ficou paralisada. Essa era a mãe de Alex? Era ela a suposta camponesa que George Constantis havia seduzido? Vendo-a e ouvindo a voz, Júlia reconheceu-a de imediato.
      - A senhora é Maria Xanthe! - conseguiu dizer Julia.
      - Sou sim, mas você parece surpresa com isso.
      Maria Xanthe, lembrou-se Júlia, a famosa atriz que encantará Hollywood anos atrás e que depois de uma carreira meteórica, abandonara a profissão no auge da fama. A grande atriz cujos filmes eram cultuados em todo o mundo. Maria Xanthe, por mais inacreditável que fosse era a mãe de Alex.
      - Mas Alexandros não lhe havia contado? Maria perguntou sorridente. - E por que não?
      - Eu quis fazer uma surpresa para minha mulher, kouglamou - disse Alex, passando-lhe o braço pelos ombros.
      - Pois você conseguiu, meu filho – repreendeu-o suavemente. - Talvez tenha sido mais do que uma surpresa para ela! Um choque terrível.
      - De forma alguma, sra. Xanthe - disse Júlia. – De qualquer modo, eu já deveria estar acostumada com as surpresas de Alex. Para mim é uma grande honra conhecê-la. Eu vi todos os seus filmes.
      - Não pode ser - riu a atriz. -. Você é jovem demais. Ah provavelmente você deve ter assistido pela televisão inglesa. E de qual deles você mais gostou?
      Júlia percebeu que estava sendo testada.
      - Bem, apesar de mostrarem mais A Escuridão da Madrugada eu preferi Norte da Cidade.
      Maria Xanthe pareceu satisfeita com a escolha.
      - Também é meu favorito - disse, passava o braço pelos ombros de Júlia e caminhando em direção a casa. -Vou gostar muito dessa menina bonita com quem você se casou, Alex. Você está perdoado por tê-la escondido em Argoli.
      Voltou-se para Júlia.
      - É triste ver a ilha abandonada, não? Em certa época, havia muita gente vivendo ali, era uma ilha feliz, muito importante para mim. Nos dias de hoje, não consigo mais ir até lá.
      - Será novamente uma ilha feliz; mamãe – murmurou Alex- quando os seus antigos habitantes retornarem.
      - A primeira vez que Alex disse isso - riu Maria -, pensei que fosse só um sonho. Mas sei agora que o que o meu Alexandros diz ele cumpre, por mais que lhe custe. Por isso, Júlia mou, cuide-se.
      - Acho que já descobri isso por mim própria - murmurou Júlia.
      - Tão cedo? Po po po. Mas afinal, vocês estavam sós, tendo dia e noite só para conhecerem um ao outro.
      Júlia esboçou um sorriso em resposta. Quão pouco Maria Xanthe sabia! Ela obviamente pensava que os dois haviam passado momentos idílicos na praia, fazendo amor e tomando banho de sol.
      Ela pensava qual seria a reação de sua sogra se lhe relatasse: “Passava os dias trabalhando tão duro como jamais houvera sonhado, sem tempo para nada, e as noites rolando no colchão duro, esperando pelo amante que jamais chegava”. Seria a vez de a atriz ficar chocada.
      A casa era linda e aconchegante, toda branca, rodeada de primaveras, com as janelas e portas em madeira escura.
      Dentro, estava surpreendentemente fresco, com grandes e antigos ventiladores girando no teto.
      Maria tirou as sandálias, caminhando descalça pelo saguão de mármore até que chegou a porta da sala de estar.
      - Venha, querida, quero apresentá-la aos outros.
      Júlia sentiu um impulso covarde de virar-se e correr: no entanto, controlou-se e seguiu Maria.
      Deparou-se com um estranho quadro. A primeira pessoa que viu foi Paul, obviamente nervoso, de pé, atrás de um sofá onde estavam sentadas duas mulheres.
      Uma delas já tinha certa idade, o rosto marcado e altivo. Vestia-se de negro, a cor tradicional das viúvas, mas portava colares e pulseiras onde luziam diamantes.
      - Júlia, quero apresentar-lhe a sra. Sophia Constantis que é minha hospeda aqui. Paul, que você já conhece. E sua irmã, Zoe.
      Zoe Constantis era uma jovem muito bonita, olhos amendoados e pele cor de azeitona, corpo muito bem-feito. Trajava um vestido caro, um pouco vistoso demais. A beleza dele era ofuscada por uma expressão hostil que não tratava de esconder. Assim como a mãe, estendeu a mão para Júlia, mas da maneira mais fria possível.
      Julia logo percebeu que ela havia estragado os planos de Sophia em relação a Zoe e Alex. Era obvio que a sra.· Sophia não estava muito feliz em ter perdido a fortuna da família para um estranho. Se pudesse reavê-la através de um casamento entre os primos, tudo estaria resolvido.
      Júlia afastou-se um pouco, sob o pretexto de olhar um bonito retrato de Maria Xanthe. Logo a atriz reuniu-se a ela com um copo de bebida.
      - Aqui esta, pedhi mou, um legado da America um Martini seco. Se soubesse que vocês viriam, não teria enchido a casa de convidados. Depois do jantar, poderá ficar a sós no quarto com Alex. Eu só quis fazer o melhor. George, com certeza, gostaria que eu fosse gentil com a família dele, e não podemos ser inimigos para sempre.
      - Tenho certeza de que Alex concorda com a senhora - disse Júlia, engasgando-se com a bebida.
      - Está um pouco forte, não? Achei que você precisava de alguma coisa para relaxar, meu bem. Em um momento, você está a sós com Alex fazendo amor; no momento seguinte, esta rodeada dessas pessoas hostis que ficam observando-a como se fosse um inimigo. Mas não pense que você e a única vitima da frustração deles. Como crê que me olharam a primeira vez que nos encontramos? A verdade deixou-os estarrecidos!
      - Mas com certeza deviam já ter ouvido falar na senhora - protestou Júlia.
      - Em Maria Xhante, claro que sim, mas esse e meu nome de atriz. Meu verdadeiro nome e Maria Cristoforou e é o nome que aparece na certidão de nascimento de Alex. Foi por isso que consegui preservar minha privacidade até que eu decidi torná-la publica. Você poderia imaginar qual seria a reação deles se soubessem quem eu era durante aquele absurdo processo? Eu não poderia haver suportado. Mas agora que eles dependem de Alex para manter o alto padrão de vida a que estavam acostumados, não ousariam fazer qualquer tipo de comentário.
      Maria parou por alguns instantes, os olhos enchendo-se de lágrimas.
      - Quem se importa agora? O meu George esta morto há tantos anos! -desabafou, enxugando os olhos e voltando a sorrir. - O jantar está servido, Júlia mou; você se sentará a meu lado.
      Júlia mal conseguiu lembrar-se da refeição. Tentara provar um pouco de cada prato. Maria Xanthe esforçava-se para controlar o ambiente tenso, conversando sobre amenidades, envolvendo todos os participantes.
      Mas a atenção de Júlia estava voltada só para Alex, que, do outro lado da mesa, lançava-lhe olhares de raiva.
      “Por favor”, Júlia pedia silenciosamente. “Não é minha culpa se sua mãe gostou de mim; também não é minha culpa que ela, esteja fazendo o possível para que eu me sinta em casa...”
      O jantar parecia não ter mais fim; culminou com café forte adocicado e um licor que parecia ser de tangerina. Quando finalmente terminara, Júlia desculpou-se e pediu para ir ao quarto. Maria Xanthe insistiu em acompanhá-la.
      O aposento era amplo, mobiliado de modo simples, mas confortável, a colcha e as cortinas de tecido feito por artesãos da própria ilha.
- Tudo.que há nesta casa foi escolhido por mim – explicou Maria, feliz. - Creio que você encontrara tudo o que necessita, exceto seu marido, que vou mandar logo de volta para você.
      Maria beijou Júlia na testa, traçando com os dedos o sinal da cruz.
      Deusa a abençoe, querida, seja feliz e faça com que meu Alex seja feliz também; e dêem-me bonitos netos. - Logo em seguida, retirou-se do quarto, deixando-a a sós.
      Júlia sentiu-se completamente exausta, mas não tinha sono. Andou de um lado para o outro, examinando cada detalhe. Deu uma espiada no pequeno banheiro descobrindo fascinada, a banheira, a pilha de toalhas felpudas e as prateleiras repletas de loções e essências para banho. Júlia quase se esquecera de como um banho podia ser algo tão luxuriante. Encheu a banheira e derramou um pouco de óleo perfumado; ensaboou os cabelos com shampoo e mergulhou na água morna.
      Embora sentisse o corpo relaxar de imediato, a mente não parava de dar voltas.
      Se Tricia Bosworth não tivesse ido a seu quarto, como a vida teria sido diferente! Estaria feliz agora nos braços de Alex.
      Saiu da banheira e enrolou-se em uma grande toalha felpuda, antes de secar os cabelos. Passou uma loção perfumada por todo o corpo, ate que sua pele se tornasse suave e brilhante. Vestiu a camisola e entrou no quarto.
      Alex estava parado, olhando pela janela para a escuridão.
      - Minha mãe disse que você me chamou- disse ele, sem se voltar.
      - Não... quer dizer... sua mãe tem uma visão bastante romântica do nosso relacionamento- Julia respondeu, hesitante.- Alex, você tem de lhe contar a verdade. Não é justo deixá-la acreditar que este é um casamento verdadeiro. Ela me fez sentir tão bem-vinda. Sinto-me como se a estivesse enganando.
      - A atitude dela tem criado certas dificuldades- disse Alex.- Como também a presença de tia Sophia e seus filhos. Principalmente depois que você fez o papel tão perfeito de recém-casada amorosa diante de meu primo, nesta tarde. Ele acharia, no mínimo, estranho que nosso casamento terminasse logo algumas horas depois. E poderia começar a fazer certas perguntas que não gostaríamos de responder.
      - É verdade, mas naquele momento não me ocorreu nada melhor para dizer- concordou Julia, infeliz.- O que você sugere?
      - Que qualquer separação aconteça depois que tivermos saído daqui. Será muito mais fácil. Minha viagens constantes poderão servir com excelente desculpas.
      - Você já tem tudo planejado, não é mesmo?- disse ela, desanimada.- Faça como quiser. Mas agora estou realmente cansada e gostaria de ficar a sós.
      Ele voltou-se lentamente, percorrendo-lhe o corpo com os olhos, uma expressão zombeteira no rosto.
       - E para onde você sugere que eu vá, agapi mou?
      - Não tenho a menor idéia. Mas imagino que deva haver muitos outros quartos na casa; como, Por exemplo, o quarto de sua prima Zoe.
      - Ah, certamente- murmurou ele.- Mas há que considerar a virgindade de minha prima. A primeira vez que um homem entrar em seu quarto ou em sua cama, será a noite de núpcias.
      - Se é assim, você terá de esperar um pouco mais, não é mesmo? Disse Julia, mordaz.
      - É o que parece, mas, enquanto espero, deverei seguir as convenções- disse ele, com um sorriso tenso.- Sinto muito, minha esposa, porém, enquanto estivermos em Lymnos deveremos compartilhar do mesmo quarto.
      -Não!- revoltou-se.
      - Como você é volúvel! Há poucas horas estava agarrada a mim, implorando-me com seu corpo inteiro para que eu a possuísse outra vez.
      - Isso é passado. Agora é muito diferente.
      Alex começou a se mover em direção a ela e Julia recuou.
      - Não chegue perto de mim!
      - É uma ordem?- caçoou Alex.
      - É um apelo ao seu senso de decência. Nosso casamento terminou. Por que você insiste em me torturar?
      - Torturar?- repetiu ele.- Não ouvi nenhum pedido de clemência antes.
      Alex estendeu a mão e baixou uma alça da camisola, acariciando-lhe o ombro nu.
      - Não, por favor- pediu Julia, a voz embargada.
      Os dedos dele acariciaram seus cabelos, segurando-lhe a nuca. Julia tremia incontrolavelmente. Alex fixou o olhar nos seios dela, a expressão abrandando-se.
      Soltou-lhe a outra alça da camisola, fazendo com que deslizasse até o chão.
      - Não?- murmurou ele.
      O silêncio abateu-se sobre Julia. Tentou falar, mas sua garganta estava fechada com um nó. Fez um gesto de negação com a cabeça, os cabelos balançando-se, e cobri-se com as mãos.
      Alex disse algo em sua própria língua. Carregou-a delicadamente e colocou-a na cama, retirando a colcha e cobrindo sua nudez com o lençol.
      Julia permaneceu deitada de lado, todo o corpo tenso. Alex foi para o outro lado da cama, despiu-se e manteve-se imóvel, as mãos sob a cabeça, mas não a tocou. Quando Julia percebeu que ele se colocara o mais longe possível dela, sentiu um aperto na garganta e as lágrimas rolavam-1he pela faces. Tentou esconde-las, mas não pôde reprimir um profundo soluço. Sentiu que Alex se mexia, apoiando-se no cotovelo.
      - Júlia? - sussurrou.
      A mão dele tocou-lhe o ombro, fazendo com que se voltasse para ele. Por muito tempo, permaneceu observando-lhe o rosto. Então, enxugou-lhe as faces com os dedos.
      - Durante todo nosso tempo juntos, nunca a vi chorar- disse, quase dolorosamente.
      O braço de Alex envolveu-a, sentindo a rejeição de seu corpo.
      - Ah, Júlia - disse, quase emocionado.- Deixe-me ao menos reconfortá-la.
      Trouxe-a mais para perto de si, fazendo com que sua cabeça se apoiasse em seu ombro, a mão acariciando os cabelos, enquanto ela chorava desconsolada, ate que não havia mais lágrimas. Exausta, terminou por adormecer, ninada nos braços de Alex.

CAPÍTULO X

      Júlia acordou de madrugada na manhã seguinte, a mente ainda programada como se estivesse em Argoli.
      “Buscar água”, pensou, bocejando e espreguiçando-se, “dar comida para as galinhas”... Parou então, sentindo falta do ranger do velho colchão.
      Abrindo os olhos, lembrou-se da nova realidade, sentindo Alex dormindo a sono solto a seu lado.
Voltou-se e ficou observando suas costas nuas. Lembrando-se então do que a havia acordado, inclinou-se sobre ele sacudindo-o.
      - Alex, acorde!
      Ele volto-se ainda adormecido.
      - O que foi? - resmungou. - Christos, ainda e de madrugada!
      - Penélope e as galinhas - explicou Júlia. - Nós esquecemos os animais em Argoli!
      - Você me acordou para falar das galinhas e da cabra, Júlia? - perguntou ele, incrédulo. - Que Deus me de paciência!
      - Mas e importante! - protestou. - Não podemos abandoná-las a sua própria sorte; alem do mais, Penélope dever ser ordenhada ...
      - Todos os animais já foram devolvidos ao seu verdadeiro dono - tranqüilizou-a. - Será que posso dormir agora?
      - Ah, eu não sabia. Sinto muito.
      - Não mais do que eu, acredite - disse, impaciente.
      - Por favor, não fique zangado comigo, Alex. Eu estava preocupada...
      - Júlia, mal posso acreditar no que estou ouvindo. Depois de tudo o que aconteceu, sua única preocupação é com os animais? Era só o que faltava!
      - Oh, não. Você esta deliberadamente interpretando mal as minhas palavras – irritou-se ela.
      - É o que espero - cortou Alex, virando para o lado e enterrando a cabeça no travesseiro.
      Júlia tocou-lhe o ombro. A sensação da pele suave sob seus dedos fez com que estremecesse.
      - Alex, você me perdoa?
      - Júlia, volte a dormir, por favor.
      - Na noite passada você me abraçou.
      Júlia colocou as duas mãos espalmadas sobre as costas dele e beijou-o na nuca. .
      Sentiu a tensão sob seus dedos e, então, ele moveu-se lentamente, encarando-a. Acariciou-lhe os cabelo se puxou-a para junto de si.
      Alex começou a beijá-la suavemente, roçando-lhe os lábios uma e outra vez. Por um momento, Júlia permaneceu estática, desfrutando da ternura das caricias. Mas, gradualmente, começou a corresponder apaixonadamente.
      Ele levantou a cabeça e ficou observando-a por algum tempo. Então, afastou os lençóis para os pés da cama e se ajoelhou, fazendo com que Júlia se ajoelhasse também a sua frente.
      Tocou-a então com delicadeza, as mãos percorrendo-lhe o corpo sensualmente, pelos seios, ate os quadris, de volta para o ventre e então, subindo pela espinha ate os ombros, repetindo os movimentos sensuais ate que todo o corpo de Júlia se transformasse em um só desejo. Os dedos dele chegaram ate o triangulo entre as coxas, tocando-a, para então recomeçar todo o ciclo de caricias.
      Júlia mal podia respirar. Não conseguia raciocinar, só sentir as mãos dele e o intenso desejo que ameaçava explodir dentro dela.
      Tentou falar, mas o único som que saiu de sua garganta foi um gemido de paixão.
      - Sim, sim agapi mou - gemeu Alex.
      Colocou-a outra vez deitada na cama e deitou-se sobre ela.
      Todo o controle deixara de existir e entregaram-se a paixão irracional. .As bocas se buscaram, ávidas. As mãos febris se moviam, dando e exigindo prazer.
      Júlia movia o corpo, buscando Alex, e quando ele a penetrou, gritou de felicidade. Dessa vez não houve dor só uma sensação de perfeita união, de fusão completa em um único ser.
      Agarrou-se a ele, as unhas arranhando-lhe as costas e ombros, e começou a mover-se com total abandono. O quarto enchera-se de sol, e era como se a vida pulsasse em uníssono.
      Depois, foi o silencio. Lentamente, voltaram a realidade. O braço de Alex envolvia Júlia e ele descansava sobre os seios dela. Abraçando-o, Júlia mergulhou em sono profundo, feliz.
      Quando acordou, horas mais tarde, percebeu que Alex já não estava na cama, mas havia estendido o lençol sobre ela. Foi uma leve batida na porta que a fez despertar.
      - Entre - disse Júlia, puxando os lençóis até o queixo.
      A porta abriu-se e surgiu uma mulher rechonchuda de meia idade, os cabelos grisalhos, um grande avental branco sobre o vestido negro. Era toda sorrisos e carregava uma bandeja com suco de frutas, café e uma variedade de pãezinhos, geléias e fatias de pão-de-mel.
      Colocou a bandeja ao lado de Júlia e disparou uma torrente de palavras em grego, que Júlia não pode compreender.
      - Baraskevli- chamou Maria Xanthe.
      Abraçou a velhinha e, conversando com ela, fez com que se retirasse.
      - Kalimeril, meu bem - cumprimentou Maria. - Baraskevi é minha governanta aqui. Imagino que Alex já lhe tenha contado tudo sobre ela, não?
      Júlia fez que não com a cabeça, envergonhada de sua nudez por baixo dos lençóis e percebendo a camisola atirada no chão.
      - Não? - estranhou Maria. - Mas isso é incrível! E extraordinário! Durante a infância de Alex, ela foi uma segunda mãe para ele. Ele nasceu na casa dele em Argoli e cresceu como sendo parte da família.
      - A senhora refere-se a casa onde estivemos vivendo? - perguntou Júlia, bastante surpresa. - Aquela que Alex estava reformando?
      - O que? - espantou-se Maria. - Vocês ficaram na casa de Baraskevi? Não pode ser. É a casa que esta em piores condições, pois se encontra abandonada há muito mais tempo do que qualquer uma das outras. A casa do bispo, por exemplo, e muito mais confortável e esta em boas condições. Por que não ficaram La?
      Júlia tomou alguns goles do suco para poder pensar.
      - Imagino que Alex tinha suas razões . Pelo que ele me deu a entender, pensei que a casa fosse da senhora.
      Maria Xanthe sacudiu a cabeça, incrédula.
      - Ele não lhe contou nada sobre sua infância? - disse, dando um suspiro. - Eu tinha esperança de que ele se abrisse com você, sua mulher. Só então eu saberia se ele realmente me perdoou ..
      “"Perdoar o que?” , pensou Júlia sem saber o que dizer.
      - A senhora quer uma xícara de café?
      - Onde esta Alex, agora?
      - Saiu de carro ate Lymnos, ha algum tempo. Zoe foi com ele. .
      - Ah! - murmurou Júlia, sombria.
      - A ilha esta bem calma agora, mas nos fins de semana e bastante movimentada. Muitas pessoas de Atenas têm casas aqui. Muitos de meus amigos passam todos os fins de semana em Lymnos. Vou dar uma festa para você, pedhi mou. Quero apresentar minha bonita nora a todos eles.
      - Oh, não, por favor! Não será necessário – alarmou se Júlia.
      - Mas eu adoro festas e agora tenho um excelente pretexto para dar uma em homenagem a vocês dois- insistiu Maria.
      - Talvez fosse melhor consultar Alex primeiro - desesperou-se Júlia. - A senhora vê, não sei falar nenhuma palavra em grego, o que dificultaria muito a comunicação com os convidados.
      - Não com meus amigos - riu Maria. - Todos falam muito bem o inglês. Com Baraskevi poderia ser um problema. Eu devo traduzir quando ela começar a lhe contar como Alex era linda como bebê e como era levado quando criança. E também quantas velas ela costumava acender para ele na igreja. E como Deus sempre a atendia, por ela ter nascido em uma Sexta-Feira Santa. Dai vem seu nome: Baraskevi quer dizer sexta-feira. Júlia, meu bem, ainda não consigo entender por que Alex levou você para aquela casa. Para mim, é claro, me traz lembranças lindas, mas para uma noiva em lua-de-mel; po po po!
      - Não imaginaria que fosse o lugar ideal para se ter um bebê? - comentou Júlia, sorrindo.
      - Ah, mas não foi planejado - riu Maria. - Deixe-me lhe contar. Eu estava aqui em Lymnos esperando para dar a luz. Uma manhã, senti-me inquieta, queria ar fresco a brisa no meu rosto. Então convenci Yannis a me levar até Argoli para visitar sua irmã Baraskevi. Foi difícil convencê-lo mas finalmente consegui. Quando chegamos a Argoli, começaram as dores. Duas horas mais tarde Alex estava em meus braços. Fiquei radiante que ele tivesse nascido lá. Foi em Argoli que eu conheci George Constantis. Eu não era famosa então, só estava fazendo um pequeno papel em um filme.
      Maria parou por um momento, recordando-se, o rosto iluminado, cheio de amor.
      - George estava lá, observando as filmagens - continuou ela. – Foi amor a primeira vista, e, embora nossos destinos não quisessem que vivêssemos juntos, continuamos nos amando até o final.
      Seguiu-se um silencio, mas logo em seguida Maria continuou, com o ar jovial de sempre:
      - Você gosta de nadar, Júlia mou? Tome seu café com calma e, quando estiver pronta, venha ate a piscina. É um modo de escaparmos de Sophia, que detesta o sol.
      Quando Maria deixou o quarto, Júlia terminou o café, tomou uma ducha e vestiu o biquíni branco e negro e a saída de banho. Deu uma olhada no espelho e suspirou.
      Havia sido um choque acordar depois da noite apaixonada para descobrir que Alex havia saído. E mais, com Zoe.
      Ele não poderia ter escolhido uma maneira mais clara de demonstrar quão pouco isso representava para ele. Que idiota ela havia sido de imaginar que o relacionamento deles poderia melhorar. Para ele, tinha sido só sexo, nada mais.
      Era tarde demais.
      A fantasia tola de viver só em Ambermere e ser sua única proprietária para sempre não significava mais nada para Júlia. Na verdade, a idéia começava a lhe causar horror e pânico.

      A manha fora bastante difícil. A gentileza e amizade de Maria Xanthe que, em outras circunstancias, teriam encantado Júlia, converteram-se em mais um problema. Havia tantos tópicos a serem evitados que Júlia tinha de estar constantemente em guarda.
      Paul Constantis também decidira-se a passar a manha na piscina, o que só aumentava os transtornos. Júlia percebeu que ele escutava toda a conversa delas com a maior atenção. A sra. Xanthe pensava estar conseguindo reconciliar a família, mas podia-se notar que alcançara só uma trégua superficial. Júlia tinha certeza de que Paul não perderia qualquer oportunidade de prejudicar Alex. Por isso, não perdia uma só palavra de toda a conversa.
      Alex e Zoe chegaram assim que o almoço foi servido, a garota pendurada possessivamente em seu braço, toda sorridente.
Júlia desviou os olhos, sentindo uma pontada no coração. O que será que Alex havia dito a garota para que ela estivesse tão feliz? Será que lhe havia sugerido que se separaria? Se assim fosse, quanta antes partisse de Lyrnnos, melhor para todos.
      Júlia levantou-se, dando alguma desculpa sobre o sol forte, e retirou-se, caminhando em direção a casa. Quando estava na metade do caminho, sentiu o peso da mão de Alex em seu ombro.
      - Júlia, espere! - disse ele.
      Ela virou-se, relutante.
      - Sim?
      - Precisamos conversar.
      - Pensei que tudo já havia sido dito - comentou, sentindo uma pontada de esperança no peito.
      - Devo-lhes desculpas. Não deveria ter imposto minha presença ontem, como fiz. Se eu tivesse ficado em outro quarto como você havia pedido, o que aconteceu esta manha não teria ocorrido. Aceite meu pedido de desculpas e pode estar certa de que isso não se repetirá.
      A esperança morreu em seu peito, dando lugar a um profundo desanimo.
      - Obrigada - respondeu com dignidade. - Mas você não precisa se desculpar. Foi minha culpa também. Creio que devo permanecer aqui o mínimo tempo necessário.Você esta  sabendo que sua mãe esta querendo dar uma festa para mim?
      - Pode deixar que eu cuido disso - disse Alex afastando-se.
      Júlia deu um suspiro e seguiu para a casa.

      Durante os dias que permanecera em Lymnos, Júlia passava a maior parte do tempo no saloni, olhando pela janela. Normalmente, era para lá que fugia todas as tardes para não ver Alex e Zoe juntos.
      Aonde fosse, deparava com os dois. Se caminhasse ate a piscina, lá estava Zoe exibindo o corpo perfeito em biquínis cada vez menores. Se fosse ate a praia, Alex estaria ensinando Zoe a fazer windsurf, ou estariam esquiando juntos. No principio, Paul estava sempre com eles, mas depois pareciam não necessitar de qualquer outra companhia.
      Haviam convidado Júlia para fazer windsurf e esquiar, é claro, mas como ela recusara na primeira vez, não insistiram mais.
      “Por que ele não me deixa partir?”, desesperava-se ela. “Por que tenho de permanecer nesta casa, presenciando como os dois primos se entendem bem?”
      É obvio que todos já sabiam que Júlia e Alex estavam dormindo em quartos separados. Em uma casa, não era fácil esconder algo assim.
      Maria Xanthe não escondera sua tristeza diante do fato e ate Sophia tecera alguns comentários, durante o jantar, sobre os deveres da esposa, com muito cinismo. Era obvio que estava radiante com o rumo que as coisas estavam tomando.
      - Ah, aqui esta você! - exclamou Paul, entrando na sala.
      - Aqui mesmo - respondeu, seca.
      - Tenho sentido sua falta, nos últimos dias - comentou ele. -Minhas ferias logo terminarão e devo voltar a embaixada. Por que você não vem comigo?
      - Você parece haver se esquecido de que sou uma mulher casada - censurou-o, friamente.
      - Não costumo me esquecer de coisa alguma, Júlia mou. Parece que e meu primo Alex que tem problemas de memória- ironizou, afastando-lhe o braço. - Não suporto ver
como ele a tem ignorado.
Júlia deu um passo atrás, livrando-se do contato.
      - Não se preocupe, Paul. Nós nos entendemos muito bem - cortou-o.
      - Você é tão linda, Júlia, mas a beleza, as vezes, pode não ser tudo - murmurou, aproximando-se outra vez, com um sorriso cínico. - Será que seu marido não consegue  satisfazê-la, ou será que você é frigida? Não tive essa impressão na noite em que saímos juntos. Você deveria ter se casado comigo, Júlia se não com a fortuna do meu primo. Eu
a faria derreter em meus braços...
      - Como se atreve! - Júlia recuou mais ainda. – Não percebe que esta fazendo um papel ridículo?
      - Estou mesmo? Vamos ver...
      Agarrou-a, beijando-a a força, tentando forçar a língua por entre os dentes cerrados de Júlia. Ela lutava para se libertar, arranhando-lhe o rosto.
      Paul soltou-a com um palavrão e ela colocou-se atrás de um sofá.
      - Desapareça daqui! - gritou Júlia, enojada.
      - Mas que gatinha selvagem - caçoou ele, rindo. - Eu deveria ter possuído você naquele dia.
      - Você jamais teve a oportunidade! - respondeu-lhe enfurecida. - Nunca mais volte a se aproximar de mim, ou vou contar tudo a Alex.
      - E você acha que Alex se importaria? Todo o comportamento dele revela que esta arrependido do erro que cometeu. Venha comigo, Júlia, você não tem mais nada a perder.
      - Nem que você fosse o ultimo homem na face da Terra!
      - Se é assim - deu de ombros -, será seu destino permanecer para sempre em total solidão. A escolha foi sua.
      Paul voltou-lhe as costas e saiu como se nada tivesse acontecido. No entanto, as marcas em seu rosto não desapareceriam tão cedo.
      Júlia deixou-se cair no sofá, esfregando com força os lábios.
      “Não suporto mais”, pensou, tremendo violentamente.
      “Preciso sair daqui o mais depressa possível. Preciso partir...”

CAPÍTULO XI

      - Vocês estão de partida? –perguntou Maria Xanthe, surpresa. - Mas Alex nada me disse!
      Pela mente de Júlia passaram inúmeras desculpas e explicações, mas decidiu-se a contar toda a verdade.
      - Alex não sabe - explicou com toda a calma - Vou embora sozinha, sra. Xanthe.
      Houve um silencio constrangedor.
      - Entendo - disse Maria, com um profunda suspiro. - Bem, era evidente que vocês estavam enfrentando algum tipo de problema, pedhi mou, mas será realmente necessário que você parta, que desista? Seja o que for que Alex tenha feito, você não poderia lhe dar uma segunda chance?
      - A senhora não esta entendendo. É Alex que quer se livrar de mim - explicou Júlia. - Desde que nos vimos pela primeira vez, eu me comportei muito mal, disse coisas horríveis. Alex só se casou comigo para me punir.
      - Mas o que você esta dizendo? Ninguém faria algo assim. Você deve estar enganada, minha filha.
      - Eu gostaria de estar. Alex não me levou para Argoli por razões sentimentais, mas para me dar uma lição. Eu o havia chamado de camponês e ele decidiu que me mostraria como era a vida de um camponês, da maneira mais dura, fazendo-me trabalhar de sol a sol. Também deixou bem claro que nosso casamento não seria... um verdadeiro casamento.
      - Sobre isso, ele mudou de idéia? - perguntou Maria.
      - Sim, tempos depois.
      - Ah, minhas crianças! É por isso que vocês parecem tão feridos! É por isso que há tanto silencio entre vocês. Júlia, você ama meu Alex?
      - Amo - admitiu Júlia, tristemente. - Mas ele não sabe. Mesmo que soubesse, não acreditaria. Alex pensa que me casei com ele só para continuar sendo proprietária da casa que pertencia a minha família.
      - Aquela maravilhosa mansão inglesa que ele acaba de comprar? Sempre me perguntei por que ele teria comprado a casa. Não lhe parece, pedhi mou, que ele deve gostar muito de você para comprar-lhe a casa?
      - Não, ele já havia comprado antes de me conhecer. Mais tarde, quando descobriu o quanto eu amava a casa e como ele necessitava de uma esposa, Alex decidiu que o casamento seria um arranjo bastante conveniente.
      - Necessitava de um esposa! - surpreendeu-se Maria. - Mas que bobagem é essa? Alex tem lutado para permanecer solteiro nos últimos dez anos. E, de repente, ele me telefona dizendo que vai se casar com uma linda inglesinha de cabelos de fogo. Não falou nada de qualquer arranjo. Qual é o verdadeiro motivo desse casamento?
      - Eu realmente, não sei mais o que pensar - respondeu Júlia, cansada. - É tudo tão confuso e sem esperanças. Não culpo Alex por querer se libertar. Na verdade, não o culpo por nada. Eu era uma horrível esnobe. Precisava de uma lição.
- Pode ser. Mas os métodos de meu filho parecem ser um pouco drásticos demais.
Júlia então contou a Maria o episodio com Tricia Bosworth e a reação de Alex, sem nada esconder.
      - A senhora pode ver que Alex teve todos os motivos do mundo para se sentir traído.
      - Assim - Maria deu um profundo suspiro. - E eu tenho minha carga de culpa em tudo isso.
      - A senhora? Não entendo ...
      - Eu vou lhe contar, minha filha. Quando eu descobri que ia ter um filho de George, não me senti envergonhada porque o amava muito, mas fiquei terrivelmente assustada. Eu era demasiado jovem e, também, eram outros tempos . As pessoas não eram tão liberais como hoje em dia. Ter um filho ilegítimo não só era condenado socialmente, como também profissionalmente. Alex não tinha mais do que algumas semanas, quando fui convidada para trabalhar em Hollywood. Queriam alguém sem nenhum compromisso, livre de amarras. Baraskevi não tinha filhos e se afeiçoara ao bebê. Pensei muito e cheguei a conclusão de que ele seria muito mais feliz em Argoli do que sendo arrastado atrás da mãe atriz e vivendo em uma cidade como Hollywood. Na época, acreditava que estava fazendo isso para o próprio bem dele.
      - Mas não era verdade?
      - Em parte, mas havia um certo egoísmo na minha decisão. Então, ele foi criado por Baraskevi, pensando que ela era sua verdadeira mãe.
      - E a senhora nunca mais o viu?
      - Claro que sim. Eu vinha sempre para Argoli e, muitas vezes, George me acompanhava. Mas éramos visita, convidados de honra. Quando George decidiu que Alex seria seu único herdeiro, foi necessário contar-lhe toda a verdade.
      - Como ele reagiu?
      - Foi muito doloroso para ele. Primeiro, não quis acreditar e depois ficou furioso. Acusou-me de ter vergonha dele de rejeitá-lo por meus motivos egoístas. Por muito tempo não quis me ver ou mesmo falar comigo. E eu não podia culpá-lo por sua amargura. Em minha juventude, fui uma pessoa muito ambiciosa. Não queria escândalos. Mas também recebi minha punição. Não houve um único dia em que eu não pensasse em meu filho, em que não ansiasse por tê-lo em meus braços.
      - Mas ele a perdoou.
      - Só muito tempo depois. Não foi nada fácil. Eu tive de afastar o ressentimento, provar seguidamente que o amava e que jamais o rejeitaria outra vez. Pouco a pouco, Alex começou a confiar em mim, a gostar de mim. Nós desenvolvemos um bom relacionamento. E por isso que eu creio que Alex jamais quis um envolvimento serio com nenhuma mulher, sempre com medo de ser traído. Júlia, quando ele falou de você para mim, a voz dele estava cheia de amor e senti-me tão feliz que chorei de alegria. Nestes últimos dias a frieza entre vocês quase me partiu o coração.
      - E o meu - murmurou Júlia.
      Maria abraçou-a com força.
      - Então, o que vocês pretendem fazer? - perguntou Maria.
      - Alex quer o divorcio. Ele pretende se casar com Zoe.
      - Isso é uma piada. Só que não tem graça alguma. Ele não a suportaria nem uma semana.
      - Mas isso não altera o fato de que ele esteja lhe dedicando muita atenção.
      - E por isso você pretende fugir, sem lutar pelo seu amor. Que tipo de reação é essa?
      - A única que me ocorre no momento. Necessito de tempo para pensar. Aqui, não posso fazer isso, estamos todos muito próximos. Gostaria de tomar a balsa hoje mesmo para Pireus.
      - Não, não, meu bem. Se você esta realmente decidida a partir, então ao menos eu insisto que Yannis a leve em nosso barco, confortavelmente.
      - Eu lhe agradeço muito - hesitou Júlia. - Na verdade, eu ia lhe pedir que me emprestasse Yannis por algum tempo, hoje. Há algo que desejo fazer, algo que desejo rever antes de partir.
      - Creio que posso adivinhar. Yannis esta a sua disposição, meu bem. Você não vai se despedir de Alex?
      - Ele vai passar o dia todo velejando com Zoe - disse Júlia, mordendo os lábios. - Eu lhe deixei uma carta em seu quarto.
      - Esta bem. Eu queria muito que as coisas tivessem saído melhor para você, meu bem. Você e a filha que eu sempre desejei.
      Júlia -abraçou-a, os olhos cheios de lagrimas.
      - Obrigada, sra. Xanthe, eu também sentirei sua falta.
     
      Argoli estava bonita no calor da tarde, notou Júlia, enquanto percorria suas ruelas desertas. Nenhuma brisa movia as folhas das oliveiras e o único ruído era o cantar das cigarras.
      Yannis deveria buscá-la dentro de três horas e levá-la diretamente para Pireus. Assim que chegasse em Atenas, deveria passar a noite em um hotel e, no dia seguinte partiria para a Inglaterra. Felizmente, com suas roupas havia encontrado dinheiro e cartões de credito.
      Mas antes tinha de voltar onde seu breve casamento, um misto de tragédia e comédia, começara.
      Quando chegou a casa de Baraskevi, estacou e deu uma boa examinada nela. Os trabalhos de reparação que Alex empreendera fizeram uma grande diferença na casa. E ainda havia bastante terreno nos fundos, se quisessem construir um ou dois...
      Parou de repente. Não havia sentido fazer quaisquer planos.
      O que ela deveria fazer era confiar na carta que deixara para Alex. Baseara todas as suas esperanças em algo muito frágil, mas era sua ultima cartada.
      “Sou uma jogadora, tal qual meu pai”, pensou Júlia. Mas havia muito mais em jogo: era toda sua felicidade, toda sua razão de viver.
      Entrou na casa. A poeira já começava a se acumular no piso. Pensava se os planos de Alex para que os antigos moradores retornassem a ilha dariam certo, e se ele volt Ana a usar a casa. Maria Xanthe havia sido muito franca contando toda a brutal verdade sobre os motivos que a fizeram deixar Alex na ilha, aos cuidados de Baraskevi. Por outro lado, para Júlia, não poderia haver lugar melhor para se criar um filho.
      Era pro isso então que Alex apresentava esse comportamento. Aquela vulnerabilidade que pressentira era muito mais profunda do que ela jamais poderia imaginar. Nem mesmo a devoção de Baraskevi conseguira protegê-lo do fato de que sua mãe realmente o abandonara. Confrontar-se com essa realidade abalara-o tanto a ponto de fazê-lo questionar sua própria existência.
      “E eu só contribui para piorar a situação”, lamentou-se Júlia.
      Lembrando-se da época em que o conhecera, Júlia pensava como havia tido oportunidades de mudar a opinião que ele tinha dela. Porem, naquela época; ela ainda era uma menina tola, orgulhosa e mimada.
      Subiu lentamente a escada que conduzia ao seu antigo quarto. Estava igual, exceto que não via em nenhum lugar o velho vestido verde que queria levar como lembrança, talvez a única que teria da vida em comum com Alex.
      Afinal, não havia nenhuma garantia de que ele lesse a carta. Talvez a jogasse no lixo, sem ao menos abri-la, aliviado com a partida dela.
      Com um suspiro, desceu e saiu para o sol. Talvez tivesse sido erro voltar a Argoli. O melhor teria sido ir direto para Pireus, sem reviver lembranças que só lhe causavam dor.
      Decidiu ir até a fonte para tomar um pouco de água fresca. Recolheu uma garrafa velha do pátio e, depois de lavá-la repetidas vezes na água cristalina, encheu-a ate a borda.
      Alex estava de pé há alguns metros, olhando-a, e quando Júlia se deu conta, foi tão inesperado, tão evocativo, que ela gritou, deixando cair a garrafa que se espatifou nas pedras.
      - Eu estava em meu barco quando vi Yannis se afastando de Argoli - explicou ele, a voz grave. - Fiquei pensando... O que ela estará fazendo aqui?
      - Eu vim para dar uma ultima olhada. Yannis vira me buscar para levar-me ate Pireus.
      - Você está indo embora? - perguntou Alex, a voz embargada. - Sem me dizer nada?
      - Pensei que tudo já havia sido dito. E, além do mais, deixei uma carta para você em seu quarto.
      - Obrigado por isso, ao menos - sorriu ele, com profunda tristeza.
      Alex examinou-a lentamente, dos pés a cabeça, e disse, mais para si próprio:
      - Então, é assim que termina.
      - Achei que um rompimento total seria melhor para todos. Especialmente ...
      - O que você ia dizer?
      - Oh, que todos estão percebendo a farsa que e o nosso casamento e a situação esta ficando bastante constrangedora. Seu primo Paul pensa que estou precisando ser consolada.
      - E você esta?
      - Mas não por ele.
      - Mas vocês saíram juntos, antes de nos conhecermos.
      - Eu só fui jantar com ele, uma ou outra vez.
      - E foi desses encontros que você formou sua primeira opinião sobre mim. Deve ter sido importante.
      - Estou tentando esquecer tudo isso, Alex. Não quero prende-lo por mais tempo. Zoe deve estar esperando-o para velejarem.
      - Ela não esta comigo. Reclamou, como sempre, que o vento estava estragando seu penteado. Então, deixei-a a salvo aos cuidados de sua mãezinha - caçoou ele. - Não creio que ela goste de mar, mas foi muito engraçado observar a que ponto ela se sacrificaria para me agradar, nos últimos dias.
      - Você não esta sendo muito gentil.
      - Eu não sou sempre gentil. Quem pode saber melhor do que você, matia mou?
      - Eu ... vou recolher os cacos de vidro. Se você trouxe animais para cá....
      - Não. Não voltarei jamais para Argoli.
      - Vai desperdiçar todo o árduo trabalho na casa?
      - Já esta perdido. - Deu de ombros. - Mas por que você se importaria, Júlia mou, com uma cabana de camponês em uma ilha remota, agora que esta voltando para sua amada Ambermere? Em breve, você mal se recordara desse lugar e de tudo o que aqui aconteceu.
      - Gostaria de poder acreditar nisso. E a carta que lhe escrevi é sobre Ambermere.
      - Já lhe disse que a casa será sua quando nos divorciarmos - disse ele, franzindo os cenhos. - Não vou voltar atrás na minha palavra.
      - Não tenho duvidas sobre isso- respondeu Júlia, levantando o rosto. - Na verdade, o que desejo é a sua permissão para vender Ambermere.
      - Você quer vender a propriedade... sua casa? - perguntou, incrédulo. - Mas do que é que você esta falando? Ficou louca?
      - Não - respondeu com toda a calma - Acho que finalmente estou em meu juízo perfeito. Você chama Ambermere de minha casa, mas se eu for viver lá sozinha, não é nada, só uma concha vazia. Não tem nenhum significado. É isso que lhe disse na carta.
      - Por que você me diria algo assim?
      Por um momento, Júlia hesitou, a coragem quase abandonando-a. Então, lembrou-se das palavras de Maria Xanthe quanto a afastar ressentimentos. Agora ela tinha essa oportunidade.
      Deu um passo em direção a Alex, a voz trêmula.
      - Porque eu pensei que se Ambermere não mais estivesse presente, como uma mancha entre nós, você poderia acreditar em mim se eu lhe dissesse que o amo.
      Alex empalideceu.
      - Júlia, tenha muito cuidado com o que esta dizendo. Não brinque comigo.
      - Nunca falei tão serio - assegurou-lhe apaixonadamente. – O que mais posso dizer ou fazer para convencê-lo? Eu o amo, Alex, eu o quero e preciso de você. Você estava determinado a destruir meu orgulho. Nada mais restou dele. O que acha que eu vim fazer aqui, senão recordar e pensar? Tentei odiá-lo pelo que me fez passar mas só consegui amá-lo cada vez mais.
      Alex, puxou-a com força para seus braços. Sua boca cobriu a dela em um beijo apaixonada, cheio de ternura, as mãos agarrando-a como se nunca mais a fossem deixar partir.
      Quando se separaram, os dois estavam trêmulos.
      - Sonhei tantas vezes com isso, meu amor – confessou Alex, emocionado. - Finalmente, agora passou a ser verdade.
      - Há muito tempo que é verdade, meu bem - murmurou Júlia, acariciando-lhe o rosto. - Eu lhe teria confessado naquela noite a bordo do Clio, mas não tive oportunidade. E, naque1a ocasião, você não teria acreditado em mim.
      - Perdoe-me, Júlia. Eu a acusei de orgulhosa, mas era meu próprio orgulho que estava ferido. Eu quis me vingar, fazê-la sofrer por todo o sofrimento que eu havia passado. No entanto, quando vi resultado, não senti nenhum prazer nisso. Você foi muito valente.
      - Quando me recuperei do primeiro choque, foi um verdadeiro choque, foi um verdadeiro desafio. – confessou Julia, com um sorriso.
      - Será que algum dia poderá esquecer tudo isso? Não poderíamos apagar de nossas mentes as ultimas semanas e fazermos de conta que nosso casamento esta começando neste momento?
      - Bem, poderíamos - disse Júlia, passando os braços pelo pescoço dele. - Mas algumas coisas que se passaram aqui, eu não gostaria de esquecer.
      - É mesmo? - perguntou ele, surpreso.
      - É claro. Foi aqui que aprendi a fazer pão e ordenhar a Penélope. Foram grandes realizações, aquelas.
      - Devem ter sido mesmo - sussurrou ele, serio.
      Inc1inou a cabeça, beijando-a profundamente.
      - É só o que você se lembra, hum?
      - Minha memória é fraca - provocou-o.
      Alex carregou-a de repente.
      - O que você esta fazendo? - perguntou, rindo.
      - Tentando reavivar sua memória. Qual de nos tinha o melhor colchão aqui? Já sei, vamos experimentar os dois!
      Entraram na casa, rindo, felizes. Despiram-se um ao outro entre risos e beijos, murmurando palavras de amor por tanto tempo escondidas, seus corpos unindo-se com toda paixão e harmonia, dando e recebendo prazer, chegando a um êxtase comum de felicidade plena.
      Muito tempo depois, Júlia murmurou sonolenta:
      - Precisamos conseguir uma cama maior.
      - Como? - Alex disse, levantando a cabeça dos seios perfumados dela. - Em Lymnos temos camas grandes.
      - Mas não é aqui. E, além disso, teríamos de enfrentar tia Sophia e ela não vai ficar nada satisfeita quando souber que você não pretende mais se casar com a prima Zoe.
      - No entanto, Zoe se sentira aliviada - disse Alex, sardônico. - Eu fui duro com ela, perdi a paciência algumas vezes, tentando fazer com que você ficasse enciumada. Consegui alcançar meus objetivos?
      - Perfeitamente - admitiu Júlia.
      - E quanto a Paul, então ele queria consolar você? Não posso me esquecer de lhe agradecer pela gentileza.
      - Eu já o fiz - confessou Júlia. - Penso que as marcas no rosto dele não vão sair tão cedo.
      - Você é a mulher da minha vida e muito mais, eros mou - disse, beijando-a.
      Ela recomeçou a acariciar todo seu corpo, feliz em poder fazê-lo livremente.
      - Querido, será que temos de voltar a Lymnos? Não poderíamos ficar por aqui, só nós dois?
      - É mais confortável na asa, agapi mou; vai demorar algum tempo para conseguirmos trazer uma cama grande para cá.
      - Mas nos temos tempo. E ainda há muito trabalho a ser feito na casa. Um quarto extra nos fundos seria ótimo. Vamos precisar de mais espaço para quando chegarem nossos filhos.
      - Nossos filhos - murmurou Alex, encantado. - Concebidos aqui e nascidos em Ambermere. Que tal lhe parece, Júlia mou?
      - Maravilhoso. Quero que você saiba, Alex, que eu realmente estou disposta a vender a casa, se você quiser.
      - Mas eu não quero. Eu adoro a casa, eu adoro você, meu bem, e viveremos em Ambermere e seremos felizes.
      - Não importa onde vivamos - disse suavemente -, desde que estejamos juntos. Oh, Alex, eu o amo tanto!
      - E eu amo você, minha mulher, para toda a vida e muito além.
      - Para toda a vida e muito alem - repetiu Júlia, puxando-o outra vez para si.

FIM
Viagem sem Volta